Volatilidade do PLD, Transparência do Cálculo e Segurança Jurídica André Serrão São Paulo, 19 de outubro de 2011. 1
Introdução Premissas conceituais sobre a temporalidade da racionalidade jurídica e da racionalidade econômica: Associadas aos Sistemas de Ação das Sociedades Modernas e, portanto, voltadas para o futuro; Pretensões distintas de antecipação dos resultados futuros: A racionalidade econômica opera com expectativas cognitivas, que admitem sua frustração e revisão em face dos fatos futuros; A racionalidade jurídica opera com expectativas normativas, que tendencialmente inadmitem frustrações e revisões; Assim, enquanto a economia é especulativa e factual, o direito é contrafactual, pretendendo impor-se aos fatos futuros; Sistema econômico (Mercado) espera obter do Sistema Jurídico (Estado que produz o direito) essa garantia contrafactual acerca do futuro. Esse caráter contrafactual presidirá a análise das projeções da segurança jurídica. 2
A Volatilidade do PLD Considerações Gerais sobre preços de energia fixados segundo curvas de oferta e demanda em equilíbrio em tempo real (Severin Borenstein): Energia não é estocável sob formas economicamente eficientes e sua produção submete-se a restrições de capacidade de produção no curto prazo; Como a demanda é variável (ainda que sua elasticidade preço não seja relevante para alguns segmentos de consumo), observa-se que: para os montantes demandados dentro da capacidade existente (restrições energéticas e elétricas), os custos incrementais de sua produção serão combustível (de distintas naturezas) e O&M; e para os montantes demandados no limite da capacidade existente, haverá elevações drásticas de preços; em havendo poder de mercado, essa volatilidade pode ser maximizadas; Identificam-se, em muitos casos, limites máximos de preços. 3
Volatilidade do PLD No caso brasileiro, as curvas de demanda e de oferta não são as responsáveis por fixar, em tempo real, os preços da energia, pois: a estrutura do MCP é caracterizada pelo despacho centralizado com base em parâmetros técnicos das usinas e pela minimização do custo esperado da operação por meio de modelos computacionais de otimização (NT 001/2014-ASD-SEM-SRG/ANEEL); os geradores têm muito pouca liberdade quanto a quantidade de energia elétrica que será ofertada no mercado, cabendo ao ONS promover o equilíbrio entre oferta e demanda no curto prazo (idem), embora comercializem lastro amplamente; e o Custo Marginal de Operação (CMO), considerando histórico de vazões e séries de energias afluentes, indicaria o custo de atendimento ao MWh adicional e o Custo do Déficit seria o preço-teto operacional; e o PLD, contudo, encontra-se submetido a um limite máximo, fixado pela ANEEL. 4
Volatilidade do PLD Previsões Normativas (Decreto nº 5.163/04): Art. 57. A contabilização e a liquidação mensal no mercado de curto prazo serão realizadas com base no PLD. 1º O PLD, a ser publicado pela CCEE, será calculado antecipadamente, com periodicidade máxima semanal e terá como base o custo marginal de operação, limitado por preços mínimo e máximo, e deverá observar o seguinte: I - a otimização do uso dos recursos eletro-energéticos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas; II - as necessidades de energia elétrica dos agentes; III - os mecanismos de segurança operativa, podendo incluir curvas de aversão ao risco de déficit de energia; IV - o custo do déficit de energia elétrica; V - as restrições de transmissão entre submercados; VI - as interligações internacionais; e VII - os intervalos de tempo e escalas de preços previamente estabelecidos que deverão refletir as variações do valor econômico da energia elétrica. 2º O valor máximo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos variáveis de operação dos empreendimentos termelétricos disponíveis para o despacho centralizado. 3º O valor mínimo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos de operação e manutenção das usinas hidrelétricas, bem como os relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e royalties.... 5º O cálculo do PLD em cada submercado levará em conta o ajuste de todas as quantidades de energia pela aplicação do fator de perdas de transmissão, relativamente a um ponto comum de referência, definido para cada submercado.
Volatilidade do PLD Em havendo capacidade e reservação suficiente, um sistema hidrelétrico deveria apresentar custo marginal de operação reduzido por longos períodos; Quando fundamentalmente hidrelétrico, o custo marginal de operação somente apresentava valores elevados e repentinos diante de uma crise hídrica; Com a constituição de um sistema hidrotérmico, a redução da reservação, a insuficiente expansão (frustrações e atrasos de novos empreendimentos) e as crises hídricas, o custo marginal de operação tornou-se mais elevado (na média) e mais volátil; Tal movimento acentuou-se no ano de 2014 ao ponto de a própria CCEE passar a desenvolver metodologias de projeção do PLD.
Transparência do Cálculo A fixação do PMO (Planejamento Mensal da Operação), que obviamente influencia o CMO (calculado a partir do NewWave e DECOMP) e, portanto, o PDL, conta com a participação dos agentes em reunião conjunta e da qual se lavra ata. Verificaram-se, entre outras, ponderações sobre dificuldades relativas a múltiplos aspectos, tais como: reprodutibilidade integral de aspectos do cálculo pela generalidade dos agentes; inconsistências entre as projeções decorrentes dos modelos de operação do sistema e os resultados verificados relativamente à reservação de água; frustrações do planejamento energético e elétrico; impugnações a efeitos redistributivos, tais como os rateios de ESS por Segurança Energética e o PLD (Res. CNPE nº 03/2013); e insuficiente consideração da aversão ao risco, o que havia gerado o despacho fora da ordem de mérito e ensejou a alteração do cálculo para incorporar a CVaR (Res. CNPE nº 03/2013). 7
Transparência do Cálculo ANEEL submeteu à Audiência Pública nº 54/2014 proposta (NT 001/2014-ASD- SEM-SRG/ANEEL) de novo limites máximo e mínimo do PLD para 2014, que implica: redução (para menos da metade de seu valor atual) do PLD máximo, revisitando a térmica de referência; elevação do PLD mínimo, que passa a ser a RAG de hidrelétricas cujas concessões foram objeto da Lei nº 12.783/13; evidente e relevante mitigação normativa (isto é, exógena à operação do sistema) da volatilidade do PLD, confessadamente vinculada a criar uma trava de segurança e mitigar o risco de insolvência; e aspectos redistributivos (custos e riscos), tais como, entre inúmeros outros, a afetação de receitas de venda a PLD e o rateio dos valores superiores ao novo PLD (que passa a ser restrito aos agentes expostos ao Mercado de Curto Prazo e não mais afeta os consumidores de determinado submercado, se não expostos).
Afetações à Segurança Jurídica Segurança Jurídica: possui alcance amplíssimo (para além da irretroatividade das categorias tradicionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido); é subprincípio do próprio macroprincípio do Estado de Direito (art. 1º da CR); possui muitas projeções e correlações, tais como (entre muitas, na indicação de Canotilho): Princípio da determinabilidade das leis (exige clareza e densidade normativas de determinada regulação, com vistas a consagrar posições jurídicas definitivas, obrigar o Estado a ações omissivas e comissivas e permitir seu controle); Princípio da proteção da confiança (ou das expectativas legítimas ou ainda da boa-fé) segundo doutrina comparada e jurisprudência do STF), implicando: Segurança Jurídica como estabilidade ou eficácia ex post da disciplina adotada: restringindo a retroatividade e a revisão (até mesmo em face de atos irregulares); e Segurança Jurídica como previsibilidade ou eficácia ex ante: certeza e calculabilidade sobre a eficácia futura dos atos normativos ou administrativos.
AP 54/2014 e Afetações à Segurança Jurídica: relativamente à exigência de determinabilidade (sobretudo à densidade normativa): é questionável que a condicionada delegação normativa à ANEEL para a fixação de limite máximo do PLD permita a redução repentina de seu valor em mais de 50% após mais de dez anos sem alteração substantiva (o que obviamente suscita ainda questões sobre a consistência da prática passada e sobre eventual desvio de finalidade e inobservância dos standards a que submetida a delegação pelo próprio Decreto nº 5.163/04); à luz dessa mesma delegação clausulada, é possível cogitar uma desnaturação do PLD; relativamente à previsibilidade, eficácia ex ante e calculabilidade: é expressiva porque adotada em circunstância de múltiplas anomalias no funcionamento do modelo vigente (tais como as frustrações na expansão energética e elétrica do sistema; a elevação do risco hidrológico; a subcontratação dos consumidores regulados; o confisco dos direitos de consumidores livres à contração de energia elétrica oriunda de concessões alcançadas pela Lei nº 12.783/13; o comprometimento dos objetivos de sinalização real de preço adotados com a maior ênfase da aversão a risco no cálculo do PLD após o segundo semestre de 2013; a ampla impugnação judicial de tentativas anteriores de redistribuição de custos da geração termelétrica adicional, em particular por meio da Res. CNPE nº 03/2013), denotando evidente perspectiva contingente ou tópica que compromete a natureza contrafactual da segurança jurídica; é expressiva porque desacompanhada de tratamento a essas anomalias estruturais e conjunturais do modelo vigente (cuja própria existência denotam a baixa efetividade do modelo vigente), evidenciando baixa eficácia do plano regulativo existente; e é expressiva porque compromete a eficácia das alocações originais de riscos e custos, assumindo função redistributiva e ensejando questões sobre de correção funcional (ou competência normativa) para sua adoção (a exemplo da Res. CNPE nº 03/2013). 10