Otite Média Aguda: Porque Precisamos de Atualizações?



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Otite Média Aguda: Porque Precisamos de Atualizações? Peggy Kelley As atualizações são dadas quando há novas informações a serem disseminadas. Para esta atualização em otite média aguda (OMA) nos apoiamos na seguinte questão: Esta doença está mudando ou é apenas nossa preocupação frente às conseqüências de nosso tratamento, atualmente em prática, que nos leva ao desejo de uma atualização neste assunto? Vamos raciocinar nas diversas questões que nos permitirão responder a essa primeira pergunta. Uma das primeiras coisas que devemos determinar é se a OMA é um tópico importante a ser estudado. A otite média é importante porque, excetuando-se os resfriados comuns, é a doença mais comum pela qual procura-se o atendimento pediátrico. Sabe-se, também, que a OMA lidera a lista de diagnósticos que requerem o uso de antibióticos em pacientes não hospitalizados nos Estados Unidos. Ainda, quase todas as crianças, nos Estados Unidos, terão, pelo menos, uma infecção de ouvido diagnosticada até os três anos de idade. Além disso, o assunto da OMA tem muita significância, sendo válido para uma atualização. Tentando desenvolver um paradigma de tratamento razoável para o problema significativo que é a otite média, também devemos ver porque tratamos a OMA. O primeiro motivo pela qual tratamos a OMA é para aliviar o sofrimento do paciente, reduzindo seus sintomas durante um episódio de OMA, diminuindo a freqüência dos episódios de OMA. Além das conseqüências de desconforto agudo, também há o objetivo de serem evitadas as seqüelas na orelha média, tais como a atelectasia da membrana timpânica (MT) e o colesteatoma. Outro objetivo a ser alcançado, em longo prazo, é restaurar a perda auditiva associada à otite média com efusão (OME) e, desse modo, prevenir distúrbios de aprendizagem que resultam da perda auditiva. Também tratamos as infecções de orelha média porque a OMA pode causar danos potenciais agudos ao paciente. Antes do advento do tratamento com antimicrobianos, a OMA era associada a complicações tais como mastoidites, abscessos epidurais e trombose do seio sigmóideo, etc. Certamente tais conseqüências devem, se possível, ser evitadas. Uma vez que a antibioticoterapia se desenvolveu, ela foi utilizada em todos os casos de OMA ou de provável OMA. Mais recentemente, a necessidade de se utilizar terapêutica antimicrobiana para todos os casos possíveis de OMA veio a ser questionada devido às altas taxas de resolução espontânea (60-80%) em crianças acima de dois anos de idade, quando nenhum antibiótico é utilizado. De acordo com Rosenfeld 1, 7-8 crianças com OMA necessitariam ser tratadas com antibióticos para se obter a melhora de uma delas, melhor do que o desfecho esperado da OMA sem

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO 161 tratamento com antimicrobianos. No grupo observado e relatado por Rosenfeld, a incidência de mastoidite foi menor que 0,25% quando tratado apenas com observação e analgésicos. Portanto, mesmo que os motivos pelos quais tratamos a OMA sejam conflitantes e levem à discussão sobre quem deve receber tratamento com antibióticos, devemos lembrar que todos os pacientes devem ter a sua dor aguda abordada. No intuito de determinar melhor quem deve ser tratado, vamos revisar a literatura sobre a história natural da doença. Infelizmente, muitos estudos avaliados por meta-análise não mostraram uma definição consistente de OMA. Como estudos podem ser comparados se não há um diagnóstico consistente da doença que está sendo avaliada? Mesmo uma revisão recente da Cochrane, buscando randomização de pacientes, com duplo-cego de avaliadores e seguimento para complicações de pacientes tratados com antibióticos versus pacientes tratados com observação, nenhuma atenção foi dispensada sobre como o diagnóstico da OMA foi feito ou quais sinais e sintomas que foram utilizados para realizar o diagnóstico. Além disso, há também um estudo holandês que documentou uma abordagem observacional de tratamento da OMA que teve como base observações de provedores de saúde da família, sem definir critérios do que se qualificaria como uma OMA. Esse estudo excluiu crianças abaixo de dois anos de idade, aquelas com anormalidades craniofaciais e as muito doentes. A conclusão do grupo holandês foi a de que as crianças sem terapêutica antimicrobiana tiveram tão boa evolução quanto às que foram tratadas com antibióticos. Devemos ser bem cautelosos antes de concluir que ninguém necessita de antibióticos para o tratamento da OMA. Muitas informações têm com base definições fracas ou inconsistentes. Freqüentemente, nos estudos, muitas das crianças, diagnosticadas como OMA, têm, na verdade, otite média com efusão (OME), às quais a terapêutica com antimicrobianos não está indicada. Portanto, quem devemos tratar com terapêutica antimicrobiana? Tratamos quem definitivamente tem o diagnóstico de um episódio de OMA. Também devemos considerar o tratamento com antibióticos para aquelas que são imunologicamente imaturos e com tendência a otite média, tais como crianças com fenda palatina, síndrome de Down, acondroplasia e outras com anormalidades da base do crânio. Mas, o que é OMA? Vamos definir a OMA e a comparar à OME. A OMA é a instalação rápida de sintomas e sinais de uma infecção de ouvido, com inflamação e presença de efusão em orelha média. A OME, por sua vez, é a efusão em orelha média na ausência de infecção. Essa definição foi primeiramente dada por Takata et al. em 2001 2. Então, em 2004, a Academia Americana de Pediatria escreveu um Clinical Practice Guideline para o diagnóstico da OMA. De acordo com esse Guideline, o diagnóstico da OMA requer três situações: 1. instalação aguda de sinais e sintomas; 2. presença de efusão em orelha média, que pode ser evidenciada por: - abaulamento da membrana timpânica (MT); - ausência ou limitação de mobilidade da MT, ou; - nível hidroaéreo ou otorréia; 3. sinais e sintomas de inflamação da orelha média.

162 VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO O guideline reconhece que fazer o diagnóstico de otite média tem alguma incerteza inerente, particularmente devido à história isoladamente ser insuficiente. Enquanto é verdade que noventa por cento das crianças diagnosticadas com OMA apresenta febre, otalgia e choro excessivo, 72% dos pacientes que apresentam os mesmos sintomas não têm OMA. Ainda, a fim de se fazer o diagnóstico, não apenas você precisa visualizar a efusão, é preciso haver sinais específicos de inflamação. É difícil diferenciar efusão de orelha média na ausência de infecção (OME) de uma orelha média com inflamação. Além disso, a otoscopia pneumática requer visualização de toda a MT. Os médicos podem não ter treinamento adequado ou podem não estar aptos a retirar o cerume do conduto auditivo externo, de modo seguro, para visualizar a MT, com o instrumental disponível nos seus consultórios. É preocupante que os programas de residência médica nos Estados Unidos tenham pouco treinamento formal em otite média. Quarenta e um por cento dos programas de residência médica em Pediatria têm treinamento formal em otite média e apenas 66% dos residentes de Medicina de Família são ensinados a utilizar o otoscópio pneumático. Foi realizado um estudo para verificar a habilidade dos médicos em diagnosticar corretamente efusão em orelha média, comparando otoscopia normal, com OMA ou com OME, em otoscopias pneumáticas analisadas por meio de videotapes. Nesse estudo, os pediatras diferenciaram corretamente a OMA, da OME e de otoscopias normais, em 50% dos casos (variação de 25-73%). Eles foram aptos a identificar a ausência de otite média em otoscopias normais em 90%, mas diagnosticaram mais OMA, em média de 27% dos casos, confundindo OME com OMA. São os especialistas em ouvido, nariz e garganta (os Otorrinolaringologistas) melhores? Em média, os Otorrinolaringologistas fizeram um diagnóstico correto em 73% dos casos (variação 48%-88%) e superdiagnosticaram a OMA em 10%. Porque os Otorrinolaringologistas acertaram um pouco mais? Foi demonstrado que a otoscopia, validada pela timpanocentese, melhora a acurácia do diagnóstico da presença ou ausência de efusão 4-5. Portanto, quando um Otorrinolaringologista avalia uma MT sob microscopia e realiza uma miringotomia para colocação de tubos de ventilação ele(a) está treinando para ser um otoscopista melhor, pois a presença ou ausência de fluido é determinada imediatamente. Agora digamos que podemos diagnosticar de modo acurado qual paciente realmente tem uma infecção de ouvido. Importa quão ruim é essa infecção de ouvido? Todo paciente precisa ser tratado com antibióticos? Se eles necessitam de antibioticoterapia, qual antimicrobiano é o melhor? O Clinical Practice Guideline de 2004 concluiu que nem todo paciente precisa de antibióticos, mas que todo paciente necessita ter seus sintomas de otalgia tratados, especialmente nas primeiras 24 horas do episódio agudo 6. As especificidades no tratamento da otalgia ainda devem ser mais bem estudadas, mas as opções para a terapêutica das dores de ouvido incluem: acetaminofeno, ibuprofeno; remédios caseiros: distração, calor local; agentes homeopáticos; analgesia narcótica.

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO 163 Uma vez que a dor é abordada, o próximo passo no tratamento da OMA é determinar quais pacientes requerem tratamento antimicrobiano e quais podem ser tratados de modo expectante com um período de observação. Os candidatos a observação são primeiramente estratificados por idade e depois pela gravidade da doença. Entretanto, crianças entre seis meses e dois anos de idade com doença não grave E diagnóstico incerto, ou crianças acima de dois anos de idade com sintomas não graves OU diagnóstico incerto podem ter seu tratamento com antibióticos protelado por 48-72 horas. Uma conduta de observação requer, primeiro, um seguimento rígido. A terapêutica antimicrobiana deve ser iniciada se os sintomas persistirem ou piorarem após 2-3 dias, no período de observação. Crianças abaixo dos seis meses de vida, considerando-se a imaturidade do sistema imunológico, não são candidatas a observação e devem ser prescritos antibióticos quer o diagnóstico seja certo ou incerto. As crianças entre os seis meses e os dois anos de idade devem receber antibióticos se o diagnóstico for de certeza, mas devem ser colocadas no grupo sob observação caso o diagnóstico seja incerto e os sintomas não sejam graves. As crianças acima dos dois anos de idade podem ser alocadas no grupo de observação se diagnóstico for de certeza, mas com sintomas não graves ou se o diagnóstico for incerto. Observe que os antibióticos são sempre indicados nos casos de diagnóstico de certeza e sintomas graves, independentemente da idade. Portanto, como você pode saber quando os sintomas são graves o suficiente para justificar e considerar o uso dos antibióticos? Meu parceiro em Denver, Normam Friedman, publicou, este ano, uma escala que classifica a gravidade dos sintomas. A escala é classificada de 1 (sem problema) a 7 (problema extremo): Escala de sintomas de 1 a 7: 1. não presente / não é um problema; 2. quase não é um problema; 3. algum problema; 4. problema moderado; 5. certamente um pouco de problema; 6. muito problema; 7. problema extremo. Foi elaborada uma segunda escala que aborda apenas os achados otoscópicos. Escala de gravidade otoscópica, achados objetivos: 0: normal, ou efusão sem eritema; 1: apenas eritema, sem efusão; 2: eritema, ar/nível líquido, fluido claro; 3: eritema, efusão completa, sem opacificação; 4: eritema, opacificação com nível hidroaéreo ou bolhas de ar, sem abaulamento; 5: eritema, efusão completa, opacificação, sem abaulamento; 6: eritema, abaulamento, com aparência arredondada da MT; 7: eritema, abaulamento, efusão completa e opacificação. Quando combinadas, as duas escalas mostraram ser de grande confiabilidade para classificar a gravidade da infecção de ouvido nas crianças. Quando você seleciona a escala de severidade de sintomas e a adiciona ao escore dos achados

164 VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO otoscópicos, pode ser feito um ranking de não-grave à grave. Se as escalas juntas somam abaixo ou igual a quatro, o paciente é considerado não severo e pode ser tratado com observação (sem antibióticos) caso tiver idade acima de seis meses. As duas escalas foram combinadas em um cartão laminado de dupla face e podem ser solicitados no site dpmccorm@utmb.edu. Em resumo, quem precisa de antibióticos? Crianças abaixo de dois anos de idade, crianças com anomalias ou condições médicas associadas, e crianças com sintomas e sinais graves de OMA necessitam de terapêutica antimicrobiana para suas infecções de ouvido. Agora já sabemos: a) como diagnosticar uma infecção de ouvido; b) quem precisa de antibioticoterapia. Uma pergunta: quais antibióticos devemos utilizar? Para selecionarmos um antibiótico em particular precisamos saber quais são bactérias que estamos tratando. Na otite média, a bactéria mais comum é o Streptococcus pneumoniae. A microbiologia da OMA, em 2004, de um estudo finlandês: Tabela 1. Microbiologia da OMA Percentual Resistência S. pneumoniae 50% variável H. influenzae 30% 35% M. catarrhalis 15% 90% Viral 40% Alguma variação ocorre na resistência do S. pneumoniae devido ao uso das vacinas. A vacina heptavalente, Prevenar, mostrou diminuir os sete sorotipos vacinais por ela coberta em torno de 34%, mas houve um aumento dos sorotipos não cobertos pela vacina (não-vacinais) em 33%, em outro estudo finlandês. Pichichero, nos Estados Unidos, estudou, em 2005, a diferença percentual entre o S. pneumoniae e o H. influenzae antes e após a introdução da vacina Prevenar. Em duas localidades geograficamente diferentes, o percentual de OMA causada por S. pneumoniae caiu de 51% para 31%. Concomitantemente o percentual de H. influenzae aumentou de 40% para acima de 55%. Essas diferenças certamente afetam a escolha dos antibióticos para erradicar os patógenos. As vacinas também podem ter um efeito indireto. O uso da vacina da influenza em estudo com crianças turcas, publicado em 2006, resultou numa diminuição das consultas por OM em 11%. Mas como iremos saber que se trata de uma infecção bacteriana? As infecções de ouvido mostraram estar associadas a infecções virais, acometendo as vias aéreas superiores. A infecção bacteriana pode determinar mais achados otológicos específicos tais como otalgia e manipulação excessiva da orelha pela criança. Com o S. pneumoniae, o abaulamento da MT pode ser intenso, com febre alta e leucocitose. O H. influenzae pode estar associado à conjuntivite 7-8. No entanto, os antibióticos não são livres de conseqüências. Alguns problemas encontrados com o uso dos antibióticos são a resistência, reações adversas aos

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO 165 medicamentos (20%), problemas gastrointestinais, alergias aos medicamentos (1 a 6%) e reações graves (<0.5%). Fatores que contribuem para a resistência são: idade jovem, creches, profilaxia e localização geográfica. O uso de antimicrobianos administrados nos 30 dias prévios também aumenta a resistência bacteriana por selecionar microorganismos resistentes e eliminar componentes da flora nasofaríngea normal, já que a presença da flora normal inibe o crescimento de bactérias patogênicas. Então, você daria ou não antibióticos? Se você prescrever antibióticos quando não houver uma infecção real de OMA, você se arrisca a estar selecionando microorganismos virulentos, resultando na recorrência dos sintomas e da infecção. Se você não der antibióticos e houver infecção, você se arrisca a prolongar os sintomas e a ocorrência de complicações. O antibiótico oral ideal deve ser eficaz em erradicar as bactérias da orelha média, ser seguro, de baixo custo, e ser palatável. Infelizmente parece que quanto mais tolerável o antibiótico é, menos eficaz ele parece ser. Vamos olhar para o H. influenzae, por exemplo. A tabela abaixo (Tabela 2) mostra a atividade farmacodinâmica / farmacocinética (FD/FC) dos antibióticos contra o H. influenzae beta-lactamase positivo. A lista segue dos de maior para a menor atividade. Tabela 2. Farmacodinâmica / Farmacocinética (FD/FC) dos antibióticos contra o H. influenzae beta-lactamase positivo Atividade Maior Cefixima Ceftibuten Ceftriaxona Amoxicilina/clavulanato (Amox/Clav) Cefdinir Cefpodoxima proxetil Cefuroxima axetil Cefprozil Cefaclor Loracarbef Trimethoprim-sulfa (TMP/SMX) Azitromicina Claritromicina Menor Amoxicilina Eritromicina

166 VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO A lista para o S. pneumoniae segue abaixo (Tabela 3). Tabela 3. FD / FC comparativa das atividades dos antibióticos contra o S. pneumoniae susceptível Atividade Maior Menor Ceftriaxona Amoxicilina* Amoxicilina/Clavulanato* Cefdinir Cefpodoxima axetil Clindamicina Azitromicina Cefaclor Claritromicina Loracarbef Trimetoprim/sulfa Cefixima Ceftibuten Se nós compararmos, entretanto, a eficácia e a tolerabilidade, percebe-se que quanto mais eficiente é o antibiótico, menos tolerável ele é (Tabela 4). Tabela 4. Eficácia e Tolerabilidade Escala relativa Eficácia Tolerabilidade Melhor Muito bom Bom Marginal Ceftriaxona Amox/Clav ES Gatifloxacina Cefdinir Cefuroxima Cefpodoxima Cefprozil Amoxicilina Azitromicina TMP/SMX Ceftriaxona Amoxicilina Azitromicina Cefdinir Cefprozil Gatifloxacina Amox/Clav ES TMP/SMX Cefpodoxima Portanto, os melhores antibióticos, até o momento, parecem ser o cefdinir ou o cefprozil se estivermos procurando tanto por eficácia quanto tolerabilidade. A amoxicilina é muito boa para infecções estreptocócicas e bem tolerável, mas inativa contra o H. influenzae. A amoxicilina / clavulanato é mais eficaz, mas não tão palatável nos testes. A ceftriaxona é administrada sob a formulação injetável, enquanto muito eficaz, é bem dolorosa. A azitromicina é um antibiótico bem

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO 167 tolerado, requerendo apenas uma dose diária, sendo recomendada, atualmente, para pacientes alérgicos a beta-lactâmicos, uma vez que as quinolonas não são aprovadas pelo FDA, nos Estados Unidos, para seu uso em crianças e não há outra medicação eficaz para os alérgicos. Conclusões Não parece que a doença, em si, está mudando, mas, felizmente nosso conhecimento sobre o que é a OMA e quais são as melhores formas de tratamentos mudaram. 1. O diagnóstico da OMA deve ter como base os seguintes aspectos: a) sintomas agudos; b) presença de efusão e evidência de inflamação à otoscopia. 2. Uso de escalas para determinar a gravidade dos achados otoscópicos dos pacientes e dos sintomas associados. 3. Se for necessário o tratamento com antibióticos, escolher o antimicrobiano que pode ajudar, não prejudicando. 4. Estar disposto a mudar sua maneira de tratamento, seguindo o que as atualizações ditam. Leituras recomendadas 1. Rosenfeld, R.M. and D. Kay. Natural history of untreated otitis media. Laryngoscope, 2003. 113(10): p. 1645-57. 2. Takata, G.S., et al. Evidence assessment of management of acute otitis media: I. The role of antibiotics in treatment of uncomplicated acute otitis media. Pediatrics, 2001. 108(2): p. 239-47. 3. Niemela, M., et al. Lack of specific symptomatology in children with acute otitis media. Pediatr Infect Dis J, 1994. 13(9): p. 765-8. 4. Kaleida, P.H. and S.E. Stool. Assessment of otoscopists accuracy regarding middle-ear effusion. Otoscopic validation. Am J Dis Child, 1992. 146(4): p. 433-5. 5. Pichichero, M.E. and M.D. Poole. Assessing diagnostic accuracy and tympanocentesis skills in the management of otitis media. Arch Pediatr Adolesc Med, 2001. 155(10): p. 1137-42. 6. Pelton, S.I.. Otoscopy for the diagnosis of otitis media. Pediatr Infect Dis J, 1998. 17(6): p. 540-3; discussion 580. 7. Palmu, A.A., et al. Association of clinical signs and symptoms with bacterial findings in acute otitis media. Clin Infect Dis, 2004. 38(2): p. 234-42. 8. Pichichero, M.E. Pathogen shifts and changing cure rates for otitis media and tonsillopharyngitis. Clin Pediatr (Phila), 2006. 45(6): p. 493-502.