«A via para actualizar o estatuto remuneratório não deve ser um subsídio» (Luís Miguel Martins, Lista A); «Juiz presidente tem de ser "a cara do tribunal" perante os jornalistas» (Maria José Costeira, Lista B); «As condições de trabalho são humilhantes em muitos tribunais» (Alziro Cardoso, Lista C) Candidata pela Lista B, "Somos Juízes" Maria José Costeira, Juíza de Direito Juiz presidente tem de ser "a cara do tribunal" perante os jornalistas A candidata à direcção da Associação Sindical dos Juízes defende que é preciso evitar a "desinformação" que se verifica em torno da justiça e defende soluções concretas e uma discussão alargada em torno do tema da violação do segredo de justiça. O juiz presidente de cada uma das 23 novas comarcas deve ser "o interlocutor dos tribunais" e estar preparado para dar a cara e intervir sempre que for necessário, prestando à comunicação social as informações que seja possível dar sobre o estado dos processos. "A cara do tribunal é o juiz. Tem de haver disponibilidade nesse sentido", defende Maria José Costeira, juíza do Tribunal do Comércio de Lisboa, secretária geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (AS JP) e candidata à liderança desta entidade. A ASJP vai a votos no próximo dia 21 de Março e o Negócios foi ouvir os três candidatos - Maria José Costeira, Alziro Cardoso e Luís Martins -, cujas entrevistas podem ser lidas na íntegra em negocios.pt. Maria José Costeira é apoiada pelo presidente em funções, Mouraz Lopes, que optou por não se recandidatar. O tema do segredo de justiça tem estado no centro do debate nos últimos tempos e a magistrada defende que os juízes devem relacionar-se de uma forma diferente com a comunicação social, até pare evitar "a desinformação que existe das questões da Justiça". "Um dos nossos cavalos de batalha vai ser conseguir que o Conselho Superior de Magistratura implemente um gabinete de imprensa com um juiz e um jornalista", sustenta. Além disso, em cada tribunal, o juiz presidente deverá "ser o interlocutor dos tribunais". Para tal, "terá de ter formação em comunicação" e "estar preparado para, se necessário, intervir". 1 / 5
Este é, aliás, um modelo que já existe em alguns países europeus, em que os tribunais se relacionam de forma mais aberta com os jornalistas e chegam a ter assessores de imprensa. A ideia seria, então, que quando houvesse uma decisão e assim se justificasse, houvesse também "um comunicado, feito pelo presidente da comarca, ao vivo e a cores, em que fosse feito um resumo dos factos e das medidas aplicadas. Isso resolvia muitos dos problemas", defende a magistrada. "Se estiver em segredo de justiça, o juiz presidente não pode divulgar grande coisa, mas pode, quando é tomada uma decisão, divulgar de forma curta e objectiva", acrescenta. E sendo certo que não seria por ai que se evitariam quebras do segredo de justiça, Maria José Costeira defende a necessidade de uma "discussão alargada" em tomo deste tema, com um "levantamento de quantas investigações, quantos inquéritos, quantas acusações já houve por violação do segredo de justiça", informação que, lembra, apenas a PGR pode dar. Na opinião da magistrada, "só haverá um efectivo controlo da violação do segredo de justiça se se passar também a penalizar quem o divulga. É a única forma". Ainda que admitindo que "não é simpático e que de alguma forma põe em causa a liberdade de informação", Maria José Costeira diz que o princípio deveria ser o de que "se é crime passar a informação, é crime divulgá-la", mesmo que o jornalista se recuse a identificar a fonte e esta nunca seja identificada. Estatuto deve ser uma lei reforçada A magistrada elegeu como um dos temas fortes da sua candidatura a independência dos tribunais. Nesse contexto, explica, "o primeiro grande problema a enfrentar vai ser o estatuto dos magistrados judiciais", o qual está agora a ser preparado pelo Governo, que tem em mãos uma proposta de um grupo de trabalho onde esteve representada a ASJP. Se é certo que a independência dos juízes "não se põe em causa", há que garantir que estes, no momento de decidir, o possam fazer "com a tranquilidade e a paz de espírito necessárias". E como se consegue isso? "Se tivermos um estatuto que seja uma lei reforçada, que só por dois terços [de deputados] possa ser alterada e que fica, digamos assim, blindada as conjunturas do momento e põe o estatuto a salvo de contingência", defende. 2 / 5
No epicentro da revisão em curso está o estatuto remuneratório, no qual "devem ficar definidas todas as componentes de remuneração dos juizes", afirma a magistrada. Incluindo um complemento que será um "suplemento da condição de juiz". Numa entrevista em que passou em revista os principais problemas da Justiça, a secretária-geral da ASJP traça um quadro preocupante das condições físicas dos tribunais, em muitos dos quais se verifica "a violação de regras básicas de higiene e segurança no Trabalho". A ASJP identificou recentemente os casos mais problemáticos e está a ponderar, "se nada for feito, intentar uma acção contra o Estado". A isto soma-se a falta de meios humanos que, lamenta, "é dramática na maior parte dos tribunais". Candidato pela Lista C, "Firmeza e Dignidade". Alziro Cardoso, Juiz Desembargador "As condições de trabalho são humilhantes em muitos tribunais" "Perda de prestígio e dignidade, falta de condições dignas de trabalho, crescente funcionalização e um estatuto remuneratório que não tem em conta as exigências da função, a disponibilidade e, em especial, a exclusividade absoluta dos juízes". São estes os principais problemas identificados por Alziro Cardoso, que concorre às próximas eleições à Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) pela lista C. Alziro Cardoso, juiz desembargador, põe também a tónica na "defesa clara e intransigente da independência do poder judicial" e garante que a sua direcção "terá entre as suas prioridades, exigir que sejam proporcionadas aos juizes condições de trabalho que respeitem a dignidade da função nobre e soberana que exercem". Porque, lamenta, "as condições de trabalho são humilhantes, em muitos dos nossos tribunais, alguns instalados em contentores, outros em instalações sem o mínimo de dignidade". A revisão do estatuto dos magistrados judiciais, actualmente em curso, é outra das preocupações. Apesar de não conhecer a proposta em cima da mesa, elaborada por um grupo de trabalho no qual participaram representantes da ASJP, Alziro Cardoso sublinha que "é necessário que a anunciada revisão não se traduza em meras alterações pontuais de adaptação à nova organização judiciária" e entende que "não poderá deixar de ser revisto o estatuto remuneratório". Nesse contexto, "a escala indiciária actualmente em vigor deverá ser revista", afirma. 3 / 5
Sobre a reforma do mapa judiciário, o balanço possível até agora não é positivo: "Há problemas graves de atrasos na tramitação dos processos, afastamento geográfico dos tribunais dos cidadãos, de falta de funcionários, de colocação de juizes em instalações sem o mínimo de condições e dignidade", lamenta o juiz desembargador. A lista C, que encabeça, tem o lema "Firmeza e Dignidade". Quanto as outras duas, sustenta, "resultam de um cisão da tendência que tem estado à frente da ASJP nos últimos nove anos" e "apenas concorrem separadamente porque ambas pretendem ter a direcção" da associação de magistrados judiciais. "Não poderá deixar de ser revisto o estatuto remuneratório dos juízes." Candidato pela lista A, "Em Nome dos Juízes". Luís Miguel Martins, Juiz em Santa Maria da Feira "A via para actualizar o estatuto remuneratório não deve ser um subsídio" "Existe uma profunda degradação do estatuto remuneratório dos juízes", que precisa de ser actualizado, mas "não nos parece que a via mais adequada para o fazer seja a da atribuição de um subsídio", defende Luís Miguel Martins. Este magistrado judicial em Santa Maria da Feira, que encabeça a lista A na próximas eleições à Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), não tem dúvidas: "Por natureza, este é um caminho permeável às oscilações políticas do momento. E mais justo que a actualização seja concretizada através do aumento da massa salarial", defende. A proposta actualmente em cima da mesa, recorde-se, passa pela atribuição de um subsídio de exclusividade, uma espécie de complemento da situação de juiz, e está a ser estudado no âmbito da revisão em curso do estatuto dos magistrados judiciais. Luís Miguel Martins, diz que essa deve ser uma "aposta absolutamente imperiosa" e critica a actual direcção por não ter "impulsionado o projecto com a construção de uma proposta fundamentada, limitando-se a uma atitude passiva e de espera". 4 / 5
O novo estatuto, sustenta, deve contemplar "o reforço das garantias de independência, a consagração de uma cláusula de não regressão salarial e a actualização da componente remuneratória". O segredo de justiça e as suas violações são outra das preocupações de Luís Martins. Até porque, sublinha, "uma coisa é certa: não interessa a nenhum magistrado que existam violações do segredo de justiça; é necessário desmistificar essa ideia". Por isso, considera, "é decisivo o controlo das fontes de informação", bem como "a introdução de cartas éticas no relacionamento entre a comunicação social e os tribunais e a formação específica dos jornalistas, a fim de evitar o espectáculo público, por vezes degradante a que se assiste". Luís Miguel Martins encabeça a Lista A, "Em nome dos Juizes", e elege "a proximidade com os Juizes" como o tema mais relevante da sua candidatura. "Os actuais dirigentes da ASJP", afirma, "afastaram-se dos associados e têm uma excessiva cumplicidade com os Conselhos Superiores". "As violações do segredo de justiça não interessam a nenhum magistrado." Filomena Lança Jornal Negócios 03-03-2015 5 / 5