O EXISTENCIALISMO DE JEAN PAUL SARTRE E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA DE PAULO FREIRE



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Transcrição:

0 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO ESPECIALIZAÇÃO EM DIDÁTICA E METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR MARCIO DA CONCEIÇÃO GARCIA O EXISTENCIALISMO DE JEAN PAUL SARTRE E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA DE PAULO FREIRE CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2008

1 MARCIO DA CONCEIÇÃO GARCIA O EXISTENCIALISMO DE JEAN PAUL SARTRE E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA DE PAULO FREIRE Monografia apresentada ao Setor de Pós-graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC, para a obtenção do título de especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior. Orientadora: Prof. MSc. Vera Maria Silvestri Cruz CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2008.

2 A todos que compartilham comigo momentos únicos da vida, os que me orientam, me inspiram, me auxiliam e me instigam: familiares, amigos, professores, alunos e colegas.

3 AGRADECIMENTOS Sou grato, na conclusão desta especialização, a pessoas que me orientaram, desde o tempo da graduação, me apontando os melhores caminhos, os quais sigo agora. Agradeço a professora Vera que teve a paciência de permitir que eu seguisse meu próprio ritmo na confecção deste trabalho e a UNESC que disponibiliza este curso de fundamental importância para a vida profissional de quem almeja o ensino. Obrigado a todas as pessoas que me ajudam a refletir sobre a existência no dia-adia e que me dão suporte para ir além. Sou o que sou e faço o que faço, porque também em algum momento algumas mãos se estenderam e alavancaram o meu crescimento. Muito Obrigado!

4 Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou a sua educabilidade. Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. Paulo Freire

5 RESUMO Esta pesquisa surgiu a partir de dois momentos: o primeiro parte de estudos anteriores realizados sobre concepções humanistas no início do Existencialismo; e o segundo, da preocupação em descobrir a importância do humanismo existencialista para a educação. O Existencialismo tem como enfoque o ser humano, indivíduo, singular, em que a existência é dada anteriormente à essência. É importante, para a Educação, conhecer quem é o indivíduo que está a se formar, a fim de garantir a eficácia do ensino. Diante disso, objetivou-se, através do pensamento de Jean Paul Sartre e de Paulo Freire, conhecer esse indivíduo que existe e que se insere no processo educativo. O estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa qualitativa, de natureza bibliográfica, através da qual se concluir que, os dois autores concebem o cada indivíduo como autor, responsável, na construção de sua existência e de seu saber. Percebeu-se ainda que o homem e a mulher são este ser, que se projeta e se lança numa busca constante por se fazer, posto que não encontrará seu fim, pois é um ser inacabado, não finalizado. A liberdade que se permite ao educando possibilita em grande medida o avanço do conhecimento e a conquista da autonomia, a qual precisa, por meio do auxílio do professor e dos colegas, assumir com responsabilidade e ciente do espaço da liberdade dos outros. A educação nesses moldes favorece não só a aquisição do conhecimento, sempre renovado, por parte do ser humano, mas, também, a conquista da própria humanidade de cada um. Palavras-chave: Existencialismo; Humanismo; Educação; Democracia; Pedagogia da Autonomia.

6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...7 2 PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E CONCEPÇÕES HUMANISTAS AO LONGO DA HISTÓRIA...11 2.1 Pensamento Antigo...11 2.2 Pensamento Medieval...14 2.3 Pensamento Moderno...15 2.4 Pensamento Contemporâneo...21 3. A FILOSOFIA SARTREANA COMO FUNDAMENTO DE UMA EDUCAÇÃO DA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA...27 3.1 A Democracia da Contemporaneidade...28 3.2 A Filosofia Existencialista de Jean Paul Sartre...31 3.2.1 A existência...32 3.2.2 Liberdade, Escolha e Responsabilidade...34 3.2.3 Possibilidade e Náusea...36 3.2.4 Angústia, Desamparo e Desespero...37 3.2.5 Subjetividade, Escolha e Projeto...38 3.2.6 O ser humano em Sartre...39 3.3 A Filosofia da Existência de Sartre e a Educação...40 4 JEAN PAUL SARTRE E O PENSAMENTO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DE PAULO FREIRE...52 4.1 A Vocação Ontológica do Ser Humano...53 4.2 Ética Universal do Ser Humano...58 4.3 A Relação Entre o Educador e o Educando...59 4.4 A Autonomia...62 5 CONCLUSÃO...66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...69

7 1 INTRODUÇÃO A presente monografia é orientada pelo binômio ser humano e educação, discutido a partir de teóricos mais atuais e próximos da realidade brasileira. O objetivo principal foi construído sobre a seguinte questão: em que medida as concepções humanistas influenciam na elaboração e condução de um projeto educacional? Por isso, construiu-se uma discussão sobre a pedagogia de Paulo Freire em relação ao Existencialismo de Jean Paul Sartre. Ressaltaram-se, desse modo, semelhanças entre a filosofia do existencialista francês e a pedagogia do brasileiro. O fato de se abordar o humanismo a partir da perspectiva do Existencialismo se dá em razão de experiência anterior do autor desta pesquisa de ter desenvolvido, em trabalho de conclusão do curso de Filosofia, uma investigação acerca das raízes da corrente existencialista, na obra de seu precursor, o dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard. A inovação do trabalho que ora se apresenta reside no fato de se ter saído da raiz para chegar ao cume do Existencialismo, a saber, Heidegger e Sartre, a este último, como já dito, limitar-se-á a pesquisa; e, também, está na relação que se constrói entre o humanismo e a educação. Diante da tarefa de abordar temas pertinentes à educação, surge o desafio de discutir as concepções de ser humano, que não parecem estar na pauta dos que mais se ocupam da problemática da educação em seus diversos níveis. Assim, emerge uma grande dúvida: Por que não se ocupar de temas como tecnologia, interdisciplinaridade, ética do professor e da escola e outros? O fato é que, em tempos de tecnologias da informação presentes em praticamente todas as dimensões da vida humana, tanto em nível individual como comunitário, de forma a não conseguirmos mais imaginar uma civilização sem o seu uso, incluindo-se entre essas dimensões a educação, que, aparentemente dá seus passos após quase todos os segmentos sociais o fazerem, observam-se muitos estudiosos da educação a se dedicar à aplicação desse tipo de tecnologia em seu âmbito. A interatividade, contrariando a passividade de outros tempos, coloca as ferramentas atuais em destaque. Todavia, por outro lado, estamos nos encaminhando para um consenso do uso dessas tecnologias que, enfim, se constituem mais como ferramentas para apreensão de certos conteúdos do que em objetos de estudo, a não ser para os seus estudiosos especializados.

8 A fragmentação do conhecimento em disciplinas fez o ser humano alcançar conhecimentos nunca antes vislumbrados, através de metodologias rigorosas, caracterizando, desse modo, as ciências modernas, que, em certo momento, chegaram a se apresentar como o caminho para a verdade ou a solução dos problemas humanos. O próprio investigador se fez objeto de seu estudo e passou a concentrar esforços em algum fragmento de sua realidade seja física, psíquica ou sócio-cultural. Aos poucos, percebeu-se que grandes conhecimentos eram construídos acerca de certas peculiaridades do real, mas que pouco sentido faziam para outras áreas científicas. Em se tratando de educação, isso acarretaria na compartimentação do conhecimento em disciplinas, pouco relacionadas com as demais, o que leva muitos educadores a ouvir de seus alunos frases clássicas como, por exemplo, por que aprender Matemática se pretendo ser um historiador ou um artista? Diante de fatos como este, não foi difícil perceber a falta de uma conectividade entre as diversas disciplinas. Termos como multidisciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar e muitos outros passam a fazer parte do cotidiano das discussões didático-pedagógicas em busca de sanar o paralelismo das ciências. Embora ainda não se alcançou na prática o grau de inter-relação que se idealiza, os conceitos estão lançados e, mais, aperfeiçoar a sua prática já é consenso. O possível descobrimento de novas tecnologias tem alimentado a impassibilidade de modo voraz diante da necessária e freqüente atualização dos conhecimentos. Mas, estariam desta vez as pesquisas científicas preocupadas com o quê? Se em outros tempos a razão serviu à fé, talvez hoje ela se vê na mesma condição em relação à economia 1. Assim, os centros de excelência de ensino e pesquisa produzem não só estudiosos nem proporcionam apenas a melhoria da qualidade de vida destes ou da comunidade em que se inserem esta última lembrada de modo muito periférico, produzem, sim, e com grande grau de eficiência, mão de obra qualificada para o mercado de trabalho, que visa à melhoria de renda e, finalmente, do consumo, chegando ao que se pode denominar consumismo. Quanto maior o grau de escolaridade, ou titulações, em geral, maior e mais exigente é o consumidor. Ademais, a explosão do uso das tecnologias no mercado trouxe consigo também o caráter efêmero dos bens adquiridos. Em pouco tempo se está desatualizado, o que chega a ser socialmente, em nossos dias, motivo de restrições morais. 1 Entenda-se economia não enquanto ciência, mas como o jogo de mercado do final do século XX até nossos dias.

9 Estes e outros temas poderiam estar em pauta, mas ajudam a refletir sobre o lugar e a condição do ser humano, do indivíduo que também é ser social e da sociedade depende para começar, manter-se e continuar a existir. Em que condição se encontra? Qual é a sua dignidade? Qual é a solução e de que modo a educação poderá contribuir para que suas distorções sejam superadas? Este estudo tem como eixo norteador o princípio do enfoque dialético, cuja principal característica é a reconstrução e o aprofundamento do conhecimento. Para alcançar os objetivos propostos e responder às questões de pesquisa, este trabalho desenvolveu-se por meio de uma pesquisa qualitativa, de natureza bibliográfica. Nesta perspectiva, Neto (2003, p. 11) afirma que: A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a sua subjetividade, que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são focos principais de abordagem. Para Oliveira (2002, p.119), a pesquisa bibliográfica tem por finalidade conhecer as diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno. Este método observa e coleta dados de fenômenos que ocorrem e estão disponíveis, por meio de relatórios, meios eletrônicos, de mídia, ou qualquer outro que possa fornecer recursos e permitam sua tabulação. Para chegar a um entendimento relativo a estas questões estruturou-se este trabalho em três capítulos. O primeiro refere-se ao contexto histórico e filosófico em que se foram desenvolvendo as concepções de ser humano, passando pela epistemologia e pela ciência. O segundo capítulo é um dos pontos altos do trabalho e apresenta uma análise do pensamento de Sartre no que respeita a sua concepção de ser humano. Conceitos de sua teoria

10 são esclarecidos e busca-se, ao final, encontrar uma possibilidade de tomar o seu Existencialismo como fundamento, ponto de partida, para uma educação. Demonstram-se também as objeções de se tomar essa filosofia como princípio educacional. A base deste capítulo é o texto de Sartre O Existencialismo é um Humanismo, em que explicita sinteticamente os conceitos que apresentam o conjunto de sua obra. O terceiro capítulo apresenta a pedagogia de Paulo Freire, a partir da obra Pedagogia da Autonomia, em paralelo com o Existencialismo sartreano, tendo como finalidade dar relevo às semelhanças e à maneira como o pedagogo brasileiro se apossa das concepções do filósofo francês. Por fim, reúnem-se na Conclusão desta monografia as considerações a respeito do conteúdo estudado. Apontam-se, ainda, novos caminhos a serem percorridos e desvendados, pensando o próximo homem e mulher que hão de se realizar no futuro a curto e médio prazos e que já se evidenciam na obra de alguns autores contemporâneos.

11 2 PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E CONCEPÇÕES HUMANISTAS AO LONGO DA HISTÓRIA O processo de ensino/aprendizagem passa por diversas etapas, entre elas o planejamento, em que levantamentos e estudos são feitos referentes ao material e aos procedimentos que devem ser utilizados, tendo como base certa compreensão que se adquire acerca da dinâmica do conhecimento. Esta dinâmica, independentemente da concepção que dela se tenha, é exclusividade do ser humano, que se reconhece inteligente, racional, livre, autônomo. Mas uma análise mais apurada desses atributos revela que, muitas vezes, formas de dominação subtraem da espécie como um todo ou de certos indivíduos ou ainda de certas classes de indivíduos aquilo que fica reservado a apenas uma minoria. Isto ocorre não necessariamente de forma proposital tanto pela parte dominante como pela parte dominada, que precisa alcançar sua autonomia, sua libertação. O conteúdo da descoberta dos predicados humanos feita por quem o julgava possuir, porque talvez os possuísse de fato, seria, porém, um pouco diferente do ponto de vista de muitas pessoas que dele não gozam em certo grau. Assim, convém estudar as diversas concepções do humano e de seus atributos, que surgiram desde o desenvolvimento sistemático do conhecimento com os filósofos da Grécia antiga até correntes que se evidenciam na atualidade. 2.1 Pensamento Antigo Basta tão somente iniciar uma viagem pela história da filosofia e de imediato encontrar-se-á respaldo para o que se afirmou sobre certo grau de relatividade consoante ao estudo do ser humano. Platão, na Grécia antiga, em A República, tece sua compreensão acerca da natureza humana. Trata-se de um ser racional que tem sua plenitude realizada em outro mundo, supra-sensível, chamado o mundo das formas ou das idéias. Por algum motivo, no mundo das coisas sensíveis as idéias se concretizaram, mas de forma imperfeita. O caminho de volta à plenificação se dá mediante a busca da negação dos sentidos, uma vez que o corpo (sensível) é na verdade um empecilho à alma (pensante), para, com a racionalidade, contemplar o mundo das idéias, onde se encontra o sumo bem. A ação moral positiva

12 consiste, segundo Platão, na própria ação racional. Assim, quanto mais racional, mais moral, conseqüentemente, mais humano (REALE, 1990). Todavia, ao olhar para a realidade, Platão reconhece que nem todos os seres humanos são de mesma natureza. Para alcançar a alma racional, aquela de fato humana, é necessário que se dominem antes outros dois estados, o concupiscível e o irascível. O primeiro estado próprio dos que se fiam nos prazeres advindos dos sentidos, o segundo próprio das almas dos guerreiros. A alma racional é própria do filósofo (PLATÃO, 2001). Apesar de falar em estados, Platão não considera a superação dos inferiores uma possibilidade a todo o ser humano, uma vez que o artesão, agricultor ou escravo já nascem com alma de artesão, agricultor ou escravo; o guerreiro, com seu gênio agressivo, já nasce com uma essência de guerreiro; o filósofo, apesar de ter que lidar com as diversas propensões advindas dos sentidos, o que seria comum às outras naturezas, supera essas inclinações, tendo em vista que já nasce com alma de filósofo (PLATÃO, 2001). Assim, Platão concebia uma sociedade ideal, constituída por classes, em que cada indivíduo desempenharia um papel segundo sua natureza. Como os trabalhos manuais eram pouco valorizados, considerados uma barreira à realização da liberdade para o homem da polis, essa tarefa ficaria a cargo da classe inferior a todas, isto é, dos trabalhadores manuais, artesãos e agricultores. Eram, por outro lado, indivíduos indispensáveis à continuidade da vida na polis, pois eram os que mantinham a economia. O cuidado militar, por sua vez, ficaria a cargo dos guerreiros, a proteção e a segurança de uma sociedade também se tornam essenciais na continuidade da mesma e na medida em que se complexifica. Diferentemente, todas as atividades e classes precisam de um governo, que possa garantir não só a continuidade da vida em sociedade como também a bondade e a verdade no acerto das decisões tomadas. Para tanto, a classe a conduzir o governo da cidade não poderia ser outra senão aquela que contempla as coisas em suas formas mesmas no mundo das idéias, a saber, os filósofos (REALE, 1990). Como detentores da verdade, não da que se revela imperfeitamente aos sentidos, mas daquela que se pode contemplar apenas por ascese, subtraindo-se a concupiscência e a ira, no mundo das idéias, os filósofos teriam condições para não errar e governar correta e moralmente a vida das pessoas da polis.

13 Este pensamento de Platão não teria apenas o efeito de criar uma sociedade em que os homens sábios que contemplam a verdade governam, ou mesmo comunista como se pode conferir em um estudo mais profundo de A República, em que o bem do estado é visto como precedente ao bem individual, tem, também, como conseqüência, estabelecer uma classe pensante, muito provavelmente reduzida em número, capaz de dizer o que é bom ou não para as outras classes e para a sua mesma. Seria bom se de fato existisse um mundo das idéias e se os filósofos pudessem alcançar grau absoluto de neutralidade, inclusive frente a seus interesses, e de consciência do sumo bem para o governo da sociedade (REALE, 1990). De acordo com Silva (1994, p. 73-85), Aristóteles segue Platão de perto nesta questão, acredita igualmente que o ser humano possui uma substância que lhe confere as características essenciais, ou seja, que o definem como tal. Todavia, situa a essência humana no plano físico e não em algum lugar extra-mundano como queria o seu mestre. Nos dois casos, a essência humana é dada anteriormente à sua manifestação no plano físico ou no próprio nascimento ou concepção, intrínseca à alma ou à natureza. Em outras palavras, ambos não tratam a experiência com a devida importância: as aprendizagens pouco ou em nada vão modificar o que é substancial no humano. Além de Platão e Aristóteles a Antiguidade clássica foi fortemente marcada por outras correntes e pensadores, é o caso de Sócrates, dos sofistas e dos estóicos. Sócrates, apoderando-se da máxima do Oráculo de Delfos conhece-te a ti mesmo, procurou ressaltar a importância da reflexão, do enriquecimento do ser humano ao revelar sua interioridade, uma vez que ao fazê-la estará revelando o seu conhecimento e a sua areté (virtude) (OLIVEIRA, 2006, p. 43). Já os sofistas, apesar das acusações que lhes eram dirigidas de usarem o conhecimento para a sua conveniência, preocuparam-se com o ser humano no seu aspecto educacional, moral, político, estético, lingüístico, entre outros (OLIVEIRA, 2006, p. 43). Enquanto os estóicos defendiam, segundo Oliveira (2006), a vivência de acordo com a razão como forma de atingir a perfeição humana, os epicuristas se opunham em apologia à vivência racional dos prazeres, dado que não há no homem e na mulher apenas a natureza racional, mas também a corpórea.

14 Já no princípio da história do conhecimento, percebem-se pensadores primeiramente a conceber uma idéia de ser humano racional; seguida de concepções de verdade ou conhecimento; e por fim, preocupavam-se em inserir o indivíduo aprendiz num processo educativo à medida que se lhe ensinava a verdade, a qual não fugia aos princípios pré-estabelecidos. Como era próprio dos homens que se ocupavam da filosofia o governo da cidade, é de se supor que a educação também seguisse sob a mesma chefia. Quando não se correspondesse aos parâmetros desejados pela aristocracia, os riscos não eram menos severos do que os se aplicariam aos hereges na Idade Média, pensar na forma como morreu Sócrates é suficiente para se dar base ao que se afirmou. 2.2 Pensamento Medieval Noções sobre o processo de aquisição e construção do conhecimento, que se dá através da educação, dependem antes da idéia que se tem a respeito da natureza humana: se uma natureza racional, pautada na memória, nos processos lógicos, de rigor intransponível; na emoção, qual um ser que tem os sentimentos como motivadores de seu processo vital, feito também de contradições; ou ainda, um ser que engloba dimensões diversas, capaz de motivação, vontade, organização, caos, ordem, raciocínio, emoções, espiritualidade, padrão, que foge ao gênero, etc., e, por isso, propenso a trilhar caminhos novos. Acerca disso, ao longo de toda a história da investigação científica e filosófica desenvolveram-se diversas noções sobre o que vem a ser o ser humano. Os medievais não fugiram muito ao que afirmavam os clássicos. Diz-se que cristianizaram o pensamento grego. A idéia do sumo-bem, parâmetro para o agir do bom cidadão, identifica-se com Cristo eu sou o caminho, a verdade e a vida (BÍBLIA, N. T. João, 14:6), isto é, a fórmula para a realização do cristão que busca se santificar, segundo o prisma do catolicismo. No que tange ao aristotelismo, o Primeiro-Motor, a causa primeira de todas as coisas, que dá ordem ao caos, recebe de São Tomás de Aquino o nome de Deus, agora não mais como ordenador do universo, mas como seu próprio criador (REALE, 1990).

15 Assim, o ser humano não deveria se contentar com a sua realidade porque era próprio de sua natureza, mas em razão de Deus assim o querer. A felicidade, que para os gregos estava no exercício racional, para o cristão consistia em cumprir a vontade divina como condição a fim de conquistar a salvação (felicidade última). O diferencial entre os dois períodos situa-se em dois distintos atributos da humanidade, na razão e na crença (fé). Desse modo, bastava ao homem e à mulher medievais que confirmassem sua fé através das boas obras, sob os direcionamentos do aporte terrestre da consciência divina, a Igreja. Contrariá-la não era algo que se poderia fazer livremente. A educação não era coisa que importasse muito quando não servia à doutrinação. O surgimento das universidades nesse tempo, apesar do acesso restrito a religiosos e pessoas de alguma elite, dá a conotação de um período não tão fechado a descobertas em torno do conhecimento. Todavia, sabe-se que o conhecimento ali produzido não fugia aos crivos teológicos mais apurados (SILVA, 1994, p. 88-94). 2.3 Pensamento Moderno Os modernos fizeram ressurgir o pensamento clássico, principalmente, quando sobrelevaram o humano ao divino, o material ao espiritual, a razão à fé. Um novo tempo que foi ganhando forma na periferia da sociedade medieval. Politicamente, ganhava força mais uma vez a monarquia, que não tinha o mesmo poder dos senhores feudais. Economicamente, as cidades retornavam à vida, com o reaparecimento e valorização do trabalho de artesãos e comerciantes. Começa a surgir uma nova classe social, diferente da nobreza feudal, dos camponeses, dos servos, a mesma que mais tarde romperia com a própria modernidade e suas forças políticas, a saber, a burguesia. A metafísica predominante nas universidades de então, se vê incomodada por nova epistemologia, pela ciência e, obviamente, por uma antropologia que situava seu objeto acima de qualquer outro, como ponto chave no desenvolvimento de uma sociedade diferente daquela que se pautou na seqüência de uma única verdade. Surgia, desse modo, a civilização ocidental moderna [...] gestada fora da Igreja e, em grande medida, contra a Igreja (BRIGHENTI, 2007, p. 31). Com base no que diz Brighenti (2007), pode-se facilmente deduzir que os fomentadores da modernidade desenvolveram-na fora da oficialidade, uma vez que suas

16 idéias eram ora consideradas heresias ora não canônicas por não advirem de alguma cadeira (cátedra) universitária e, também, porque o paradigma teológico prevalecia na época. É na Idade Moderna que o Humanismo desponta, embora, segundo Brighenti (2007), suas raízes já se encontram em Tomás de Aquino, quando este superestimava a razão na busca do ser humano pelo conhecimento de Deus. O filósofo medieval distinguia o natural do sobrenatural, tornando possível uma valorização do que é natural, ao contrário do que pensavam os platônicos e Santo Agostinho que a realidade era permeada pelo sagrado. Para São Tomás, a graça e a providência cristã não excluem, ao contrário, exaltam a natureza humana (BRIGHENTI, 2007, p. 35). Porém, as preocupações investigativas neste tempo ainda se encontram envolvidas de um aspecto religioso, apesar de pensadas a partir de uma razão menos preocupada com a fé. Com o passar dos anos, mais precisamente no final do século XIV, há uma ruptura entre teologia e filosofia. Mais livre, a filosofia se viu bombardeada por questões inúmeras, para as quais poderia buscar soluções fora do âmbito da fé e sem o filtro teológico. Mesmo a filosofia perdeu campo para uma nova área do conhecimento, a ciência. Francis Bacon (1561-1626) lança as bases metodológicas dessa disciplina situada na experiência (empirismo) 2. Na filosofia evidencia-se um novo problema para ser desvendado, o próprio conhecimento. René Descartes (1596-1650) é o primeiro que se aventura nessa empresa. Através da dúvida metódica, vai eliminando da possibilidade de conhecimento todos os pressupostos que se pretendem fundamentais não indubitáveis sobre os quais a humanidade vem se fiando ao longo da história. Dessa forma, Descartes propõe-se a aceitar como 2 O que Bacon queria com seu método era elaborar um novo modo de investigação dos fenômenos naturais, que se dá através da observação. Segundo Freitas (2004, s/p), o ideal de boa ciência que por mais tempo seduziu a ciência moderna foi, sem dúvida, a concepção indutivista de Francis Bacon. [...] a boa ciência é a que se mostra capaz de inferir leis naturais a partir do acúmulo de observações. Mais precisamente, é a que dispõe de princípios que, uma vez postos em prática, permitem que essas leis se mostrem espontaneamente ao intelecto. Para tanto, o cientista deve evitar os enganos possíveis, advindo de confiança excessiva nos sentidos, da subjetividade, de fatores sócio-culturais (FREITAS, 2004, s/p). Este processo inclui o detalhamento dos fatos observados em três tábuas propostas por Bacon. A primeira o filósofo denominou tábua da presença, onde se registram situações, características e condições em que o fenômeno analisado está presente; a segunda tábua é denominada de ausência, por meio da qual se busca listar os casos em que os acompanhantes do que está sendo investigado estão presentes, mas o objeto de investigação (por exemplo, um determinado fenômeno natural) não está (OLIVEIRA, 2002, p.181) reúnem-se nesta tábua os casos análogos aos da primeira tábua que correspondem sucessivamente a eles e que, em circunstâncias semelhantes, não se afiguram à característica estudada (OLIVEIRA, 2002, p. 181); por fim, tem-se a tábua da comparação, onde, segundo Oliveira (2002, p. 181), Bacon situa os casos em que uma quantidade maior ou menor da natureza que se investiga vê-se acompanhada por uma quantidade maior ou menor de alguma outra característica.

17 verdadeiro somente aquilo de que não poderá ter dúvida, isto é, as idéias claras e distintas (DESCARTES, 1999). O pensamento cartesiano inaugura a epistemologia propriamente, sua preocupação com a constituição do processo de conhecimento lhe confere esse título. A maneira como o ser humano investiga é coerente? E se não é, pode o conhecimento advindo daí ser válido? Não cairia o edifício inteiro se removêssemos a sua base? São algumas questões que se encontram nas suas Meditações 3 e no Discurso do Método 4 (DESCARTES, 1999). O filósofo em questão utilizou-se da dúvida em elevado grau, eliminando de sua busca aquilo do que poderiam surgir incertezas. Para alcançar semelhante feito, como um investigador legítimo, Descartes expõe em Discurso do Método as regras de seu método: O primeiro (preceito) era de nunca aceitar alguma coisa por verdadeira se eu não a conhecesse com evidência como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; de não comprometer, em meus juízos, nada mais do que aquilo que se apresentasse tão claramente e tão distintamente a meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião de dúvida. A segunda, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudesse e fosse requerido para melhor resolvê-las. A terceira, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, e subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento mais composto; e supondo até mesmo a ordem entre aqueles que não precedem naturalmente uns aos outros. E o último, fazer em toda parte numerações inteiras e revisões tão gerais que eu fosse assegurado de nada omitir (DESCARTES apud ROBINET, 2004, p. 89). Com isso, Descartes descobre três instâncias fundamentais sobre as quais os seres humanos constroem ao longo dos anos o seu conhecimento: os sentidos, o raciocínio dedutivo e a intuição 5. O ser humano passa a ter papel central no que concerne à construção do conhecimento. Ao retroceder sobre suas dúvidas, Descartes chega à primeira verdade, impossível de ser negada, a certeza do eu penso (ROBINET, 2004, p. 93). Um ser que 3 Obra publicada, em latim, no ano de 1641 (ROBINET, 2004, p. 84). 4 Obra publicada em 1637, em francês (ROBINET, 2004, p. 84). 5 Para Descartes (1999), os sentidos não raras vezes constituem-se em fonte de enganos, não sendo base segura sobre a qual se possa edificar o edifício do conhecimento. O raciocínio dedutivo diz respeito a uma instância não sujeita ao erro, porém, sem acréscimo de conteúdo, conseqüência de intuições. A intuição é própria do espírito puro e atento. Cabe ao espírito puro e perquiridor através da dúvida metódica alcançar o conhecimento, isto é, de conteúdo indubitável. Essas idéias podem ser, segundo Descartes (1999), inatas, adventícias ou fictícias.

18 pensa, sem equívoco algum, existe, daí a máxima cartesiana penso, logo existo. O homem e a mulher, únicos seres pensantes, tornam-se essenciais na descoberta da verdade, não mais revelada por uma entidade extra-mundana nem objetiva. A racionalidade (a alma) humana é princípio da verdade e não mais os sentidos (o corpo). Dessa forma, cria-se uma distinção ontológica entre a alma e o corpo (ROBINET, 2004, p. 93). Segundo Robinet, o sujeito cartesiano difere daquele da compreensão tradicional, isto é, de um ser que tem o pensar como um atributo. Ele é alma e é corpo: eu sou alma e sou um corpo (ROBINET, 2004, p. 94). As implicações para a educação do pensamento de Descartes são de longa duração e abrangência e se referem à compartimentação, primeiro do ser humano e, depois, do conhecimento, ou seja, disciplinarização. Deduz-se esta última da segunda regra do método, a divisão do objeto em um número máximo de partes quantas fossem possíveis; e da quarta regra, descrevê-las em todas as suas minúcias; com o rigor da primeira, evitando-se fiar em idéias não suficientemente claras e distintas. O próprio método apresenta um aspecto didático quando, na terceira regra, se preocupa em investigar gradativamente os objetos a partir de seus aspectos mais simples até os mais complexos. Além disso, a ciência surge neste tempo e, com os pressupostos cartesianos como base, e o que se vem a ensinar nas escolas passa por uma depuração, inclusive a metodologia. Embora o pensamento de Descartes recebesse duras críticas da Igreja e de importantes membros de universidades, personagens históricos com status e rígidos quando o assunto é mudança. Descartes não reinou só e livremente na Idade Moderna, teve oponentes no que respeita ao debate de idéias. Empiristas como John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776) colocaram em questão os seus fundamentos, a começar pela experiência, que não seria a geradora de equívocos, mas, sim, a única fonte do conhecimento. O pressuposto empirista de John Locke (REALE, 1990) é o de que todos os seres humanos nascem sem impressão, idéia alguma. Segundo Reale (1990), Locke pensava a mente como uma tábula rasa, uma folha em branco, que vai sendo moldada pelas experiências, que imprimem o conhecimento através da tentativa e do erro. O empirismo lockiano inspirou uma grande corrente da

19 psicologia, que fundou uma concepção e métodos pedagógicos, a saber, o behaviorismo ou comportamentalismo. No âmbito social, o empirismo contribui para o rompimento da aristocracia que dominava, também, por força ideológica. Se todos são iguais, todos têm igual condição de conhecer. Não há inatismo, nem de capacidade para conhecer nem de idéias. Em outras palavras, não há homens que nasceram para pensar, enquanto outro para trabalhar ou guerrear. Não há indivíduos que possuem conhecimentos inatos e que, por isso, possam ser diferenciados por sua alma. Nem aqueles que são uma coisa ou outra pela vontade de outro ser. Há apenas a experiência, capaz de conduzir ao conhecimento. Todos os seres humanos partem de um ponto zero. Na modernidade, tem-se ainda Immanuel Kant como um importantíssimo pensador. O filósofo alemão não atribui nem às capacidades inatas nem à experiência a exclusividade no processo de conhecimento. Conclui em seus estudos que não podendo prescindir da experiência para conhecer não poderia fazer o mesmo com a capacidade humana natural para o conhecimento, ou a priori (anterior à experiência). Dito de outra maneira, o ser humano não tem acesso ao objeto de estudo em-si, apenas à sua manifestação, como lhe aparece, isto é, o fenômeno. Isto decorre da capacidade, possivelmente limitada, do ser humano de captar os dados sensíveis bem como de interpretá-los em seu entendimento. Desse modo, possui categorias, segundo Silva (1994), não conteúdos, mas formas sintetizadoras (p. 118) de dados. No que tange aos sentidos, o indivíduo humano detém duas formas sintetizadoras enquanto Kant enumera doze categorias do entendimento. Através dessas formas, constrói o conhecimento. A partir do acima posto, pode-se inferir que a verdade está de fato nas coisas, enquanto objetos de conhecimento, porém ao sujeito cognoscente não é possível acessá-los em-si, as categorias dos sentidos humanos, espaço e tempo, é que vão lhe fornecer dados da realidade pesquisada, que serão interpretados pelas categorias a priori do entendimento 6, temse assim apenas uma impressão do objeto no sujeito, ou seja, como lhe aparece, em-mim (SILVA, 1994, p. 118). 6 Sobre as formas a priori do conhecimento, ver KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 2 ed. São Paulo: Abril, 1999.

20 Em Antropologia de um ponto de vista pragmático, obra escrita entre 1796 e 1797, Kant (2006, p. 21) reconhece o ser humano como ser terreno dotado de razão, ao mesmo tempo em que propõe uma antropologia pragmática, que estuda o que o indivíduo faz de si mesmo, ou pode e deve fazer como ser que age livremente [...] como cidadão do mundo (KANT, 2006, p. 21). Mais do que a razão, o que diferencia o ser humano dos outros animais é a consciência de si mesmo, que o ser humano possa ter o eu em sua representação, eleva-o infinitamente acima de todos os demais seres que vivem na terra [...]. [...] ele é, por sua posição e dignidade, um ser totalmente distinto das coisas [grifo do autor] [...], porque sempre tem o eu no pensamento, mesmo quando ainda não possa expressá-lo (KANT, 2006, p. 27). Além disso, a partir do momento em que o ser humano descobre este eu, dirigese cada vez mais para um egoísmo constituído de três tipos de presunção: a do entendimento, a do gosto e a do interesse prático (KANT, 2006, p. 129). Trata-se da liberdade de expressão do eu nos termos lógico, estético e prático. Aos poucos Kant vai caracterizando a sua antropologia, baseado no entendimento a respeito do ser humano: que tem moral, busca seus interesses, dedica-se grandemente a conhecer através dos sentidos externos e dos sentidos internos, capaz de aplicar suas descobertas, que tem atração pela novidade e tende a ignorar experiências monótonas. Como a faculdade de sentir pode ser inibida, enfraquecida ou até suprimida (KANT, 2006), é interessante mantê-la viva ao indivíduo que busca o conhecimento, posto que são as sensações que lhe acessam os dados pragmáticos. Cabe, para tanto, não começar pelas sensações fortes (pois estas nos fazem insensíveis para as seguintes), mas de preferência privar-se delas no início e administrá-las com parcimônia para poder ascender cada vez mais alto (KANT, 2006, p. 64). Com isso, segundo Kant (2006, p. 64), evita-se a saciedade intelectual já no princípio de uma busca. Tal pensamento pode ser transposto para o âmbito da educação, aplicando-se o princípio de parcimônia, além de se conhecer o ser do educando que se volta constantemente para questões e interesses egoístas também na esfera do entendimento. Todavia, o que mais se pode destacar é a interação proposta por Kant entre as faculdades dos

21 sentidos e do entendimento. O conhecimento não é resultado de uma delas, mas de ambas. Não obstante, o pensador em questão segue a tendência de fragmentação disciplinar: razão pura, razão prática, antropologia fisiológica e pragmática. A modernidade levanta uma última questão em torno do ser humano, a sua libertação das múltiplas alienações (econômicas, sociais, políticas, religiosas, etc.) em que se encontra coisificado (OLIVEIRA, 2006, p. 46). A filosofia em questão é a de Karl Marx (1818-1883) que tenta despertar o indivíduo humano para a sua libertação visando a superar a sua alienação enquanto homem no produto de seu trabalho, mediante engajamento social. Esta condição humana surge a partir da divisão do trabalho e do surgimento propriamente do capitalismo, espoliador do que é próprio do humano, do trabalho e do saber. O ser humano define-se como produtor, ser social, histórico e de práxis (OLIVEIRA, 2006, p. 76, grifos da autora). 2.4 Pensamento Contemporâneo Se a Antiguidade pensou a realidade a partir da fisiologia; a Idade Média, da teologia; e a modernidade a fez por meio da epistemologia; então, como caracterizar a Idade Contemporânea? A questão levantada por Silva (1994) não recebeu uma resposta única, ou pelo menos unificada em torno de uma idéia-força. Estamos mergulhados no horizonte da diversidade, da pluralidade (SILVA, 1994, p. 121). Chauí (2002) confirma a perspectiva, porém busca responder o porquê de não se enxergar uma linha mestra que perpasse todo o contexto do conhecimento filosófico: não temos distância suficiente para perceber os traços mais gerais e marcantes deste período da Filosofia (CHAUÍ, 2002, p. 49). Esse caráter da contemporaneidade constata-se, sobretudo, a partir da multiplicidade temática e discursiva que vem surgindo ao longo dos anos. Em sua gênese, encontram-se as idéias iluministas, que ressaltavam a razão na busca do conhecimento. Sobressaíram-se a ciência e a técnica no domínio e controle da natureza, da sociedade e dos indivíduos (CHAUÍ, 2002). Herdeiros de um método científico moderno, ou seja, aquele regido pelas ideais cartesianos e empiristas, os primeiros pensadores da atual era passaram a

22 se fiar na ciência como a redentora da humanidade. Como queria Descartes (1999), um determinado objeto deveria ser estudado e entendido até que dele se tivessem idéias claras e distintas; deveria ser detalhado, dividido em quantas partes fosse possível, para se ter um conhecimento mais abrangente, mais certo e menos dubitável. Esta implicação mais do que produziu um método rigoroso de se fazer ciência, possibilitou o surgimento de novas disciplinas e com elas, novas noções de mundo, de ser humano, de sociedade, de natureza, etc. No interior da Filosofia, já nos princípios da Idade Contemporânea, não há um ponto comum a nortear as investigações. Neste contexto, descobre-se, segundo Chauí (2002), a História ou o caráter histórico do homem, da sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com o filósofo alemão Hegel que se afirma que a História é o modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos (CHAUÍ, 2002, p. 49). Da História se ocuparam outros estudiosos, entre eles Karl Marx. Desenvolveram-se ainda a ciência aplicada e a técnica, dado o incentivo de uma Segunda Revolução Industrial. Capazes de uma leitura da sociedade surgem a Sociologia e a Economia, inicialmente por August Comte (1798-1857), representadas, também, por Marx, Émile Durkheim (1858-1917), Max Weber (1864-1920). No século XIX, a Filosofia descobre a Cultura como o modo próprio e específico da existência dos seres humanos. Os animais são seres naturais; os humanos, seres culturais (CHAUÍ, 2002, p. 50). Baseado no que diz Chauí, percebe-se que ainda há a primitiva busca de diferenciar, de identificar o ser humano, para justificar o valor superior que se lhe atribui em detrimento dos demais seres vivos. A cultura nada mais é do que a elaboração de um grupo de idéias, valores e símbolos, através dos quais é possível determinar valores morais, estéticos, religiosos, intelectuais e outros. A construção dos valores culturais, segundo Chauí (2002), só é possível porque o ser humano é capaz de linguagem, trabalho e noção de espaço e tempo. O bandeira pedindo por liberdade levantada pela burguesia aos poucos mostrou seu lado frágil. A liberdade não se estendeu a todos os indivíduos, nem sequer a uma parcela considerada justa. Pelo contrário, o que se viu foi o surgimento de uma nova classe dominante

23 e de uma classe de explorados: burguesia e proletariado. Nesta perspectiva econômica, Marx desvendou forças implícitas que intervinham no grau de liberdade das pessoas. Descobriu a ideologia. Uma força que não se vê, mas que é capaz de iludir o ser humano levando-o a acreditar que está agindo e pesando com sua própria cabeça e por sua própria vontade, racional e livremente, porque desconhece aquele poder invisível que o força a pensar e a agir conforme suas próprias determinações (CHAUÍ, 2002, p. 52). Outra ciência estava para surgir, agora ocupando-se propriamente da subjetividade mensurável ou descritível do humano. Trata-se da Psicologia, com destaque para o filósofo e pai da Psicanálise Sigmund Freud. Segundo Chauí (2002, p. 52), Freud acreditava que os seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam [...], estaria sob o controle de sua consciência. Esta ilusão é alimentada porque o ser humano desconhece a existência de uma força invisível, de um poder que é psíquico e social que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. Freud estava falando do inconsciente. Vê-se, assim, no final do século XIX, uma preocupação com a tão sonhada liberdade, o grande sonho da humanidade. Até que certo ponto ela é fato? Existe liberdade limitada? As descobertas da Psicologia foram as que teriam mais reflexos no âmbito da educação do século XX. Ainda que inovadoras, são teorias que tiveram influências do contexto sócio-cultural de seu surgimento, bem como são direcionadas pelas próprias concepções filosóficas de seus criadores. É o caso do Behaviorismo 7, cujos fundadores sofrem influência da corrente filosófica chamada empirismo. O empirismo teve ampla influência sobre as ciências. Elaborado, inicialmente, pelas idéias do filósofo inglês John Locke, que em se tratando de conhecimento, acreditava que o mesmo não era produto de uma base dada pelas idéias inatas. Quando do seu nascimento, o ser humano não dispõe de qualquer conteúdo em sua mente. Esta é nada mais do que uma tábula rasa, um papel em branco. É a partir da experiência que o sujeito vai imprimindo conhecimentos em sua tábula rasa, isto é, em sua mente. Assim, se conhecer depende do externo, as experiências adquirem caráter indispensável, quanto mais experiência mais conhecimento. Para disciplinar o indivíduo a 7 Também conhecida como Comportamentalismo, por delimitar o comportamento humano como seu objeto de estudo, esta teoria contraria as formas introspectivas de analisar o ser humano, como no caso da Psicanálise. Entre os behavioristas situam-se John Watson (1878-1958) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990).

24 buscar boas experiências, que favoreçam a aquisição do conhecimento, convém a aplicação de reforços positivos ou negativos, ou seja, um para estimular certas experiências outro para desmotivar aquelas que não conduzem ao conhecimento aceitável ou desejado. Com isso, já estamos no âmbito da educação. Como educar um indivíduo? A resposta do behaviorista seria: através do estímulo ou da punição (castigo, correção). No que tange à educação, diz Souza (2008, p. 367) há ainda o Inatismo/ Maturacionismo, através do que acredita-se que o conhecimento já está no sujeito, o qual já nasce com a predisposição ou não para o conhecimento e certos modos de conhecimento. Segundo o Maturacionismo, conhecer também depende da faixa etária do sujeito, conforme sua maturidade fisiológica o conhecimento que aflora será mais complexo. A influência cartesiana é nítida posto que Descartes defendia as idéias inatas como o fundamento do conhecimento. Além dos comportamentalistas e dos inatistas, a Psicopedagogia dos contrutivistas e dos sócio-interacionistas tiveram seu destaque, inaugurando uma nova fase do pensar o sujeito que conhece e, por conseguinte, a maneira como se deve educá-lo. Não se acredita mais que conhecer depende somente de idéias inatas nem mesmo das experiências, menos ainda se fez uma junção das duas teorias opostas que antecediam esse novo momento da educação. O Construtivismo, representado por Jean Piaget, fundamenta-se no entendimento de que o desenvolvimento da inteligência é dado por ações entre o sujeito e o meio de modo recíproco. O ser humano in natura não possui a capacidade de conhecer, ao contrário, responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada (JEAN, 2001, p. 1). Segundo Moreira (apud JEAN, 2001, p. 1-2), tanto as teorias derivadas do empirismo como aquelas que sofrem influência do racionalismo, no âmbito da educação, tornam-se reducionistas porque reduzem o desenvolvimento intelectual só à ação do indivíduo ou só à força do meio. Lev Vigotsky também é classificado entre os construtivistas, por pensar o conhecimento como um processo que se constrói a partir das relações do homem com o meio. Todavia, sua teoria é denominada sócio-interacionismo por haver algumas diferenças em relação ao construtivismo piagetiano. A teoria de Vigotsky é muito complexa e não cabe aqui descrevê-la (SOUZA, 2008, p. 203-204).

25 Ainda que seja fácil fazer uma ponte entre os inatistas com as idéias racionalistas de Descartes e do comportamentalismo com o empirismo de John Locke e outros, não se tem a mesma facilidade para fazer o mesmo entre os construtivistas e uma corrente filosófica. Embora Kant supere, de certa forma, a dicotomia entre o entendimento e a experiência, sabendo-se que da realidade o que se pode conhecer são apenas os fenômenos, e que o conhecimento desses fenômenos depende tanto do que se manifesta ao sujeito quanto das formas a priori do conhecimento, os construtivistas não compartilham da idéia de que haja formas do conhecimento anteriores à experiência. Destarte, não se pode afirmar que sejam herdeiros diretos do pensamento kantiano. Todo esse debate se dá em meio a uma busca que também não se cessa, a da resposta à pergunta sobre a identidade humana. Sobre o tema, muitos se pronunciaram desde aqueles que contestaram os absolutismos dos sistemas políticos, religiosos e especulativos, que reduziam o ser humano a um objeto subordinado a determinações externas, ou mesmo internas. Os primeiros a despontarem são os existencialistas, cujo pioneiro foi Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855), seguido por Gabriel Marcel (1889-1973) e Karl Jasper (1883-1969), e pelos existencialistas ateus Martin Heidegger (1889-1976) e Jean Paul Sartre (1905-1980). Os personalistas também elaboram sua teoria acerca do humano, desenvolvida primeiramente por Emmanuel Mounier (1905-1950). Se os existencialistas favoreceram o individualismo de certa forma, o personalismo diz que é por intermédio da segunda pessoa (SILVA, 1994, p. 133) que o ser humano descobre o ser, isto é, o eu sou, tu me interpelas, lançando-me na exigência de responder-te. Descubro, assim, a minha responsabilidade como um tu para ti (SILVA, 1994, p. 135, grifo do autor). Para além da reciprocidade de consciências, o tu e o eu, um diferente do outro, por meio da comunicação se tornam nós somos (SILVA, 1994). Outras modalidades humanistas que merecem ser citadas, mas que, pelo curto espaço, não será possível detalhar, são a Filosofia da Alteridade, com destaque para Emmanuel Levinas (1906-1995); e a Filosofia da Libertação, do Ser-Negado, a qual reflete uma busca latino-americana de formular uma filosofia voltada para seus interesses regionais. Foi o argentino Juan Bautista Alberdi (1810-1884) que, pela primeira vez [...] propôs formalmente a questão sobre a existência ou não de uma filosofia latino-americana (SILVA,

26 1994, p. 153). A Filosofia da Libertação pode também ser representada pelo próprio Márcio Bolda da Silva, autor de Metafísica e Assombro (1994) 8 e do qual o autor da presente monografia foi aluno na graduação de filosofia, e por Enrique Dussel. Assim, percebe-se que o desenvolvimento de concepções ao longo da História da Filosofia acerca do que é o ser humano, sua moral, como se dá o conhecimento, reflete direta ou indiretamente em teorias pedagógicas que vão orientar o processo educativo: metodologia e seleção de conteúdos. Evidencia-se, de certa maneira, que a neutralidade objetivada em alguns períodos não foi possível de ser alcançada, devido a prováveis forças ocultas que agem em níveis sócio-culturais, intelectuais, psicológicos e outros. São forças que podem conduzir de forma camuflada os estudos, os pensamentos e as ações do ser humano, fazendo-o acreditar que sejam genuínos, originários de sua própria e livre vontade. As ideologias, como outros fatores, apresentam-se e se fazem valer, porém, não são determinantes, embora possam direcionar o processo, apenas influenciam. Não obstante, a liberdade humana não é, de modo algum, uma aspiração da espécie que ficou no passado, a liberdade é, sim, um valor que o ser humano almeja ou procura construir, tenta preservar, depurar e garantir a todos os seus semelhantes. As formas que infringem este direito constam em códigos civis e cartas magnas como crime, ações repugnáveis e passíveis de punição, principalmente nas sociedades democráticas, que seguem o modelo político vigente em praticamente todas as nações e que têm a liberdade como valor fundamental. Baseado no acima posto, buscou-se, na seqüência deste trabalho, priorizar a concepção filosófica que mais discute a liberdade como um atributo do homem e da mulher contemporâneos. Da mesma forma, abordar-se-á uma pedagogia que retrata a realidade contemporânea, com foco na construção do conhecimento a partir de outro valor que descende da liberdade, a saber, a autonomia, de acordo com a realidade brasileira. No primeiro caso, trata-se do Existencialismo de Jean Paul Sartre e, no segundo, da Pedagogia da Libertação e da Autonomia de Paulo Freire. 8 Sobre a Filosofia da Libertação, ver também a obra de SILVA (1998).