Traumas oculares: nosologia de casos

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Transcrição:

Traumas oculares: nosologia de 1.171 casos Eye injuries: nosology of 1.171 cases Simone Haber D. von Faber Bisoo (li José Ricardo Abreu Reggi 1 2 1 RESUMO Foram analisados 1.171 pacientes com lesões traumáticas oculares, atendidos no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no período compreendido entre os dias 5 de março e 30 de agosto de 1992, a fim de determinar a incidência, etiologia e severidade dessas lesões. Houve predomínio da faixa etária entre 16 e 45 anos de idade (68,7%) e a relação entre os sexos masculino e feminino foi 4:1. Entre as 1.171 lesões, 38,7% ocorreram no trabalho, 33,7% no ambiente doméstico, 8,6% por agressão, 4,3% no trânsito, l,5% nos esportes, 1,2% por animais e 12% foram diversas. Crianças abaixo de 15 anos contribuíram em 17,6% do total, predominando nos grupos de traumatismos domésticos ou por animal. São citadas estratégias de prevenção, que reduziriam substancialmente a incidência de traumatismos oculares. Palavras chave: Prevenção; Traumatismo ocular; Equipamento de proteção. (1 ) Colaboradora no Departamento de Oftalmologia da F.C.M. Santa Casa de São Paulo, nas Secções de Órbita e Vias Lacrimais. (2) Chefe do Pronto Socorro de Oftalmologia da F.C.M. Santa Casa de São Paulo. Endereço para, correspondência: Rua Nova York, 735 apto 101" CEP 04560-001 - São Paulo, S.P. INTRODUÇÃO As lesões traumáticas oculares são causa comum de procura do Pronto Socorro de Oftalmologia. Certos autores as apontam como a causa mais comum de cegueira monocular nos Estados Unidos da América I e responsáveis por 7% de cegueira bilateral no grupo entre 20 e 64 anos de idade 2 Mesmo quando não são tão graves, requerem cuidados médicos especializados e tratamento, por vezes, prolongado, principalmente quando a lesão é perfurante. Apesar das novas técnicas microcirúrgicas, o prognóstico visual costuma ser pobre. Há, também, perda de dias de trabalho, com grande custo à sociedade. A prevenção é, sem dúvida, indispensável. Para implementá-la, devemos conhecer os hábitos e padrões de comportamento de nossa população. A partir disso, oftalmologistas, educadores e órgãos do governo poderão orientar adequadamente os principais grupos expostos ao risco de traumatismos oculares. METODOLOGIA Através das fichas de pnme1ro atendimento do Pronto Socorro de Oftalmologia do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (H.S.C.M.S.P.), no período compreendido entre os dias 05 de março e 30 de agosto de l. 992, selecionamos l.171 lesões traumáticas oculares. Foram incluídos todos os pacientes com lesões traumáticas oculares recentes, assim como as fraturas orbitárias, as lesões dos tecidos periorbitários e as do nervo óptico. Pacientes que consultaram por complicações tardias de traumatismos foram considerados apenas se estes ocorreram durante o período estudado. Foram excluídos 37 pacientes com queixa de trauma mas sem achados objetivos ao exame clínico. Após a análise dos dados, os pa- ARQ. SRAS. OFTAL. 58(2), ABRIL/1995 http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19950077 105

Traumas oculares: nosologia de 1. 1 71 casos cientes foram agrupados segundo a atividade exercida no momento da le são e a severidade do trauma, com base no dano funcional e deformidade que este ocasionou (Tabela 1 ). Se um paciente apresentava mais de um tipo de lesão, era considerada apenas a le são mais grave. TABELA 1 SEVERIDADE DAS LESÕES OCULARES Hifema, edema de Berlin. Perfuração de córnea e/ou esclera, corpo estranho intraocular, lesões do nervo óptico queimadura por álcali, catarata traumática, descolamento de retina, luxação/subluxação de cristalino, iridodiálise. Fratura de órbita Linear Blow-out Extensa ou cominutiva Tecidos periorbitais Contusão, abrasão, laceração pequena. Queimadura>2,5 cm, contaminação, avulsão tecidual ou mais que duas lacerações pequenas. Avulsão palpebral ou laceração de canalículo. Fonte: Adaptação da classificação de Kalson & Klein. Arch. Ophthalmol.., 1 896. mentos cirúrgicos ou tratamento espe cializado. As principais lesões encon tradas foram : perfurações do globo ocular (62 casos), hifemas ( 13 casos) e lacerações de canalículo lacrimal ( 1 2 casos). Analisaremos, a seguir, as princi pais características de cada grupo, iso ladamente. 450 400 Grave a M oderado 350 Leve 300 250 200 1 50 1 00 50 Trab alho Domé sti c o Diversos Agressão Trânsito Esporte Animal Gráfico 1 Distribuição, por causa e severidade, das lesões traumáticas atendidas de Março a Agosto de 1 992, na Santa Casa de São Paulo. 106 GRAVE Abrasão corneana e conjuntiva!, corpo estranho extraocular, irite traumática, hiposfagma, queimadura por ácido. 500 o MODERADA Globo ocular RESULTADOS Dentre os 3. 656 pacientes atendi dos no Pronto Socorro de Oftalmolo gia do H. S. C. M. S. P. durante o período estudado, foram encontradas 1. 1 71 le sões traumáticas, representando 32% do atendimento de urgências. Houve predomínio do grupo entre 1 6 e 45 anos de idade, com o total de 805 pacientes (6 8, 7% ). Quanto ao sexo, 962 pacientes pertenciam ao sexo masculino (82,2%) e 209 ao fe minino ( 1 7, 8%), determinando assim, proporção de 4: 1, aproximadamente. Os traumatismos foram agrupados segundo a atividade exercida no mo mento da lesão e sua severidade, con forme mostra o Gráfico 1. Cento e quatro casos ( 8, 8 8%) ne cessitaram internação para procedi- LEVE TIPOS DE LESÃO Trabalho Os acidentes de trabalho foram a principal causa de traumatismos ocu lares, representando 3 8, 7% do total. Dos 453 pacientes incluídos neste gru po, 450 pertenciam ao sexo masculi no, representando 99,3% do total. As atividades exercidas eram variadas, a maioria delas no segmento da constru ção civil e da indústria. Houve predomínio de lesões leves, sendo 6 9,4% delas constituídas por corpos estranhos extraoculares e abrasões de córnea e conjuntiva. Das 42 lesões graves (9,3 %), 30 foram queimaduras por álcali, principalmen te em indivíduos trabalhando no ramo da construção (pedreiros, azulejistas, gesseiros etc.) e 10 foram perfurações extensas do globo ocular. Domésticos Encontramos no grupo de trauma tismos domésticos grande porcenta. gem de crianças, isto é, dos 394 pacien tes nele incluídos, 150 eram crianças de O a 15 anos (3 8, 1 %), representando 72,8% de todas as lesões em crianças no estudo. A maioria delas sofreu contusão por objetos (principalmente móveis e brinarq. BRAS. OFT AL. 58(2), ABRIL/ 1995

Traumas oculares: nosologia de 1.171 casos quedos) e pessoas (dedo, cotovelo etc.), ou por quedas. A manipulação de objetos perfurantes (tesoura, arame, faca, prego, fragmento de madeira) foi responsável por 21 traumatismos em crianças (14%), levando a 10 perfurações do globo ocular de mau prognóstico visual e uma laceração de canalículo lacrimal inferior. Destas 11 crianças que sofreram lesões graves, 1 O tinham de 4 a 8 anos e brincavam na presença de adultos no momento do trauma. Brasa de cigarro de adultos foi causa de 11 queimaduras térmicas oculares em menores de 15 anos. A análise do grupo total, ou seja, adultos e crianças está representada pela Tabela 2. Entre os adultos, houve 5 perfurações comeanas pequenas e periféricas, com bom prognóstico visual. Diversos Consideramos traumatismos diversos aqueles que não poderíamos enquadrar nos outros subgrupos. Todos ocorreram fora do ambiente doméstico ou profissional. Os principais causadores foram os objetos em movimento (83 corpos estranhos, 3 projéteis de chumbo, 3 decorrentes de explosão de fogos de artifício e 3 pedras) e as quedas e contusões (45 casos). O grupo era constituído principalmente por adultos (81,6%). Quanto à severidade das lesões, en- contramos 125 lesões leves (88,7%), 3 moderadas. (2, 1 %) e 13 graves (9,2%). Entre as lesões graves, houve 5 perfurações do globo ocular, 3 sub-luxações de cristalino associadas a iridodiálise, 3 corpos estranhos intraoculares, uma laceração de canalículo lacrimal inferior e uma concusão de nervo óptico. Agressões Grupo composto por 1 O 1 pacientes (8,6% do total estudado), 86 homens e 15 mulheres, mantendo a correlação de, aproximadamente, 4: 1. Estão incluídas neste grupo 12 crianças (11,9%), 11 meninos e I menina. A faixa etária entre 16 e 40 anos contribuiu com 63,4% do total de agressões. Desses traumatismos, 77 eram contusos, ocasionados por chute, soco, garrafa etc. Dos 24 pacientes restantes, registramos 18 lesões por objetos penetrantes (principalmente faca e fragmentos de vidro) e 6 por causas variadas. Foram encontradas 72 lesões leves (71,3%), 10 moderadas (9,9%) e 19 graves ( 18,8% ), 12 delas perfurações do globo ocular com mau prognóstico visual (11,9%). Trânsito Neste grupo, estão incluídos 39 acidentes automobilísticos, 5 motociclísticos e 6 atropelamentos. TABELA 2 DISTRIBUIÇÃO, POR ETIOLOGIA, DE 394 LESÕES OCULARES OCORRIDAS EM AMBIENTE DOMÉSTICO, ATENDIDAS DE MARÇO A AGOSTO DE 1992, NA SANTA CASA DE SÃO PAULO. ETIMOLOGIA Nº DE PACIENTES % Queda ou contusão 152 38,6 Manutenção da casa ou carro 61 15,5 Objetos em movimento 52 13,2 Queimadura térmica 34 8,6 Limpeza 23 5,8 Manipulação de objetos perfurantes 21 5,3 Jardinagem 13 Explosão 11 2,8 Outros 27 6,9 TOTAL 394 100 3,3 Baseados nas informações de 37 pacientes, verificamos que 24 acidentes ocorreram à noite (64,8%) e os dias da semana mais freqüentes foram o sábado (35,1%) e o domingo (18,9%). Dos acidentados, 7 admitiram o uso de álcool (23,3 %) previamente ao trauma e nenhum admitiu o uso de drogas. 86,4% dos pacientes informaram o lugar ocupado no interior do veículo: 50% eram motoristas e 36,4% acompanhantes. A maioria dos pacientes (89,6%) negou o uso de cinto de segurança nos automóveis. Encontramos 23 lesões graves do globo ocular (52,3%), 19 delas perfurações de córnea e esclera. Das 3 crianças que foram vítimas de acidentes automobilísticos, 1 sofreu ceratite e 2 sofreram perfuração do globo ocular. Já entre os atropelamentos, encontramos apenas lesões leves. Esportes Dos 18 pacientes, 17 pertenciam ao sexo masculino (94,4%) e a faixa etária predominante foi a compreendida entre 10 e 35 anos (83,3%). Encontramos 11 lesões leves, 6 moderadas (hifema, celulite orbitária, fratura de soalho da órbita e edema de Berlin) e uma lesão grave (perfuração de córnea). As modalidades esportivas e agentes causadores de traumatismos variaram. O esporte mais freqüente foi o futebol (7 casos). Ainda ocorreram lesões durante a prática de ciclismo (6 casos), karatê (2 casos), handball (um caso), hockey (um caso) e tênis (um caso). Animais Dos 14 pacientes lesados por animais, 11 eram crianças de O a 1 O anos (78,6%). Entre as crianças, a principal espécie agressora foi o cão (9 casos) e as lesões causàdas foram principalmente ARQ. BRAS. OFTAL. 58(2), ABRIL/1995 107

Traumas oculares: nosologia de 1. 171 casos palpebrais, sendo 4 leves, 2 moderadas e 3 graves (associadas a lesão de canalículo lacrimal inferior). As outras 2 crianças sofreram abrasão de conjuntiva por arranhadura de gato. Entre os adultos, encontramos 2 picadas de inseto na pálpebra e 1 caso de coice de cavalo levando a laceração extensa de pálpebra superior, hifema total e descolamento de retina. DISCUSSÃO A incidência de traumatismos oculares no nosso serviço é alta. Os pacientes de maior risco são os homens jovens. Esses dados são compatíveis com os descritos na literatura 2 Os acidentes de trabalho também foram a principal causa de lesões encontrada por outros autores, variando apenas em proporção, representando de 15,4% a 69,9% dos totais por eles estudados 1 4 As diferenças nos achados entre os diversos países pode estar relacionada à diversidade das condições de trabalho, à ênfase dada ao uso de equipamento de proteção ocular e à conscientização dos trabalhadores. As empresas são obrigadas por lei a fornecer o "Equipamento de Proteção Individual'' (EPI), além de promover o treinamento e fiscalização do seu uso. No que se refere à proteção para a cabeça, existem protetores faciais, óculos de segurança, máscaras para soldadores e capacetes 5 6. Entretanto, em estudo de 3.352 pacientes que sofreram traumatismo ocular durante o trabalho, 84,6% negaram o uso de proteção ocular no momento da lesão, mesmo tendo EPI disponível. Os 15,4% que usavam algum tipo de proteção não sofreram lesões severas 3 As causas citadas para não utilização de proteção costumam ser: desconforto, embaçamento e acúmulo de poeira nas lentes, diminuição do campo visual, esquecimento ou por crer desnecessário o seu uso 3 5, O mesmo foi demonstrado em um estudo nacional 7 A fim de atenuar os fatores acima citados, têm sido lançadas películas resistentes à abrasão, óculos com melhor ventilação e lentes mais finas, leves e resistentes ao calor, afocais e graduadas. A freqüência de lesões oculares em crianças costuma ser alta, variando de 34,6% a 52% entre os autores 8 No nosso estudo, representaram 17,6% do total estudado, freqüência mais baixa do que as citadas anteriormente. Entre as nossas crianças, 72,8% sofreram traumatismos no ambiente doméstico, dado compatível com a estatística nacional que demonstra que 79, 1 % dos traumatismos oculares em crianças ocorrem em casa e que 52,7% das vezes um dos pais esteve presente no momento da lesão, não sendo capaz de evitá-la 9. Sob esse aspecto, merecem destaque as perfurações e queimaduras por cigarro em crianças encontradas em nosso estudo. Pesquisa de 345 lesões perfurantes mostrou que o maior número de lesões foi causado por ferramentas; 53% delas não ocorreram durante o trabalho e sim no ambiente doméstico 2 A maioria das pessoas não acha necessário o uso de EPI no ambiente doméstico. Portanto, encontramos grande número de lesões em homens durante tarefas do tipo "faça você mesmo", como consertos e jardinagem. No nosso estudo, 23, 1 % dos ferimentos perfurantes oculares aconteceram no ambiente doméstico, concordando com estatística nacional onde esta porcentagem é de 26,9% 10 Os acidentes de trânsito analisados ocorreram principalmente à noite (64,8%) e no fim de semana (54%). Talvez, esse padrão ocorra devido ao maior uso de álcool nas horas de folga ou ainda pelo abuso de velocidade decorrente do menor tráfego nesse período. A maioria negou o uso de cinto de segurança (89,6%). Estudos europeus indicaram que a incidência anual de lesões oculares por acidentes automobilísticos decresceu entre 60 e 77%';'- após a instituição do uso obrigatório do cinto de segurança e de pára-brisa de vidro laminado 11. Em nosso meio, o vidro do párabrisa é o agente causal mais freqüente de ferimento perfurante ocular e lacerações faciais em pessoas com até 30 anos. Crianças menores de 15 anos viajando no banco da frente contribuem com 22% dos casos de perfurações por acidentes automobilísticos. A educação da população quanto a melhor localização de crianças no veículo e o uso do cinto de segurança evitaria muitos traumatismos 12 13 No nosso estudo, os acidentes de trânsito foram a primeira causa de perfurações oculares, representando 29,2% do total, junto aos traumatismos domésticos (23, 1 %), seguidos pelas agressões ( 18,5%), acidentes de trabalho (15,4%) e diversos (13,8%). O esporte foi responsável por poucas lesões traumáticas oculares no presente estudo (1,5%). A literatura mostra porcentagens maiores, variando entre 5 e 9% 45. Os protetores oculares para atividades esportivas incorporam armações e material óptico altamente resistentes ao impacto a aos riscos (policarbonato ). As armações têm por função distribuir forças entre os ossos orbitários. Os óculos são recomendados principalmente no basquete e esportes com raquete (tênis, squash e racketball), que são as principais causas de lesões oculares em adultos na América do Norte. Os protetores oculares de rosto inteiro acoplados a capacete estão indicados no baseball, hockey sobre o gelo e futebol americano 14. Entre nós, o futebol liderou como causa de traumatismos oculares no esporte. Talvez isso tenha ocorrido por ser o esporte mais popular no Brasil e não por risco de trauma ocular aumentado em sua prática. A maioria das vítimas de animais foram as crianças (78,6%), com ferimentos de severidade variável, principalmente palpebrais. O cão foi a prin- 1 1 O ARQ. BRAS. OFT AL. 58(2), ABRIL/1995

Traumas oculares: nosologia de 1. 1 71 casos cipal espécie agressora. Um estudo in glês mostrou que 87% das vítimas de mordidas de cão eram crianças abaixo dos 15 anos de idade. Lacerações se veras na face e cabeça são incomuns, mas envol vem perdas de tecido e in fecções graves 1 5 Concluindo, a partir do momento em que adotamos medidas de preven ção (tais como o uso de EPI, cinto de segurança e abstinência de álcool e drogas), direcionadas principalmente aos grupos mais jovens e discutidas nas escolas, trabalho, auto-escolas e associações de atletismo, estamos di minuindo o índice de lesões oculares e prejuízos sócio-econômicos. Devem participar ativamente desse processo, empresas, órgãos públicos e meios de comunicação em massa. Nós, oftalmologistas, podemos contri buir orientando os nossos pacientes, individualmente. SUMMARY 1. 1 71 patients with eye m1uries admitted to "Santa Casa de Miseri córdia de São Paulo " Central Hospital were examined, from March 5 to August 30, 1 992 to determine the incidence, aetiology and severity of ocular injuries. Most patients were between 1 6 and 45 years old (68, 7%) and the male-female ratio was 4: 1. Of the total cases, 38, 7 % ocurred at work, 33, 7% during domestic activities, 8, 6% were caused by assault, 4, 3 % were involved in a motor vehicle crash or were hit by a vehicle, 1, 5% at sport activities, 1, 2 % had their injuries caused by animais and 12% were not classified. Children under 15 accounted for 1 7, 6% of the total admitted, mainly distributed in the domestic and animal injury groups. Outlining strategies for eye injury prevention would substantially reduce their incidence and are further depicted in this paper. 5 6 7 8 9 10 li REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12 KALSON, T. A. & KLEIN, B. E. K. - The incidence of acute hospital-treated eye injuries. Arch. Ophthalmol.. 1 04: 1 073-6, 1 986. 2 LANDEN, D. ; BARKER, D. ; LAPORTE, R. ; THOFT, R. A. - Perforating eye inj ury i n Alegheny Country. Pensylvania. A m. J. Public. Health.. 80: 1 1 20-2. 3 MACEWEIN, C. J. - Eye injuries: a prospective survey of 5.671 cases. Br. J. Ophthalmol., 73 ( l i ) : 88 8-94, 1 989. 4 CANAVAN, Y. M. ; O' FLAHERTY, M. J. ; ARCHER, D. B. ; ELWOOD, J.H. - A 1 0 year survey of eye injuries in Northem Ireland. 1 967 1 976. Br. J. Ophthalmol., 64: 6 1 8-25, 1 980. 13 14 15 PUNNONEN, E. - Epidemiological and social aspects of perforating eye injuries. A c ta Ophthalmol., 67: 492-8, 1 989. CAMPANHOLE, A. & CAMPANHOLE H.L. Consolidação das leis de trabalho e legislação complementar. 85 ed. São Paulo. Atlas S. A., 1 99 1, p. 354-57. DIAS, J. F. P. & XAVIER, M. M. - Traumas oculares do trabalho. Rev. Bras. Qfialmol., 43: 7 1-7, 1 980. RAPOPORT, 1. ; ROMEM, M. ; KINEK, M. ; KOVAL, R. ; TELLER, J. ; BELKIN, M. ; YELIN, N. ; YANCO, L. ; SAVIR, H. - Eye inj uries in chldren in Israel. Arch. Ophthalmol., 1 08 (3): 376-9, 1 990. KARA JOSÉ, N. ; MILANI, J. A. A. ; FONTES, M. A. ; MIY AKE. W. 1. ; BRANDÃO, A. S. Urgência oftalmológica em crianças: estudo das condi ções de ocorrência. Subsídios para o Simpósio sobre Trauma Ocular. ln Cong. Bras. Prev. Cegueira. UNICAMP, Campinas, 1 988. BONANOMl, M. T. B. C. ; ALVES, M. R. ; KARA JOSÉ, N. ; SOUZA JÚNIOR, N. A. Ferimento perfurante do globo ocular em adultos. Arq. Bras. Ofial., 43: 7 1-7, 1 990. COLE, M. D. ; CLEARKIN, L. ; DABBS, T. ; S M E RDON, D. - The seat-bealt l aw and after. Br. J. Ophthalmol., 7 1 : 436-40, 1 987. KARA JOSÉ, N. ; ALVES. M. R. ; SAMPAIO, M. W. ; BONANOMI, M. T. B. C. - Ferimentos perfurantes do globo ocular por acidentes auto mobilísticos. Boi. Ofi. Sanit. Panam., 9 5 : 547-53, 1 983. KARA JOSÉ, N. ; ALVES, M. R. ; OLIVEIRA, P. R. - Como educar a população para a prevenção do traumatismo ocular. Arq. Bras. 0/ial., 55 (4): 1 60-2, 1 992. STOCK, J. G. & CORNELL, F. M. - Prevention of sports-related eye i nj uries. Am. Fam. Physician., 44(2): 5 1 5-20, 1 99 1. PALMER, J. & REES, M. - Dog bites of the face: a 1 5 years review. Br. J. Plast. Surg., 36: 3 1 58, 1 983. XXVI I I CONGRESSO BRAS I LE I RO DE OFTALMOLOGIA SALVADOR - BAH IA - ; I N SC RI CAO D E VI D E OS O PRAZO PARA I N SC R I ÇÃO É 1 5 /MAI0/95 (Vide Regulamento pág. 7 20) ARQ. BRAS. OFT AL. 5 8(2), ABRIL/ 1 995 111