Quimioterapia perioperatória em pacientes com metástases hepáticas de câncer colorretal



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Transcrição:

Quimioterapia perioperatória em pacientes com metástases hepáticas de câncer colorretal Daniela Nebuloni, Karla Souza, Rachel Riechelmann A quimioterapia tem papel bem estabelecido no câncer colorretal metastático, com melhor controle de sintomas, ganho em sobrevida livre de progressão e sobrevida global. Cerca de 60% dos pacientes apresentam lesões hepáticas durante o curso da doença, sendo este o sítio mais comum de metástases do câncer colorretal. Para os pacientes com metástases exclusivamente hepáticas, a ressecção cirúrgica das lesões, factível em 25% dos casos, é o tratamento de escolha, proporcionando sobrevida em 5 anos que varia de 25 a 45% 1. Em tentativa de se obter melhores desfechos com a ressecção cirúrgica, diversos grupos avaliaram o benefício da adição de quimioterapia, sendo possíveis as seguintes abordagens: quimioterapia adjuvante ou quimioterapia perioperatória, para as lesões ressecáveis; e quimioterapia de conversão, para lesões inicialmente não passíveis de ressecção, porém potencialmente ressecáveis após resposta à quimioterapia. Essas estratégias contribuem com aparente ganho de sobrevida livre de progressão, sem diferença significativa em sobrevida global. Revisão sistemática e metanálise publicada em janeiro de 2015 incluiu 3 estudos randomizados controlados e 2 estudos observacionais, com 2475 pacientes incluídos nas análises de sobrevida; e comparou a ressecção cirúrgica de metástases hepáticas com intenção curativa versus a mesma abordagem associada à quimioterapia (antes e/ou após cirurgia) 2. Os resultados favorecem o tratamento combinado, com aumento significativo tanto em sobrevida livre de recorrência (HR 0,71 95% IC 0,61 0,83) quanto em sobrevida global (HR 0,77 95% IC 0,67 0,88). No entanto, pouco se conhece sobre como selecionar os melhores candidatos a cirurgia de ressecção de metástases hepáticas. A sociedade japonesa de cirurgia hepato-biliar-pancreática propôs um nomograma para predizer a sobrevida livre de progressão de pacientes candidatos a ressecção de metástases hepáticas de primário em cólon ou reto 3. Foram avaliadas as seguintes variáveis em 727 pacientes: metástase sincrônica (3 pontos); presença de linfonodo acometido no tumor primário (3 pontos); presença de 2-4 metástases (4 pontos); presença de 5 ou mais metástases hepáticas (9 pontos); maior metástase com diâmetro maior que 5 cm (2 pontos); metástase extra-hepática (4 pontos); dosagem de CA19.9>100 (4 pontos). A sobrevida livre de doença mediana estimada é acima de 8,4 anos para os pacientes com zero pontos; 1,9 anos para 5 anos; 1 ano para 10 pontos e 0,6 anos para pacientes com mais de 10 pontos. O intuito do nomograma é basear a indicação de quimioterapia perioperatória quando houver risco de recorrência de doença em curto intervalo. Anais do p.181

Abaixo, discutimos cada uma das estratégias de tratamento perioperatório e seus principais resultados. Quimioterapia adjuvante O conceito de adjuvância refere-se ao emprego de quimioterapia após o tratamento definitivo curativo (geralmente cirurgia), com intenção de eliminar doença micrometastática e, assim, retardar ou impedir a evolução da doença sistemicamente. Portanto, o intuito é a cura. Extrapolamos esse conceito no cenário da doença metastática quando metástases isoladas foram submetidas à cirurgia de ressecção e os pacientes não apresentam mais nenhuma evidência de doença macroscópica. Nesse contexto pode-se considerar a quimioterapia após metastasectomia como adjuvância. Nos anos 90, dois estudos prospectivos falharam em demonstrar ganho de sobrevida global nos pacientes submetidos a ressecção de metástases hepáticas seguida de 6 meses de quimioterapia (5-fluorouracil e leucovorin) versus observação após a cirurgia. Porém, estes foram estudos fechados precocemente por baixo recrutamento o que pode ter causado perda de poder para se detectar diferenças significativas. A análise combinada dos dados demostrou um benefício pequeno, porém significativo, da adjuvância em sobrevida livre de progressão (HR 1.39, 95% IC 1.04-1.85) e um benefício marginal em sobrevida global (HR 1.39, 95% IC 1.00-1.93) 2. Ficava pendente a avaliação de esquemas mais modernos e terapias-alvo neste contexto. Por isso, nos anos 2000, estudos compararam FOLFIRI versus 5-fluorouracil e leucovorin como adjuvância e não mostraram diferença em sobrevida global ou sobrevida livre de progressão, além de maior toxicidade do FOLFIRI. 4, 5 Estudo retrospectivo do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center avaliou retrospectivamente os seus resultados de quimioterapia perioperatória e adjuvante após ressecção de metástases hepáticas realizadas entre 1998 e 2007. Foram 236 pacientes no grupo adjuvância e 175 no grupo periopeoperatório 6. A análise univariada demostrou diferença significativa entre sobrevida livre de recorrência do grupo quimioterapia perioperatória (17,2 meses) e adjuvante (27,4 meses). Após ajuste por fatores clinico-patológicos e escore de risco clínico, a diferença se perdeu. Contudo, os grupos não estavam bem balanceados: o grupo adjuvante apresentava menos metástases, sobrevida livre de doença entre a cirurgia do primário e a recidiva hepática maior, menos doença bilateral, tumores maiores e escore de risco clínico mais baixo. O estudo nao inclui um grupo sem tratamento perioperatório. Quimioterapia perioperatória Para pacientes com metástases hepáticas ressecáveis, iniciar a abordagem com quimioterapia permite avaliar a responsividade ao tratamento sistêmico antes da metastasectomia, podendo-se, desta forma, evitar um procedimento cirúrgico fútil no caso de progressão de doença. Além disso, a depender da resposta à quimioterapia, as lesões podem diminuir, tornando o procedimento cirúrgico mais fácil e com maior chance de cirurgia R0. O papel da quimioterapia perioperatória foi avaliado pelo estudo EPOC (estudo EORTC 40983) no qual 364 pacientes com adenocarcinoma colorretal com até quatro Anais do p.182

metástases hepáticas foram randomizados para ressecção cirúrgica das lesões com ou sem FOLFOX4 (6 ciclos antes e 6 ciclos após a cirurgia) 7. A taxa de metastasectomia com sucesso foi semelhante entre os grupos (83% e 84% nos grupos com e sem quimioterapia respectivamente); entretanto houve maior incidência de complicações pós-operatórias, tais como infecção intra-abdominal, insuficiência hepática e fístula biliar, no grupo exposto à quimioterapia (25 versus 16%), sem diferença em mortalidade pós-operatória. Dos 182 pacientes expostos à quimioterapia, 67 apresentaram algum tipo de resposta (incluindo 4 respostas completas). A sobrevida livre de progressão na análise por intenção de tratamento, que era o desfecho primário do estudo, foi numericamente maior no grupo que recebeu tratamento perioperatório (34,5 versus 28,1% em 3 anos), porém não foi estatisticamente significativa (HR 0,79 95% IC 0,61 1,02). Nos pacientes elegíveis e naqueles submetidos à ressecção cirúrgica, a diferença numérica atingiu significância estatística, com ganho absoluto de 7,3% e 8,1% respectivamente. A análise dos dados com 8,5 anos de seguimento não evidenciou diferença significativa em sobrevida global (HR 0,88 95% IC 0,68 1,14), com medianas de sobrevida de 61,3 meses para o grupo da quimioterapia versus 54,3 meses para o grupo de cirurgia isolada 8. A incorporação de anticorpos monoclonais contra o EGFR (cetuximabe e panitumumabe) em linhas paliativas do tratamento do câncer colorretal tem atualmente benefício reconhecido em pacientes sem mutações no oncogene RAS. A associação de cetuximabe à quimioterapia perioperatória foi avaliada no estudo New EPOC, publicado em maio de 2014, no qual 272 pacientes com lesões hepáticas ressecáveis e sem mutações no KRAS éxon 2 foram randomizados para quimioterapia (FOLFOX, XELOX ou FOLFIRI) com ou sem cetuximabe por 12 semanas antes e 12 semanas após a metastasectomia 9. Análise dos dados com 20,7 meses de seguimento evidenciou efeito deletério da adição de cetuximabe à quimioterapia em relação à mediana de sobrevida livre de progressão: 14,1 meses versus 20,5 meses (HR 1,48 95% IC 1,04 2,12), não sendo recomendada a associação dessas medicações no cenário perioperatório. Portanto, o uso de cetuximabe ou panitumomabe no cenário perioperatório, está proscrito no momento. Uma questão relevante é lembrar-se dos riscos relacionados ao tratamento, principalmente a hepatoxicidade, pois diversas alterações hepáticas são descritas com o uso da quimioterapia pré-operatória. 10, 11, 12. Embora não seja bem definido o quanto estas alterações possam influenciar na morbidade cirúrgica, sabe-se que regimes com oxaliplatina estão associados a alterações nos sinusóides hepáticos (similar a doença veno-oclusiva hepática) e hiperplasia nodular, enquanto os regimes com irinotecano apresentam maior risco de esteatose e esteato-hepatite. Quimioterapia de conversão Refere-se ao emprego de quimioterapia em pacientes com metástases hepáticas inicialmente irressecáveis, com a intenção de atingir resposta clínica suficiente para tornar essas lesões passíveis de ressecção completa, e, assim, atingir melhores desfechos clínicos a longo prazo. Estudos mostram teoricamente cerca de 30% de sucesso com essa abordagem, porém esses valores caem na prática clínica. Anais do p.183

Dessa forma, apesar de não estar estabelecido um esquema terapêutico padrão nesse cenário, deve-se escolher um regime com altas taxas de resposta. As combinações de fluoropirimidinas com oxaliplatina ou com irinotecano são equivalentes em relação à eficácia, diferindo no perfil de toxicidades. Baseado em estudos de fase 2 promissores com a combina ção de três quimioterápicos (26% de sucesso na conversão), o grupo italiano GONO desenvolveu estudo de fase 3 com 244 pacien tes com adenocarcinoma colorretal com metástases irressecáveis comparando FOLFOXIRI com FOLFIRI 13, 14, 15. A taxa de resposta, que era o objetivo primário, foi significativamente maior para FOLFOXIRI (60 versus 34%), assim como a taxa de ressecção R0 de metástases hepáticas (36 versus 12%), sobrevida livre de doença (mediana 9,8 versus 6,9 meses) e sobrevida global (mediana 22,7 versus 16,7 meses). O METHEP foi outro estudo em pacientes com metástases hepáticas inicialmente irressecáveis que comparou esquemas padrão de quimioterapia (FOLFIRI ou FOLFOX4) contra esquemas mais intensos, sendo as opções FOLFIRI-HD (maior dose de irinotecano), FOLFOX7 (maior dose de oxaliplatina) ou FOLFIRINOX 16. A taxa de resposta variou de 33% para o braço padrão a 57% para o braço FOLFIRI- NOX, sendo que este último esquema propiciou maior taxa de conversão atingindo ressecabilidade de 67%. Em busca de ainda melhores desfechos, o grupo GONO avaliou em estudo fase 2 de braço único a adição de panitumumabe ao esquema FOLFOXIRI, incluindo apenas pacientes sem mutações em KRAS, NRAS, HRAS e BRAF 17. Foram incluídos 37 pacientes e 33 deles apresentaram algum tipo de resposta (taxa de resposta de 87%), sendo 3 respostas completas. Dos 16 pacientes submetidos a metastasectomia, 13 obtiveram cirurgia R0 (35% do total da amostra incluída no estudo). Outro anticorpo anti-egfr avaliado em estratégia de conversão é o cetuximabe, que foi adicionado a FOLFOX6 (braço A) e FOLFIRI (braço B) no estudo de fase 2 CE- LIM 18. Não houve diferença significativa em taxa de resposta entre o grupos A e B (68 e 57% respectivamente) nem em relação a taxa de cirurgia R0 (38% versus 30%). Análise posterior do status KRAS evidenciou maior taxa de resposta para os pacientes selvagens (70%) se comparados aos pacientes mutados (41%). Os pacientes que foram submetidos à metastasectomia R0 tiveram melhores desfechos em relação aos que não conseguiram ser submetidos a cirurgia ou aqueles com cirurgia não ótima; atingindo mediana de sobrevida livre de doença de 9,9 meses e taxa de sobrevida global em 5 anos de 46,2% 19. Apesar dos resultados interessantes, o CELIM não tinha nenhum braço com quimioterapia isolada. Um estudo chinês se propôs a esclarecer essa questão: randomizou 138 pacientes com metástases hepáticas irressecáveis de adenocarcinoma colorretal KRAS selvagem para receber quimioterapia (FOLFIRI ou FOLFOX6) com ou sem cetuximabe 20. O objetivo primário era taxa de conversão efetiva e o estudo foi positivo com diferença significativa em favor do braço com adição de cetuximabe (taxa de cirurgia R0: 25,7 versus 7,4%). Além disso, também houve benefício em favor do tratamento combinado em relação a taxa de resposta (57,1 versus 29,4%) e mediana de sobrevida (30,9 versus 25,7 meses). Estudos em primeira linha com XELOX ou FOLFOX avaliando adição do anticorpo contra o VEGF (bevacizumabe) evidenciou pequeno aumento na taxa de res- Anais do p.184

secção (8,4 versus 6,1%) 21. Já no estudo TRIBE, a comparação de esquema duplo ou triplo de quimioterapia (FOLFIRI versus FOLFOXIRI), ambos com bevacizumabe, não foi evidenciada diferença significativa na taxa de cirurgia R0 de lesões hepáticas (15 versus 12%) 22. Em todos os estudos discutidos, a taxa de ressecabilidade foi desfecho secundário, o que nos impede de traçar conclusões definitivas. No entanto, pode-se considerar que a estratégia de conversão tem benefício em aumentar taxa de ressecção, e, em alguns estudos, aparente ganho também em sobrevida. Diversos regimes de quimioterapia são factíveis nessa estratégia devendo-se considerar para a escolha das drogas o volume de doença metastática, o status do KRAS e NRAS e perfil de toxicidades de cada combinação. Pelas recomendações das diretrizes brasileiras de câncer colorretal do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais, o esquema escolhido para conversão deve ser aquele que oferecer maior taxa de resposta e que estiver disponível 23. Conclusões O tratamento cirúrgico das metástases hepáticas em pacientes com câncer colorretal metastático sem metástases extra-hepáticas mudou o prognóstico dos pacientes. Nesse sentido, grandes esforços têm sido feitos no intuito de se atingir uma metastasectomia hepática R0. A quimioterapia é fundamental neste contexto, não apenas para tratamento das lesões visíveis por imagem, mas também para tratamento dos focos microscópicos que justificam a recidiva subsequente, ainda que bem operados. No entanto, é necessário individualizar-se o tratamento. Pacientes com lesões pequenas, com risco de desaparecer com o tratamento neoadjuvante (ou seja, antes da cirurgia), podem ser tratadas cirurgicamente e oferecido tratamento adjuvante. Pacientes com lesões maiores e com comportamento agressivo, deveriam ser submetidos à quimioterapia seguida de cirurgia, ainda que apresentem lesões ressecáveis upfront. Isso porque teremos a oportunidade de estudar o comportamento biológico da neoplasia e de pouparmos de uma intervenção cirúrgica, os pacientes que desenvolvem novas metástases durante o tratamento neoadjuvante. Uma vez que o paciente tenha apresentado resposta ou estabilidade de doença, poderá ser operado e o tratamento adjuvante completará os 6 meses de tratamento iniciados na neoadjuvância. Este é o tratamento perioperatório. De acordo com os dados apresentados, a quimioterapia escolhida pode se abster de associação com anti-egfr e usualmente são empregadas 2 ou 3 drogas (5-fluorouracil, leucovorin, associados a oxaliplatina ou irinotecano). Temos também o cenário dos pacientes considerados inicialmente irressecáveis e submetidos a tratamento de conversão. Neste caso, o objetivo é cito-reduzir, o que justifica a associação de varias drogas, para aumentar-se a taxa de resposta e, consequentemente, a taxa de ressecabilidade. Neste contexto, é essencial saberse o status RAS, pois os pacientes selvagens (ou seja, não-mutados) são os que se poderiam se beneficiar de um tratamento que utiliza anti-egfr (cetuximabe, panitumumabe). Anais do p.185

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