XVI Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 20 a 22 de Outubro de 2010 PERFIL DOS PROFESSORES-PESQUISADORES DOS CURSOS DA SAÚDE DE UMA UNIVERSIDADE CEARENSE Palavras-chave: Educação em Saúde. Iniciação Científica. Grupos de Pesquisa. Resumo O presente trabalho buscou conhecer o perfil dos docentes dos cursos da área da saúde, em especial a relação destes docentes com a pesquisa científica. Através do entendimento da pesquisa como princípio educativo, buscou-se descobrir se estes docentes vivenciam a pesquisa em suas atividades acadêmicas e se transmitem essa vivência aos seus alunos, proporcionandolhes uma formação diferenciada. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, de abordagem quantitativa, e caracterizada como um estudo de caso, tomando como exemplo os colegiados dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição de uma universidade cearense. Através da aplicação de um questionário, buscou-se conhecer o perfil pessoal e profissional dos docentes e caracterizar sua atuação em pesquisa através das seguintes atividades: participar de grupos de pesquisa; participar de projetos de pesquisa; orientar bolsistas de iniciação científica; e lecionar disciplinas de pesquisa. Concluímos que existe um corpo docente qualificado e que vivencia a pesquisa em suas atividades acadêmicas, mas que não representam a totalidade dos colegiados destes referidos cursos. Vimos que também há discrepâncias entre os diferentes cursos, sendo a atuação em pesquisa menor nos cursos de Nutrição e no ciclo profissional do curso de Medicina, podendo haver relação entre essa deficiência e a elevada proporção de professores substitutos e sem dedicação exclusiva à universidade. Introdução O presente trabalho buscou conhecer o perfil dos docentes dos cursos da saúde de uma universidade cearense, dando uma ênfase especial à relação destes docentes com a pesquisa. Para isto realizamos o que podemos identificar como um estudo de caso, tomando como exemplo os colegiados dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição desta universidade. Entendemos a formação em pesquisa não apenas como a transmissão do conhecimento da metodologia científica, que dota o profissional/egresso de técnicas para a realização de investigações, mas também como a adoção de uma postura investigativa voltada para o aprender a aprender. Concordamos com Demo (1999) na sua compreensão da pesquisa também como princípio educativo, onde o aluno, através da investigação, une teoria e prática como preparação adequada para seu futuro fazer profissional. Portanto, acreditamos que a formação em pesquisa é ingrediente crucial na formação de um profissional crítico e reflexivo e consciente de seu papel social. A saúde vem passando por uma grande mudança de paradigma, deixando de lado o modelo biomédico, onde os profissionais da saúde (em especial o médico) se centravam unicamente na doença. Tal modelo de saúde justificava um modelo de ensino-aprendizagem centrado no professor como detentor do saber das patologias, e tendo o aluno como mero receptor do conhecimento transmitido pelo docente. O novo paradigma que emerge, não mais focado unicamente na cura de doenças, mas também na sua prevenção e na promoção da saúde, exige um novo modelo de formação de profissionais (LAMPERT, 2002). Segundo esta nova compreensão, se fazem necessários profissionais da saúde críticos e reflexivos, que enxerguem a
complexidade do processo saúde-doença em suas inúmeras variáveis, e que sejam capazes de: aprender a aprender, que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades (BRASIL, 2001, p.4). Portanto, a incorporação da pesquisa desde a graduação dos cursos da saúde é uma das formas de contribuir para a formação deste profissional capaz de atender as novas demandas sociais. Mas para que a pesquisa seja propiciada aos alunos de graduação, é necessária a existência de um corpo docente capaz de motivar o aluno nesta caminhada. Mas do que isso, são necessários professores que vivenciem a pesquisa em seu dia-a-dia administrando grupos de pesquisa, coordenando projetos de pesquisa, orientando bolsistas de iniciação científica, ministrando disciplinas de pesquisa, entre outras inúmeras atividades. É esta vivência que vai permitir um ensinar diferenciado (e consequentemente uma aprendizagem também diferenciada por parte do aluno), um ensinar baseado não apenas nos conteúdos disciplinares que aprendeu na graduação, mas também na sua experiência em e com pesquisa (DEMO, 1999). Logo, nosso interesse por conhecer o perfil do corpo docente destes cursos se justifica pela necessidade de compreender como os professores da área da saúde vivenciam a pesquisa em suas atividades acadêmicas, tomando neste caso, como exemplo, os cursos da saúde de uma universidade cearense. Embora existam cerca de treze profissões regulamentadas como da área da saúde, a nossa pesquisa faz um recorte para levantar dados dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição, uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais destes cursos foram elaboradas conjuntamente como Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Saúde e tiveram como base a articulação entre Educação Superior e os Serviços de Saúde, em especial o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2001). Metodologia Identificamos nossa pesquisa como exploratória e descritiva, de abordagem quantitativa, e caracterizada como um estudo de caso. Possui como locus de investigação os referidos cursos de ciências da saúde, onde fizemos um recorte para levantar dados dos docentes que compõem os três colegiados dos Cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição num total de 123 docentes. Desse universo, selecionamos os docentes envolvidos com atuação em pesquisa, ou seja, aqueles professores que (1) ministravam disciplinas de pesquisa e/ou (2) participavam de grupos de pesquisa. Para identificar tais professores, o primeiro passo foi analisar as grades curriculares dos referidos cursos para reconhecer as disciplinas de pesquisa e, em seguida, consultar as coordenações de cada curso para descobrir os docentes que ministravam tais disciplinas. O segundo passo foi consultar o Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (DGP-CNPq) para identificar os docentes que participavam de grupos de pesquisa cadastrados nesse diretório. Identificado os sujeitos, iniciamos o trabalho de campo através da aplicação de um questionário sobre o perfil destes docentes. Este questionário se constituiu de três partes. A primeira versava sobre perfil pessoal e qualificação profissional do entrevistado (idade, graduação e maior titulação). A segunda parte abordava a experiência profissional (tempo de magistério, disciplinas ministradas e vínculo à universidade) e, por fim, a terceira parte questionava pela atuação em pesquisa (participação em grupos de pesquisa, projetos de pesquisa e orientação de iniciação científica). Concluída a aplicação dos questionários, os dados foram consolidados e analisados no programa MICROSOFT OFICCE EXCEL.
Esta pesquisa cumpre os preceitos legais estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, e recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade onde a pesquisa foi desenvolvida. Resultados e Discussão Os colegiados dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição eram compostos, na época do levantamento destes dados, por, respectivamente, 40, 50 e 33 docentes. Destes, foram classificados como docentes com atuação em pesquisa 26, 21 e 17 professores, respectivamente. Como alguns destes docentes selecionados estavam afastados de suas atividades acadêmicas (por licenças de saúde, licenças-maternidade e, especialmente, para realização de pós-graduação) foram aplicados questionários a 24, 15 e 10 docentes dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição, respectivamente. De todos os professores que foram abordados, apenas um professor do curso de Medicina se recusou a responder ao questionário. Portanto, aplicamos satisfatoriamente o questionário a uma amostra representativa de 75% dos professores-pesquisadores que se encaixavam no perfil desejado, e de cerca de 40% dos docentes de todo o colegiado dos três cursos. Quanto ao gênero dos entrevistados, as mulheres formam a maioria absoluta nos cursos de Nutrição (100% dos entrevistados) e Enfermagem (92%). Já no curso de Medicina, tivemos um grupo mais heterogêneo de 8 mulheres (53%) e 7 homens (47%). Em relação à idade dos pesquisados, o curso de Medicina apresentou a maior média de idade, seguido pela Enfermagem, enquanto a Nutrição apresentou a média mais jovem. Proporcionalmente à idade dos entrevistados, temos também o tempo de magistério no Ensino Superior. A média de anos de ensino universitário é de 23,9 anos na Medicina, 15,5 anos na Enfermagem e 10,7 anos na Nutrição. Quanto à titulação, os cursos com a maior porcentagem de professores entrevistados com titulação de doutorado ou pós-doutorado também foram: Medicina em primeiro com 93% (5 Pós-Dr. e 9 Dr.), Enfermagem em segundo, com 62% (1 Pós-Dr. e 14 Dr.), e Nutrição em terceiro, com 60% (2 Pós-Dr. e 4 Dr.). Para analisar a atuação em pesquisa desses docentes, consideramos quatro tipos de atividades que caracterizassem essa atuação: (1) ministrar disciplinas de pesquisa, (2) participar de grupos de pesquisa, (3) participar de projetos de pesquisa e (4) orientar bolsistas de iniciação científica. Através da análise das grades curriculares de cada um dos cursos, identificamos sete disciplinas de pesquisa: 3 na Nutrição (Metodologia do Trabalho e Pesquisa Científica, Investigação em Nutrição e Monografia), 3 na Enfermagem (Metodologia da Pesquisa em Enfermagem, Monografia I e Monografia II) e 1 na Medicina (Metodologia de Estudo e Pesquisa). Embora a Medicina tenha implementado uma nova disciplina de pesquisa (Trabalho de Conclusão de Curso) durante a recente reformulação de sua grade curricular, esta ainda não foi ofertada para nenhuma turma. Com a consolidação dos dados dos questionários, identificamos que ministram disciplinas de pesquisa: 3 professores do curso de Nutrição (30%), 3 professores do curso de Enfermagem (12,5%) e 2 professores da Medicina (13,33%). Em relação à participação de grupos de pesquisa, todos os professores pesquisados dos cursos de Enfermagem e Medicina participam de grupos de pesquisa cadastrados no Diretório do CNPq, enquanto no curso de nutrição, apenas 50% dos pesquisados também o fazem. Entendemos que há uma relação direta entre a participação nestes grupos e a participação em projetos de pesquisa, uma vez que também afirmaram participar de algum projeto todos os 15 (100%) pesquisados do curso de Medicina, 21 (87,5%) do curso de Enfermagem e 6 (60%) docentes pesquisados do curso de Nutrição. A análise da orientação de bolsistas de iniciação científica neste trabalho é essencial, uma vez que queremos descobrir se os docentes que vivenciam a pesquisa compartilham com os alunos de graduação esta vivência. Neste sentido, a Medicina apresenta o maior número de
professores que referem orientar bolsistas de iniciação científica (13 professores, ou seja, 86,7%), enquanto na Enfermagem encontramos 17 docentes (70,8%) e na Nutrição 3 (30%). Por outro lado, ao perguntarmos quantos bolsistas de iniciação científica cada professor orienta, descobrimos que é no curso de Enfermagem onde há o maior número de bolsistas de iniciação científica (74) e a maior relação bolsistas/orientador (4,4), enquanto na Medicina temos 56 e 4,3, e na nutrição 7 e 2,3, respectivamente. Para compreender melhor estes dados sobre a atuação em pesquisa, temos que remeter a outros dois dados obtidos por meio do questionário: (1) formação em nível de graduação e (2) vínculo empregatício dos professores-pesquisadores à universidade. No curso de Enfermagem, todos os 24 professores entrevistados eram graduados em Enfermagem, já na Nutrição, 9 dos 10 pesquisados eram nutricionistas (havia ainda uma agrônoma) e, por fim, na Medicina, encontramos o grupo mais multi-profissional, onde apenas 6 (40%) docentes eram médicos e os outros 9 (60%) professores pesquisados deste curso eram formados em outras graduações diferentes da Medicina (dois em Ciências Biológicas, três em Enfermagem, três em Farmácia e um em Psicologia). Uma análise mais detalhadas das disciplinas que os professores do curso de Medicina afirmaram ministrar indica que todos eles lecionam no chamado ciclo básico onde são ministradas as disciplinas comum aos vários cursos da saúde (anatomia, fisiologia, saúde coletiva, etc.). Apenas um professor pesquisado do curso de Medicina afirmou ministrar disciplinas também no ciclo Profissional onde são ministradas as disciplinas específicas da formação médica (clínica médica, clínica cirúrgica, etc.). Logo, estes professores-pesquisadores do ciclo básico tendem a incorporar em suas atividades de pesquisa não apenas estudantes de Medicina, mas também estudantes de todos os cursos da área da saúde. Acreditamos que o mesmo deve ocorrer com os professores-pesquisadores dos outros cursos, mesmo que em menor grau. Quanto ao vínculo à universidade, no curso de medicina todos os 15 (100%) entrevistados eram professores efetivos da instituição, enquanto na Enfermagem estes eram 23 dos 24 pesquisados (95,8%) e, na Nutrição, 6 (60%) eram professores efetivos e os demais 40% eram contratados em regime temporário. Entendemos que esta elevada porcentagem de professores substitutos entre os docentes com atuação em pesquisa do curso de Nutrição não deve contribuir positivamente na formação em pesquisa destes professores, uma vez que bolsas de iniciação científica e apoio institucional a projetos de pesquisa se tornam mais escassos. De um modo geral, dos 123 professores lotados nos colegiados destes três cursos da saúde, 64 (52%) deles foram classificados por nós como docentes com atuação em pesquisa por satisfazer os critérios previamente estabelecidos, sendo que 49 (75,6%) deles responderam ao questionário. Destes, 35 (71,4%) são doutores ou pós-doutores, 8 (16,3%) lecionam disciplinas de pesquisa na graduação, 42 (85,7%) participam de projetos de pesquisa, 44 (89,8%) participam de grupos de pesquisa e 33 (67,4%) orientam bolsistas de iniciação científica na graduação. Conclusão Pelos dados coletados, ficou evidenciado que existem diferenças no perfil docente e, consequentemente, na formação em pesquisa nos três cursos pesquisados. A formação em pesquisa poderia ser ainda maior, em especial no curso de Nutrição e no ciclo profissional do curso de Medicina. Enquanto no curso de Nutrição evidenciamos uma elevada proporção de professores substitutos, no ciclo profissional do curso de Medicina temos uma forte suspeita de que a maioria de seus professores é composta por médicos que não possuem vínculo de dedicação exclusiva com a instituição e que, portanto, não se dedicam integralmente à universidade. Portanto, uma posterior investigação se faz necessária para avaliar se a efetivação de professores em regime de dedicação exclusiva poderia contribuir para a integração ensinopesquisa-extensão/assistência, tão preconizada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dos
Cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição (BRASIL, 2001). Pelos dados coletados, podemos afirmar também que já existe um corpo docente qualificado e que vivencia a pesquisa em suas atividades acadêmicas. Estes docentes, embora não constituam a totalidade de seus colegiados, são parcela importante do total de professores destes referidos cursos. O reconhecimento da pesquisa como princípio educativo e a incorporação das práticas investigativas no currículo principal desses cursos de graduação poderão fazer com que tenhamos cada vez mais docentes com atuação em pesquisa e profissionais críticos-reflexivos que saiam da universidade capazes de responder adequadamente as novas demandas dos serviços de saúde. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES nº. 1133 de 7 de agosto de 2001. Diário Oficial da União. Brasília, 3 out. 2001; Seção 1E, p.131. DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1999. LAMPERT, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica no Brasil: tipologia das escolas. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2002. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento através do Edital Universal. Ao CNPq e à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) pela concessão de bolsas de iniciação científica aos estudantes que participaram desta investigação.