SÉPSIS E CIRURGIA CARLOS MESQUITA. Hospitais da Universidade de Coimbra Cirurgia 3 Novembro, 2006

Documentos relacionados
Definições importantes

PROTOCOLO GERENCIADO DE SEPSE PACIENTE COM CONDUTA PARA SEPSE (OPÇÃO 2 E 3 - COLETA DE EXAMES/ANTIBIÓTICO)

SEPSE MATERNA SINAIS PRECOCES DE INFECÇÃO

Sepse Professor Neto Paixão

Definição Sepsis 3.0 Sepse: Choque séptico:

Diretrizes Clínicas Sepse grave e choque séptico

PROTOCOLO GERENCIADO DE SEPSE PACIENTE COM CONDUTA PARA SEPSE (OPÇÃO 2 E 3 - COLETA DE EXAMES/ANTIMICROBIANO)

PROTOCOLO GERENCIADO DE SEPSE PACIENTE COM CONDUTA PARA SEPSE (OPÇÃO 2 E 3 - COLETA DE EXAMES/ANTIMICROBIANO)

PROTOCOLO MULTIDISCIPLINAR INSTITUCIONAL

Abordagem da sepse na emergência Rodrigo Antonio Brandão Neto

Curso de Urgências e Emergências Ginecológicas ABORDAGEM INICIAL DO CHOQUE SÉPTICO

CAMPANHA DE SOBREVIVÊNCIA À SEPSE. Atendimento ao paciente com sepse grave/choque séptico DETECÇÃO PRECOCE + TRATAMENTO CORRETO

TERAPÊUTICA ANTIBIÓTICA DA PNEUMONIA NOSOCOMIAL

Hospital São Paulo SPDM Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina Hospital Universitário da UNIFESP Sistema de Gestão da Qualidade

I CURSO DE CONDUTAS MÉDICAS NAS INTERCORRÊNCIAS EM PACIENTES INTERNADOS

RESUMO SEPSE PARA SOCESP INTRODUÇÃO

CAMPANHA DE SOBREVIVÊNCIA À SEPSE

PROTOCOLO MÉDICO SEPSE E CHOQUE SÉPTICO

CONCEITO FALHA CIRCULATÓRIA HIPOPERFUSÃO HIPÓXIA

Diagnóstico e Manejo da Criança com Sepse

Prof. Diogo Mayer Fernandes Medicina Veterinária Faculdade Anhanguera de Dourados Patologia e Clínica Cirúrgica I

Seminários de Codificação do. 3 de Julho de 2010 Temas de Codificação avulsos

Terapêutica na Sepsis

Sépsis e choque séptico em Urologia: uma abordagem contemporânea

COORDENAÇÃO DE ESTUDOS CLÍNICOS

INSTITUTO LATINO AMERICANO DE SEPSE CAMPANHA DE SOBREVIVÊNCIA A SEPSE PROTOCOLO CLÍNICO. Atendimento ao paciente com sepse grave/choque séptico

Protocolo: - - Admissão anterior nesta UCIP durante este internamento hospitalar: Não Sim <48 h >= 48 h

DETECÇÃO PRECOCE E EVOLUÇÃO DA SEPSE NO HOSPITAL UNIMED SANTA HELENA

1.ª Reunião Nacional dos Médicos Codificadores

2º ENCONTRO DE ENFERMAGEM DE EMERGÊNCIA Organização dos cuidados em Trauma

PROTOCOLO ASSISTENCIAL GERENCIADO DE SEPSE. Atendimento ao paciente com sepse/choque séptico DETECÇÃO PRECOCE + TRATAMENTO CORRETO

Resolução CNRM Nº 11, de 10 de agosto de 2005

ANTIBIOTICOTERAPIA NO TRAUMA:

Exames Complementares:

Disciplina: Clínica Médica de Pequenos Animais

Os Antibióticos - Profilaxia e Terapêutica das IACS

COLECISTITE AGUDA TCBC-SP

Pacote. 6 horas. Pacote. 24 horas RESSUSCITAÇÃO INICIAL ANTIBIÓTICOS CONTROLE DO FOCO REPOSIÇÃO VOLÊMICA

COLECISTITE AGUDA ANDRÉ DE MORICZ. CURSO CONTINUADO DE CIRURGIA PARA RESIDENTES COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES

Via Verde da Sépsis (VVS) Comissão Regional do Doente Crítico Administração Regional de Saúde do Norte, IP

I CURSO DE CONDUTAS MÉDICAS NAS INTERCORRÊNCIAS EM PACIENTES INTERNADOS

Exame Físico e Cuidados. Patrícia Friedrich. de Enfermagem

SEPSE Dr D a. a.vi V v i i v a i n a e Co C rdeir i o Ve V ig i a


ASPECTOS ATUAIS DO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE SEPSE

III Casos clínicos IV Reunião de Neonatologia do Hospital do Funchal 6 Outubro 2012

V Congresso Internacional de Cuidados Intensivos e Unidades Intermédias. Programa Científico Provisório

FACULDADE CERES PROCESSO DE SELEÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA 1º SEMESTRE DE 2019 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Choque hipovolêmico: Classificação

A importância da identificação precoce da sepse pela equipe de. enfermagem no serviço de emergência

Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Esterilização.

20/08 PRÉ CONGRESSO - MANHÃ

Doenças de animais que podem ser transmitidas ao homem. Brucella

Dr. Ricardo Paul Kosop. Médico Infectologista Prof. Clínica Médica Universidade Positivo Preceptor Residência Médica em Infectologia HNSG

Uso profilático de Antimicrobianos em Cirurgia. Adilson J. Westheimer Cavalcante Sociedade Paulista de Infectologia

DATA HORA AULA PROGRAMADA MÓDULO PROFESSOR SALA 26/07/ :00 Apresentação do internato Denny

PROPOSTA DE ESTÁGIO OPCIONAL PARA MÉDICOS INTERNOS DO 5º ANO DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA DE ANESTESIOLOGIA

Departamento de Pediatria JOURNAL CLUB UCIP

COLECISTITE AGUDA ANDRÉ DE MORICZ CURSO CONTINUADO DE CIRURGIA PARA REWSIDENTES COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES 2006

Pneumonia Comunitária no Adulto Atualização Terapêutica

Cuidados no Tratamento Cirúrgico da Colecistite Aguda

DATA HORA AULA PROGRAMADA MÓDULO PROFESSOR SALA 26/07/ :00 Apresentação do internato Denny

Microbiota Normal do Corpo Humano

PROTOCOLO MÉDICO. Assunto: Pneumonia Hospitalar. Especialidade: Infectologia. Autor: Cláudio de Cerqueira Cotrim Neto e Equipe GIPEA

PLANO DE CURSO CIRURGIA GERAL

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA NAS UNIDADES DE CUIDADOS INTENSIVOS NEONATAIS

Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Primeiros Socorros. Objetivos.

Leia estas instruções:

SUMÁRIO INTRODUÇÃO OBJETIVOS AVALIAÇÃO

Curso de Urgências e Emergências Ginecológicas CHOQUE SÉPTICO

ACADEMIA MÉDICA Alargando Horizontes! 5 Urgências em MGF. Ivo Reis UCSP Soure

INFECÇÕES RELACIONADAS A CATETERES VASCULARES

Planilha do Internato em Cirurgia - 1º / 2014

SPREAD Ped BEM VINDOS!!! Apoio. Sepsis PREvalence Assesment Database in Pediatric population

26.MEDICINA INTENSIVA. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. .Relação dos Protocolos

Hipertensão Intracraniana Traumática Introdução

DATA HORA AULA PROGRAMADA MÓDULO PROFESSOR 26/01/18 17:00 Apresentação do internato Fernanda + Joao Marcos + Denny

Informações de Impressão. Informações de Impressão. Questão:

CLASSIFICAÇÃO DAS INFECÇÕES DE SÍTIO CIRÚRGICO (ISC)¹ MANUAL DA CCIH. POP nº 10. Versão: 01

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI CAMPUS CENTRO OESTE Planilha de aulas - Internato em Cirurgia 1º semestre de 2015

Trauma. Primeiros Socorros. Trauma. Trauma. Trauma. Trauma. Conceito. Objetivos: Classificação Mecanismos. Mecanismos. Energia

Profilaxia cirúrgica Como estamos no século XXI?

Urgência e Emergência

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI CAMPUS CENTRO OESTE Planilha de aulas - Internato em Cirurgia 1º semestre de 2015

REESTRUTURAÇÃO DO PROTOCOLO E O IMPACTO NO RECONHECIMENTO PRECOCE DA SEPSE X MORTALIDADE

DESPESAS MÉDICAS E HOSPITALARES COBERTAS. Diárias hospitalares (Tabela TUSS + 20%);

IMPLEMENTAÇÃO DE PROTOCOLO GERENCIADO DE SEPSE PROTOCOLO CLÍNICO Atendimento ao paciente adulto com sepse / choque séptico

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE ESCOLA DE MEDICINA E CIRURGIA PLANO DE ENSINO

Vítima de Trauma Doente Complexo. Jorge Nunes Unidade de Cuidados Intensivos Jun.2018

SEPSE. Tem 2 desse 3 critérios? Taquipnéia (FR 22) Pressão Sistólica 100 mmhg. Confusão Mental SIM. Coleta do pacote de SEPSIS

Pneumonia Associada à Assistência à saúde. Enfª Viviane Canêdo

3º ENCONTRO NACIONAL Intensivismo e codificação. Selecção dos Diagnósticos e Procedimentos. a codificar:

Processo de colapso circulatório ocorrendo uma perfusão tecidual inadequada. Complicação de uma doença que desencadeou, sempre grave, se não

PROPOSTA DE PROTOCOLO DE VIA VERDE DA SÉPSIS PRÉ- HOSPITALAR NO CONTEXTO DE USF 1. INTRODUÇÃO:

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO RESIDÊNCIA MÉDICA Especialidades com Pré-Requisito em Medicina Intensiva

PREVENÇÃO DE SEPSE EM IDOSOS DE UMA INSTITUIÇÃO DE SAÚDE ACREDITADA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

AÇÕES DOS ENFERMEIROS NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA FRENTE AO PACIENTE COM SEPSE.

A avaliação na ponta dos dedos

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE ENFERMAGEM

Transcrição:

SÉPSIS E CIRURGIA CARLOS MESQUITA Hospitais da Universidade de Coimbra Cirurgia 3 Novembro, 2006

Every operation in surgery is an experiment in bacteriology Lord Moynihan of Leeds (1865-1936)

CAUSAS MAIS FREQUENTES DE INTERVENÇÃO CIRÚRGICA DE URGÊNCIA Outras 311-28 % Outras 215-19 % Traumáticas 304-28 % Inflamatórias 491-44 % CM, n=1106, 21 anos Apendicite aguda 248 51 % Colecistite aguda / colangite 63 13 % Perfuração de úlcera péptica 49 10 % Abcessos perianais / fasceites 30 06 % Pancreatite aguda 22 04 % Diversas 79 16 %

PEPSIA termo do grego para designar o processo de fermentação do vinho ou digestão da comida, indicando vida e boa saúde SEPSIA termo do grego associado com doença e morte, usado para descrever casos em que havia putrefação

INFECÇÃO presença ou invasão por microrganismos de tecidos normalmente estéreis decorrente de - comprometimento dos mecanismos de defesa - comprometimento das barreiras mecânicas feridas exógenas, feridas endógenas, corpos estranhos, iatrogenia BACTERIEMIA presença no sangue de bactérias hemoculturas positivas SEPTICEMIA presença no sangue de microrganismos ou respectivas toxinas

SÍNDROME DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA SISTÉMICA = SRIS / SIRS termo proposto para descrever a reação inflamatória desencadeada pelo organismo frente a qualquer agressão, infecciosa ou não duas ou mais das seguintes condições: - hiper ou hipotermia (38<T<36 C) - taquipneia (>24) - taquicardia (>90) - leucocitose ou leucopenia (12000<L<4000)

SÉPSIS resposta inflamatória sistêmica à agressão infecciosa consequência de uma septicemia, podendo decorrer de qualquer infecção - comunitária - hospitalar tubos, ventiladores, cateterismos, drenos, feridas cirúrgicas, etc, sobretudo procedimentos efectuados em situações de emergência, nomeadamente de trauma mortalidade elevada (até 60 %) em doentes em risco

DOENTES EM RISCO DE SÉPSIS todos os doentes críticos especialmente os mais novos ou os muito velhos os doentes crónicos em geral obesos, diabéticos, insuficientes cardíacos, renais e respiratórios, etc os imunodeprimidos imunossuprimidos, oncológicos ou HIV+ os toxicodependentes e/ou alcoólicos os doentes com qualquer tipo de infecção, actual ou potencial politraumatizados

FORMAS: SÉPSIS NÃO COMPLICADA infecções comuns SÉPSIS GRAVE disfunção orgânica ( 1) hipotensão (PAS 90 ou PAM 70) que responde hipoperfusão (DU<0,5ml/kg/h, ph 7,30) que responde CHOQUE SÉPTICO sépsis grave + hipotensão arterial persistente SÍNDROME DE DISFUNÇÃO MÚLTIPLA DE ÓRGÃOS = MODS

MORTALIDADE POR SÉPSIS aumento para o dobro (perto de 40 %) em doentes que necessitem de vasopressores em baixa dose ao fim do 1º dia aumento para o triplo (perto de 60 %) em doentes que necessitem de vasopressores am alta dose ao fim do 1º dia www.sepsis.com

TRATAMENTO DA SÉPSIS em UCI antibioterapia endovenosa precoce e adequada - de largo espectro face à suspeita de sépsis - posteriormente adaptada em função das hemoculturas e dos antibiogramas identificação do foco infeccioso - os catéteres, drenos ou outros corpos estranhos infectados devem ser removidos - os abcessos devem ser drenados medidas gerais de reanimação e suporte - oxigénio - fluidos endovenosos, inc. transfusões - vasopressores e cardiotónicos outros meios de suporte dirigidos às disfunções orgânicas - sedação apropriada - ventilação mecânica - diálise - insulina - nutrição enteral precoce - outros: corticóides, drotrecogin alfa / Xigris?

PREVENÇÃO DA SÉPSIS no pessoal: protecção Prevenção das doenças transmissíveis

PREVENÇÃO DA SÉPSIS no doente: 1. reanimação adequada Airway Breathing Circulation Disability Environment 2. controlo dos danos damage control do no further harm 3. antibioprofilaxia

ANTIBIOPROFILAXIA EM CIRURGIA QUANDO? 20-30 minutos antes da primeira incisão, por via EV níveis sanguíneos adequados durante 3 4 horas em caso de hemorragia grave, repetir a cada 10 unidades de sangue perdido

ANTIBIOPROFILAXIA EM CIRURGIA COMO? com antibióticos dirigidos a um grupo de microrganismos bem definidos, os que com maior probabilidade estejam em relação com a intervenção em causa. de preferência Cefazolina ou Amoxicilina / Ácido Clavulânico, que têm uma vida média sérica relativamente longa com Cefoxitina, em cirurgia colo-rectal, por causa da sua actividade contra os anaeróbios intestinais Cefalosporinas de 3ª geração, quinolonas e glicopeptídeos, etc, não devem ser usados

ANTIBIOPROFILAXIA EM CIRURGIA DURANTE QUANTO TEMPO? manter por 24 horas quando houver lugar à colocação de próteses ou outro material estranho Não converter profilaxia em terapia

O Cirurgião Barbeiro Universidade de Harvard Jacobus de Cessolis (séc. XV)

The modern operation is safe for the patient The modern surgeon must make the patient safe for the modern operation Lord Moynihan of Leeds (1865-1936)

Damage control surgery PREVENIR A CONTAMINAÇÃO encerramento imediato de perfurações de víscera oca pode ser definitivo se apenas lesões simples se lesões complexas, encerrar / desfuncionalizar e deixar para 2º tempo

Damage control surgery PREVENIR OU TRATAR A SÍNDROME DO COMPARTIMENTO ABDOMINAL distensão abdominal aumento da PIA oligúria refractária a administração de volume aumento da pressão inspiratória hipercapnia hipoxia refractária acidose metabólica refractária aumento da pressão intracraniana PIC

PREVENIR OU TRATAR A SÍNDROME DO COMPARTIMENTO ABDOMINAL SCA / ACS = Pressão de perfusão abdominal Hipoperfusão Disfunção Hepática MODS Renal SEPSIS Pressão de perfusão abdominal PAM - PIA = PPA 90-10 = 80 90-20 = 70 50-20 = 30 Intestinal Translocação bacteriana

Damage control surgery ENCERRAMENTO ABDOMINAL TEMPORÁRIO / DIFERIDO sutura contínua, rápida síndrome compartimental? laparostomia