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Transcrição:

UNIVERSIDADE EDERAL DO RIO DE JANEIRO Instituto de ísica Programa de Pós-Graduação em Ensino de ísica Mestrado Profissional em Ensino de ísica Idealizações e violações do determinismo newtoniano Jorge Luiz G. Dias & Marcus V. Cougo Pinto Material instrucional associado à dissertação de mestrado de Jorge Luiz G. Dias, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de ísica da Universidade ederal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro 2011

Idealizações e violações do determinismo newtoniano Jorge Luiz Gomes Dias e M. V. Cougo-Pinto Instituto de ísica, URJ, CP 68528, Rio de Janeiro, RJ, 21.941-972 04/02/2011 Resumo Este é um material instrucional proposto como produto da dissertação de mestrado de Jorge Luiz Dias Gomes, apresentada em 04/02/2011 ao Programa de Pós-graduação em Ensino de ísica do Instituto de ísica da Universidade ederal do Rio de Janeiro. Nele apresentamos uma versão didática de um exemplo, devido a P. Painlevé, de violação do determinismo newtoniano em um sistema clássico com as idealizações usuais. A segunda lei de Newton determina os movimentos possíveis de um sistema quando são especificadas as forças que agem sobre ele. Também postulamos, nem sempre de modo explícito, que existe um único movimento dentre os possíveis que satisfaz a uma dada condição inicial. Como sabemos, uma condição inicial é definida pelas posições e velocidades das partículas do sistema em um certo instante. Usualmente, o instante, as posições e as velocidades são chamadas instante inicial, posições iniciais e velocidades iniciais. Desse modo, dada uma condição inicial do sistema, existe um, e somente um, movimento do sistema que satisfaz a essa condição, afirmação essa chamada princípio do determinismo newtoniano. Esse princípio, pelo qual cada condição inicial determina univocamente o movimento do sistema, desempenha um papel fundamental na mecânica newtoniana. Essa existencia e unicidade do movimento é claramente usada quando ensinamos, por exemplo, que há sempre um único movimento de um projétil próximo à superfície da Terra quando damos sua posição e velocidade de lançamento. Em um curso ministrado na aculté de Science de Paris em 1895 (P. Painlevé,Leçons sur le rottement, Paris, Hermann, 1895), Paul Painlevé mostrou que é possível haver incompatibilidade entre as leis empíricas coulombianas do atrito cinético e o princípio do determinismo newtoniano. Ele mostrou que há vários exemplos nos quais, para coeficiente de atrito cinético suficientemente grande, há condições iniciais para as quais nenhum movimento é possível e condições iniciais para as quais mais de um movimento é possível. Esses exemplos contrariam o princípio do determinismo newtoniano. Essas violações são decorrentes das idealizações usadas nos exemplos apresentados por Painlevé. Elas são idealizações normalmente feitas nos problemas de mecânica do dia a dia em nossas aulas, como supor que superfícies em contato e barras sejam perfeitamente rígidas, ou que haja perfeita proporcionalidade entre os módulos da força de atrito e da força normal de contato entre as superfícies atritantes, como afirma a lei coulombiana do atrito cinético. 1

Portanto, é importante saber que é possível haver incompatilibidade entre dois aspectos essenciais do formalismo da mecânica clássica, as idealizações normalmente feitas e o princípio do determinismo newtoniano. É particularmente importante para os que ensinam mecânica clássica, como os professores de física do ensino médio. Desejamos neste texto tornar disponível esse conhecimento por meio de um exemplo simples e didático da incompatibilidade mencionada. Para isso, apresentamos a seguir uma versão simplificada de um exemplo proposto por Painlevé. Seja um haltere de massas iguais; mais especificamente, uma barra de comprimento L e massa desprezível com duas bolinhas de mesma massa m presas em suas extremidades. Consideramos que as bolinhas estão sobre uma mesa lisa horizontal, de modo que seus pesos são cancelados pelas normais exercidas pela mesa e as bolinhas se movam no plano horizontal da mesa. Além disso as bolinhas deslizam dentro de dois trilhos paralelos presos à mesa e separados por uma distância menor do que L. Vamos escolher um sistema de eixos coordenados R Y m L N O x N m f θ X R igura 1: Haltere de massas iguais nos trilhos paralelos e as forças nas massas. OX Y com o eixo OX ao longo de um trilho e o eixo OY apontando desse trilho para o outro, de modo que a barra faça com o eixo OX um ângulo θ, sendo 0 < θ < π/2, como indicado na figura. Para facilitar a discussão, a bolinha no trilho ao longo de OX será chamada primeira bolinha e a outra, segunda bolinha. O coeficiente de atrito cinético entre a primeira bolinha e o trilho que a guia é µ e na segunda bolinha o atrito com o outro trilho é desprezível. inalmente, temos na primeira bolinha uma força constante dada, na direção e sentido de OX. Podemos considerar exercida por meio de um fio preso na bolinha e puxado ao longo do trilho. Sejam x e x as respectivas coordenadas da primeira e da segunda bolinhas no eixo OX. Naturalmente x = x + L cos θ e a coordenada da segunda bolinha no eixo OY é a constante 2

y = L senθ. Portanto, basta dar a coordenada x da primeira bolinha para sabermos sua posição, a da segunda e a do sistema todo. Também é claro que, dado um movimento da primeira bolinha no eixo OX, o movimento da segunda e do sistema inteiro fica univocamente determinado. Denotando por v e a as respectivas velocidade e aceleração escalares da primeira bolinha, e por v e a as da segunda bolinha, temos as relações v = v e a = a. Para especificar a condição inicial do sistema, basta dar a condição inicial da primeira bolinha. Como posição inicial da primeira bolinha tomamos a origem e como sua velocidade inicial ao longo do eixo OX tomamos uma constante arbitrária v 0, que pode ser positiva, negativa ou nula. Desse modo, tomando o instante inicial como t = 0, a condição inicial tem a forma x t=0 = 0 e v t=0 = v 0. (1) Desejamos determinar o movimento subsequente do sistema, isto é, encontrar que movimento da primeira bolinha satisfaz à condição inicial dada (1). As forças que agem na primeira bolinha são a força aplicada constante, a força da barra e a força do trilho. A força aplicada tem apenas uma componente, positiva, ao longo de OX, que denotamos por. A força da barra, tem componente apenas na direção dela, que denotamos por R e convencionamos como positiva quando a barra empurra a bolinha e negativa quando a puxa. A força do trilho tem componente f de atrito ao longo de OX e componente N normal ao longo de OY. Tanto f quanto N e R podem ser positivas ou negativas, conforme a situação (a figura ilustra o caso em que elas são positivas). As forças sobre a segunda bolinha são a força da barra e a força do trilho. A força da barra nessa bolinha é a oposta à força da barra na primeira bolinha, pois a barra tem massa desprezível; com isso, denotamos sua componente que empurra a segunda bolinha também por R. A força do trilho tem apenas componente normal N y ao longo de OY; por conveniência, trabalharemos com sua negativa N = N y (ilustrada na figura no caso N > 0). Aplicando a segunda lei de Newton à primeira bolinha, obtemos m a = R cosθ + f e 0 = N R senθ. (2) Uma vez que a = a, aplicando a segunda lei de Newton à segunda bolinha, obtemos m a = R cosθ e 0 = N R senθ. (3) Pelas leis do atrito cinético, a força de atrito sobre a primeira bolinha tem módulo dado por f = µ N, ou seja, f = µ R senθ, em virtude da segunda equação em (2). Levando em conta que senθ é positivo, obtemos para o módulo da força de atrito f = µ R senθ. (4) Como a força de atrito cinético tem sentido oposto ao da velocidade de deslizamento, dois casos se apresentam, conforme v seja positiva ou negativa. Consideremos cada caso em separado. Seja o caso de velocidade v < 0, que nos leva a f = µ R senθ. Considerando as duas possibilidades da componente R ser positiva ou negativa, R = ±R, obtemos a expressão f = ±µr senθ, (5) 3

na qual o sinal superior se refere ao caso em que R é positiva e o inferior, ao caso em que é negativa. Substituindo (5) na primeira equação em (2), o resultado forma com a primeira equação em (3) o seguinte sistema m a = R cosθ ± µr senθ e m a = R cosθ. (6) Desejamos determinar com essas equações x e R como função do tempo, isto é, encontrar como o sistema se movimenta e como varia a força de vínculo da barra. Para isso, começamos por eliminar a entre as duas equações para obter a seguinte expressão para R, R = µ senθ + 2 cosθ, (7) na qual o sinal superior se refere ao caso em que R é positiva e o inferior, ao caso em que é negativa. Além desses sinais de R no denominador do membro direito dessa equação, há os sinais de R no seu membro esquerdo, de modo que se faz necessário examinar a compatibilidade desses sinais. aremos isso na situação proposta por Painlevé, em que no denominador em (7) o termo de maior módulo seja o primeiro, isto é, µ senθ > 2 cosθ. Essa condição equivale a µ > 2 cotgθ. (8) Nesse caso, o denominador da fração em (7) tem o sinal do seu primeiro termo, isto é, µ senθ+ 2 cosθ = µ senθ + 2 cosθ. Uma vez que o numerador da fração é positivo, o sinal da fração é o sinal do primeiro termo de seu denominador, R = µ senθ + 2 cosθ. (9) É fácil ver que essa equação é totalmente contraditória, visto que o sinal superior se refere ao caso em que R é positiva e o inferior, negativa. Com efeito, se R é positiva vale o sinal superior que determina no membro esquerdo da equação uma componente R negativa e se R é negativa vale o sinal inferior que determina no membro esquerdo da equação uma componente R positiva; em ambos os casos o resultado é absurdo. Portanto, não existe nenhuma solução R para o sistema de equações (6). Consequentemente, não existe nenhuma solução para a aceleração a nesse sistema, de modo que nenhum movimento é possível com velocidade negativa. Portanto, para uma dada condição inicial com velocidade inicial negativa, nenhum movimento é possível. Agora, seja o caso de velocidade v > 0, que nos leva a f = µ R senθ. Considerando as duas possibilidades da componente R ser positiva ou negativa, R = ±R, obtemos a expressão f = µr senθ, (10) na qual, novamente, o sinal superior se refere ao caso em que R é positiva e o inferior, negativa. Substituindo (10) na primeira equação em (2), o resultado forma com a primeira equação em (3) o seguinte sistema m a = R cosθ µr senθ e m a = R cosθ. (11) 4

Eliminando a entre as duas equações, obtemos R = ±µ senθ + 2 cosθ. (12) Supondo, novamente, a condição (8), o denominador da fração em (12) tem o sinal de seu primeiro termo, que é o sinal da fração, pois o numerador é positivo. Portanto, (12) pode ser escrita como R = ± ±µ senθ + 2 cosθ. (13) Agora, o sinal superior no denominador da fração em (13), que corresponde a R positivo, determina um valor positivo para a fração e, portanto, para a componente R do membro esquerdo. Analogamente, o sinal inferior no denominador da fração em (13), que corresponde a R negativo, determina um valor negativo para a fração e, consequentemente, para a componente R do membro esquerdo. Portanto, em ambos os casos, a equação (13) é consistente e fornece duas soluções perfeitamente aceitáveis para R, uma positiva e a outra negativa. São elas R 1 = µ senθ + 2 cosθ e R 2 = µ senθ 2 cosθ. (14) Substituindo essas soluções na segunda equação em (11) obtemos duas acelerações possíveis, respectivamente, a 1 = /m µ tgθ + 2 e a 2 = /m µ tgθ 2. (15) Assim, desde que a velocidade v seja positiva, há duas acelerações possíveis: a positiva a 1 e a negativa a 2. Naturalmente, nos respectivos movimentos, a velocidade inicial v 0 deve ser positiva. O primeiro movimento possível é dado por Nesse movimento, a velocidade é dada por x 1 = v 0 t + 1 /m 2 µ tgθ + 2 t2. (16) v 1 = v 0 + Essa velocidade permanece positiva para todo t maior do que /m µ tgθ + 2 t. (17) t 1 = (µ tgθ + 2) mv 0. (18) Em particular, o movimento pode prosseguir indefinidamente a partir do instante inicial t = 0. Antes do instante t 1 a partícula tem velocidade negativa e caímos no primeiro caso, em que nenhum movimento é possível. 5

A aceleração negativa a 2 em (15) nos fornece o segundo movimento possível com velocidade positiva, x 2 = v 0 t 1 /m 2 µ tgθ 2 t2. (19) Nesse movimento, a velocidade é dada por v 2 = v 0 Essa velocidade é positiva para todo t menor do que /m µ tgθ 2 t. (20) t 2 = (µ tgθ 2) mv 0. (21) Após o instante t 2 a partícula tem velocidade negativa e caímos no primeiro caso, em que nenhum movimento é possível. Assim, dada uma condição inicial x 0 = 0 e v 0 > 0, há dois movimentos possíves no intervalo de tempo (t 1, t 2 ), no qual o instante negativo t 1 e o positivo t 2 são dados por (18) e (21). Em particular, após o instante inicial t = 0, os dois movimento são possíveis no intervalo (0, t 2 ). Consequentemente, para uma dada condição inicial com velocidade inicial positiva, dois movimentos distintos são possíveis, um uniformente acelerado e o outro uniformemente retardado. Em suma, no caso de coeficiente de atrito grande o bastante para satisfazer a condição (8), µ > 2 cotgθ, o princípio do determinismo newtoniano é violado. Dada uma condição inicial, ou nenhum movimento é possível a partir dela ou dois movimentos são possíveis durante um certo intervalo, conforme o sentido da velocidade inicial. É fácil verificar que não há violação do determinismo newtoniano se a condição (8) for trocada por µ < 2 cotgθ (a condição limítrofe µ = 2 cotgθ também é problemática). É possível mostrar que não há violação do determinismo newtoniano se não usarmos idealizações de barras e trilhos perfeitamente rígidos e leis de atrito cinético tão idealizadas como as de Coulomb. 6