Identidades e Corporeidades Negras: Formação de Professores Voltada para a Diversidade Étnico-Racial



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Transcrição:

Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária Belo Horizonte 12 a 15 de setembro de 2004 Identidades e Corporeidades Negras: Formação de Professores Voltada para a Diversidade Étnico-Racial Área Temática de Educação Resumo A partir da necessidade de uma intervenção político-educacional voltada para a população negra, o Projeto de Extensão Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais, um dos desdobramentos do Programa Ações Afirmativas na UFMG, constitui-se como uma das estratégias de superação das desigualdades sociais e de combate ao preconceito e à discriminação racial na educação básica. No ano de 2003, o Projeto desenvolveu um trabalho de oficinas culturais com 25 professores(as) da Rede Municipal e Estadual de Ensino de MG em que eram analisadas as representações da identidade negra, por meio do estudo de diferentes gêneros do discurso. A expectativa do projeto foi alcançada, através dos diversos relatos e atuação das participantes que atestaram a importância deste nas suas vidas tanto profissional quanto pessoal. No ano de 2004, o projeto está sendo implementado no Centro Pedagógico da UFMG, contando, também, com a participação de docentes do segundo ciclo desta instituição. Autores Nilma Lino Gomes - Drª- coordenadora do projeto Cynthia Adriadne Santos bolsista de Extensão- Graduanda em Pedagogia Natalino Neves da Silva Bolsista de Extensão - Graduando em Pedagogia Shirley de Jesus Ferreira Bolsista de Extensão - Graduanda em Biblioteconomia Instituição Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Palavras-chave: formação de professores; gêneros do discurso; identidades negras Introdução e objetivo Por muito tempo, acreditou-se, por força do mito da democracia racial, que a desigualdade social no Brasil era uma questão essencialmente ligada à pobreza e às péssimas condições de vida de uma grande parcela da população sem condições de acesso às benesses da modernidade. Todavia, pesquisas recentes do IPEA (http://www.ipea.gov.br/) vieram mostrar aquilo que o movimento negro organizado há muito afirmava: não se pode dissociar a desigualdade social existente no Brasil da desigualdade racial, ou seja, os pobres e miseráveis brasileiros são, em sua maioria, negros, enquanto os ricos e a classe média são constituídos basicamente de brancos ou daqueles que se acreditam como tal. É por esse fato que não se pode refletir e propor estratégias de superação das desigualdades sociais sem estabelecer estratégias de combate ao preconceito e à discriminação racial no Brasil. Atualmente, muito se tem discutido sobre a questão racial. A todo instante, ressalta-se a necessidade do conhecimento por parte de todos da situação do negro no Brasil, da sua cultura e da sua participação na construção da sociedade brasileira. Sabe-se que há muitas produções a respeito do assunto, mas que, não raro, trabalham o tema de maneira estereotipada ou simplista, assim como também há boas produções que são do conhecimento de um número muito limitado de pessoas. É necessário, portanto, que mais pessoas tomem conhecimento dessas produções, a fim de que adquiram subsídios para melhor compreender a

questão racial no Brasil. Consciente dessas necessidades, e com o intuito de proporcionar uma leitura diferenciada acerca da representação do negro nos diversos gêneros do discurso, é que surgiu o Projeto de Extensão Identidades e Corporeidades Negras - Oficinas Culturais, como um desdobramento do Programa Ações Afirmativas na UFMG. O Programa Ações Afirmativas na UFMG integra o conjunto dos 27 projetos aprovados no Concurso Nacional Cor no Ensino Superior, promovido pelo Programa Políticas da Cor, do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, com apoio da Fundação Ford. Trata-se de uma proposta que apresenta estratégias de intervenção com vistas a reduzir os efeitos antidemocráticos dos processos de seleção e exclusão social impostos aos afro-brasileiros e a promover a permanência bem sucedida de estudantes negros, sobretudo os de baixa-renda, regularmente matriculados nos cursos de graduação da UFMG. Visa também à entrada destes nos cursos de pós-graduação. Este se estrutura a partir de duas linhas de ação. A primeira envolve atividades para apoiar os estudantes beneficiários do projeto, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto material. A segunda volta-se para o desenvolvimento de sua identidade étnico/racial, a partir de debates, no interior da universidade, acerca da questão racial na sociedade brasileira e do envolvimento dos(as) alunos(as) beneficiário(a)s do programa em atividades que visem estimular e, até mesmo preparar, outros(as) afro-brasileiros(as) pobres a ingressar no ensino superior. O projeto de extensão Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais envolve professores e professoras da Faculdade de Educação, da Faculdade de Letras da UFMG, Escola de Ciência de Informação e Centro Pedagógico da UFMG em uma atuação inter-unidades e inter-departamental. É um projeto de extensão que visa promover um intercâmbio entre a academia (professores, doutorandos, mestrandos e graduandos) e a comunidade (professores da Rede Municipal de Belo Horizonte e Rede Estadual de Minas Gerais e Centro Pedagógico da UFMG). Este projeto iniciou suas atividades no ano de 2003 e foi renovado pela PROEX no ano de 2004. Trata-se de um processo formador que envolve alunos/as negros/as e brancos/as da graduação da UFMG e professores/as negros/as e brancos/as da Educação Básica, prioritariamente, os/as profissionais da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte (RME). A escolha desse grupo de docentes deve-se à existência, no interior da referida rede de ensino, de integrantes do Grupo de Educadores/as Negros/as da Fundação Centro de Referência da Cultura Negra (FCRCN). Este grupo há alguns anos, vem desenvolvendo trabalhos, oficinas e palestras nas escolas municipais e estaduais de Belo Horizonte, com o objetivo de aprofundar o estudo sobre as relações raciais na escola e criar estratégias pedagógicas para o trabalho com esta temática junto aos alunos e às alunas. O Grupo de Educadoras Negras do FCRCN tem apresentado à Secretaria Municipal de Educação e ao Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação da Rede Municipal de Belo Horizonte (CAPE) uma demanda específica de formação e acompanhamento do trabalho com a questão racial nas escolas e, principalmente, a reativação das discussões sobre esta temática na Rede Municipal, a qual já foi realizada de forma sistemática nos anos de 1993 a 1996, pelo grupo Educação e Diversidade Étnico/cultural (EDEC), um dos núcleos formadores do CAPE. Porém, nos últimos anos, essa proposta se desarticulou, causando uma interrupção da discussão sobre a questão racial e a cultura negra no interior da Rede. A percepção dos prejuízos causados pela desativação do EDEC orientou a formação do Grupo de Educadoras Negras da FCRCN, na tentativa de dar continuidade ao trabalho e reunir professoras da educação básica interessadas no tema. Dentre essas, encontram-se integrantes do Movimento Negro e de Mulheres Negras, além de mestrandas em educação na FAE/UFMG. Esse Grupo, além de pleitear um lugar para a discussão sobre a questão racial no processo de formação de professores da Rede Municipal e Estadual, vem realizando, por sua própria conta, reuniões, trabalhos, diálogos com a universidade e com o movimento negro, no

sentido de efetuar uma reflexão mais profunda sobre a questão racial na educação, tanto na Educação Infantil como no Ensino Fundamental, a qual deverá ser desdobrada em projetos pedagógicos no interior das escolas. Assim, na II Conferência Municipal de Educação, o Grupo apresentou uma série de propostas concretas de trabalho com a questão racial nas escolas, as quais foram aprovadas pela categoria. Dentre essas, encontra-se a demanda por uma maior relação e proximidade com a universidade e sua produção sobre a questão racial, no sentido de tornar o estudo desta questão um trabalho educativo e institucionalizado na formação de professores da rede municipal. As necessidades e demandas apresentadas pelo Grupo acima citado somam-se aos objetivos do Programa Ações Afirmativas na UFMG. Nesse sentido, após reuniões e discussões entre a equipe do Programa, a Secretaria Municipal e o Grupo de Educadores/as Negros/as, construiu-se o projeto de extensão Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais, como um espaço de formação de professores/as da educação básica. Este projeto tem comprovado, por meio de suas ações, o papel da universidade pública em buscar e apresentar soluções para problemas sociais, históricos e atuais que atingem a sociedade, de um modo geral, e a escola, em específico, fortalecendo a democracia e a cidadania plena, sobretudo através da formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres sociais. A ação imediata do projeto se direciona para professores(as) negros(as) e brancos(as), pois muitos desses sujeitos se deparam com o preconceito ou até mesmo diferentes situações preconceituosas no cotidiano escolar e se sentem incapacitados de intervir frente a essa situação. O principal objetivo do projeto Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais é oportunizar aos professores/as da educação básica da Rede Municipal e Estadual de Ensino de Minas Gerais e do Centro Pedagógico da UFMG, um debate sobre as representações do negro em diversos discursos e gêneros, discutindo as questões que envolvem a sua história e que são responsáveis pela sua exclusão social. Também é intenção do projeto que os(as) professores(as) participantes do mesmo possam desdobrar essa experiência em outras atividades pedagógicas no interior da sala de aula e nos processos coletivos de trabalho junto com outros profissionais, em um efeito multiplicador e inspirador de novas reflexões, assim como rever seus próprios valores e representações em relação à questão racial. Além disso, este visa trazer para a educação básica (fase importante na construção da identidade da criança e do adolescente), uma reflexão mais profunda sobre a negritude, com o objetivo de aprofundar o estudo sobre as relações raciais na escola e ajudar aos docentes na construção de estratégias pedagógicas para o trabalho com esta temática. Metodologia O projeto Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais configura- se como um conjunto de oficinas culturais destinadas a discutir e consolidar o pertencimento étnico dos participantes negros e brancos, por meio do estudo sobre as representações do negro em diversos gêneros dos discursos literário, midiático e acadêmico, destacando as questões que envolvem a história e a trajetória de vida dos sujeitos. No ano de 2003, as oficinas foram realizadas quinzenalmente, às sextas-feiras, no Centro Cultural da UFMG. Em cada oficina utilizou-se uma determinada produção textual: poemas, contos, reportagens, diários, autobiografias, filmes, canções populares, peças publicitárias e artigos científicos. Estas produções eram analisadas e debatidas, observando seu discurso, suas ideologias e posições. Ao final de cada oficina, os/as participantes foram incentivados a escrever sobre a atividade, relacionando-a com a sua experiência de vida.

Houve também indicação de bibliografia, como forma de aprofundar os conhecimentos a respeito do tema. As oficinas realizadas pelo projeto durante o ano de 2003 foram: Documentário, Poesia, Identidade, Contos, Gênero do Discurso, Revistas em Quadrinhos, Artes, Livro Didático, Literatura, além de uma oficina realizada pelos/as professores/as participantes do projeto que desenvolvem atividades envolvendo a questão racial. Resultados e discussão O projeto tem cumprido seus objetivos, propiciando mudanças na trajetória profissional e pessoal dos(as) participantes. Muitas destes/as professores/as têm levado estas novas experiências para a sala de aula e estão até mesmo promovendo discussões em suas escolas sobre os temas trabalhados e apresentando propostas de atuação. Além disso, o projeto vem se configurando como um espaço de troca de experiências, aquisição de novos conhecimentos, incentivo à criação, divulgação de eventos e até mesmo de denúncia. Alguns(as) dos(as) participantes o descrevem como um espaço onde as emoções afloram, pois eles/elas se sentem à vontade para prestar depoimentos e lançar propostas, o que nem sempre acontece no interior das escolas onde atuam. Nesse sentido, o projeto de extensão possibilita a participação do/as professores/as em discussões sobre a questão racial juntamente com pesquisadores e pesquisadoras da universidade, não limitando sua atuação aos encontros quinzenais. Aos poucos, essa iniciativa vem se transformando em um rico espaço de fortalecimento da reflexão dos participantes, dando-lhes subsídios para atuarem em outros espaços sociais, para além da própria escola. O trabalho com a questão racial interfere no campo das subjetividades, especialmente, das pessoas pertencentes ao segmento negro. Devido a isso, a discussão dos temas abordados pelo projeto, muitas vezes, evoca situações de racismo, discriminação e preconceito racial vividas pelos(as) próprios(as) docentes, o que resulta numa grande carga de emoção e também em momentos de denúncia de situações de discriminação racial no cotidiano escolar. Nesse momento, a coordenação do Projeto e os(as) bolsistas de extensão, precisam desenvolver uma escuta atenta refletindo e construindo, em conjunto com as docentes, estratégias pedagógicas de superação da discriminação racial na escola. Conclusões Além do seu caráter de extensão e de formação de professores/as, o projeto configurase como uma estratégia política que contribui para o aprofundamento da discussão sobre a questão racial na escola e para a construção positiva da identidade étnico/racial de todos/as participantes envolvidos/as, influenciando suas atuações nos mais diversos espaços sociais. Esse alcance maior do projeto deve-se à parceria estabelecida entre a universidade pública, a rede municipal de ensino, os(as) professores(as) da educação básica e os (as) professores(as) militantes do Grupo de Educadores(as) Negros da FCRCN. Essa grande parceria caminha no sentido de buscar alternativas para questões sociais, históricas e atuais que dizem respeito a todos nós, quer sejamos negros(as), brancos(as) ou de outros grupos étnico/raciais. Tal parceria e capacidade de articulação contribuem para o sucesso do projeto e para a avaliação positiva do mesmo pelos(as) docentes envolvidos, os quais podem ser confirmados por meio do processo de avaliação implementada. A proposta do projeto consolida-se na perspectiva de que a discussão sobre as relações raciais na sociedade brasileira não pode ficar restrita somente a população negra, mas é de responsabilidade de todos/as cidadãos, principalmente dos/as docentes da Educação Básica. Espera-se que, ao proporcionar uma nova visão sobre a questão racial a esses/as professores/as, o Projeto possa contribuir para a formação de uma futura geração que perceba e se relacione com as diferenças de uma forma positiva e respeitosa.

Enquanto bolsistas de extensão do projeto, consideramos que a participação neste, além de nos possibilitar o contato com a comunidade que está fora da universidade, torna-se uma oportunidade ímpar de formação pedagógica, acadêmica, social e política. Acreditamos que a extensão propicia o retorno social através do fortalecimento da responsabilidade social do graduando para com a comunidade a que pertence. A proposta do projeto, ao trabalhar com a formação de professores(as) da educação básica para a diversidade étnico/racial, atende a algumas das exigências da lei 10.639, de 09/01/03, que torna obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos de educação básica. O contato com a realidade escolar e as suas peculiaridades indica o quanto se necessita trabalhar para que o enfoque positivo da diversidade faça parte do ambiente e do currículo escolar. Os diversos depoimentos dos/as professores/as, os acontecimentos diários e as diversas alternativas buscadas por elas/eles diante dos problemas enfrentados, atestam a importância da discussão sistemática sobre a questão racial na escola. Além disso, houve uma formação complementar, através da participação dos/as docentes em diversos eventos sobre o tema, como seminários e debates, enriquecendo ainda mais a sua formação. O projeto também tem contribuído para o nosso fortalecimento acadêmico que pôde ser verificado através do amadurecimento individual e da nossa participação coletiva em eventos dentro e fora da UFMG, tais como cursos, palestras, congressos e seminários. Tudo isso tem nos possibilitado a tomada de consciência do papel sócio-histórico da luta e resistência da população negra no Brasil. Destaca-se aqui que o projeto foi apresentado no III Seminário Nacional Relações Raciais e Educação: Saberes, Políticas e Perspectivas, realizado em Niterói- Rio de Janeiro, no período de 03 a 07 de novembro de 2003, além do IV Encontro de Pesquisa da FaE e no 6º Encontro de Extensão da UFMG, no período de 09 a 12 de dezembro. Por fim, atuar no Projeto de Extensão Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais não somente nos enriqueceu o conhecimento no sentido da interação com as práticas docentes que são desenvolvidas fora dos muros da universidade como também possibilitou-nos a percepção de outras formas de saberes e experiências que muitas vezes não são contempladas nas discussões da graduação. Por meio dele, tivemos a oportunidade de compreender, conhecer e vivenciar os saberes, as práticas e as estratégias pedagógicas desenvolvidas pelos(as) professores(as) da educação básica no dia-a-dia escolar. É nessa perspectiva que uma proposta de ações afirmativas voltada para a permanência bem sucedida de alunos negros no ensino superior brasileiro se torna eficaz. A iniciativa bem sucedida do projeto possibilitou a sua renovação no ano de 2004 junto a PROEX/UFMG e a concessão de mais uma bolsista. A parceria entre a Secretaria Municipal de Educação, O Grupo de Educadores(as) Negros(as) da FCRCN e o Programa Ações Afirmativas na UFMG ganhou, nesse ano, a adesão da Escola de Ensino Fundamental do Centro Pedagógico da UFMG. Sendo assim, desde de março de 2004, contamos, com a participação de aproximadamente 50 professores/as do 2o ciclo da escola acima citada, além de alguns participantes de primeira fase que tem enriquecido ainda mais essa experiência, transformando-a no Projeto de Extensão Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais 2a fase. 2003: Anexo: Equipe do Projeto Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais no ano de Profª. Dra. Nilma Lino Gomes (Coordenação) Profª. Dra. Célia Maria Magalhães Profª. Dra. Adriana Pagano Prof. Dr. Rildo Cosson

Bolsistas de extensão (ano 2003) Natalino Neves Silva Shirley de Jesus Equipe do Projeto Identidades e Corporeidades Negras Oficinas Culturais 2a fase, no ano de 2004: Profª. Dra. Nilma Lino Gomes (FAE Coordenação) Profa. Mestre Elânia de Oliveira (CP) Profª. Dra. Aracy Alves Martins (FAE) Prof. Luiz Carlos Felizardo Júnior (FCRCN) Bolsistas de extensão ( ano 2004 ) Cynthia Adriadne Santos Natalino Neves da Silva Shirley de Jesus Ferreira Referências bibliográficas AÇÕES AFIRMATIVAS NA UFMG. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 2002. Mimeografado. BARCELOS, Luiz Cláudio. Educação, um quadro de desigualdades raciais. Cadernos Cândido Mendes/Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n.23, p.37-70, dez.1992..educação e desigualdades raciais no Brasil, Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.86, p.15-24, ago.1993. CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. GEERTZ, C. A. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. GOMES, Nilma Lino; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Experiências étnico-culturais para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. O jogo das diferenças. Belo Horizonte: Autêntica, 1988. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva; Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. Original inglês. HASENBALG, Carlos A. Raça e oportunidades educacionais no Brasil. In: SILVA, Nelson do Valle; HASENBALG, Carlos. Relações raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1992. MUNANGA, Kabenguele (org). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria do Ensino Fundamental, 1999. SANTANA, Patrícia Maria de Souza. Rompendo as barreiras do silêncio: projetos pedagógicos discutem relações raciais em escolas municipais de Belo Horizonte. In: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e; PINTO, Regina Pahim. Negro e educação: presença do negro no sistema educacional brasileiro. São Paulo: Anped/Ação Educativa, 2001. SCHWARCZ, Lilia K. M. Raça como negociação: sobre teorias raciais em finais de século XIX no Brasil. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares. Brasil afro-brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SILVÉRIO, Valter Roberto. Ação afirmativa e o combate do racismo institucional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, n. 117, p. 219-246, nov. 2002. SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal, 1990.