Abordagens integradas de monitorização da descarga de efluentes urbanos em águas costeiras: o exemplo de S. Martinho do Porto.

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Transcrição:

Abordagens integradas de monitorização da descarga de efluentes urbanos em águas costeiras: o exemplo de S. Martinho do Porto. Adélio SILVA Eng. Civil, Hidromod, Av. Manuel da Maia, 36, 3º esq, 1000-201 Lisboa, 218486015; adelio@hidromod.com Paulo CHAMBEL-LEITÃO Eng. Civil, Hidromod, Av. Manuel da Maia, 36, 3º esq, 1000-201 Lisboa, 218482784; paulo.chambel@hidromod.com Sandra CARVALHO Eng. Recursos Hídricos/Sanitária, Águas do Oeste, Conv. S. Miguel das Gaeiras, 2510-718 Gaeiras, 262955200; s.carvalho@aguasdooeste.com Cátia ALVES Eng. Ambiente, Águas do Oeste, Conv. S. Miguel das Gaeiras, 2510-718 Gaeiras, 262955200; c.alves@aguasdooeste.com Resumo A caracterização de uma determinada zona costeira apenas com base em medidas está limitada pela reduzida discretização espacial e/ou temporal destas. No âmbito do sistema de monitorização do emissário submarino de S. Martinho do Porto foi implementado um sistema que, para além da recolha sistemática de amostras de água para análise, contemplou a implementação de um modelo numérico baseado no sistema MOHID (http://www.mohid.com) capaz de simular a evolução do nível e das correntes forçada pela acção do vento, da maré e das ondas bem como a evolução da salinidade e da concentração de coliformes termotolerantes. O sistema modelo-medidas tem os seguintes objectivos: (i) definir de forma coerente os pontos de medida, (ii) funcionar como elemento integrador das medidas no espaço e no tempo e (iii) ajudar na interpretação/compreensão dos valores medidos. Nesta comunicação será apresentada uma descrição do sistema implementado e dos resultados obtidos tendo por objectivo demonstrar a mais valia de um sistema desta natureza no que respeita ao aumento da eficiência do esforço de monitorização, à compreensão da dinâmica e ao estabelecimento de relações causa-efeito. Aborda-se também a credibilidade dos resultados das campanhas de monitorização realizadas em ambientes costeiros com ambientes hidráulicos turbulentos. Palavras-Chave: Monitorização, Modelação, Qualidade da Água, Emissários Submarinos

1 INTRODUÇÃO A caracterização de uma determinada zona costeira apenas com base em medidas está limitada pela reduzida discretização espacial e/ou temporal destas. Por exemplo, um ADCP fundeado permite medir com elevada continuidade temporal perfis de velocidades num ponto mas não permite uma caracterização da variabilidade espacial do campo de correntes. Uma imagem de satélite permite descrever com alguma continuidade espacial a temperatura num instante mas só à superfície. A modelação numérica é uma ferramenta complementar às medidas que permite dar a estas continuidade espacial e temporal, permitindo testar diferentes cenários futuros. No âmbito do sistema de monitorização do emissário submarino de S. Martinho do Porto foi implementado um sistema que, para além da recolha sistemática de amostras de água para análise, contemplou a implementação de um modelo numérico capaz de simular a evolução do nível e das correntes forçada pela acção do vento, da maré e das ondas bem como a evolução da salinidade e da concentração de coliformes termotolerantes. O sistema modelo-medidas tem os seguintes objectivos: (i) definir de forma coerente os pontos de medida, (ii) funcionar como elemento integrador das medidas no espaço e no tempo e (iii) ajudar na interpretação/compreensão dos valores medidos. As simulações numéricas foram realizadas recorrendo à modelação de sistemas aquáticos MOHID (http://www.mohid.com). Este sistema é constituído por diversos módulos que permitem simular os principais processos físicos e biogeoquímicos que ocorrem em sistemas aquáticos. Neste estudo foram utilizados os módulos hidrodinâmico e das propriedades da água. A dispersão da pluma do exutor foi simulada acoplando aos módulos anteriores um módulo de transporte lagrangeano (particle tracking) que permite simular com elevada resolução a dispersão de contaminantes com origem discreta no espaço e no tempo. Os resultados obtidos permitem demonstrar a mais valia da utilização de um sistema integrado desta natureza no que respeita à optimização dos custos e interpretação dos dados bem como demonstrar a eficácia do sistema de descarga do efluente no mar em termos do reduzido impacte no meio. Uma das questões que normalmente se levanta relativamente aos resultados de programas de monitorização do tipo aqui descrito tem a ver com a relevância (incerteza) dos valores medidos. Por exemplo, em todas as campanhas efectuadas, os valores medidos na zona do emissário apresentaram sempre valores reduzidos para todos os parâmetros amostrados. Aliás apenas numa campanha efectuada em Julho de 2006 num ponto junto a terra (e.g. Hidromod, 2006) foram detectados vestígios de contaminação microbiológica na zona próxima do emissário (da ordem do 2000 [MPN/100ml]). Estes dados, a serem a única fonte para caracterização do impacte do emissário no meio, poderiam levantar dúvidas relativamente à respectiva relevância: terão sido os pontos de amostragem seleccionados os mais adequados? E uma vez que as descargas não são efectuadas de forma contínua, terá o instante

de amostragem sido compatível com uma situação em que a dispersão do efluente já fosse suficiente para atingir a zona dos pontos de medida? Não sendo possível monitorizar uma infinidade de pontos de forma contínua de modo a esclarecer estas legítimas dúvidas, a forma de perceber se efectivamente os dados fazem sentido ou não é através do recurso à simulação em modelo. Embora os dados recolhidos nas campanhas não sejam suficientes para validar um modelo, as simulações efectuadas permitem suportar um modelo conceptual de funcionamento do sistema e explicar de forma objectiva os dados recolhidos. O modelo, ao permitir obter uma imagem da evolução temporal com continuidade espacial dos parâmetros em observação, permite igualmente perceber se um valor medido é baixo por uma das razões invocadas anteriormente ou simplesmente porque as características de dispersão do efluente são compatíveis com esse valor. Os dados recolhidos, embora ainda em número reduzido, permitem por seu lado balizar os valores calculados pelo modelo, funcionando assim o sistema modelo/medidas como um conjunto que resulta num benefício efectivo para o programa de monitorização. 2 CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA O emissário de S.Martinho, construído e gerido pela Águas do Oeste, S.A.(AdO), é constituído por uma tubagem que permite descarregar o efluente no mar, junto à costa. O emissário foi dimensionado para um caudal de projecto de cerca de 10.000 m 3 /dia tendo começado a operar para um caudal da ordem de 500 m 3 /dia. A estrutura do órgão de descarga é constituída por dois orifícios laterais um dos quais se apresenta fechado nesta fase inicial do projecto. A descarga do efluente via emissário é presentemente efectuada de forma discreta no tempo. Dados fornecidos pela AdO, indicam que cada descarga dura aproximadamente 8 minutos e apresenta um caudal médio de 50 l/s. O programa de monitorização delineado para caracterizar o impacte da descarga no meio receptor, inclui a recolha clássica de água para análise laboratorial e a exploração de um modelo para simulação da dispersão da pluma. O plano de monitorização elaborado pela AdO, inclui tanto a zona do emissário como o interior da baía de S. Martinho do Porto, uma vez que se pretende caracterizar eventuais conexões (positivas ou negativas) entre a zona de descarga e a zona balnear. Embora não fosse expectável uma possível influência da descarga do emissário na qualidade da água no interior da baía de S. Martinho do Porto, o facto desta ser uma zona com utilização balnear significativa. Como programa base foram seleccionados para monitorização 4 pontos na zona costeira e 3 pontos no interior da baía (cf. Figura 1).

Figura 1 - Localização aproximada dos pontos de amostragem e do ponto de descarga do emissário O programa iniciou-se em Janeiro de 2006 antes da entrada em funcionamento do emissário (para se poder dispor de uma situação zero ) e incluiu, até à data, a realização de mais 6 campanhas (Julho de 2006, Janeiro de 2007, Abril de 2007, Junho de 2007, Julho de 2007 e Setembro de 2007). Em cada campanha foram recolhidas amostras para análises microbiológicas e físico-químicas. Em complemento às amostras recolhidas para análise em laboratório, foram efectuadas medidas no local com recurso a uma sonda multi-paramétrica. As análises microbiológicas incluíram a determinação de valores de Coliformes totais, Coliformes termotolerantes, Escherichia.coli, Enterococos intestinais e Salmonelas. As análises físico-químicas foram incluíram a determinação de valores de Nitratos, Nitritos, Amónia, Azoto Orgânico, Azoto Kjeldahl, Fósforo Total, Fosfatos, Silicatos, Carbono Orgânico Total, SST, feopigmentos e clorofila-a. No local foram medidos com a sonda os valores de Temperatura, ph, Turbidez, Clorofila-a e Oxigénio dissolvido. 3 VALORES OBSERVADOS Os valores observados na zona do emissário que respeitam às concentrações dos parâmetros microbiológicos, foram sempre reduzidos (raramente excederam os 10 [MPN/100ml]), cumprindo os valores legais permitidos, conforme especificações apresentadas no Anexo XV do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto e na Directiva das Águas Balneares (Directiva 2006/7/CE, de 15 de Fevereiro de 2006). Apenas na campanha efectuada em Julho de 2006 (e.g. Hidromod, 2006) foram detectados vestígios de contaminação microbiológica num ponto junto a terra, na zona próxima do emissário (da ordem dos 2.000 [MPN/100ml] de coliformes totais). No que respeita aos valores observados no interior da baía de S. Martinho do Porto verificou-se uma alguma variabilidade em função das condições meteorológicas dos dias que precederam as campanhas. Para além da fonte de poluição potencial representada pelo rio Tornada em condições de

caudal mais elevado (valores máximos medidos de coliformes totais de 140.000 [MPN/100ml]), foram ainda detectados outros pontos potenciais de poluição microbiológica associados a tubos de descarga para o interior da baía. Em condições de tempo seco não se observaram episódios de contaminação microbiológica significativa em nenhum dos pontos monitorizados. As concentrações relativas aos parâmetros físico-químicos monitorizados, tanto na zona costeira como no interior da baía, foram sempre reduzidas. 4 SIMULAÇÃO DOS PROCESSOS FÍSICOS E MICROBIOLÓGICOS Como referido anteriormente a caracterização de uma determinada zona costeira apenas com base em medidas está limitada pela reduzida discretização espacial e/ou temporal destas. A modelação numérica é uma ferramenta complementar às medidas pontuais, que permite dar a estas continuidade espacial e temporal. Nesta perspectiva, foi implementado um modelo numérico com o objectivo de simular a evolução do nível e das correntes forçada pela acção do vento, da maré e das ondas. Este modelo foi implementado na sequência da campanha de Abril de 2007 para simular e explicar a evolução da salinidade e da concentração coliformes termotolerantes. A experiência decorrente das sucessivas campanhas levadas a efeito no local, mostra que embora a agitação não tenha um papel significativo sobre o transporte da pluma do emissário ela pode condicionar a circulação na zona da embocadura da baía em situações mais energéticas. Não percebo! As simulações numéricas realizadas tiveram por base o sistema de modelação de sistemas aquáticos MOHID (http://www.mohid.com), o qual é constituído por diversos módulos que permitem simular os principais processos físicos e biogeoquímicos que ocorrem em sistemas aquáticos. Neste estudo foram utilizados os módulos hidrodinâmico e das propriedades da água. Estes dois módulos permitem simular, num referencial euleriano, a evolução das correntes e da densidade (temperatura e salinidade). A dispersão da pluma do emissário foi simulada acoplando aos módulos anteriores um módulo de transporte lagrangeano (particle tracking), que permite simular com elevada resolução a dispersão de contaminantes com origem muito discreta no espaço e no tempo. Este tipo de abordagem lagrangeana evita o problema de difusão numérica associado a abordagens eulerianas. Como indicador de contaminação fecal foram utilizadas as concentrações de coliformes termotolerantes tendo sido adoptado um modelo de mortalidade fecal de 1.ª ordem. A taxa de decaimento foi calculada em função da temperatura, da salinidade e da radiação solar no meio. Este modelo resultou de medidas de mortalidade de Escherichia coli em laboratório e, em in situ, feitas no mar Cantábrico (Canteras et al., 1995).

4.1 Sistema de modelação O conjunto de modelos implementados inclui um sistema de modelos encaixados baseado no sistema MOHID para a simulação dos processos de hidrodinâmica e de dispersão e um modelo da bacia baseado no modelo SWAT para avaliação dos caudais drenados pelo rio Tornada. Em Hidromod (2007a) é apresentada uma descrição detalhada dos modelos implementados e das condições de fronteira utilizadas. O sistema de modelos encaixados para simulação dos processos de hidrodinâmica e de dispersão inclui 4 níveis. O modelo de resolução mais grosseira (nível 1) abrange quase toda a costa Atlântica Ibérica (cf. Figura 2) e é forçado com maré e vento. A maré imposta na fronteira aberta foi obtida a partir da solução global de maré FES95.2 (Le Provost et al., 1998). O vento foi considerado apenas variável no tempo. Os diferentes níveis dos modelos encaixados encontram-se centrados na zona de estudo e têm por missão diminuir de forma gradual o passo espacial do modelo numérico que é da ordem dos 2 km no nível 1 e 10-20 m no nível 4. O modelo de nível 4 para além de ser forçado com maré e vento (como os outros 3 níveis) inclui um forçamento adicional devido às ondas. Figura 2: Sistema de modelos encaixados O modelo de bacia foi implementado para a área que drena para a baía de S. Martinho do Porto (cf. Figura 3) tendo por objectivo estimar o caudal e a contaminação fecal das descargas, uma vez que não se dispõem de medidas para estes parâmetros. Em Hidromod (2007a) foi assumido que o caudal

destas descargas é controlado pela precipitação e optou-se por estimar um caudal médio com base na precipitação que ocorreu nos 4 dias anteriores. Figura 3: Delimitação das bacias hidrográficas que drenam para a Baía de São Martinho 4.2 Simulações efectuadas No âmbito do presente trabalho foram efectuadas simulações tendo por objectivo: i) explicar os valores medidos; ii) caracterizar a dispersão do efluente em condições normais de exploração e quantificar o impacte positivo da ETAR; iii) ilustrar o impacte sobre o meio receptor em situação de emergência; iv) demonstrar que as descargas do emissário não afectam a baía de S. Martinho do Porto e avaliar qual a influência de descargas directas na baía com origem no rio Tornada e em tubos de descarga que permanecem a drenar algumas zonas circundantes, têm na qualidade da água local. De acordo com a literatura, uma concentração típica de coliformes de efluente não tratado é 10 6-10 8 [NMP/100ml]. Após tratamento biológico este valor pode decrescer entre uma a duas ordens de grandeza (Metcalf & Eddy, 2003) enquanto que a desinfecção permite reduzir a concentração várias ordens de grandeza. No caso do emissário de S. Martinho do Porto o efluente descarregado é objecto de tratamento prévio numa ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) também sob gestão da Águas do Oeste, que entrou em funcionamento durante o ano de 2006. Esta ETAR apresenta tratamento secundário, que foi reforçado durante o ano de 2007 com um processo de desinfecção. Dados recentemente disponibilizados pela Águas do Oeste mostram que concentração do efluente ao longo de 2007 oscilou entre 10 2-10 4 [NMP/100ml] (cf. Figura 4). A média geométrica desta série é de aproximadamente 10 3 [NMP/100ml], estando assim longe dos valores máximos simulados anteriormente.

Figura 4: Concentração de coliformes fecais do efluente descarregado pelo emissário ao longo de 2007. No caso das simulações relativas à caracterização das condições normais de exploração foi admitida uma concentração de 10 3 [NMP/100ml] coliformes fecais para o efluente do emissário (da ordem de grandeza dos valores medidos à saída da ETAR). Para a simulação de condições de emergência considerou-se uma concentração de 10 6 [NMP/100ml] coliformes fecais para o efluente descarregado pelo emissário (considerando um efluente não tratado do ponto de vista microbiológico). No caso das afluências naturais drenadas pelo rio Tornada, embora não se disponham de valores de concentrações de contaminação microbiológica numa zona montante do rio assumiu-se que, neste caso, seria razoável manter a hipótese de considerar uma a concentração de coliformes fecais no rio de 10 6 [MPN/100ml]. Relativamente à análise da influência dos caudais drenados foram efectuadas simulações para diferentes situações: uma correspondendo às condições observadas na altura da campanha de Abril de 2007, que ocorreu após um período de chuvas (e.g. Hidromod, 2007a), e outra correspondendo às condições observadas na altura da campanha de Setembro de 2007, que foi efectuada após um período de ausência de precipitação significativa. 4.3 Análise dos resultados obtidos Os resultados do modelo (Hidromod, 2007a,b) indicam que a dispersão do efluente descarregado pelo emissário se faz de forma lenta e que, para se poder ver a respectiva assinatura numa área como esta, é necessário aguardar um período da ordem de pelo menos 1 hora. Em qualquer dos casos, por se tratar da emissão de um pequeno volume de água num período curto (100 m 3 em cerca de 10 minutos) verifica-se que, após a diluição inicial, as concentrações no meio são bastante baixas e que o impacto da descarga no meio é muito reduzido. Os resultados da simulação para condições normais de exploração (rejeição de um efluente tratado) mostram que as concentrações de coliformes fecais, 45 minutos depois do início da descarga, são inferiores a 10 [MPN/100ml] em toda a zona de influência do emissário. Este resultado está de acordo com as medidas que mostram que para os pontos recolhidos no período da manhã, em

situação de preia-mar, o valor máximo obtido para a concentração de coliformes foi de 3 [MPN/100ml] no ponto P2 (cf. Figura 5). No caso da simulação que pretende reproduzir uma situação de emergência, em que o efluente é emitido sem ser tratado, pode observar-se uma zona em torno do ponto de emissão com um raio da ordem dos 20 m em que as concentrações são ligeiramente superiores 1000 [MPN/100ml] (cf. Figura 5). A mesma pluma às 2 horas mais tarde continua a apresentar um impacte local mas agora ligeiramente mais distribuído ao longo da costa e apresenta valores iguais ou inferiores a 1000 [MPN/100ml]. Figura 5: Simulação da dispersão do efluente do emissário (situação 45 minutos após a descarga) No que respeita à baía de S. Martinho do Porto as medidas mostram quer um grau de contaminação microbiológica variável que parece estar intimamente ligado às condições meteorológicas. Na sequência da campanha de Abril de 2007, que ocorreu após um período de chuvas (e.g. Hidromod, 2007a), observaram-se valores significativos de contaminação microbiológica, enquanto que nas restantes campanhas, onde tal situação não ocorreu, os valores medidos foram em geral reduzidos. Os resultados do modelo permitiram confirmar estes valores e pôr em evidência a importância das afluências directas da bacia na definição da qualidade da água na baía. Como se pode observar pela Figura 6 relativa à simulação do período de Abril de 2007, o modelo permite compreender de que forma as descargas efectuadas directamente para a baía podem ser responsáveis pelo nível de contaminação observado na altura. Os resultados de salinidade mostram a formação de duas bolhas de recirculação que são evidentes no campo de velocidades residuais (ou médias) (cf. Figura 7). Na margem Sul existe uma tendência para

se formar uma bolha de recirculação ciclónica (sentido contrário aos ponteiros do relógio). Esta bolha de recirculação faz com que o material com origem no rio Tornada ao entrar na Baía seja transportado junto à costa para Este e a meio da Baía mude de bruscamente de direcção e seja transportado na direcção da embocadura (Norte). Na margem Norte existe a tendência para se formar uma bolha de recirculação anticiclónica (sentido dos ponteiros do relógio). Uma das consequências deste padrão de circulação é que o efluente emitido junto ao cais tende a ser transportado ao longo de toda a margem Norte sendo transportado para a embocadura já só perto do ponto P6. Figura 6: Simulação da contaminação fecal com origem nas descargas identificadas no interior da Baía de S. Martinho do Porto Figura 7: Velocidade residual.

5 CONCLUSÕES Neste trabalho é apresentada uma descrição do programa de monitorização de amostragem implementado para a zona do emissário de S. Martinho do Porto e da baía de S. Martinho do Porto. No caso da avaliação dos parâmetros microbiológicos, as análises efectuadas no âmbito das diferentes campanhas realizadas até à data, têm vindo a revelar que a descarga cumpre tanto as exigências impostas no Anexo XV do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto como os limites da Directiva das Águas Balneares (Directiva 2006/7/CE, de 15 de Fevereiro de 2006). Relativamente às análises efectuadas aos nutrientes, tem-se verificado igualmente que apresentam concentrações reduzidas em todos os pontos analisados. As simulações efectuadas confirmam e permitem explicar porque é que (com excepção de um pequeno período onde as concentrações de coliformes junto a terra podem ter valores superiores a 500 [MPN/100ml]), as concentrações são, em regra, reduzidas não sendo expectável encontrar valores de concentrações significativas em qualquer dos pontos monitorizados. No que respeita à baía de S. Martinho do Porto, os resultados da monitorização disponíveis até à data indiciam uma forte correlação entre a precipitação e a ocorrência de valores mais significativos de contaminação microbiológica. Neste caso, a poluição difusa (e/ou a necessidade de descargas excepcionais de sistemas de tratamento de efluentes) deverá desempenhar um papel importante. A ocorrência de valores de precipitação de que resultam valores de runoff significativos é acompanhada do transporte de poluentes para a baía que, como se viu na campanha de Abril, podem ter capacidade de envolver a totalidade da baía. Um esclarecimento destes mecanismos, nomeadamente de condições críticas de pluviosidade, implicará um estudo mais detalhado dos processos e das fontes poluidoras ao nível da bacia. Em termos gerais, uma das conclusões relevantes do presente programa de monitorização, é que a combinação de modelos e medidas resulta numa mais valia significativa. Sem os resultados da modelação não seria possível garantir o grau de confiança das medidas dado a baixa resolução temporal e espacial. No entanto, sem as medidas pontuais, também não seria possível validar minimamente os modelos. Daqui resulta que com um reduzido número de pontos de amostragem (situação comum nestes casos), é possível desenvolver um modelo conceptual de funcionamento do sistema credível que permite compreender o respectivo funcionamento e actuar em conformidade, se possível ou necessário. 6 REFERÊNCIAS CANTERAS, J.C.; JUANES, J.A.; PEREZ, L.; KOEV, K.N.(1995). Modeling the Coliforms Inactivation Rates in the Cantabrian-Sea (Bay-of-Biscay) from in-situ and Laboratory Determinations of T-90. Water Science and Technology, 1995. 32(2): pp. 37-44.

HIDROMOD (2006). Exutor de São Martinho do Porto. Relatório da campanha de monitorização do exutor de S. Martinho do Porto e da baía de S. Martinho do Porto realizada em Julho de 2006. Relatório HIDROMOD (2007a). Exutor de São Martinho do Porto. Relatório da campanha de monitorização do exutor de S. Martinho do Porto e da baía de S. Martinho do Porto realizada em Abril de 2007. Relatório HIDROMOD (2007b). Exutor de São Martinho do Porto. Relatório da campanha de monitorização do exutor de S. Martinho do Porto e da baía de S. Martinho do Porto realizada em Setembro de 2007. Relatório LE PROVOST, C.; LYARD, F.; MOLINES, J.M.; GENCO, M.L.; RABILLOUD, F. (1998). A Hydrodynamic Ocean Tide Model Improved by assimilating a satellite altimeter derived dataset. J. Geophys. Res. Vol., 103 N. C3, 1998 TCHOBANOGLOUS, G.; BURTON, F. L.; STENSEL, H. D. (2003). Wastewater Engineering Treatment and Reuse.editado por MetCalf & Eddy, McGrawHill.