OS IMIGRANTES LATINOS NA MÍDIA BRASILEIRA 1



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1 OS IMIGRANTES LATINOS NA MÍDIA BRASILEIRA 1 Maria Cristina Dadalto 2 Introdução Painel sobre o fluxo imigratório 3 na contemporaneidade produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2009 revela um retrato desse processo em nível internacional: há mais de um bilhão de pessoas se deslocando entre fronteiras nacionais ou internacionais. Desse total, aproximadamente 740 milhões, se desloca dentro do seu próprio país. Entre as pessoas que atravessam fronteiras nacionais, pouco mais de um terço menos de 70 milhões mudaram de um país em desenvolvimento para um desenvolvido. Por outro lado, a maioria dos 200 milhões de migrantes internacionais deslocou-se de um país em desenvolvimento para outro, ou entre países desenvolvidos. O relatório, por sua vez, assegura que, apesar das incertezas, há uma quantidade de migrantes que consegue prosperar, aliando os seus próprios talentos aos recursos existentes nos países de origem. Conseguem, assim, obter benefícios para si próprios e para familiares próximos, que os acompanha na aventura ou que ficam na cidade ou país de origem. Já os que não conseguem obter os serviços de apoio de que necessitam para se desenvolver, vivenciarão outro sentimento no processo imigrante/estrangeiro. Como país de destino, a participação do Brasil no fluxo migratório internacional é quase insignificante. De acordo com estimativas do Serviço Pastoral dos Migrantes entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil havia, em 2008, cerca de 600 mil imigrantes ilegais no país, a maioria sul-americanos (ESTADO DE SÃO PAULO, 2008). O objetivo desse movimento obedece ao sonho de melhorar de vida por meio do trabalho vem sendo tecido há séculos pela humanidade. Nesta direção, este artigo propõe analisar o processo imigratório de latinos-americanos, em especial bolivianos e paraguaios, assentados no Brasil, partindo de uma perspectiva de Abdelmalek Sayad acerca do significado de ser um imigrante. 1 Este artigo faz parte dos resultados parciais de pesquisa realizada com apoio do CNPq. 2 Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Laboratório de História das Relações Políticas Institucionais. Pesquisadora do CNPq. Email: mcdadalto@gmail.com 3 Para efeitos de compreensão deste artigo considera-se migração interna, o deslocamento de pessoas dentro dos limites do território de um país. Migração internacional, o movimento de pessoas entre fronteiras internacionais, resultando numa mudança do país de residência habitual. Migrante, o indivíduo que mudou de local de residência habitual, quer por ter atravessado uma fronteira internacional quer por se ter deslocado dentro dos limites do território do seu próprio país.

2 Busca, assim, avaliar o discurso que está sendo produzido pela mídia sobre diferentes grupos étnicos migrantes. Para tal, utiliza o suporte da análise do discurso, tendo como base 27 matérias jornalística publicadas nos jornais Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, no período de 01 de janeiro de 2009 a 31 de março de 2011. Tais veículos jornalísticos, situados entre os de maior circulação diária no país, também estão sediados no principal destino de assentamento dos migrantes latinos: a cidade de São Paulo. Para Kristeva (1994) ser estrangeiro, ou ser imigrante, implica numa posição que pode aparecer como finalização da autonomia humana e, portanto, como uma ilustração maior daquilo que a humanidade tem de mais intrínseco, de mais essencial. Sayad (2000), considera que o fenômeno migratório está sempre associado a uma necessidade-ausência: trabalho. Assim, ao se tentar estabelecer uma discussão sobre estes aspectos assinalados, deve-se demarcar como ponto de partida um princípio comum: a dualidade da dimensão emigranteimigrante. Estar presente num espaço, como imigrante, significa estar ausente do outro, como emigrante. Estar numa relação de convivência com um grupo, como imigrante, requer não compartilhar o cotidiano de seu grupo original. Mas se há tanta dor, por que por séculos subseqüentes o homem continua a buscar o exílio para suprir a falta do trabalho? Neste caso, pela convicção de que isso não passa de uma provação (SAYAD, 1998), e, para muitos, pela absoluta certeza de que haverá uma melhoria substancial em sua qualidade de vida. Mesmo que nessa suposta melhoria certamente esteja implícita a certeza de uma carga horária de atividade e de um esforço físico superiores aos realizados em seu país de origem. O trabalho, avalia Sayad, é a razão de ser do imigrante, e esta razão domina-o em todo o seu conteúdo. Reflexão produzida por Sayad e que vai ao encontro do relatório produzido pelo PNUD em 2009, e que indica que a maior parte dos migrantes se sente feliz no país de destino. Isto porque, apesar de todo o sacrifício físico e emocional, conseguem alcançar melhores rendimentos, melhor acesso à educação e à assistência médica e melhores perspectivas de vida para os seus filhos. A representação do imigrante Mas o que significa, em termos da representação social constituída no cotidiano, esse sentido de felicidade? Para Berger e Luckmann (2002), os conceitos realidade e conhecimento

3 correspondem a nexos sociais específicos, que são essenciais para a afirmativa que apresenta o real como resultado de um processo de construção social. Formados por aspectos subjetivos e objetivos presentes no dia-a-dia, os contextos sociais podem ser diferenciados a partir das experiências decorrentes da interação e da comunicação entre as pessoas. Assim, como o cotidiano é fundado por fatos e ações relacionadas à tessitura em que se vive, todo o processo instituído na conduta cotidiana dos indivíduos é carregado de significado cultural, e este é dado pelas representações sociais. Desse modo, as concepções sobre o real possuem uma dinâmica específica, apesar de coexistirem e dependerem de uma dada realidade e do seu próprio conhecimento para serem efetivamente consideradas. Entretanto, Milesi e Marinucci (2007), consideram que o processo migratório na contemporaneidade apresenta novos contornos e desafios provocados pela dinamização dos meios de comunicação e da mobilidade gerados pela globalização. Esses fatores, aliados a uma determinada ordem econômica e à política neoliberal, promovem algumas mudanças no caráter migratório distintas daquelas estabelecidas até meados do século XX. Isto porque, na visão do neoliberalismo os migrantes podem ser classificados como consumidores, produtores, mercadorias ou refugos. E o que irá definir o lugar que este indivíduo vai ocupar é justamente sua capacidade de ser bom consumidor. De que forma? Como a perspectiva, neste aspecto é pensada a partir do ponto de vista neoliberal, o que está em jogo nesta avaliação do lugar que ocupa o migrante é a capacidade econômica dele se apresentar como investimento ou como custo à sociedade de destino. Assim, quem possui capital para consumir, também pode investir, portanto é bem aceito. Quem é produtor, especialmente de capital simbólico empresário e mão-de-obra qualificada também circula com facilidade. Ao contrário, o trabalhador desqualificado terá de se submeter e aceitar baixos salários e condições precárias, e, portanto, será mais um a necessitar de políticas públicas de saúde, educação, dentre outras. Ou seja, representa custo. Além disso, pobre e sem qualificação profissional, esse migrante ainda poderá ser enquadrado na categoria mercadoria, comprado e vendido como produto ou refugo pelos traficantes de pessoas (Bauman, 2004). Estar na condição de mercadoria ou refugo humano, por sua vez, faz com que aumente sua invisibilidade, seja por interesse próprio em geral é ilegal, do governo que faz vista grossa, atendendo a interesses específicos ou empresarial. Estas questões nos dão a dimensão desse fenômeno, que também na ordem do cultural contém elementos de nova complexidade. De acordo com Milesi e Marinucci (2007, p. 30):

4 Até há poucos anos, a migração internacional implicava uma ruptura com o passado, com a própria história, e uma inevitável experiência de desenvolvimento cultural. No entanto, nos últimos anos, a melhoria e o acesso aos meios de comunicação e transportes provocaram mudanças radicais na jornada migratória de muitas pessoas. Agora é possível manter contatos constantes com o lugar de origem. A migração internacional não elimina necessariamente as relações entre migrantes e seus parentes que não migram. Por sua vez, essa possibilidade de manutenção dos laços simbólicos com familiares e com amigos seja por meio do contato virtual promovido pelos meios eletrônicos, entre outros, introduz uma nova dualidade no sentido de ser migrante. Nessa direção, a mobilidade geográfica passa a ser também compreendida como elemento constitutivo do ser humano, que segundo Milesi e Marinucci, possibilita transcender as fronteiras geográficas e culturais na construção da identidade. A mídia e os latinos Segundo o relatório do PNUD (2009), o Brasil possuía em 2005, 686 mil imigrantes representando, na época, 0,4% da população, sendo que a previsão era que até 2010 houvesse um acréscimo de dois mil estrangeiros. Essa mudança está relaciona, segundo o relatório, a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano. Desse modo, o país passou a ser parte de um padrão identificado pelo estudo: nações com crescimento econômico e social se tornam destino de pessoas que desejam não apenas salários maiores, mas também melhor qualidade de vida. No período atual, entrementes, há duas diferentes configurações daqueles que se fixam no Brasil, e que, paradoxalmente, representam dois extremos: por um lado, uma mãode-obra qualificada, e que se assenta no país em média por até dois anos; e, por outro, migrantes sul-americanos, sobretudo bolivianos, que atravessam a fronteira à procura de emprego e melhores condições de vida. No entanto, como os media atuam nesta questão? Como representam os migrantes latinos? É necessário considerar que na arena pública os media produzem um campo simbólico complexo, que institucionaliza normas de conduta, valores, comportamentos. E por meio dele, criam imagens e representações de pessoas coletivas, comunidades e de cidadãos singulares, tudo conforme o modo que enunciam acontecimentos, ocorrências ou até mesmo

5 pseudos acontecimentos relativos aos assuntos ou temas de que tratam (CÁDIMA et al, 2003). Desse modo, compreender que entre os suportes das representações estão os discursos, e também os comportamentos e as práticas sociais nas quais estes se manifestam. Como as representações são fenômenos complexos e ativados na ação da vida social, possuem diversos elementos nas dimensões informativas, cognitivas, ideológicas e normativas, configurando crenças, valores, atitudes, opiniões e imagens. É nesta abordagem que se busca avaliar o discurso jornalístico que está sendo produzido sobre os grupos de latino-americanos. Partindo-se deste princípio, a instância da linguagem apresenta-se como ato de comunicação por meio do qual o homem representa o mundo para si mesmo e para seu semelhante. E, mais que isso, representa-se para si e para o outro, uma vez que se capacita a compreender a relação entre os indivíduos que compõem o grupo social. A linguagem constitui o fenômeno capaz de instaurar o lugar sociocultural. A perspectiva deste trabalho pondera que a mídia atua na construção da realidade social, uma vez que vai ordenar o campo simbólico no qual normas de condutas, valores e comportamentos são institucionalizadas ao produzir seu discurso. Nesta acepção, as representações de indivíduos, de grupos ou de comunidades são ressignificadas pelo receptor, segundo alguns aspectos básicos a saber, o modo como as matérias jornalísticas são enunciadas, a contextualização e o conhecimento que têm do fato, a linguagem, entre outros. De acordo com Cádima et al. (2003, p.5) Como sistema de representação e atendendo especificamente à sua função social, o facto é que os media raramente assumem com a clareza e rigor desejáveis a essa sua responsabilidade. Entende-se, desse modo, que a mídia se constitui como fonte de informação e de representação sobre os migrantes. Apresenta-se, dessa maneira, como campo legitimador da percepção, do sentimento coletivo e dos mitos edificados. Bem como da produção de práticas que se estabelecem na esfera pública nacional e local acerca desses indivíduos, grupos ou comunidades. Steinberger (2005, p.75), amparada pelos estudos sobre teorias da comunicação e do jornalismo, sopesa que Nos discursos jornalísticos, a produção de sentido resulta, de imediato, de recortes que o profissional faz na substância da atualidade e de suas decisões na composição formal do texto (sonoro, visual, etc.) Nesta direção, para Orlandi (2007), o objeto da análise do discurso não é a linguagem em si, mas a relação entre linguagem, sentido e lugar social, englobando os modos como se articulam a materialidade da linguagem, as

6 marcas formais, e o sentido social, por intermédio da análise do que se entende por imaginários sociais. Assim, a análise que se pretende do corpus dessa pesquisa busca partir da materialidade do texto, do contexto lingüístico-histórico, de suas condições de produção. Considerar-se-á, ainda, o discurso como processo sempre em curso, como uma prática discursiva, que constitui a sociedade na história. Os imigrantes nos jornais Foram selecionadas 27 matérias jornalísticas publicadas nos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo entre janeiro de 2009 e março de 2011, nas editorias Geral, Economia, Nacional e Cotidiano. Para a análise, foi feito um recorte de algumas matérias a serem analisada, segue. Paraguai exporta babás para SP (Estado de São Paulo - 27/03/2011). Esta notícia mostra que há uma procura por babás paraguaias em São Paulo. As empregadoras são, em geral, mulheres de alto poder aquisitivo e tratam as empregadas com os conceitos de nacionais e importadas. Entrevista com uma empregadora esclarece que esta optou por contratar estrangeiras como babás depois de uma experiência razoavelmente longa e traumática com brasileiras. O que deixa a entender essa experiência longa e traumática pela fala da empregadora? É que as babás brasileiras cobram mais e são pouco comprometidas com o trabalho. Contudo, o foco da matéria é a vantagem das babás paraguaias (importadas). As nacionais são caras e pouco comprometidas diz a administradora de empresas Monica, de 36, precursora de um grupo de mais de dez amigas endinheiradas que usam os serviços de babás paraguaias. Em casa. [...] Mônica e Renata têm duas importadas. As amigas preferem dar a entrevista no anonimato (os nomes estão trocados), porque as funcionárias nem sempre estão legalizadas. Além disso, as empregadoras afirmam que querem babás legalizadas e que encaminham suas domésticas ao consulado paraguaio. De fato, a matéria apresenta uma entrevista com a consulesa paraguaia em São Paulo, que esclarece um aumento na quantidade de imigrantes que procuram o serviço. Há dois anos não tinha notícia de paraguaias que pretendiam ser babás no Brasil. Hoje há um número razoável delas.

7 De acordo com dados da Polícia Federal, apresentado na matéria, em 2008 entraram 68.052 paraguaios no Brasil; em 2010, 348.704. Demonstra-se ainda na entrevista com babás paraguaias, que, para elas, o valor pago em São Paulo, em torno de R$ 1.000,00, é considerado muito bom, pois no país de origem ganhariam 40% deste valor. Por outro lado, revela que uma babá brasileira, ou nacional, seria contratada no Brasil por R$ 1.500,00. O que também representa um grande negócio para as empregadoras. Tenta-se até um contraponto, demonstrar que também para as babás é vantajoso, uma vez que R$ 1 vale dois guaranis e meio. A matéria inclusive faz levantamento de dados no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos sobre ocupação de empregadas domésticas na cidade de São Paulo, reforçando ainda mais a questão da importância econômica da matéria. Ou seja, a representação que se tem do imigrante se fortalece nesta matéria como sendo uma mercadoria. A matéria Economia e anistia fazem estrangeiro escolher o Brasil (Estado de São Paulo -23/11/2009) faz um levantamento sobre a movimentação de migrantes ilegais beneficiados no processo de legalização. O foco é econômico, apresentado por meio de números quantidade discriminada por nacionalidade, ranking de etnias. Desde 2 de agosto, quando a lei entrou em vigor, latino-americanos e asiáticos lotam os postos da Política Federal (PF) para obter visto de residência. Com isso, os chineses saltaram da décima posição no ranking para se tornar a sexta maior colônia estrangeira do País, seguida pelos bolivianos (33 mil). [...] Os oriundos da Bolívia, no entanto, ainda lideram o ranking de pedidos de visto à PF, com 10.148 inscritos desde agosto. Eles vêm em busca de emprego e melhor qualidade de vida. Motivados também pelo desejo de viver numa democracia, ocidental, os chineses vêm em segundo lugar, com 4.275 pedidos feitos até agora. A lista prossegue com Peru (3.614) e Paraguai (3.067). Mais de dois terços dos imigrantes têm como destino o Estado de São Paulo. A distinção de representação que se faz entre os grupos de migrantes aparece com clareza. Latinos vêm em busca de trabalho (mercadoria), chineses, democracia (consumidores ou produtores). Implementam-se aqui outros valores, representações do jornal, mas se observa neste conjunto de matérias publicadas que fala-se de tráfico, fala-se de trabalho escravo, mas nada ou muito pouco foi apurado e publicado pelo jornal. O que se ressalta nas matérias são

8 os números, os infográficos. Aliás, muita vez, quando o humano surge na matéria jornalística é necessário ler a linha e a entrelinha com muito cuidado. A exemplo, a matéria Asiáticos e sul-americanos são os principais povos que imigram para São Paulo (Folha de São Paulo - 25/01/2009). Analise-se o discurso impresso: Em mais de cem anos, a cidade de São Paulo foi um atrativo para diferentes povos que vinham em busca de melhores condições de emprego e possibilidades de enriquecimento. Nesse período, o perfil e a nacionalidade desses povos foi se alterando até o início do século 21, em que os principais fluxos de chegada são de países asiáticos e sulamericanos. Nela, contextualiza-se a cidade, inclui-se a possibilidade de quem vem enriquecer, entrevista-se o estrangeiro e busca-se o sentimento dele sobre estar em São Paulo. Depõe um peruano de 25, e que havia deixado o país há apenas dois meses antes de ser entrevistado: Me falavam que havia emprego e dinheiro aqui. Mas não é bem assim, a situação é bem parecida com o Peru. Perspectiva diferente tem um boliviano de 35, que mora no Brasil há 5 anos, tem filhos nascidos no país, e na época da entrevista, trabalhava como costureiro no bairro do Brás: Eu só volto para a Bolívia para visitar mesmo. A situação aqui está bem melhor do que lá. O repórter não explica, mas há entre os dois entrevistados algumas questões de contexto importantes para diferenciá-los: tempo de estadia no Brasil, período em que vieram, e, portanto, a articulação realizada rede de amigos e familiares em termos de sociabilidade, emprego, dentre outros aspectos; e, a diferença da economia peruana, que nos últimos anos têm tido crescimento maior do que a boliviana. Mas ambos têm em comum a motivação da imigração: trabalho. Asiáticos também são entrevistados: Já os asiáticos que vêm para São Paulo são motivados pelo desenvolvimento econômico da região e dispostos a investir [...]. Os asiáticos investem, principalmente, na indústria têxtil e dão emprego aos imigrantes sul-americanos. E novamente um indício para entender a representação do jornalismo com relação a asiáticos e latinos. Bem como o modo em que empreendedores/investidores e mercadorias/refugos são tradados pela sociedade, e, em consequência, representados na mídia.

9 As diferenças entre etnias migrantes e a representação construída socialmente sobre eles na sociedade e nos veículos jornalísticos continuam sendo apresentadas. Matéria que trata de questões de maus tratos recebidos por migrantes revelam este sentido: Bolivianos pagam para não apanhar em escola estadual (Folha de São Paulo - 28/09/2010). De acordo com a matéria publicada, há na escola 2.421 alunos nos ensinos fundamental e médio, metade é composta por migrantes ou filhos de bolivianos, além de paraguaios, peruanos, chineses, coreanos, angolanos e nigerianos. Mesmo sendo em maior número, são os bolivianos os mais discriminados. Chineses e coreanos têm uma condição financeira melhor, e os africanos fazem a própria segurança andando em grupos, explica a diretora da escola. Aqui novamente um indício da diferença estabelecida entre aqueles que são representados na sociedade como mercadoria/refugo e desse modo têm essa representação apreendida por aqueles que, em muitos casos, também são tratados como mercadorias/refugos e os empreendedores/produtores e consumidores. Conclusão Neste recorte de matérias selecionadas o discurso é sempre tecido a partir de um olhar discriminador. O migrante é ilegal, portanto, um elo mais fraco na cadeia da rotina produtiva do jornal. Portanto, a quem interessa sua invisibilidade? A quem interessa não refletir e discutir sobre o modo que ele nos afeta socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente? E o modo que nós, sociedade de destino, o afetamos. A invisibilidade, por sua vez, está diretamente relacionada a sua capacidade de aceitação ou de retorno de investimento. Asiático ou Latino? A experiência mostra que o asiático depois de assentado, emprega e consome. O latino? O que sabemos dele? Por enquanto, por meio de veículos alternativos e da ação do Estado, que é subcontratado, escravizado. E, quando interessa, afirmar que alguns venceram, e, desse modo, são elevados a possível categoria de consumidores e produtores.o estado limite do sentido de ser um estrangeiro, um migrante, implica num estatuto da diferença: social, econômica, cultural, política. Enfim, na diferença estabelecida no nível dos homens com os homens e que se apresentam em conformidade com o senso comum, com a representação social que cada social atribui à diferença. São questões complexas e que estão diretamente relacionadas a alteridade, pois dizem sobre como a sociedade se pensa e pensa o outro. Ou seja, sobre como constrói e representa o mundo, e compartilha essa representação. Neste aspecto, o discurso da

10 mídia vai colocar a tona o senso comum ou questioná-lo, promover sua mudança. No que se observou do discurso construído sobre os imigrantes em São Paulo, ele é permeado por uma discriminação econômica, social, cultural e política. Nas publicações o foco é conduzido por um princípio: esse migrante é custo ou benefício? Dependendo do que oferece, muda o tom do discurso. Assim, avalia-se que, o discurso jornalístico não procura e quando eventualmente o faz não consegue entender o desejo impresso no roteiro migratório. Ao mesmo tempo em que atua a partir de uma perspectiva pontual, na qual somente fatos específicos fazem introduzir grupos invisíveis à rotina produtiva impressa. A representação construída, por sua vez, também não consegue apreender o universo cultural destes migrantes REFERÊNCIAS Livros BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2002. ORLANDI, E. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2003. SAYAD, A. A imigração. São Paulo: Edusp, 1998. STEINBERGER, M. B. Discursos geopolíticos da mídia: jornalismo e imaginário na América Latina. São Paulo: Cortez, 2005. Artigos Online CÁDIMA, F. R. et. al. Representações (imagens) dos imigrantes e das minorias étnicas na imprensa. In OBERCOM, Observatório de Comunicação. Lisboa, 2003. Consultado em 22.10.2010. www.oi.acidi.gov.pt/docs/pdf ESTADO DE SÃO PAULO. Brasil tem 600 mil imigrantes ilegais, diz entidade. 2008. Consultado em 15.08.2010. www.estadao.com.br/noticias/geral

11 MILESI, Ir. R.; MARINUCCI, R. Migrações contemporâneas: panorama, desafios e prioridades. In Ministério do Trabalho e Emprego. Mercosul e as migrações. 2007. Consultado em: 13.12.2010. http://www.mte.gov.br/trab_estrang/livro_mersosul.asp PNUD 2009. Human Development Research Paper. Consultado em 10.03.2010. www.hdr.undp.org/hdrp_2009.pdf. Artigos de periódicos SAYAD, A.. O retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante. Migrante. Ano XIII, número especial, janeiro, 2000, pp.7-32. Revista do