ESTUDOS SOBRE DISLIPIDEMIA EM CRIANÇAS NO BRASIL: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA STUDIES OF DYSLIPIDEMIA IN CHILDREN IN BRAZIL: REVIEW



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ESTUDOS SOBRE DISLIPIDEMIA EM CRIANÇAS NO BRASIL: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA STUDIES OF DYSLIPIDEMIA IN CHILDREN IN BRAZIL: REVIEW Érica Silva de Araujo 1 Pontifícia Universidade Católica de Goiás ericaaraujo86@gmail.com Sérgio Henrique Nascente Costa, doutor 2 Resumo Dislipidemia é um distúrbio metabólico caracterizado por concentrações anormais de lipídios no sangue, sendo determinada por fatores genéticos e ambientais. A principal implicação patológica das dislipidemias é a doença arterial coronariana (DAC). Foi realizada pesquisa bibliográfica descritiva no período de 16 de abril de 2012 a 15 de junho de 2012, com a finalidade de levantar produções científicas em periódicos nacionais e internacionais sobre a dislipidemia em crianças no Brasil. Essa revisão de literatura demonstrou que a prevalência de crianças com dislipidemia no Brasil é elevada. Os estudos mostram a preocupação dos pesquisadores com a saúde futura das crianças brasileiras. É mais fácil e mais barato prevenir a dislipidemia na infância, propondo alimentação adequada e exercícios físicos, pois, na vida adulta, quando essa alteração lipídica causar uma doença coronariana, os custos com o tratamento serão mais elevados. Palavras-chave: dislipidemias, crianças, Brasil 1 Graduada em Biomedicina, pós graduanda em Saúde Pública (PUC-GO, 2012) 2 Biomédico, doutor em Ciências da Saúde, professor do Departamento de Biomedicina na Pontifícia Universidade de Goiás

Abstract Dyslipidemia is a metabolic disorder characterized by abnormal lipid concentrations in the blood and is determined by genetic and environmental factors. The main implication pathological of dyslipidemia is coronary artery disease (CAD). Descriptive literature search was conducted in the period from April 16, 2012 to June 15, 2012, aiming to raise scientific productions in national and international journals on dyslipidaemia in children in Brazil. This review showed that the prevalence of children with dyslipidemia in Brazil is high. Studies show the concern of researchers with the future health of Brazilian children. It is easier and cheaper to prevent dyslipidemia in childhood, proposing adequate nutrition and exercise, because in adulthood, when this lipid abnormality cause coronary disease, treatment costs will be higher. Keywords: dyslipidemia, children, Brazil Introdução Dislipidemia é um distúrbio metabólico caracterizado por concentrações anormais de lipídios ou lipoproteínas no sangue, sendo determinada por fatores genéticos e ambientais (1,2). A principal implicação patológica das dislipidemias é a doença arterial coronariana (DAC), a qual constitui, atualmente, uma das principais causas de morte nos países desenvolvidos (3). Essas doenças ocorrem em consequência da formação de placas lipídicas (ateromas) que se depositam na parede arterial, podendo obstruir a luz dos vasos sanguíneos. Muitas evidências sugerem que o processo de formação da placa aterosclerótica inicia-se na infância e progride lentamente até a vida adulta, quando ocorrerão as manifestações clínicas da doença, verificando-se um longo período assintomático (4, 5, 6, 7). É de grande interesse clínico verificar se a redução dos níveis séricos de colesterol pode proporcionar uma redução significativa na incidência de DAC em pessoas assintomáticas. Apenas nos últimos anos, a dosagem de colesterol durante a infância tem recebido maior

atenção. A detecção de níveis séricos elevados de colesterol na infância é importantíssima para a identificação das crianças que correm maior risco de desenvolver DAC na idade adulta e que podem se beneficiar de uma intervenção dietética mais intensa. (8) As III Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias (III DBSD) (9) recomenda rastreamento seletivo do perfil lipídico em crianças e jovens de até 19 anos. De forma geral, os autores nacionais utilizam valores de referência procedentes de outros países, principalmente os de origem norte-americana. As III DBSD (9) também adotam idêntico recurso, recomendando valores transcritos do National Cholesterol Education Program (NCEP), adotado nos EUA a partir de 1992. Essa prática pode induzir a erros, pois desconsidera diferenças étnicas, socioeconômicas, hábitos alimentares e a constituição física da população brasileira (22). Alguns estudos (15,16) e as III Diretrizes Brasileiras de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (9) relatam a correlação entre colesterol sanguíneo elevado e incidência de doenças cardiovasculares, revelando que o risco aumenta quando o colesterol é maior que 200 mg/dl. Entretanto, a partir dezembro de 2005, a Sociedade Brasileira de Cardiologia através da I Diretriz de Prevenção de Aterosclerose na Infância e na Adolescência já recomenda aconselhamento dietético a partir de 150 mg de colesterol/dl de sangue e supervisão rotineira a partir de 170 mg de colesterol/dl de sangue para prevenção de doenças cardiovasculares (10) As lipoproteínas permitem a solubilização e transporte dos lípides, que são substâncias geralmente hidrofóbicas, no meio aquoso plasmático. São compostas por lípides e proteínas denominadas apolipoproteínas (apos). (23) As lipoproteínas são divididas em quatro classes: as ricas em TG, representadas pelos quilomícrons, de origem intestinal, e pelas lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL), de origem hepática; e as ricas em colesterol de densidade baixa (LDL) e de densidade alta (HDL). Existe ainda uma classe de lipoproteínas de densidade intermediária (IDL). (23) O transporte dos lipídeos absorvidos pelo intestino, que são originados da dieta e da circulação entero-hepática é realizado pelos quilomícrons. O transporte de lípides de origem hepática ocorre por meio das VLDL, IDL e LDL. A lipase lipoproteica hidrolisa os

triglicérides das VLDL e também os quilomícrons. Os quilomícrons e as VLDL sofrem ação da lipase lipoproteica e são progressivamente depletados de TG, se transformando em remanescentes, sendo removidos pelo fígado por receptores específicos. Uma parte das VLDL dá origem às IDL, que são removidas rapidamente do plasma. O catabolismo continua, com a ação da lipase hepática, dando origem às LDL, que permanecem por longo período no plasma. O HDL-colesterol é formado no fígado, na circulação e no intestino tendo como principal conteúdo proteico as apos A-I e A-II. O HDL tem como função transportar o colesterol até o fígado, remover os lípides oxidados da LDL, inibir a fixação de moléculas de adesão e monócitos ao endotélio e estimular a liberação de óxido nítrico, protegendo contra a aterogênese. (23) Através de análises bioquímicas, as dislipidemias primárias podem ser classificadas genotipicamente ou fenotipicamente. Na classificação genotípica, as dislipidemias se dividem em monogênicas, causadas por mutações em um só gene, e poligênicas, causadas por associações de múltiplas mutações. A classificação fenotípica ou bioquímica considera os valores do CT, LDL-C, TG e HDL-C. (23) A classificação fenotípica compreende quatro tipos. O primeiro é a hipercolesterolemia isolada, quando se tem elevação isolada do LDL-C ( 160 mg/dl); o segundo é a hipertrigliceridemia isolada que é a elevação isolada dos TG ( 150 mg/dl), que reflete o aumento do volume de partículas ricas em TG como VLDL, IDL e quilomícrons; o terceiro é a hiperlipidemia mista que é quando se tem valores aumentados tanto de LDL-C ( 160 mg/dl) quanto de TG ( 150 mg/dl) ou, caso TG >400mg/dL considera-se hiperlipidemia mista se o CT for maior ou igual a 200 mg/dl. O quarto e último tipo de dislipidemia são quando os níveis de HDL-C estão baixos (homens <40 mg/dl e mulheres <50 mg/dl) isolada ou em associação com aumento de LDL-C ou de TG. (23) Considerando a importância deste tema para a saúde pública, o objetivo desta revisão foi analisar a prevalência de crianças com dislipidemia no Brasil e enfatizar a importância da atenção das autoridades competentes para a realização do controle do perfil lipídico desde a infância, visando à prevenção de doenças coronarianas na vida adulta. Metodologia Foi realizada pesquisa bibliográfica descritiva, com a finalidade de levantar produções

científicas em periódicos nacionais e internacionais sobre a dislipidemia em crianças no Brasil. Para isso, foi utilizado o banco de dados on line da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) (12). Além disso, foram selecionados os artigos na base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (Scielo) e United States National Library of Medicine (Medline). A pesquisa foi realizada no período de 16 de abril de 2012 a 15 de junho de 2012, utilizando como descritor de assunto a palavra dislipidemias adicionando crianças e Brasil, tendo sido encontradas 14 publicações. Os artigos que se repetiam nos bancos de dados foram retirados, restando então oito artigos. Dos oito artigos que restaram, foram selecionados seis que tratavam do assunto pertinente à pesquisa, com estudos a respeito do perfil lipídico de crianças brasileiras. Os valores de referência do perfil lipídico adotados nas pesquisas encontram-se na tabela abaixo. VALORES ALTERADOS (mg/dl) Artigo Colesterol total HDL-c LDL-c Triglicérides Alcantara Neto et al, 2012 170 não avaliado não avaliado 130 Isabela de Carlos Back Giuliano et al, 2005 170 < 35 110 130 Abel Pereira, Alexis D. Guedes et al, 2009 170 < 35 110 150 Sueli Rosa Gama et al, 2007 170 < 45 130 130 Everaldo de Franca et al, 2006 170 < 45 110 130 Eliana Cotta de Faria et al, 2008 170 < 45 110 90 Resultados Em um estudo realizado em 2008 com 937 crianças com idades entre 7 e 14 anos, em escolas estaduais e municipais de Salvador, Bahia, a prevalência de dislipidemia foi de 25,5%. Nesse estudo, a dislipidemia esteve associada significantemente a baixa escolaridade materna, ao baixo consumo de alimentos protetores, ao consumo moderado e alto de alimentos de risco e ao excesso de peso (sobrepeso/obesidade). (13) Em outro estudo, feito com alunos da rede escolar de Florianópolis em 2001, participaram

1.053 indivíduos com idade entre 7 e 18 anos. A concentração sérica de colesterol foi 162±28 mg/dl; de triglicerídeos 93±47 mg/dl; de HDL-colesterol 53±10 mg/dl; de LDLcolesterol 92±24 mg/dl e de colesterol não-hdl 109±26 mg/dl. Os participantes da pesquisa foram divididos baseados no tipo de escola (públicas e privadas), gênero e faixa etária (7 a 10 anos, 11 a 14 anos e 15 a 18 anos). Os indivíduos do gênero feminino apresentaram concentrações maiores de colesterol total e LDL-colesterol e os indivíduos que freqüentavam as escolas privadas mostraram níveis mais elevados de colesterol, triglicerídeos e de HDL-colesterol. De acordo com as idades, houve uma tendência de níveis mais elevados na faixa etária até os 10 anos e um decréscimo a partir desta faixa etária dos níveis de colesterol, triglicerídeos, colesterol não-hdl e HDL(14). No estudo realizado com 494 escolares de Itapetininga entre abril e dezembro de 2001, São Paulo, com idades entre 2 e 19 anos, o colesterol total estava aumentado em 51% dos sujeitos da pesquisa; o LDL-colesterol, em 40,5% e o triglicérides em 8,5%. O HDLcolesterol estava reduzido em 6,1% das dosagens realizadas. Nesse estudo verificou-se que a presença de obesidade infantil foi associada a uma maior chance de se encontrar níveis elevados de colesterol total, LDL-colesterol e triglicérides(15) Em um estudo realizado analisando as fichas das crianças do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (CSEGSF/ENSP/FIOCRUZ), entre fevereiro e julho de 2004, observou-se que das 231 crianças, 68,4% apresentaram dislipidemia, considerando qualquer alteração do perfil lipídico, ou seja, colesterol total ou frações. Assim, 18,6% tinham aumento de LDL-colesterol, 35% alteração de HDL-colesterol e 3,5% de triglicerídes (16). Das 414 crianças e adolescentes, entre 5 e 15 anos, analisados no estudo realizado em Pernambuco em 2006, cerca de 30% apresentaram dispidemias, caracterizado por altos níveis de triglicerídes, colesterol total e colesterol LDL. Constatou-se que cerca de 24% e 15% de todos os sujeitos tinham, respectivamente, níveis limítrofes de colesterol total e colesterol LDL, enquanto cerca de 6% e 10% de todos os sujeitos apresentavam níveis elevados de colesterol total e colesterol LDL, respectivamente. Cerca de 19% das crianças com menos de 10 anos de idade e 12% dos adolescentes apresentavam níveis plasmáticos

de triglicerídeos mais altos que os recomendados para essas faixas etárias.(8) Em um ambulatório do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas- SP entre 2000 e 2007, valores alterados de colesterol, LDL-colesterol e triglicérides foram encontrados em 44, 36 e 56% das crianças de dois a nove anos e em 44, 36 e 50% dos adolescentes de 10 a 19 anos, respectivamente, de um total de 1937 indivíduos. Foi observada redução de HDL-colesterol em 44% das crianças e 49% dos adolescentes. A Hipercolesterolemia associada com hipertrigliceridemia estava presente em 34% das crianças e dos adolescentes.(17) Discussão e Conclusão Essa revisão de literatura demonstrou que a prevalência de crianças com dislipidemia no Brasil é elevada. Os estudos mostram a preocupação dos pesquisadores com a saúde futura das crianças brasileiras. (17,22) Talvez no Brasil a classe média esteja sofrendo o mesmo processo vivido pela classe média americana nos anos 60 do século XX, no qual a melhor renda se refletia sobre a dieta mais rica em calorias e gorduras saturadas. Atualmente nos Estados Unidos da América (EUA), com o maior acesso da população à informação, esta tendência se inverteu, onde se observa que as pessoas de classes de maior poder aquisitivo, na sua maioria, exercitam-se mais, comem de forma mais saudável, fumam menos e têm menores taxas de mortalidade por doença cardiovascular (14,18,19,20,21). No entanto, observa que as crianças brasileiras de classe social mais baixa também sofrem com esse problema, uma vez que a alimentação é rica em carboidratos e gorduras, e uma alimentação saudável, com frutas e verduras possui um custo mais elevado (11). É necessário um maior empenho por parte do poder público, estimulando a alimentação saudável, obrigando tanto as escolas públicas quanto as particulares a ter o cardápio montado por nutricionistas e proibindo a venda de lanches com alto teor calórico e de gordura. Deve-se também estimular a prática de atividades físicas, com atividades de educação física nas escolas, no mínimo, três vezes por semana. Em relação à responsabilidade familiar, cabe aos pais cuidar da saúde dos filhos,

oferecendo uma dieta saudável desde o primeiro ano de vida e estimulando a prática de atividades físicas, e controlando o período a frente da televisão, computadores e videogames. A elevada prevalência de perfis lipídicos ruins em crianças e adolescentes, até mesmo sem história familiar de doença arterial coronariana, indica que a triagem preventiva deve começar durante a infância, pois pode identificar pessoas jovens que correm o risco de desenvolver prematuramente doença arterial coronariana. Estudos do perfil lipídico ajudarão a reduzir as altas taxas de mortalidade por doenças do sistema circulatório. (8) O presente estudo mostra que o perfil lipídico das crianças brasileiras é preocupante. Em todos os artigos analisados, a prevalência de dislipidemia nas crianças foi elevada. É mais fácil e mais barato prevenir a dislipidemia na infância, propondo alimentação adequada e exercícios físicos, pois, na vida adulta, quando essa alteração lipídica causar uma doença coronariana, os custos com o tratamento serão mais elevados. Referências 1. TALMUD, P.J; WATERWORTH, D.M. In-vivo and in-vitro nutrient-gene interactions. Curr Opin Lipidol. 2000;11:31-6. 2. FRANCA, E; ALVES, J.G.B, HUTZ, M.H. Apolipoprotein e polymorphism and its association with serum lipid levels in Brazilian children. Hum Biol. 2004; 76: 267_75. 3. LEVI, F. et al. Trends in mortality from cardiovascular and cerebrovascular diseases in Europe and other areas of the world. Heart, v. 88, p. 119-24, 2002. 4. BERENSON, G. S. et al. Association between multiple cardiovascular risk factors and atherosclerosis in children and young adults. The Bogalusa Heart Study. N Engl J Med, v. 338, p. 1650-6, 1998. 5. CARAMELLI, B.; GIULIANO, I. C. B. Dislipidemia em crianças e adolescentes. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo, v. 6, p. 518-23, 2005.

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