FERNANDA VICENZI PAVAN RELATÓRIO VERSUS 2016.1 IMPERATRIZ- MARANHÃO VERÃO 2016
Logo no primeiro momento, ainda no aeroporto, vindo de Santa Catarina, três pessoas da comissão organizadora me receberam com muito amor e carinho. Já pude perceber como as pessoas do nordeste são acolhedoras (como já haviam me adiantado). Isso me tranquilizou! No primeiro dia de VER-SUS em Imperatriz- MA, dia 06 de janeiro de 2016, as expectativas são muito grandes. Muitas perguntas permeiam sua mente: como será? Quem encontrarei por aqui? Como são as pessoas? E até mesmo, uma pergunta tão simples e ao mesmo tempo tão complexa: o que eu vim fazer aqui? Bem, iniciamos com uma rodada de apresentações de viventes, facilitadores e comissão organizadora na Regional de Saúde de Imperatriz, além de uma dinâmica regada à música e dança. Haviam pessoas de Minas Gerais, Ceará, Tocantins, Rio Grande do Norte e dali mesmo do Maranhão. Seguimos então para o aterro sanitário da cidade (mais conhecido como lixão). Durante o caminho até lá, de ônibus, fomos sensibilizados com uma mística bem interessante, em que éramos questionados, um a um, sem precisar responder, se antes de sairmos de casa tínhamos dito aos nossos familiares o quanto os amávamos, se tínhamos agradecido o café da manhã e etc... Foi uma manhã inesquecível, o odor do lixão ardia as vias aéreas. Ver as pessoas, adultos e crianças, ali trabalhando, já me fez, no primeiro dia, perceber o quanto sou uma pessoa privilegiada. Conversamos com duas mulheres que vivem e sustentam suas famílias catando lixo. Uma delas, quando questionada sobre seu sonho, respondeu, com a voz embargada, que seu maior sonho era entrar em uma Universidade. No período da tarde, já no alojamento da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), recebemos a visita de uma representante da Secretaria Regional de Saúde do Município, que nos repassou algumas informações: No Maranhão, existem 19 regiões de saúde; este Estado possui um alto índice de mortalidade materno-infantil; Imperatriz faz parte de uma macrorregião de 15 municípios, sendo referência para esses; possui ao total 50 leitos de UTI; possui 1 hospital regional materno-infantil, onde recebe gestantes de alto risco, com 20 leitos. A cidade de Imperatriz possui apenas 51% de cobertura de Estratégia de Saúde da Família (ESF): são 43 equipes de saúde da família, 33 Unidades Básicas de Saúde (UBS), possui Serviço de Atendimento Domiciliar, Consultório de Rua, 9 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), Centro de Especialidades, entre outros pontos que compõem a Rede de Saúde do município. A representante nos informou que os principais problemas de saúde enfrentados na cidade são a Leishmaniose, a Hanseníase e a Tuberculose. Após a visita, já no final da tarde, o grupo de viventes, 40 pessoas no total, foi dividido em 4 grupos, chamados de NB (Núcleo de Base), contendo 10 pessoas em cada grupo. Além desta divisão, havia outra, chamada de GV (grupos de vivência): 2 pessoas de cada NB compunham 1 GV, para que após as visitas técnicas, repassássemos o que havíamos visto para nosso NB. Cada NB deveria ter um nome, que foi apresentado aos demais através de uma dinâmica. Nosso NB recebeu o nome de Abayomi. Abayomi é o nome dado às
bonequinhas feitas de pano por negras vindas da África para o Brasil. Durante o percurso no navio, as mães rasgavam um pedaço de suas saias e faziam bonequinhas para entreter suas filhas. Por isso, essas bonecas são sinônimos de amor, pois as mães davam o melhor que tinham para suas filhas. Já no dia seguinte, confeccionamos os crachás de identificação. Em seguida, fizemos uma dinâmica sobre as impressões de cada um sobre o SUS. Observei que alguns têm uma boa impressão do SUS, reconhecendo suas dificuldades, outros poucos têm uma visão mais romântica do SUS, e ainda existem aqueles que enxergam apenas dificuldades e amarguras no SUS. Assistimos um vídeo Se os tubarões fossem homens, que nos fez pensar sobre o egoísmo dos homens. À tarde a professora da UFMA, Jacinta, mediou uma roda de conversa sobre os marcos históricos da saúde pública no Brasil e nos inspirou com seu jeito apaixonado de falar sobre o SUS. Ainda nesse dia, recebemos orientações quanto à produção do relatório final do VER- SUS. No dia seguinte, participamos de uma mística chamada Pedra, fazendo alusão a um problema que temos na vida e como enfrentamos nossos problemas. Logo em seguida, participamos de uma plenária sobre o conceito e papel do Estado, com o facilitador Tainan. Contemplando o tema, ouvimos a música Cidadão de Zé Ramalho. À tarde, tivemos uma plenária sobre a opressão feminina. Para iniciar as discussões assistimos o vídeo Mulheres invisíveis e Violência contra as Mulheres. Esta plenária rendeu calorosas discussões, já que haviam diferentes opiniões. Mas para mim, foi muito bom ouvir a perspectiva de outras mulheres e tentar compreendê-las. À noite, mais uma plenária: opressão de negros e negras. Após discussões, fomos convidados a dançar e cantar contra a opressão. Gostei bastante! No dia 08 de janeiro, fizemos uma avaliação do VER-SUS de Imperatriz- MA, em cada NB. A avaliação foi muito importante, pois pudemos expor alguns pontos negativos e exaltar o que estava legal. Alguns dos pontos negativos expostos foram o descumprimento do contrato de vivência por parte de alguns e o acúmulo de atividades por dia, deixando-nos bastante cansados durante as atividades e ao final do dia, fazendo com que não aproveitássemos tanto cada momento. À tarde, assistimos ao vídeo Conflito das Águas, filme produzido na Colômbia, no ano de 2000, trazendo discussões sobre a saúde pública. Infelizmente, não tivemos tempo de discutir o filme depois, como havia sido planejado. Tivemos uma plenária sobre opressão LGBT, que foi iniciada através de uma dinâmica muito bacana, em que entrávamos numa sala escura, com algumas velas acesas e ouvíamos o som de LGBTs sendo oprimidos. Na vivência também tivemos a oportunidade de conhecer a cultura da umbanda e do espiritismo. Visitamos e participamos de uma reunião do centro espírita José Grosso,
em que fomos muito bem acolhidos. Também visitamos uma tenda de Umbanda, localizada em uma cidade vizinha. Lá, a mãe de santo nos explicou como funciona a umbanda e nos convidou para dançar com elas. Foi uma experiência inusitada! No dia seguinte, tivemos uma plenária sobre os Determinantes Sociais de Saúde. À tarde, participamos de uma roda de conversa com uma professora da UFMA sobre a Saúde Pública e a Saúde Privada no Brasil. No dia 11 de janeiro, iniciamos as visitas técnicas. Pela manhã, fomos visitar a UBS Milton Lopes e 2 ESFs, que se localizam numa mesma estrutura. Achei um tanto diferente uma UBS e 2 ESFs se localizarem em uma mesma estrutura, um pouco estranho pra mim, pois são pontos de uma rede de saúde com funções diferentes. Eles atendem a um território bastante grande e além de tudo, atendem também a municípios vizinhos. Desta maneira, acho difícil oferecer acesso em tempo oportuno e saúde de qualidade. À tarde, visitamos o hospital municipal de Imperatriz (mais conhecido como Socorrão ). Atendem pelo SUS toda a população de Imperatriz mais as cidades da macrorregião e até pessoas do Tocantins. Observei que o número de funcionários é muito pequeno para demanda, além da estrutura física ser precária. Sem contar que o prédio é alugado, o que onera muito para o município. Ao final do dia, assistimos aos filme Em nome da Razão. E para finalizarmos, participamos do De Quem? Pra Quem?, uma brincadeira em que os participantes enviam recadinhos uns para os outros, como uma forma de melhorar a socialização. No dia seguinte, visitamos o Centro de Atenção Psicossocial Infanto- Juvenil (CAPS IJ). Fomos recebidos por uma enfermeira bastante atenciosa, que demonstrou amor no que faz. O CAPS IJ de Imperatriz atende crianças e jovens com até 18 anos de idade. É referência para mais 12 municípios e os profissionais trabalham com uma carga horária de 30h semanais. Atendem em média 200 crianças por semana e, dentre os transtornos mais comuns estão a esquizofrenia, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, ansiedade e conflitos familiares. Contam com os seguintes profissionais: assistente social, brinquedista, clínico geral, enfermeiro, educador físico, fonoaudiólogo, nutricionista, pedagogo, psicopedagogo, psicólogo, psiquiatra, téc. De enfermagem, oficineira e cuidador social. A enfermeira que nos recebeu deixou claro que é preciso trabalhar em conjunto com a família das crianças, para que a recuperação seja efetiva. Na parte da tarde e noite, compartilhamos nossas vivências com os NBs e outros GVs, o que foi uma experiência bastante rica. Ainda, tivemos uma roda de conversa com uma professora de saúde mental, que nos contou a história dos hospitais psiquiátricos e a reforma psiquiátrica na Itália e no Brasil. Pra mim, foi muito válida a visita ao CAPS e esta roda de conversa, afinal, presto apoio ao CAPS da minha cidade, Timbó-SC, e pude fazer comparações e reflexões sobre o meu trabalho.
No dia 13 de janeiro, tivemos uma roda de conversa com a pedagoga Benta Lopes Silva, apoiadora da Política Nacional de Humanização (PNH) no Estado do Maranhão. Falou muito sobre a importância de humanizar a formação acadêmica para então, humanizar o SUS. Ainda, reitera que devemos fazer uma gestão em detrimento do coletivo e não do individual. Citou o autor Eduardo Galeano e o educador Mário Sérgio Cortella. À noite, tivemos uma roda de conversa sobre o movimento estudantil, sua função e importância. No dia 14, tivemos uma explanação bastante apaixonada da professora Euzamar Santana sobre a Saúde Indígena. Nos colocou, entre outras informações, que no Brasil há 210 povos indígenas diferentes, com 55 grupos ainda isolados. São 170 línguas identificadas em 579 terras indígenas (12% do território nacional). A estrutura da Saúde Indígena conta com Postos de Saúde dentro da Aldeia; Polo Base (que é mantido pela FUNASA e se localiza em cidades menores próximas à aldeia); Redes de Saúde do SUS (nos municípios de referência) e Casa de Saúde do Índio (CASAI), também localizado em municípios de referência. Uma equipe de saúde indígena é composta por médico, enfermeiro, odontólogo, auxiliar de enfermagem e agentes de saúde indígena. Contam com um sistema de informação próprio (SIASI) e dentre as dificuldades de se trabalhar numa aldeia indígena estão a língua, a cultura, a medicina alternativa, a falta de estrutura e recursos materiais. Dentre os agravos à saúde indígena estão as doenças infecciosas e parasitárias e doenças crônicas, como Hipertensão Arterial, diabetes, obesidade e neoplasias, fazendo-nos perceber a influência do homem branco na saúde indígena. À tarde, tivemos a oportunidade de participar do conselho municipal de saúde de Imperatriz, em que discutiam sobre o plano de ação das doenças crônicas não transmissíveis; sobre as notificações de violência no município; as funções da UBS e pronto-socorro; e questões sobre o Centro de Especialidades Odontológicas. À noite, tivemos a plenária sobre a opressão religiosa e a mística das Marias, com a finalidade de nos sensibilizar quanto às mulheres que ainda sofrem no Brasil com violência doméstica e opressão. No dia 15 de janeiro, tivemos uma plenária sobre o papel social dos graduandos, nos fazendo refletir sobre a importância de sermos incentivados a questionar tudo e não se acomodar com o que nos é apresentado. Conversamos sobre a importância da grade curricular e o retorno à sociedade daquilo que ela nos proporcionou na Universidade. No último dia, participamos de uma oficina de Zine, através de uma graduanda de publicidade. A intenção do Zine é colocar todas as informações que achamos que não aparecem frequentemente nos meios de comunicação e que são importantes para a sociedade. Então, fizemos o nosso Zine. Cada NB construiu uma página com um tema sorteado. Nosso NB ficou com o tema controle e participação social e, ao final, formamos o Zine do VER-SUS 2016.1. Experiência bem diferente, nunca havia ouvido falar em Zine, ideia inovadora!
Ao final da tarde, fizemos a revelação de nosso anjo, na Beira-Rio da cidade. O anjo era uma espécie de proteger alguma pessoa do grupo de vivência (foi sorteado anonimamente no início da vivência) até o final do VER-SUS. Regado a muita música, instrumentos de música e dança, e muita emoção encerramos o VER-SUS Imperatriz 2016.1. O que falar dessa experiência? Posso dizer que conheci pessoas e histórias maravilhosas. Histórias de opressão e superação, histórias de lutas e vitórias, e a certeza de que sempre poderei contar com cada um dos viventes para fazermos um SUS melhor!