Avaliação dos resultados produzidos pelo modelo SPM-BRAMS para um episódio prolongado com altas concentrações de ozônio registrado sobre a Região Metropolitana de São Paulo, Brasil Vanessa Silveira Barreto Carvalho 1,2, Caroline Rosário Mazzoli da Rocha 2, Maria de Fátima de Andrade 2, Edmilson Dias de Freitas 2 1 Instituto de Recursos Naturais - Universidade Federal de Itajubá. Av. BPS, 1303, bairro Pinheirinho, Itajubá MG, Brasil, CEP 37500-903. 2 Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas Universidade de São Paulo. Rua do Matão, 1226, São Paulo, Brasil. E-mails: vanessa@model.iag.usp.br, carol@model.iag.usp.br, mftandra@model.iag.usp.br, efreitas@model.iag.usp.br 1. Introdução Na troposfera, o ozônio é formado em determinadas condições meteorológicas, principalmente vinculadas à forte incidência de radiação solar, através da fotólise da molécula de NO 2, que retorna a NO e libera oxigênio atômico no estado excitado (O*), que então reage com o oxigênio molecular, naturalmente encontrado na atmosfera (Seinfeld, 1986). A complexidade do processo de formação do ozônio troposférico, que envolve um grande número de fatores físicos e químicos, variando espacialmente e temporalmente de forma não linear, dificulta a simulação e a previsão das concentrações deste. Contudo, a utilização de modelos de qualidade do ar apresenta-se como uma importante ferramenta no que se refere à avaliação: (a) das emissões de poluentes atmosféricos provenientes de diferentes tipologias de fontes; (b) da distribuição espacial das concentrações de poluentes em grandes regiões (uma vez que o alto custo envolvido na implantação e operação de estações de monitoramento contínuo é um entrave à expansão da rede existente, dificultando o real diagnóstico da qualidade do ar); e (c) de diferentes cenários de emissão considerando possíveis estratégias de controle e a implantação de novas fontes em uma determinada área (Seinfeld, 1986; Peters et al., 1995). Nesse contexto, um módulo fotoquímico simplificado, denominado SPM-BRAMS (Simple Photochemical Model) e descrito por Freitas et al. (2005), foi desenvolvido com o objetivo de realizar previsões das concentrações de ozônio em caráter operacional. Esse modelo vem sendo utilizado operacionalmente no Laboratório MASTER (Meteorologia Aplicada a Sistemas de Tempo Regionais) do IAG-USP, para a realização de previsão da qualidade do ar na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Com cerca de 19 milhões de habitantes e mais de 7 milhões de veículos, a RMSP frequentemente registra problemas relacionados à poluição do ar. Dentre os poluentes que mais apresentam violações ao padrão nacional de qualidade do ar (PNQA) nessa região destaca-se o ozônio (Martins et al., 2004; Freitas et al., 2005; Martins & Andrade, 2008; CETESB, 2009). Em alguns períodos ao longo dos últimos anos, essas ultrapassagens ao PNQA ocorrem em diversas estações, durante vários dias consecutivos. Ainda não há na literatura, estudos para a região focando esse tipo de episódio de poluição. Dessa forma, o presente estudo propõe avaliar o desempenho do modelo de mesoescala SPM acoplado ao modelo de mesoescala BRAMS em simular as concentrações de ozônio registradas pela rede de monitoramento da CETESB durante um episódio prolongado de poluição.
2. Material e Métodos O período analisado por este estudo ocorreu entre 24 de fevereiro e 05 de março de 2003. Durante esse período, em várias estações que compõem a rede de monitoramento da CETESB, foram registrados valores de concentração de ozônio superiores ao PNQA estabelecido para o ozônio. O número de violações registrados na região durante esse período pode ser ervado na Tabela 1. Sob a influência de um sistema de alta pressão, durante esse período, houve predominância de condições de céu claro ou com pouca nebulosidade, ventos fracos, alta incidência de radiação solar e ausência de precipitação até o dia 05 de março, quando uma frente fria atingiu o Estado de São Paulo. Tabela 1: Número de estações com dados de concentração de ozônio disponíveis (entre parênteses) e número de estações com violações ao PNQA estabelecido para o ozônio na RMSP para o período entre 24 de fevereiro e 05 de março de 2003. Data Nº estações 24/02/2003 09 (11) 25/02/2003 06 (10) 26/02/2003 03 (10) 27/02/2003 04 (11) 28/02/2003 09 (11) 01/03/2003 08 (11) 02/03/2003 05 (11) 03/03/2003 06 (11) 04/03/2003 09 (11) 05/03/2003 02 (11) A simulação com o modelo regional SPM-BRAMS foi iniciada 24 horas antes do período de interesse, sendo o primeiro dia descartado das análises para eliminar o efeito de spin-up. As condições iniciais e de contorno foram obtidas das análises do GFS (Global Forecast System) do NCEP (National Centers for Environmental Prediction). Foram utilizadas duas grades aninhadas, sendo a primeira com espaçamento horizontal de 16 km e a segunda considerando 4 km. Ambas as grades foram centradas em 23,55 S e 46,47 W. Para a avaliação dos resultados produzidos pelo modelo foram considerados os dados médios horários das concentrações de ozônio registradas pela rede de monitoramento da qualidade do ar mantida pela CETESB. Os dados provenientes das estações Diadema, Ibirapuera, Mauá, Moóca, Parque Dom Pedro, Pinheiros, São Miguel Paulista, Santo André, Santana, São Caetano do Sul e Santo Amaro foram analisados. Os seguintes métodos estatísticos, apresentados por Mazzoli et al. (2008), foram utilizados para a verificação dos resultados: desvio padrão (σ), erro médio (ME), erro médio quadrático (MSE), raiz do erro médio quadrático (RMSE), correlação de Pearson (R) e o índice de concordância (d). O skill das simulações foi avaliado seguindo o critério descrito por Pielke (2002) que determina algumas condições para a obtenção do mesmo: (1) o desvio padrão da série ervada e da série simulada deve ser aproximadamente igual ( σ σ sim ), (2) a raiz do erro médio quadrático (RMSE) deve ser menor do que o desvio padrão da ervação ( RMSE < σ ) e (3) o RMSE UB, que representa a raiz do erro médio quadrático após a remoção de um desvio médio, também deve ser menor do que o desvio padrão da ervação ( RMSE < σ ). UB
3. Resultados Os resultados de concentração de ozônio simulados pelo modelo SPM-BRAMS foram, em média, menores do que os registrados pela rede de monitoramento da CETESB. Com exceção de algumas estações, o modelo subestimou as concentrações de O 3 registradas pela CETESB, principalmente, no período entre os dias 27 de fevereiro e 04 de março. No último dia de simulação, 05 de março de 2003, o modelo superestimou os valores de concentração em todas as estações consideradas. As estações cujos picos de concentração foram melhores simulados pelo modelo foram Parque Dom Pedro e São Miguel Paulista (ervar Figura 1). Vale a pena ressaltar que, em alguns dias do período, principalmente, no dia 26 de fevereiro, o modelo representou adequadamente os maiores valores de O 3. Nesse dia, para todas as estações (exceto para a estação Santana, que apresentou resultados superiores aos simulados pelo SPM-BRAMS), o modelo revelou resultados coerentes com as ervações. O comportamento diurno das concentrações de ozônio e o horário de ocorrência dos máximos foram, em geral, bem representados pelo modelo em todos os pontos considerados. (a) Parque D. Pedro (b) São Miguel Paulista Figura 1: Comparação entre as concentrações de ozônio (µg.m -3 ) simuladas pelo modelo SPM-BRAMS e as ervações registradas nas estações (a) Parque Dom Pedro e (b) São Miguel Paulista. A utilização de métodos estatísticos para a comparação entre as concentrações de O 3 simuladas pelo modelo SPM-BRAMS e os resultados obtidos a partir da rede de monitoramento da CETESB entre 24 de fevereiro e 05 de março de 2003 revelaram índices de correlação linear de Pearson (R) variando entre 0,65, em Santo André, e 0,73, em Santana como pode ser ervado na Tabela 2. O viés indicou que o modelo subestimou as concentrações de ozônio na maior parte dos pontos onde existe o monitoramento. Apenas as estações Moóca, Parque Dom Pedro, Pinheiros e São Miguel Paulista revelaram valores de viés positivos. Avaliando-se o primeiro critério para se obter skill em uma simulação, foi possível verificar que a média das diferenças percentuais de σ sim e σ foi superior a 25% nas estações Mauá e Santo André. A diferença do desvio padrão simulado e ervado foi inferior a 10% nas estações Moóca, Santana e Santo Amaro. É importante enfatizar que os altos valores de desvio padrão encontrados, provavelmente, são devidos a grande variação das concentrações de ozônio ao longo do dia. Em todas as estações foram verificados altos valores do RMSE, indicando uma diferença entre os valores simulados e os ervados a cada hora. Com o cálculo do RMSE foi possível avaliar o segundo critério para a obtenção do skill da simulação. Dentre todas as estações, apenas a estação
Santo Amaro não satisfez este critério. Todas as estações satisfizeram o 3 critério para obtenção do skill estabelecido por Pielke (2002). O cálculo do índice de concordância (d) revelou valores entre 0,71 e 0,85, nas estações de Santo Amaro e Santana, respectivamente. Estes resultados indicam a concordância entre os valores produzidos pelo modelo e as ervações. Tabela 2: Índices estatísticos calculados para todas as estações da CETESB com dados de concentração de ozônio (µg.m -3 ) disponíveis no período de 24 de fevereiro a 05 de março de 2003. Sites R RMSE Viés Índice d RMSE UB σ OBS σ SIM Diadema 0,68 43,21-9,15 0,80 42,23 56,83 45,90 Ibirapuera 0,72 48,53-2,44 0,82 48,46 69,44 54,31 Mauá 0,70 45,38-1,61 0,80 45,35 63,44 43,29 Moóca 0,71 44,65 9,41 0,83 43,65 56,84 57,50 Parque Dom Pedro 0,71 41,68 9,06 0,82 40,68 46,89 57,28 Pinheiros 0,68 49,53 23,46 0,77 43,62 49,58 58,04 São Miguel Paulista 0,68 37,49 1,03 0,81 37,47 42,83 49,78 Santo André 0,65 45,88-1,08 0,77 45,87 60,73 42,15 Santana 0,73 41,13-2,87 0,85 41,03 58,14 54,08 São Caetano do Sul 0,67 47,76-9,93 0,78 46,71 62,66 47,03 Santo Amaro 0,71 60,76-45,45 0,71 40,32 54,30 51,83 4. Conclusões O presente estudo avaliou o desempenho do modelo SPM-BRAMS em simular as concentrações de ozônio registradas pela rede de monitoramento da CETESB durante o período entre 24 de fevereiro e 05 de março de 2003, quando diversas ultrapassagens ao PNQA foram registradas na RMSP. Em média, os resultados indicaram que o modelo subestimou as concentrações de ozônio na maior parte do período. Esse comportamento também foi verificado através do cálculo do viés. Para alguns dias, os resultados mostraram-se de acordo com as ervações inclusive identificando a ocorrência de valores superiores aos estabelecidos por meio dos PNQA. Os índices de correlação de Pearson e de concordância apresentaram valores ligeiramente inferiores aos obtidos para períodos menores em outros estudos realizados com o mesmo modelo para a RMSP. A avaliação do skill da simulação revelou que apenas para algumas estações não foram obedecidos os critérios estipulados para a obtenção do mesmo. Em geral, o modelo SPM-BRAMS mostrou boa concordância entre as simulações e os valores ervados pela rede de monitoramento da CETESB. 5. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPEMIG, à FAPESP (Processo nº 06/59546-9), ao CNPq (processo nº 477310/2008-7 Edital Universal) pelo auxílio financeiro e à CETESB pela cessão dos dados utilizados neste trabalho. 6. Referências Bibliográficas COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL (CETESB). Relatório de qualidade do ar no Estado de São Paulo 2008. São Paulo, 2009. FREITAS, E. D., MARTINS, L. D., SILVA DIAS, P. L., ANDRADE, M. F., 2005. A simple photochemical module implemented in RAMS for tropospheric ozone
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