PROCEDIMENTOS DE JOGADORES DO JOGO DE REGRAS RUMMIKUB: POSSIBILIDADES DE TRABALHO NA SALA DE APOIO À APRENDIZAGEM



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Transcrição:

PROCEDIMENTOS DE JOGADORES DO JOGO DE REGRAS RUMMIKUB: POSSIBILIDADES DE TRABALHO NA SALA DE APOIO À APRENDIZAGEM Luciana Ramos Rodrigues de Carvalho Mestranda em Educação UEL lucianarr@sercomtel.com.br Francismara Neves de Oliveira Pós-doutorado em Psicologia Educacional - Instituto de Psicologia - USP Professora Adjunto do Departamento de Educação - UEL francis.uel@gmail.com Resumo Os jogos de regras no aporte teórico-metodológico piagetiano são considerados importante meio de compreender e intervir nos processos cognitivos. A pesquisa qualitativa, na modalidade de estudo descritivo, objetivou identificar em situações de interação interpares por meio do jogo de regras Rummikub, como os sujeitos analisavam seus próprios procedimentos. Participaram 12 alunos com idades entre 11 e 13 anos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual de Londrina-PR, que frequentavam a sala de apoio à aprendizagem. O jogo foi aplicado em 5 sessões semanais. Como as jogadas dos demais jogadores, construíram estratégias mais elaboradas e mais diversificadas. Os dados permitiram ponderar a importância de oportunizar por meio do jogo, a construção de processos cognitivos em alunos que freqüentam programas de apoio à aprendizagem escolar. Indicaram ainda que as situações lúdicas com o jogo de regras Rummikub podem oferecer contextos favorecedores da interação inter pares. Palavras- Chave: Jogo de Regras; Processos Cognitivos; Jean Piaget. INTRODUÇÃO Os jogos assumem relevância na pesquisa psicogenética e na prática psicopedagógica construtivista. Os jogos de regras em especial têm recebido atenção dos profissionais da área, por serem considerados meios de compreender e intervir nos processos cognitivos. Tomando o aporte teórico de Jean Piaget como base para compreender os processos cognitivos envolvidos na construção do conhecimento, a construção do conhecimento é reconhecida como depende da interação sujeito e objeto e não somente de um ou de outro, portanto, seu ponto de partida deve ser procurado nas relações de interdependência. Piaget (1976), Piaget (1996) e Brenelli (1986). 768

Oliveira (2005) assinala que considerando a existência prévia e não inata de estruturas lógicas, a intervenção com jogos engendra situações-problemas que desencadeiam a atividade espontânea do sujeito e possibilitam que seus conhecimentos se tornem observáveis. Brenelli afirma (1986) que a construção da estrutura mental possibilita conhecimento, por um processo de equilíbrio, no qual intervêm os mecanismos de regulação que conduzem às reequilibrações e consequentemente, ao aprimoramento das estruturas anteriores. A equilibração é compreendida como um processo majorante. Na medida em que corrige e completa as formas precedentes de equilíbrio, ao mesmo tempo conserva o equilíbrio anteriormente alcançado. Piaget (1976), tratando da equilibração das estruturas cognitivas, acentua que na vida cognitiva da criança, os desequilíbrios estariam no fato de que as afirmações prevalecem sobre as negações. Esta assimetria entre afirmações e negações compromete o equilíbrio em todas as suas formas: entre sujeito e objeto; entre os subsistemas e entre esses últimos e o sistema total. Para alcançar um resultado favorável e atingir os objetivos propostos pelo jogo, é preciso que o sujeito vença os desafios ou as perturbações que lhe são impostas pela situação-problema gerada. Para isso, faz-se necessário a utilização de meios que considerados eficazes pelo sujeito, proporcionam os resultados que ele pretende alcançar. Brenelli (1996) argumenta que as atividades lúdicas utilizadas na intervenção psicopedagógica se relacionam ao fazer e ao compreender, visto que os jogos de regras implicam na construção de procedimentos e a compreensão das relações que favorecem êxitos ou fracassos. Assim sendo, o êxito no jogo depende da compreensão do mesmo. Piaget (1946) assinala que jogar é essencial na vida da criança: em seu processo embrionário, predomina a imitação (acomodação) e, em seu desenvolvimento, a sutil integração entre a assimilação e a acomodação. O jogo de regras, objeto de nosso estudo, começa a se manifestar por volta dos 7 ou 8 anos com o domínio do pensamento operatório concreto. Além dos símbolos, o jogo de regras supõe o estabelecimento de relações sociais. Seguindo essa perspectiva, Macedo (1994,) assinala que os jogos de regras criam situações de observação e troca de informações a partir do diálogo entre os pares, favorecendo a construção de conhecimento por parte das crianças de acordo com seus limites de aprendizado. 769

Por meio das relações de reciprocidade e cooperação do grupo, as regras são imposições passadas às crianças. Piaget (1946) salienta que esse tipo de interação é fundamental e necessária para que a transmissão das convenções sociais e dos valores morais sejam assegurados. Oliveira (2005), Macedo (1994) e Brenelli (1986) acrescentam que os jogos de regras fazem parte do desenvolvimento das estruturas cognitivas, uma vez que, para efetivar esse tipo de jogo, os sujeitos devem coordenar variáveis: estratégias de ação, tomada de decisão, análises e correções dos erros, tratamento com perdas e ganhos, replanejamento das jogadas, entre outras. Ao provocar conflitos internos, o jogo permite a busca de modificação da ação e esse movimento cognitivo enriquece e reelabora as estruturas cognitivas dos indivíduos. Macedo (2009) afirma que os jogos de regras criam um contexto de observação e diálogo sobre os processos de pensar. O jogo atualiza, fundamenta, critica. O jogo propõe uma tarefa, uma situação-problema e possibilita a análise e a revisão do erro numa outra perspectiva, ou seja, como um convite a uma nova tarefa, provocando (ou desencadeando) o desenvolvimento cognitivo da criança e constitui um recurso de intervenção que auxilia a construção de estruturas e a compreensão de conceitos muito abstratos. Esta aproximação do mundo mental da criança é possível pela análise dos meios e dos procedimentos que ela utiliza durante o jogo. METODOLOGIA A presente pesquisa de enfoque qualitativo caracteriza-se como um estudo descritivo, que de acordo com Valentim (2005), observa, registra, correlaciona e descreve fatos ou fenômenos de uma determinada realidade sem manipulá-los. Como participantes desta pesquisa foram selecionados doze alunos dentre quinze que freqüentavam o 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual de Londrina-PR e a sala de apoio à aprendizagem programa oficial da Secretaria de Estado do Paraná que oferece apoio à aprendizagem aos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, em sistema de contraturno. (PARANÁ, Resolução 371/2008). Como critério de seleção/exclusão adotamos o fato de que nossos sujeitos frequentavam as duas disciplinas (português e matemática). Os 770

participantes da amostra tinham entre 11 e 13 anos no momento da coleta de dados. O instrumento empregado foi o jogo de regras Rummikub em 5 sessões realizadas uma a cada semana, sendo duas consideradas avaliativas. Filmamos todos os lances e deslocamentos e registramos em formulário que representava o tabuleiro, o movimento das peças, com a devida concordância dos jogadores. Os procedimentos éticos de pesquisa foram seguidos. Nos procedimentos dos jogadores foram observados deslocamentos espaço-temporal. Por se tratar de um jogo desconhecido por todos os participantes, foram realizadas primeiramente, três sessões de aprendizagem, visando proporcionar o domínio do tabuleiro e das peças e a compreensão das regras. As duas sessões seguintes foram consideradas avaliativas e seus resultados são apresentados neste artigo. O jogo Rummikub envolve até 4 participantes simultaneamente, e é composto por 106 peças, subdivididas em 08 conjuntos. Na Figura1, podemos observar que esses conjuntos são compostos por peças numeradas de 1 a 13, em quatro cores diferentes (azul, laranja, vermelho e preto), a cada dois conjuntos. Existem ainda dois curingas, representados por duas carinhas, que exercem uma função importante no desenrolar das partidas, como veremos mais adiante. Figura 1 Conjunto de peças do Rummikub Fonte: As autoras O objetivo do jogo é fazer o Rummikub ou seja, esvaziar o tabuleiro descartando todas as peças, e, de preferência, surpreendendo os adversários com seus tabuleiros ainda cheios. Nesse momento, o jogador que esvazia seu tabuleiro deve dizer Rummikub. Analisar os processos cognitivos aplicados ao jogo Rummikub, nos permitiu discutir os dados demonstrativos da evolução das condutas 771

mais egocêntricas para as mais descentradas até que o sujeito atinge a visão de conjunto. Resultados A partir do critério de análise dos procedimentos foi possível analisar as estratégias propriamente ditas, desenvolvidas pelos sujeitos nas partidas do jogo Rummikub. Nesse sentido, procuramos analisar o modo como os sujeitos articulavam suas estratégias, considerando como combinavam suas séries, isto é, grupos e sequências, do ponto de vista da quantidade e da qualidade. Em outras palavras, as estratégias utilizadas pelos sujeitos revelaram modos diferenciados de articulação das peças. O Rummikub é um interessante jogo que pode ser utilizado para valorizar o planejamento e a organização. Nesse jogo, a criança descobrirá que planejar é uma condição importante para obter o resultado desejado, mas ela precisa ser associada a outras estratégias para garantir a construção completa. Durante as sessões com o Rummikub, foi possível perceber quatro aspectos que demonstraram se os alunos utilizam estratégias aleatórias, repetição de estratégias, uso de diferentes estratégias e planejamento das ações. Podemos ver no recorte de duas partidas disputas por KAR, na décima rodada e na vigésima da 5ª sessão, que predomina as compras de peças em detrimento dos descartes possíveis. KAR não planeja as jogadas, faz compras desnecessárias, descarta peças sem nenhum critério enquanto que se tivesse uma estratégia de jogo, poderia descartar várias peças em uma rodada. Analisando o jogo, percebe-se que da décima rodada até a vigésima segunda seu tabuleiro permaneceu sem descarte. KAR ficou 12 rodadas praticamente com o tabuleiro igual, apenas fazendo compra de peças. Na décima rodada, KAR tinha a possibilidade de descartar dez peças: 1234, 456, 567, mas, no entanto, só baixou uma peça 8 que acrescentou à série 9 10 11 12, transformando em 8 9 10 11 12. Na vigésima segunda rodada, KAR compra a peça 5, mas esta peça foi desnecessária, pois ela continua com as mesmas peças no tabuleiro. Nesta rodada, poderia ter descartado três conjuntos: 1234 456 5 6 7 e a peça 10 que poderia ter sido acrescentada na sequência 11 12 transformando em 1011 12. 772

Figura 1 - Extrato do protocolo da partida realizada entre KAR e VIT Organização do Nº. da jogada tabuleiro (KAR) Jogada Mesa 10 45613 3567 257 Cp 4 78910 910 11 12 333 999 1238 Dc 8 12 12 12 14 45613 356710 1257 Cp 5 78910 10 11 12 567 12 12 12 12438 3 3 3 999 11 11 11 1234 456 9 9 9 10 11 12 Partida realizada Entre KAR e VIT Fonte: Autoras Na partida disputada por AMAN, é possível ver a repetição de estratégia. Analisamos dois momentos do jogo, um na décima rodada e o outro na décima quarta rodada, ambas da 4ª sessão. AMAN, na décima rodada, opta pela compra de uma nova peça, pois pensa que com as peças do tabuleiro não tem possibilidade de formação de conjunto, nem de descarte de peças para acrescentar-nos outros jogos da mesa. Na compra realizada, adquiriu um 6, pegou a peça e colocou no tabuleiro. Na sequência pegou a peça 6 que estava em seu tabuleiro, mexeu na série que estava na mesa 7 7 7 7, retirou 7, mas ANA falou: Isso não pode, vai ficar só duas cores, então AMAN, retornou a peça no lugar. Colocou a peça 6, do seu tabuleiro de volta, e pegou a peça 6 que havia comprado, retirou um 7 da série 7 7 7 7, e a peça 8 da série 8 8 8, formando uma nova sequência 6 7 8. AMAN tinha a possibilidade de descarte das peças 2 2 do seu tabuleiro e de retirar a peça 2 da sequência 23456 8 para formar a série 2 2 2. Portanto, a compra de mais peças era desnecessária, pois tinha um jogo para baixar. Na décima quarta rodada, AMAN continua a repetir a mesma estratégia: a de compra de peças e na compra adquiriu um 2. Observou seu tabuleiro e a mesa e falou Não tenho nada para fazer vou ter que passar. AMAN continuou não vendo a possibilidade de descarte das peças 22. Com a compra da peça 2, era só formar a sequência 222. Quando questionei se ela tinha certeza de 773

que não tinha nada para baixar, então falou ah, lembrei! pegou o 5 do tabuleiro e acrescentou à sequência da mesa 6 7 8, transformando em 5678. ANA fez novamente um comentário: Você sabe que pode desmanchar um jogo, para montar uma nova sequência!, então AMAN pegou a peça 4 do tabuleiro e dividiu a sequência 2 3 4 5 6 7 8 que estava na mesa em duas, deixando assim 2 3 4 e 4 5 6 7 8. AMAN fez novamente uma compra, mas não soube como utilizá-la. Ainda tinha no seu tabuleiro as peças 10 e 12 que poderia descartar. Na mesa havia uma sequência de 11 11 11 11 11, AMAN poderia retirar o 11 para baixar as peças 10 e 12 e assim formar mais um conjunto 11 12 13. Figura 2 - Extrato do protocolo da partida realizada entre AMA e ANA Nº. da Organização do jogadatabuleiro (AMAN) Jogada 12 2 3 3 5 10 12 Cp 6 34610 4 2 Dc 6 Mesa 7777 888 23456 8 11 11 11 11 11 678 678 7 7 7 8888 234 16 2 3 3 5 10 12 Cp 2 5 6 7 8 11 12 13 34610 Dc 5 4 11 11 11 11 456 8 Partida realizada Entre AMA e ANA Fonte: Autoras Observamos agora dois recortes de partidas disputadas por JON. Nos dois momentos do jogo, é possível ver como ele utiliza diferentes estratégias de qualidade para o descarte de peças, aumentando assim suas possibilidades de ganho da partida. Na vigésima terceira jogada da 5ª sessão, JON opta por formar uma série com a peça 4 do tabuleiro. Para montar este novo conjunto, JON realiza vários rearranjos na mesa. Ele retira o 4 da sequência 1234, transformando-a em 123. Pega o 7 da série 7 7 7 e o acrescenta na série 456, transformando-a em 4567. Dessa forma pode retirar a peça 4, para assim montar o conjunto 444. Na vigésima sexta rodada da mesma sessão, JON opta pela compra de uma nova peça, o 10. Com esta compra consegue descartar quatro peças. JON 774

descarta as peças 9 e 10. Retira o 11 da sequência 11 11 11 11 11 11 11 para formar o conjunto 9 10 11. Acrescenta o 8 na sequência 9 10 11, transformando-a em 8 9 10 11. E por último, descarta a peça 9, para montar uma nova série, começa retirando o 11 da sequência 11 11 11 11 11 11, divide a série 7 8 9 10 em duas, transformando em 789 9 10 11. Dessa forma, pudemos observar que JON utiliza diversas estratégias no mesmo jogo. Figura 3 - Extrato do protocolo da partida realizada entre JON e LOH Nº. da Organização do jogada tabuleiro (JON) Jogada Mesa 23 488 13 13 9 4 10 10 10 10 1 2 3 4 7 7 4 5 6 11 11 11 11 11 11 2 2 2 2 7 8 9 10 456 29 88 9 3 9 13 13 Cp 10 Dc 9 10 8 9 10 10 10 123456 45678 4444 77 11 11 11 11 11 222 891011 78910 9 10 11 Partida realizada Entre JON e LOH Fonte: Autoras Uma condição importante para se jogar, é planejar as jogadas a cada novo lance do jogador e dos seus adversários. Planejar é condição fundamental. Observamos um recorte da partida disputa por PRM na quadragésima rodada da 4ª sessão. Podemos ver que em uma única jogada, ele consegue descartar 11 peças. Enquanto os outros jogadores iam fazendo seus descartes, PRM ia separando suas peças no tabuleiro para saber o momento e o jogo certo para descartá-las. PRM, na sua vez, não tinha a quantidade adequada para formar os trinta pontos iniciais, então ele compra uma nova peça para ver se esta ajuda-o no descarte, nesta compra adquiri a peça 7. Ele monta uma série com 777, retira a peça 13 da sequência 13 13 13 13 13, transformando-a em 13 13 13 13. Baixa suas peças 11 e 12 e monta a série 11 12 1 3, descarta as peças 111 formando mais um conjunto. Acrescenta a peça 13 na série 13 13 13 13, transformando-a em 13 13 13 13 13 e a peça 4 é acrescentada à série 4 4 4 4 4, transformando-a 4 4 4 4 4 4. 775

Figura 4 - Extrato do protocolo da partida realizada entre PRM e PHR Nº. da Organização do Jogada Mesa jogada tabuleiro (PRM) 4 4 4 4 4 4 1 1 1 43 366 59 2511 2689 Cp 7 7 8 9 10 12 Dc 111 10 4 13 13 13 13 13 10 10 10 10 1112 11 12 7 Partida realizada Entre PRM e PHR Fonte: Autoras CONCLUSÃO A partir da observação das condutas do sujeito no jogo, pode-se verificar de que maneira seu pensamento está estruturado, pois as condutas revelam os recursos de pensamento dos quais o sujeito dispõe. Além do mais, na utilização do jogo como um meio de intervenção, com o papel de facilitar processos de equilibração, percebe-se que sua prática possibilita ao jogador, gradualmente, enriquecer suas estruturas mentais, diante dos desafios implicados no jogar em si, de maneira que se supera o sistema cognitivo que determinava a aplicação de instrumentos inadequados ou insuficientes para o alcance de resultados satisfatórios. Viabiliza-se, assim, a construção de novos conhecimentos. Transpõe-se igualmente o plano da ação para o plano da compreensão, pois no plano do fazer, os meios que levam ao resultado de uma ação não são conhecidos. Para a resolução da situação-problema que o jogo impõe, exige-se do jogador utilizar procedimentos que coordenam suas ações para um propósito, o que desemboca no pensamento e revela o como e o porquê de suas ações, no plano da compreensão. Pensar as ações em função dos acertos e dos erros nos ajuda a entender como se aprende. Para isso é imprescindível na prática pedagógica valorizar as ações enquanto operações do sujeito que conhece e o erro enquanto observável. Errar significa produzir uma contradição no sistema. Tornar o erro observável para a criança, significa criar um contexto em que esta possa perceber a contradição, a não coerência de suas respostas e, com isso, criar um conflito 776

(desequilíbrio) que a mobilize na busca da resolução ou da resposta. Problematizar o erro é transformá-lo em uma situação de aprendizagem. O erro enquanto observável oferece para a criança uma oportunidade de auto-avaliação, descentração, antecipações, desenvolver seu interesse (motivação) pelo conhecimento, requerendo do sujeito uma atitude de pesquisador. Se jogar permite saber sobre os processos de pensar, transformar o erro numa pergunta pode também transformá-lo numa tomada de decisão. Um desafio para a mudança de atitude. Jogar de forma interdependente significa ser todo e parte ao mesmo tempo. Todo, no sentido de que o jogo tem suas regras e os participantes compartilham isso juntos, cooperam e buscam um mesmo objetivo. Parte, porque cada um entra com sua contribuição pessoal, habilidades, facilidades, dificuldades, que interferem nas ações dos outros jogadores. REFERENCIAS BRENELLI, Roseli. P. Observáveis e coordenações em um jogo de regras: influências do nível operatório e da interação social. 1986. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo.. Uma proposta psicopedagógica com jogo de regras. In: Sisto, F.F. (et al.). Atuação Psicopedagógica e Aprendizagem Escolar. Petrópolis: Vozes, 1996. MACEDO, L. de. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. MACEDO, L. de; PETTY, A.L.S.; PASSOS, N.C. Aprender com jogos e situações problemas. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. MACEDO, L. de. (org) Jogos, Psicologia e Educação: Teoria e Pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009. OLIVEIRA, Francismara. N. de. Um estudo de interdependências cognitivas e sócias em escolares de diferentes idades por meio do jogo Xadrez Simplificado. 2005. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo. 777

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