A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA

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Transcrição:

MARIA BERENICE DIAS A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA 5.ª edição atualizada e ampliada 2019

APRESENTAÇÃO A Lei 11.340/06, ao criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nada mais fez do que resgatar a cidadania feminina. Levou 27 anos para ser editada. E só o foi em face da tenacidade de uma mulher que bateu às portas de organismos internacionais denunciando o descaso com que a violência doméstica era tratada no país. Por isso, merecidamente, a lei leva o seu nome: Lei Maria da Penha. Mas o preço foi caro. Desgraçadamente por duas vezes foi vítima de tentativa de homicídio, tendo ficado paraplégica. O fato é que se tornou a Lei mais conhecida do Brasil. Segundo alguns magistrados, também a mais eficaz. Nem por isso é a mais efetiva. Como acontece com tudo o que é novo, em um primeiro momento, a nova legislação gerou enormes resistências. Recebida com desdém e desconfiança, foi alvo das mais ácidas críticas. Do mesmo modo como historicamente sempre foram tratadas as mulheres, a Lei Maria da Penha foi desprezada, difamada, ridicularizada. E passou a ser violada e violentada. No afã de destruí-la, foi chamada de inconstitucional pela singela razão de proteger a mulher e não assegurar igual tutela ao homem. Mas somente quem tem enorme resistência de enxergar a realidade da vida pode alegar que afronta o princípio da igualdade tratar desigualmente os desiguais. A tendência de desqualificá-la tem origem na injustificável resistência em aceitar a interferência do Estado nas relações familiares. Nunca ninguém quis ver, nunca ninguém encarou com seriedade ou se preocupou em quantificar a violência que ocorria na esfera privada. Por serem delitos que acontecem dentro do lar, parece não afrontar a segurança social. Por isso seus números sempre foram subdimensionados. Foi esta postura omissiva

10 A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA Maria Berenice Dias que levou à banalização da violência doméstica, condenando à invisibilidade o crime que faz o maior número de vítimas do mundo. Fora isso, a violência contra a mulher tem perverso efeito multiplicador, pois suas sequelas não se restringem à pessoa da ofendida. Comprometem todos os membros da entidade familiar, principalmente os filhos, que terão a tendência de reproduzir o comportamento que vivenciaram dentro de casa: os meninos se tornarão homens violentos e as meninas serão as próximas vítimas, se submeterão às agressões de maridos e companheiros. Mais do que um simples regramento legal, a Lei Maria da Penha se cuida de um microssistema, moderna técnica de atender os segmentos alvos da vulnerabilidade social. Não é outra a razão de existir, por exemplo, do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto do Idoso e da Igualdade Racial. E nunca ninguém alegou que estas seriam leis inconstitucionais por voltadas a determinado segmento. Além de criar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, talvez o traço mais significativo da Lei Maria da Penha é ter deixado evidente o repúdio pela forma como a violência doméstica era tratada pelo sistema legal. Por isso é enfática e até repetitiva ao rejeitar a aplicação da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). A lesão corporal leve não é mais crime de pequeno potencial ofensivo quando a vítima é uma mulher e a agressão está ambientada na convivência familiar. A violência desencadeia ação pública incondicionada, dispensa representação e inibe a desistência. Como, em um primeiro momento, alguns juízes e tribunais inclinaram- -se a transformar a Lei Maria da Penha em letra morta, o Supremo Tribunal Federal precisou operar verdadeira correção de rumo: reafirmou a dispensa da representação da vítima por se tratar de crime de ação penal pública incondicionada; reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover a ação, ainda que a vítima desista da representação; e eliminou a nociva prática que vinha se instalado de intimar a vítima para desistir da representação, procedimento de nítido caráter coercitivo e intimidatório. A decisão também afastou a aplicação da Lei dos Juizados Especiais de todo e qualquer crime cometido com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. Assim resta proibida também a aplicação de medidas despenalizadoras, como composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo.

Apresentação 11 Apesar de passados tantos anos de sua vigência, ainda há enormes dificuldades para transformá-la em uma lei efetiva. O esforço do movimento de mulheres ensejou que a Lei Maria da Penha seja a lei mais conhecida da população, que passou a ter consciência de que é crime bater em uma mulher. Mas tal não basta. É necessário comprometimento vontade política, para usar um termo da moda. A autoridade policial precisa contar com recursos, espaços adequados e profissionais qualificados para receber quem chega sofrida, magoada e com medo. Também é imperiosa a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, dotados de equipe interdisciplinar, não só nas capitais e em grandes cidades. Do mesmo modo é indispensável a formação de uma rede de atendimento que dê à vítima segurança de que a medidas protetivas serão de fato cumpridas. De qualquer modo, apesar de todos estes percalços, é reconhecida a lei de maior eficácia neste país.

1 POR QUE MARIA DA PENHA? Muitos questionam o motivo de a lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher ser chamada de Lei Maria da Penha. Há quem não saiba, mas trata-se de lei de iniciativa do Poder Executivo. Foi elaborada por um consórcio de entidades feministas e encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. Quando de sua sanção chamou-a de Lei Maria da Penha e afirmou: Esta mulher renasceu das cinzas para se transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso país. Mas não foi somente a referência presidencial que justifica ser ela assim chamada. A menção tem origem na dolorosa história de Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica casada com um professor universitário e economista. Eles viviam em Fortaleza (CE), e tiveram três filhas. Além das inúmeras agressões de que foi vítima, em duas oportunidades o marido tentou matá-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto, fazendo uso de uma espingarda. Como resultado, ela ficou paraplégica. Poucos dias depois de ter retornado do hospital, na nova tentativa, buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho. As investigações começaram em junho de 1983 e a denúncia foi oferecida pelo Ministério Público somente em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Recorreu em liberdade e, um ano depois, o julgamento foi anulado. Levado a novo júri, em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses de prisão. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e seis meses após os fatos é que foi preso, em 2002, e posto em liberdade em 2004, depois de cumprir apenas dois anos de prisão.

22 A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA Maria Berenice Dias Mas as agressões não aconteceram de repente. Durante o casamento, Maria da Penha sofreu repetidas agressões e intimidações. Nunca reagiu por temer represália ainda maior contra ela e as filhas. Neste período, como muitas outras mulheres, reiteradamente, Maria da Penha denunciou as agressões que sofreu. Como nenhuma providência foi tomada, chegou a ficar com vergonha e a pensar: se não aconteceu nada até agora, é porque ele, o agressor, tinha razão de ter feito aquilo. 1 Ainda assim, não se calou. Depois de ter sido quase assassinada, por duas vezes, tomou coragem e decidiu fazer uma denúncia pública. 2 Em face da inércia da Justiça, escreveu um livro, 3 uniu-se ao movimento de mulheres e, como ela mesma diz, não perdeu nenhuma oportunidade de manifestar sua indignação. 4 Essa é a história de Maria da Penha, igual à de tantas outras vítimas da violência doméstica deste país. A repercussão foi de tal ordem que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL juntamente com o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher CLADEM formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Foi a primeira vez que a OEA acatou uma denúncia pela prática de violência doméstica. 5 Apesar de, por quatro vezes, a Comissão ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma resposta. Em 2001 o Brasil foi condenado internacionalmente. O Relatório n. 54 da OEA, além de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares, em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão frente à violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual. A indenização, no valor de 60 mil reais, foi paga a Maria da Penha, em julho de 2008, pelo governo do Estado do Ceará, em uma solenidade pública, com pedido de desculpas. 1. Maria da Penha, Antes de tudo, uma forte, 22. 2. Iáris Ramalho Cortês, Myllena Calasans de Matos, Lei Maria da Penha: do papel para a vida. 3. Maria da Penha Maia Fernandes, Sobrevivi... posso contar. 4. Maria da Penha, Antes de tudo, uma forte, 22. 5. Roberta Toledo Campos, Aspectos constitucionais e penais..., 272.

Cap. 1 Por que Maria da Penha? 23 Só então o Brasil resolveu dar cumprimento às convenções e tratados internacionais do qual é signatário. Daí a referência, na ementa da Lei, à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres 6 e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher a chamada Convenção de Belém do Pará. 7 O projeto, que teve início em 2002, foi elaborado por cinco organizações não governamentais ONGs que trabalhavam com a violência doméstica. 8 O Grupo de Trabalho Interministerial, criado pelo Decreto 5.030/04, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, elaborou o projeto que, em novembro de 2004, foi enviado ao Congresso Nacional. O Projeto de Lei 4.559/04 ficou sob a relatoria da Deputada Federal Jandira Feghali, a qual realizou audiências públicas em vários Estados e apresentou um substitutivo. Novas alterações foram levadas a efeito pelo Senado Federal, como PLC 37/06. Finalmente a Lei 11.340/06 foi sancionada pelo Presidente da República, em 07 de agosto de 2006, e entrou em vigor em 22 de setembro de 2006. Tanto Maria da Penha quanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e o legislador fizeram sua parte. Agora, ainda que vagarosamente, o Estado vem implantando as medidas necessárias e adotando as políticas públicas que estão previstas na Lei. 9 Mas o grande responsável pela sua eficácia tem sido o Poder Judiciário. Além das inúmeras decisões de juízes e tribunais, tem sido o Supremo Tribunal Federal o grande artífice para que a Lei atenda à sua finalidade precípua: se não de eliminar, ao menos de reduzir, em muito, os números da violência doméstica contra a mulher. 6. Texto no anexo 2. 7. Texto no anexo 2. 8. CLADEM/Brasil Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; CEPIA Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação; CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria; IPE Instituto para a Promoção da Equidade e THEMIS Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero. 9. Elenco constante do cap. 21.