RESENHA. KERSTING, Wolfang. Universalismo e Direitos Humanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 102p.



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Transcrição:

RESENHA KERSTING, Wolfang. Universalismo e Direitos Humanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 102p. JULIANA FISCHER DE ALMEIDA 1 Na obra intitulada Universalismo e Direitos Humanos, o professor titular e diretor do Instituto de Filosofia da Universidade de Kiel, Wolfang Kersting, apresenta quatro textos de cunho eminentemente filosófico ético/político, perpassando os períodos da história da filosofia, apontando a contribuição do pensamento filosófico sobre determinado tema. A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES O autor inicia introduzindo a filosofia política de Platão para posteriormente apresentar a de Aristóteles e a sua tese. Kersting utiliza-se deste recurso para uma melhor compreensão da sua proposta. De acordo com o pensamento platônico, somente os filósofos possuem aptidão para governar, porquanto dispõem de um conhecimento sobre o Verdadeiro, diferentemente dos demais cidadãos. Deste modo, por possuírem tal conhecimento, são os filósofos quem promovem a pacificação das controvérsias sociais. Distintamente, Aristóteles, propõe que só a experiência e a vivência podem conduzir o homem a uma melhor conduta individual, tornando-se apto para a ética e política. Distingue os objetos teóricos dos práticos, fundando a filosofia da práxis. Neste momento Kersting apresenta a relação aduzida por Aristóteles entre felicidade e virtude, com vistas num argumento de cunho prático, evidenciando a estrutura teleológica do agir humano. O autor aduz que a finalidade das ações humanas, segundo Aristóteles possui um fim último necessariamente visado por todos, ainda que nem sempre de modo correto, ótimo. Esse bem é a felicidade. (KERSTING, 2003, p.17). Ou seja, o livro Ética a Nicômaco, visa conceituar a felicidade e indicar seu caminho, a saber: teleologia da ação humana. Por sua vez, no que tange a virtude, esta é caracterizada como excelência, garantindo uma efetividade na finalidade do agir, e, por conseguinte, determina a distância que o homem está da perfeição. Kersting assevera que Aristóteles diferencia as virtudes dionéticas fundamentam-se na natureza - e as virtudes éticas não são pautadas pela ordem natural -. Sendo que, além disto, existe a doutrina da mesótes, que consiste em um perfeccionismo da média. Quase sempre 1 Bacharel em Direito pela Universidade Tuiutí do Paraná e estudante em Filosofia da PUCPR.

202 praticamos o bem em grau demasiado reduzido; mas às vezes também o praticamos em grau excessivo. (KERSTING, 2003, p.24). A média, aqui, não é no sentido do meio entre dois extremos, mas como uma ação realizada no momento certo, com a motivação adequada. A teoria da mesótes pode ser aplicada sobre qualquer virtude. Ainda, o autor explana sobre a justiça em Aristóteles, que é considerada, por sua vez, uma virtude, sendo dividida em iustitia directiva e iustitia distrbutiva. A primeira forma não possui princípios próprios; não pretende melhorar a ordem existente do direito, mas apenas consertar suas mazelas. (KERSTING, 2003, p.29). Este tipo de justiça não outorga ao cidadão nenhum outro tipo de direito que já possui, a igualdade é a mesma para todos. A iustitia distrbutiva, por outro lado, é aquela que visa dar o igual aos iguais e o desigual aos desiguais. (KERSTING, 2003, p.31). Existe uma demanda de direitos a serem concedidos aos cidadãos, de modo que se deva haver uma melhor distribuição de bens. Segundo Kersting, o filósofo antigo entende que é nesse tipo de justiça que se fundamenta a conexão entre ética e política, tornando-se indissociáveis. Assim, a felicidade se dá a partir do momento em que o homem é guiado pela excelência, virtuosidade no seu modo de vida. Por fim, o autor finaliza o texto, novamente, retomando Platão e posteriormente Aristóteles, concluindo que o primeiro é conhecido pelo seu pensamento contemplativo, tendo que renunciar à felicidade em prol das idéias; já o segundo, constrói uma teoria baseada no eudaimonismo e uma vida política da práxis. A FUNDAMENTAÇÃO DA FILOSOFIA POLÍTICA DA ERA MODERNA NO LEVIATÃ Kersting inicia apontado para a ruptura de pensamento advinda com a modernidade, e o deslocamento da visão política até então vigente. Existiam duas correntes políticas, a saber: aristotélica - de cunho moral- e a estóica-cristã orientação normativa. Enquanto a teoria política de Aristóteles visava à felicidade e a interdependência entre ética e política, a filosofia estóicacristã concebia o direito natural, ou seja, normas imutáveis dadas pela natureza. A mudança de pensamento ocorreu de forma significativa com o filósofo inglês Tomas Hobbes, que desenvolveu uma filosofia estritamente individualista, cujo êxito quanto à fundamentação se apóia tão-só nas bases da racionalidade econômica. (KERSTING, 2003, p.40). Assim sendo, o indivíduo ganha espaço em detrimento da comunidade, tendo a política à função primordial de atender os anseios individuais e sua utilidade. Segundo o autor, a filosofia hobbesiana abalou as estruturas políticas, lançando essa nova legitimação teórica, para tanto, deve-se existir o consentimento do ser humano para se constituir o Estado, sob o modelo de um contrato. Neste aspecto, Hobbes, instituiu o chamado

203 contratualismo construtivo, que consiste numa aceitação voluntária de autolimitação com vistas à preservação da existência humana. O Estado é um guardião da incolumidade das pessoas, um garantidor da paz. Kersting aduz que o filósofo inglês se fundamenta no procedimentalismo enquanto teoria da justificação, significando uma argumentação não mais de princípios metafísicos ou propósitos naturais de validade eterna, e sim um procedimento que ocorre um acordo entre indivíduos livres com direitos basicamente iguais. (KERSTING, 2003, p.49). Dito de outra forma propõe uma nova forma de justificação da sociedade civil e do Estado, pautado na condição de igualdade de todos na aceitação do contrato. Destarte, o autor alega que o movimento moderno reformulou a visão do papel do Estado, abrindo espaço para os direitos humanos, divisão de poderes e a democracia, e, Hobbes teve suma importância nessa nova etapa do pensamento político, ainda que de forma incipiente, inaugural. Enfim, a teoria hobbesiana e o modernismo fundam o Leviatã que posteriormente vai se desintegrando com o liberalismo, perdendo seu poder em prol da sociedade civil. KANT E O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL Toda a problemática da justiça social fundamenta-se, conforme alega Kersting, na escassez em sentido lato, sendo a própria existência escassa, todavia, é nesta falta que o ser humano torna-se inventivo, para suprir as necessidades inerentes a todos. Existem duas formas de contornar a escassez, que se sobressaem, quais sejam: cooperação social e a solidariedade social. No que tange a cooperação social, o autor, a compreende como um sistema universalmente útil de divisão do trabalho e cooperação social em benefício recíproco. (KERSTING, 2003, p.55). Por sua vez, a sociedade respaldada na solidariedade, dispõe de elementos que se direcionam aos necessitados dos tipos mais diversos que possa haver numa dada comunidade. Na idade moderna, as sociedades são cooperativas e solidárias ao mesmo tempo. Com base no que fora aduzido, o autor, introduz a ideia do Estado de bem-estar social, que consiste numa coerção estatal, por meio de leis, aos cidadãos para redistribuírem melhor seus bens, superando a doutrina contratualista de legitimação do Estado. Kersting pretende fundamentar o Estado de bem-social, como kantiano-liberal, pois ela se apóia exclusivamente nos conceitos do direito da liberdade, da assunção de responsabilidade própria e da autodeterminação do cidadão. (KERSTING, 2003, p.65). Ou seja, o autor vai procurar argumentos na filosofia do direito de Kant para sustentar a sua tese.

204 Para tanto, Kersting revisita o conceito de autonomia kantiana e o reveste de uma nova significação, a saber: a autonomia é incluída agora no cerne semântico dos direitos de liberdade e de cidadania, tornando-se, dessarte, um bem jurídico cuja tutela incumbe ao Estado. (KERSTING, 2003, p.69). A autonomia não é mais uma condição contingente externa ao direito, pelo contrário está no seu bojo. No entanto, o Estado de bem-estar social de matriz kantianoliberal não coaduna com a justiça distributiva igualitária, uma vez que, tem por escopo o descontigenciamento das circunstâncias naturais e sociais profissionais individuais, fazendo uma política de redistribuição a fim de criar um simulacro de igualdade. Diante do exposto, o autor conclui sua tese do Estado de bem-estar social de cunho kantiano-liberal, que a situação de nem todos poderem usufruir igualmente de tudo não é injusto, pois não é tarefa da justiça estabelecer um quadro geral que fosse além da igualdade do direito, que tivesse por escopo compensar integral ou parcialmente desigualdades naturais nas perspectivas de êxito da vida. (KERSTING, 2003, p.77). Destarte, embasado em Kant, Kersting, mostra sua visão do Estado de bem-estar sem necessariamente defender uma igualdade absoluta e natural entre os cidadãos, porquanto isso não é viável. EM DEFESA DE UM UNIVERSALISMO SÓBRIO O autor aduz inicialmente que existindo pretensões de validade, de construção filosófica, sempre haverá a presença do cético, com intuito de duvidar das convicções de verdade. Todavia, o cético não existe na realidade é uma construção filosófica. Há três tipos de ceticismo, a saber: naturalismo, emotivismo e o relativismo. Kersting diferencia o naturalismo do emotivismo afirmando que o primeiro entende a moral pelo seu exterior e que a bem e mal não existem, por sua vez, a segunda forma do ceticismo acredita numa moralidade na qualidade de inimigo interno, cuja serventia é apenas para expressar a condição subjetiva do ser humano, não possuindo caráter objetivo. Com relação ao terceiro tipo de ceticismo, o relativismo, autor considera que a moral é relativa, pois estão fadados ao fracasso todos os cenários de fundamentação da filosofia moral que pretendem transcender o próprio contexto cultural já existente.... (KERSTING, 2003, p.83). Em oposição ao relativismo encontra-se o universalismo, sendo que por conta disto, entra-se em discussão a questão dos direitos humanos não enquanto ideia, mas como justiça distributiva internacional. Segundo o autor, os direitos humanos precisam ser resgatados, defendendo um universalismo sóbrio visando conquistar resistência contra o relativismo e o particularismo, a par também dissipar o temor de um missionarismo hipermoral e disposto à

205 violência, relacionando aos direitos humanos e à democracia, do Ocidente. (KERSTING, 2003, p.89). Contudo, a fim salvar a ideia dos direitos humanos, faz-se necessário compreender o conceito de ser humano, tendo Kersting utilizado o argumento antropológico. Com efeito, o homem é um ser finito, mortal, vulnerável e capaz de sofrer.... (KERSTING, 2003, p.94). E, esta fragilidade humana só pode ser amenizada com a proteção estatal, sendo assim, os direitos humanos, na visão do autor, estão vinculados mais com o direito interno do que com o internacional. Os direitos humanos têm por fito atender as necessidades humanas essenciais que fundamentam o próprio ser humano enquanto tal. De acordo com Kersting a proteção adquirida pelos direitos humanos precisa ir além da coexistência negativa, que não prejudica o outro, que o deixa simplesmente em paz, e ser estendida a uma dotação com bens que seja suficiente e possibilite a subsistência. (KERSTING, 2003, p.99). Destarte, tais direitos possuem um caráter positivo e outro negativo, sendo que são indissociáveis entre si. Por fim, o autor encerra o texto asseverando que o universalismo sóbrio confere proteção a interesses, em termos de direitos humanos, e obriga as pessoas, as instituições e a instituição das instituições, o Estado, a ir ao encontro desses interesses humanos básicos.... (KERSTING, 2003, p.101). Assim, conclui que o universalismo apresentado é perfeitamente compatível com o relativismo moral, porquanto se necessita da particularização para haver eficácia no direito humano.