Quem casa na Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre? A formação Social através dos Registros Paroquiais de Casamento (1772 1806)



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Transcrição:

Quem casa na Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre? A formação Social através dos Registros Paroquiais de Casamento (1772 1806) Palavras-chave: casamentos, população, Porto Alegre Denize Terezinha Leal Freitas ** Resumo O presente trabalho procura investigar a formação social porto-alegrense a partir da análise dos registros paroquiais de casamento do Livro 1 Paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus Porto Alegre 1772 a 1806. Tem como objetivo principal destacar o papel das relações matrimoniais na constituição populacional porto-alegrense durante o período colonial. Através da análise demográfica pretende-se identificar, a partir de um primeiro olhar quantitativo, características peculiares formalizadas mediante o ato matrimonial, priorizando o perfil dos indivíduos que compõe o cenário da região em meados do século XVIII. Esse trabalho de pesquisa procura mostrar os primeiros ensaios do processo de quantificação dos dados paroquiais de Porto Alegre para o período colonial, que por sua vez se insere no Projeto de Pesquisa: População e Família no Brasil Meridional dos meados do século XVIII às primeiras décadas do século XIX. Esta comunicação busca dados sobre o do evento e informações sobre os indivíduos que se casam, como a naturalidade dos noivos e o estado matrimonial. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. ** Bolsista de Iniciação Científica CNPq da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS. 1

Quem casa na Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre? A Formação Social através dos Registros Paroquiais de Casamento (1772 1806) * Denize Terezinha Leal Freitas ** 1 - Introdução O presente trabalho foi resultado de uma primeira amostra quantitativa feita através da organização de um banco de dados que permitiu apontar algumas características da sociedade porto-alegrense através da análise demográfica. A iniciativa dessa pesquisa está vinculada ao Grupo de Pesquisa Demografia & História cujo projeto de âmbito nacional pretende investigar os regimes demográficos que caracterizam o passado colonial brasileiro. Concomitante, essa pesquisa está vinculada ao projeto de pesquisa População e Família no Brasil Meridional dos meados do século XVIII às primeiras décadas do século XIX 1 que procura investigar através das metodologias da demografia histórica as características da população colonial meridional. Neste sentido, essa amostra de dados retirados das atas do primeiro livro de registro de casamento da Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) procurará mostrar alguns resultados preliminares obtidos através do processo de seriação desses primeiros registros. Desta forma, o objetivo deste trabalho é apontar características encontradas primeiramente através da criação de tabelas e gráficos que proporcionarão ao leitor a percepção sobre alguns aspectos da sociedade porto-alegrense em formação. Conforme anunciado faremos uma análise de algumas informações obtidas nos assentos de casamento e esta comunicação servirá ao leitor como um convite para conhecer, através dos dados quantitativos, algumas características peculiares dos indivíduos que optaram pelo matrimônio na região entre os períodos de 1772 até 1806. Em suma, esses primeiros resultados obtidos na pesquisa buscam dar visibilidade a importância da análise dos registros paroquiais enquanto fontes essenciais que irão contribuir para a compreensão do período colonial brasileiro. Essa produção inicial pretende servir como amostra das inúmeras informações que podem ser recuperadas através da análise de dados seriados, fornecidas pelos registros paroquiais e para o caso do Brasil Meridional nos finais do período colonial. * Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. ** Bolsista de Iniciação Científica CNPq da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS. 1 Projeto de orientação da Professora Ana Silvia Volpi Scott do Programa de Pós Graduação em História Unisinos, financiado pelo CNPq 2

2 - CARACTERIZAÇÃO DA FONTE Os registros de Casamento do Livro I da Madre de Deus inauguram as atas matrimoniais realizadas na Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre. Elas permitem verificar dados sobre a população livre que escolhia o sacramento do matrimônio como principal via para formação de família. Nestes registros, encontramos o nome dos noivos, bem como, suas naturalidades, os nomes dos pais e/ou, no caso, dos viúvos, os cônjuges. Além da filiação, encontram-se dispostas às testemunhas, que invariavelmente eram compostas por dois indivíduos. A construção e inserção dos dados faz parte da primeira fase do projeto que se refere à quantificação dos registros. A fonte original encontra-se num estado precário de conservação e de manutenção. Desta forma, graças à utilização de uma cópia do livro transcrita no Word feita pela arquivista da Cúria Metropolitana Vanessa Gomes de Campos, em 2002, permitiram que esse trabalho fosse realizado em tempo hábil e sem maiores dificuldades A quantidade de casamentos é variável conforme o tempo, contudo as mudanças são graduais. Comparando os extremos percebemos que no ano inicial dos registros, 1772, temos apenas 4 assentos de casamentos, enquanto que em 1806, no final do primeiro livro, temos 42 matrimônios. O aumento ao longo do tempo aponta para o crescimento populacional e a consolidação da Freguesia, pois com o gradativo crescimento do número de matrimônios elevam-se o número de famílias que estão se constituindo e, conseqüentemente, povoando a localidade. Tabela 1: Número de casamentos realizados por ano ANO QUANTIDADE DE CASAMENTOS 1772 4 1773 11 1774 14 1775 9 1776 10 1777 4 1778 10 1779 21 1780 15 1781 12 1782 15 1783 14 3

1784 16 1785 13 1786 16 1787 12 1788 21 1789 28 1790 26 1791 30 1792 39 1793 30 1794 30 1795 33 1796 34 1797 17 1798 21 1799 24 1800 33 1801 52 1802 37 1803 55 1804 44 1805 32 1806 42 1807 14 TOTAL 838 Fonte: Livro I de registros de casamentos da Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) 4

3 - OS CASAMENTOS A sazonalidade, isto é, a distribuição dos casamentos ao longo do ano segue obedecendo às normativas da Igreja, tanto que nos períodos da Quaresma e do Advento, denominados tempos proibidos as cerimônias são acentuadamente reduzidas. Desta forma, verifica-se uma concentração no número de casamento nos meses que antecedem aos períodos de tempos proibidos. Assim, nos meses de janeiro, fevereiro, maio e novembro a incidência de registros eleva-se. Nos demais meses do ano, a realização de cerimônias de casamento são praticamente equilibradas, principalmente, na faixa entre agosto e outubro. A partir de novembro o índice de casamentos começa a elevar-se chegando a 11% do total. Em dezembro, a taxa decresce pela metade, todavia os casamentos realizados entre janeiro e fevereiro representam 25% das cerimônias, indicativo que demonstra que os períodos entre o Advento (dezembro) e a Quaresma (março) eram os prediletos para a realização das cerimônias matrimoniais. Gráfico I: Movimento Sazonal de Casamentos - População Livre - (1772-1806) N Proporcional 15% 10% 5% 0% Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Mês Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Fonte: Livro I de registros de casamentos da Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) Comparativamente, essa realidade se altera em Sorocaba, localizada na Capitania de São Paulo, entre 1679-1830, conforme mostra o estudo de Bacellar (2001). Neste caso, a vila paulista tem o mês de fevereiro como o de maior incidência de casamentos obedecendo ao calendário religioso, mas também, está ligada as atividades econômicas da região, como as feiras comerciais. Em outras palavras, este era exatamente o início do período de maior abundância de gêneros de primeira necessidade, momento em que as famílias renovavam seus fôlegos, concretizavam eventuais negócios com excedentes, e, portanto, estavam mais preparadas para lançar seus filhos na vida autônoma e para promover as inevitáveis festas núpcias. (BACELLAR, 2001, p.77) 5

Além disso, existem alguns registros de Porto Alegre trazem informações variadas, de cunho qualitativo. Em alguns casos, o vigário refere o fato da cerimônia ter sido realizada em local diferente da Igreja Paroquial, como por exemplo, nos oratórios da família de um dos contraentes; ou quando, os noivos não recebiam as benções por ser a noiva viúva e/ou por ser tempo proibido (quaresma ou advento). No caso de casamentos entre forros, encontra-se a denominação de seus antigos proprietários, bem como, sua naturalidade. Além disso, o pároco designa a composição étnica de alguns contraentes, como por exemplo: preto forro, crioulo pardo, parda liberta, entre outros. Pode-se sublinhar que mesmo sendo um livro de registros estritamente para indivíduos livres, aparecem casamentos entre forros e escravos, bem como, algumas páginas que registram casamentos de vários escravos vindos Da Costa de propriedade de dois senhores, que eram irmãos entre si, João Inácio Xavier e José Inácio Xavier, que efetuaram o matrimônio de aproximadamente 15 escravos no mesmo dia, todos da mesma origem. Além disso, os registros informam sobre a legitimidade dos contraentes, indicando não só os legítimos. Mas também, os noivos que se casam, mas que são gerados fora do matrimônio legitimado. Desta forma, tem-se referências a noivos de pai incógnito, noivas denominadas de filhas naturais ou contraentes citados como exposto em, entre outras, e que são constantemente encontradas nas atas da freguesia da Nossa Senhora da Mãe de Deus de Porto Alegre. Tabela 2: Índice de Legitimidade dos noivos Legítimos Ilegítimos Indeterminado Homens 37% 2% 11% Mulheres 34% 2% 13% Gráfico II: Índice de Legitimidade N Proporcional 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Legítimos Ilegítimos Indeterminado Homens Mulheres Legitimidade Fonte: Livro I de registros de casamentos da Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) 6

Apesar dos casamentos serem compostos por uma grande parcela de contraentes legítimos que correspondem a 70% dos noivos, as exceções vêm demonstrar que as relações entre os indivíduos na América portuguesa nem sempre seguem as normativas da legislação canônica. Pelo contrário, aliado à miscigenação e à precariedade de um controle extensivo da Igreja 2, as formas de união nem sempre estavam limitadas aos padrões estipulados pelas normas católicas. Além disso, temos que levar em consideração que o acesso ao casamento era limitado seja pela condição econômica dos noivos, seja pela comprovação do estado matrimonial dos contraentes, que os habilitasse ao matrimônio (solteiros ou viúvos) 3. 4 - ESTADO MATRIMONIAL Gráfico III: Estado Matrimonial 100% N Proporcional 80% 60% 40% 20% solteira viúva 0% solteiro viúvo Fonte: Livro I de registros de casamentos da Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) De acordo com os dados da tabela acima, verifica-se que grande parcela dos contraentes são solteiros correspondendo a aproximadamente 80% dos casamentos, entretanto, encontramos um significativo número de casamentos entre viúvos em que um dos cônjuges ou ambos são viúvos, índice que corresponde a 20% do total. Deve ser destacado que, entre os contraentes de segundas núpcias, encontramos uma quantidade significativa de viúvas que se casaram com homens solteiros, representando 10% do total de casamentos. Desta forma, destaca-se um número superior de segundas núpcias nas quais, as viúvas possuem um maior acesso comparativamente aos viúvos que correspondem apenas 7% dos casamentos. 5 - ORIGENS DOS NOIVOS - NATURALIDADE Outras informações dadas pelo pároco referem-se à naturalidade dos contraentes são extremamente ricas nesses registros da Paróquia Madre de Deus de Porto Alegre, entre os anos 1772 e 1806. Fica claro que a população que constitui a sociedade porto-alegrense é oriunda de diferentes regiões. Desta forma, enquanto têm-se distintas denominações para uma 2 Conforme Fernando Torres-Londonõ (referência completa na Bibliografia) 3 Um problema importante é o fato que alguns dos indivíduos que se casam foram referidos nos assentos de matrimônio não tendo a filiação descriminada. 7

mesma região; para outras, encontram-se denominações simplificadas, das quais não se obtêm clareza se a localidade descrita pertence a Portugal e/ou as demais capitanias da colônia lusa. Como exemplo, encontramos a naturalidade de Marica, na qual classificamos como outras, ou seja, uma localidade não identificada no cenário da América portuguesa. 6 - NATURALIDADE DAS NOIVAS Gráfico IV: Naturalidade das Noivas 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Açores África Capitaniais Portugal RS s/naturalidade Tabela 3: Naturalidade das Noivas Naturalidade Porcentagem Açores 4% África 4% Outras Capitaniais 12% Portugal 2% RS 57% s/naturalidade 20% Total 100% Fonte: Livro I de registros de casamentos da Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) Analisando a naturalidade das noivas constatamos que 57% das mulheres que casam no período entre 1772 até 1806 são naturais da Capitania do Rio Grande de São Pedro, principalmente de localidades como: Viamão, Rio Pardo e Triunfo 4. Em seguida, observa-se 4 Principais focos de povoamento na Capitania do Rio Grande de São Pedro 8

que 12% das noivas são de outras Capitanias, com destaque para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. No caso das contraentes vindas dos Açores e da África obteve-se quase a mesma proporção. Pode-se concluir que as noivas são predominantemente nascidas na Capitania do Rio Grande de São Pedro, mostrando que a mobilidade geográfica é predominantemente intra-capitania. 7 - NATURALIDADE DOS NOIVOS Gráfico V: Naturalidade dos Noivos 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Açores África Capitaniais Espanha Portugal RS Outras s/naturalidade Tabela 4: Naturalidade dos Noivos Naturalidade Porcentagem Açores 8% África 4% Capitaniais 24% Espanha 2% Portugal 23% RS 22% Outras 1% s/naturalidade 16% TOTAL 100% Fonte: Livro I de registros de casamentos da Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1806) Quanto à naturalidade dos noivos, destacam-se 24% dos contraentes vindos de outras capitanias, principalmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, dados que demonstram que há uma mobilidade no sentido sudeste-sul dos noivos. Contudo, os homens vindos de Portugal representam 23% caracterizando assim, uma presença importante de 9

reinóis na Colônia. Percebe-se, também, a presença elevada de noivos vindos dos Açores, em comparação às noivas oriundas da mesma região. A presença de espanhóis mostra que apesar dos conflitos latentes entre as coroas ibéricas as relações sociais não eram limitadas pelas fronteiras, pois no cotidiano a sociabilidade era mantida, tanto que a presença de casamentos nos quais pelo menos um dos cônjuges é natural dos domínios espanhóis. Por exemplo, o casamento realizado em 07/12/1778 de Marcelino Antônio dos Rios, natural de Freguesia São Pedro, Cidade de São Domingos de Sila, Arcebispado de Burgos (Espanha) que contraiu matrimônio com Joaquina Maria, viúva de Manuel Machado, sepultado em Rio Pardo. Podemos inferir que a mobilidade dá-se em três sentidos: intra-capitania (localidades diferentes dentro da Capitania do Rio Grande de São Pedro), inter-capitanias (localidades diferentes dentro da Colônia portuguesa) e internacional (na qual, predominam os portugueses). 8 - A PRESENÇA AÇORIANA A necessidade da expansão territorial portuguesa para a região meridional, impulsionou a colonização das áreas próximas ao Rio da Prata. Aliados aos interesses coloniais, tanto para os espanhóis, como portugueses a região platina se caracteriza pela constante mobilidade geográfica de seu contingente populacional desde os princípios de sua formação. Neste sentido, por tratar-se de um território de fronteira, a formação social da Capitania de São Pedro é singularmente diversa e dinâmica. Entretanto, pode-se constatar que a afirmação da posse das terras pelos lusos deu-se através de duas etapas principais: primeiramente através da ocupação militar, e posteriormente, pela vinda dos casais açorianos. A presença desses imigrantes vindos dos Açores não apenas assegurou posse, mas deu as bases fundamentais para a povoação da região sul. Atuando em diversas situações, essas famílias tinham de viver num espaço inconstante e móvel, permanecendo à mercê das intempéries e das disputas fronteiriças, que caracterizam o período. Uma vida em trânsito pelos caminhos do Rio Grande de São Pedro foi o que a maior parte dos casais açorianos enfrentou desde a sua chegada. Sem demorar muito em cada lugar, sem poder criar raízes, vivendo provisoriamente de um arranchamento para outro, temendo a guerra e a proximidade do inimigo e esperando a concretização das promessas reais. (GRAEBIN, 2004, p. 138) A presença açoriana nos registros de casamento para esse período de transição do século XVIII para o século XIX é numericamente inferior em comparação ao contexto de meados do século XVIII. No período analisado, a proporção de homens que migram é superior ao de mulheres originárias das Ilhas. Através das atas de casamentos foi possível perceber que há uma mobilidade geográfica entre as Ilhas, ou seja, os imigrantes distinguem-se de acordo com as Ilhas de origem e, também, pela Freguesia ou localidade a que pertencem. Além disso, os casamentos demonstram que os contraentes selam suas alianças independente dos lugarejos ou das Ilhas aos quais são originários. Como, por exemplo, o casamento de José Pereira Pimentel natural da Freguesia Nossa Senhora da Graça, Ilha de São Miguel (Açores) que contraiu núpcias com 10

Eusébia Maria, natural da Freguesia da Santíssima Trindade, Ilha do Faial (Açores) no dia 03/09/1789. Casando suas filhas com os jovens descendentes dos primeiros povoadores ou casando-se eles mesmos nestas famílias já consideradas como de melhor categoria social, ingressando nas milícias e aí acamaradando-se aos poucos aos patrícios locais na vida guerreira contra o castelhano, completariam os descendentes destes casais açorianos sua adaptação ao ambiente da nova pátria (WIEDERPAHN, 1979, p. 132). O peso da presença açoriana fica obscurecido pelo fator de que nos assentos de casamento não é informado a naturalidade dos pais dos contraentes. Por isso, suspeita-se que muitos desses casamentos realizados nesta Freguesia em formação sejam referentes aos descendentes dos primeiros casais açorianos que ocuparam a região. Esta comunicação teve como finalidade destacar algumas características dos indivíduos que contraíram matrimônio na Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre. Além disso, mostrou que a pluralidade vista nos rostos de cada passante do centro de Porto Alegre do início do século XXI formam, indiscutivelmente, constituem um conjunto de pequenas particulares culturais que ainda sobrevivem através da miscigenação dessas gentes tão diferentes que deixaram suas marcas nas diversas faces que dão vida as ruas de Porto Alegre. 9 - CONCLUSÃO De modo geral, todas as considerações feitas permitem visualizar algumas das características que compõe o perfil da população porto-alegrense, no período estudado, recuperada através dos assentos matrimoniais. Neste sentido, os assentos mostram que a escolha matrimonial serve enquanto um importante instrumento para se conhecer os indivíduos que compõe a sociedade e suas estratégias de convivência. Além disso, a partir desses dados pode-se observar quão diversas eram as características dos noivos que se casam e de como suas escolhas interferem no modo de viver e no perfil de sociedade que constituem. Além disso, podemos perceber que os dados quantitativos permitem verificar o perfil social porto-alegrense e suas peculiaridades, como por exemplo, as segundas núpcias das viúvas que, neste contexto, correspondem a 10% dos casamentos realizados. Além disso, esses dados quantitativos mostram especificidades e costumes próprios da Freguesia, que numa abordagem macro, dificilmente seriam reveladas ou teriam maior destaque. No âmbito qualitativo, as observações feitas pelo vigário, são significativas, pois nos mostram que inúmeras cerimônias foram realizadas em oratórios e que as noivas que fossem viúvas não recebiam as bênçãos. Esses registros são importantes veículos que permitem visualizar as formas de existência do período colonial, mas fundamentalmente, são capazes de fornecerem dados que nos permitem traçar o perfil da população que serviu de alicerces no século XVIII para a formação da capital do Rio Grande do Sul. 11

BIBLIOGRAFIA: BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, séculos XVII e XIX. São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2001. GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes. Sonhos, Desilusões e formas provisórias de existência: os açorianos no Rio Grande de São Pedro. Tese (Doutorado em História) Programa de Pós- Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2004. KÜHN, Fabio. Breve História do Rio Grande do Sul. 3 Edição Ampliada. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007. NADALIN, Sergio Odilon. História e Demografia: elementos para um diálogo. Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2004. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 7 Edição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994. TORRES-LONDONO. Corrigindo Abusos. In: TORRES-LONDONO, Fernando. A outra família: Concubinato, Igreja e escândalo na Colônia. São Paulo: Edições Loyola, 1999. WIEDERSPAHN, Henrique Oscar. A colonização açoriana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1979. 12