O SIGNIFICADO DO TRABALHO MULTIFUNCIONAL NO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA PETROBRÁS



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1 O SIGNIFICADO DO TRABALHO MULTIFUNCIONAL NO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA PETROBRÁS Autores: Cláudio Mazzilli e Caio Agra RESUMO Este artigo trata da gênese do trabalho multifuncional em unidades operacionais da Petrobrás S.A. e das respectivas conseqüências para os profissionais envolvidos. O estudo possui características de pesquisa descritiva e exploratória, a qual possui como objetivo principal analisar o significado da implantação da multifuncionalidade em um processo de reestruturação produtiva. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas com dezesseis profissionais em três unidades operacionais diferentes. A análise dos dados foi realizada pelo método da análise de contéudo baseada na análise temática do texto. Como conclusões constatamos que o trabalho multifuncional é organizado com o objetivo maior de reduzir os custos com a mão-de-obra empregada e tem seus limites de abrangência e profundidade definidos pela complexidade dos sistemas técnicos e pelo grau de autonomia dos trabalhadores, estabelecidos pelas gerências. INTRODUÇÃO O fenômeno da reestruturação produtiva frente a mercados globais desafiadores que vem acontecendo no mundo desde a década de 70, abrange a estruturação de organizações industriais, baseada nas atividades multifuncionais de seus recursos humanos. No nosso estudo, o termo atividade multifuncional refere-se à composição de atividades não necessariamente de mesma natureza técnica que, em uma fase anterior à mudança na organização do trabalho, tinham suas execuções ligadas a postos diferentes. Assim, a zona de intersecção de dois ou mais postos de trabalho quaisquer, constitui-se numa atividade multifuncional. Dificilmente, as reestruturações produtivas deixam de atuar na (re)organização do trabalho, termo usado para designar a sistematização das tarefas humanas na organização como um todo, modificando sua divisão, introduzindo, mantendo, extinguindo ou transformando as tarefas, de tal forma que atendam às novas diretrizes para o aumento da produtividade, oriundas de prováveis reavaliações das exigências do mercado. Seguindo essa tendência, algumas organizações atuais procuram introduzir novas formas de trabalho diferentes das preconizadas pelo princípio da organização racional do trabalho que, embora questionáveis, constituem-se em um sistema tecnicamente coerente e lógico, mas com contradições evidentes no plano social e psicológico. Essa nova realidade enfrentada pelas organizações tem levado a soluções diferentes, onde se procura uma adaptação de curto, médio ou longo prazo. A opção pelas soluções do último tipo mostra um trabalho com características qualitativa e quantativamente diferentes, entre as quais salientamos: uma maior flexibilidade nos processos de trabalho e a existência de interfaces em postos de trabalho, aliadas a uma aplicação cada vez maior da tecnologia da informação e da microeletrônica nos processos produtivos. Este estudo tem a finalidade de analisar o significado da introdução e difusão da multifuncionalidade no processo de reestruturação produtivas de três unidades operacionais diferentes da Petrobrás.

2 Nosso estudo é dividido em três partes: na primeira parte é analisado o papel da multifuncionalidade na organização do trabalho. Na segunda parte apresentamos a metodologia utilizada, no caso, a análise comparativa de casos. Finalmente, na terceira parte são discutidos os resultados obtidos. 1.- A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A TECNOLOGIA As inovações tecnológicas trazidas pela informática e microeletrônica juntamente com a expansão do capital em busca de novos mercados e de formas alternativas de retorno de investimento têm ocasionado mudanças no interior das organizações e, especificamente nas formas de gestão do trabalho, uma tendência modernizadora que objetiva a flexibilização e integração das tarefas anteriormente parceladas pelas concepções tayloristas e fordistas de produção (SALERNO,1994). Os desafios emergentes, para o capital, resumem-se à renovação da parte fixa (capital fixo), rapidamente obsoleta, à convivência com lucros decrescentes e à necessidade de maior capital circulante, diminuindo os estoques. 1.1 - O IMPACTO TECNOLÓGICO NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Os novos padrões tecnológicos trazem necessidades comuns aos setores que os incorporam. O uso da microeletrônica no trabalho tem aumentado o investimento de capital nos meios de produção, comparado aoa seu emprego na mão de obra (MACHADO,1994), além de proporcionar mudanças na relação homem-máquina e trazer novas necessidades para a qualificação dos recursos humanos para o trabalho. É importante ressaltar que a qualidade do trabalho, em um sentido amplo, não é determinada diretamente pelo avanço tecnológico - ela depende fundamentalmente, do modo como se utilizam os recursos humanos no processo produtivo. O apoio ao desenvolvimento tecnológico tem prioridade nas políticas industriais dos países desenvolvidos, embora, no caso brasileiro, os dados revelem que a intensidade do ajuste tecnológico ainda pode ser expressivo, se comparado com o nível tecnológico existente naqueles países (COUTINHO e FERRAZ, 1994). A respeito da adoção de novas tecnologias, alerta-se para o fato da possível inversão da relação sujeito-objeto, que faz da tecnologia um sujeito autônomo e do indivíduo um objeto de extensão do corpo da máquina (MACHADO, 1996). A introdução de novas tecnologias e seus efeitos para a organização, não podem ser analisados apenas da forma instrumental do desenvolvimento técnico. Há necessidade de se pensar no plano das relações humanas, nas estruturas de poder e no plano da racionalidade instrumental - formas de agir e pensar em função de ganhos da produtividade, por exemplo (ENRIQUEZ, 1996) - que se impõem como base para decisções no âmbito operacional, assumindo-a como mudança social, política, econômica e psicológica no âmbito organizacional. Não se reestrutura a produção pelo simples fato de existir tecnologia avançada à venda, e sim pelo fato de que ela permite aumento da produtividade da organização como um todo. Dada a sua influência sobre a organização do trabalho e, portanto, sobre os recursos humanos envolvidos, a decisão de reestruturar a produção é, ao mesmo tempo, um ato abrangente e complexo, onde não levar em consideração suas conexões, influências e contradições pode trazer dificuldades na implementação dessas mudanças (CROZIER,1983).

3 As mudanças organizacionais em direção a sistemas mais integrados dependem de uma alteração nas funções das gerências que devem enfatizar seu papel político e o estabelecimento de novas relações humanas entre os membros dos grupos emergentes. O trabalho desses grupos é tido como fator necessário para o sucesso dos novos modelos de organização do trabalho, mas, ao mesmo tempo, podem encobrir diferenças, dissimular problemas, levar a responsabilidades difusas e reforçar comportamentos corporativistas no ambiente de trabalho. Na realidade, as organizações mais eficazes são aquelas em que o indivíduo é tão valorizado quanto ao grupo, onde a possibilidade de se afirmar como uma identidade torna-se complemento da sua capacidade em cooperar. Os esforços modernizadores centrados na aquisição de novos equipamentos com características de maior flexibilidade, perfeição técnica e rapidez na produção, exigem contrapartidas nas formas de organização do trabalho, mais agéis e menos rígidas. Surgem alternativas de maximização do uso dos equipamentos que incorporam evoluções tecnológicas acumuladas na relação homem-máquina (LEITE, 1994). Essa mudança altera a realidade vivida pela força de trabalho no interior da organização, exigindo novos comportamentos, atitudes e necessidades de requalificação para o trabalho emergente, trabalho comprimido no espaço e no tempo, que dá a sensação de mudança de emprego ao trabalhador. 1.2 - A FLEXIBILIDADE E A INTEGRAÇÃO NOS PROCESSOS PRODUTIVOS A reestruturação produtiva segue os conceitos de flexibilidade e de integração contidos nos novos padrões tecnológicos. A flexibilidade implica na capacidade do sistema mudar de estado sem deteriorização significativa, presente ou futura, de custos, qualidade e tempo. A integração aumenta as zonas de intersecção entre os processos, facilitando a comunicação entre eles e reduzindo o ciclo de produção, estabelecem-se condições para atenuação da divisão do trabalho e crescimento de seu contéudo. A nível de processo produtivo, a alternativa de integração apresenta-se tecnicamente factível, e, optar por ela, significa promover mudanças qualitativas e quantitativas no controle das atividades. As mudanças qualitativas dizem respeito às possibilidades de incorporação de novos detalhes, de acompanhamento desses processos em tempo real e fisicamente distantes de seus locais de funcionamento, facilitando a busca de dados para a concepção de planos de açoes corretivas para os problemas que se apresentam. As mudanças quantitativas referem-se ao aumento no número de pontos de controle por gerente ou supervisor, no volume de dados disponíveis, na diminuição do tempo de aceso aos dados e do contingente de recursos humanos necessários para garantir a produtividade, por exemplo. Destaca-se o aparecimento de postos de trabalho, ampliados horizontal e verticalmente, como resultado da integração dos processos via tecnologia, sorvedoura de novas categorias de trabalho, comparadas com as características anteriores à fase de (re)organização do trabalho: rígida divisão de tarefas, baixa flexibilidade, prescrição de tarefas por posto, ausência de autonomia e baixo envolvimento do trabalhador (LEITE, 1994).

Nesse aspecto, a questão da multifuncionalidade impõe-se de forma prática e concreta e sua solução envolve dimensões não apenas técnico-econômicas, mas também políticas, ideológicas e psicológicas nas organizações em transformação, uma vez que ela não aparece de forma isolada das relações de poder e dos fatores culturais presentes na organização e subordinadas às necessidades de manutenção ou ganhos de mercado. Ela anuncia o declínio da divisão técnica taylorista- fordista do trabalho e início de uma nova divisão que nega a condição anterior, síntese de novas necessidades organizacionais e de seus recursos humanos. 1.3 - MULTIFUNCIONALIDADE E AÇÕES MEDIADORAS HIRATA (1994) diferencia multifuncionalidade de polivalência. Apoiando-se no conceito de função - conjunto de tarefas, deveres e responsabilidades atribuídas contratualmente ao empregado (SAMPAIO, 1993) - ela conceitua a polivalência como a ampliação do conjunto de tarefas atribuídas ao empregado dentro da sua especialidade profissional e multifuncionalidade como a ampliação no conjunto de tarefas que incorpora outras especialidades profissionais não pertencentes, originalmente ao empregado, ambas exigindo (re) qualificação para o novo trabalho (polivalente ou multifuncional). Segundo SALERNO (1994:59) Sobre polivalência, termo ambígüo, é preciso distinguir entre trabalhador multifuncional e trabalhador qualificado: enquanto o primeiro se caracteriza por operar mais de uma máquina com características semelhantes, o que pouco lhe acrescenta em termos de desenvolvimento e qualificação profisional, o segundo desenvolve e incorpora diferentes habilidades e repertórios profissionais. Trata-se, portanto,de duas visões distintas sobre o trabalho: uma aditiva (intensificadora do trabalho); e outra integrativa (define o papel do trabalhador, e não tarefas específicas). Vê-se a existência de diferenças significantes com o mesmo significado (polivalente em HIRATA e multiqualificado em SALERNO). Propõe-se neste estudo, o uso da palavra multifuncional para designar o trabalho reformulado a partir de outros já existentes, da mesma especialidade ou não, que concebem de forma aditiva (intensificadora do trabalho), integrativa (define o papel do trabalhador, e não tarefas específicas) ou ambas. Trata-se de uma mudança na quantidade e no contéudo do trabalho que implica em consentimento do empregado, uma vez que configura-se o caso de alteração de função. A multifuncionalidade apresenta-se à organização alterando fatores de ordem econômica, política e ideológica (PAGÈS et alii, 1993). Alguns resultados econômicos podem ser traduzidos em ganhos de produtividade, redução de custos diretos com mão-deobra (salários e encargos) e redução de perdas no processo produtivo. Ganhos políticos estão ligados ao reforço no controle do processo produtivo, facilitado pela informatização, que dá suporte à aplicação de diretrizes e metas organizacionais, via acompanhamento dos resultados e ação corretiva sobre os desvios detectados. Concretamente, estes ganhos são apresentados sob a forma de redução dos níveis hierárquicos e do aumento na rapidez dos processos decisórios. Ao sinalizar para valores baseados em cooperação, aprendizado contínuo, ação integrada em grupo e participação no processo decisório, a organização reforça e reproduz, ideologicamente, seus modelos de trabalho, legitimando-os ao seu modo e difundindo seus princípios. 4

5 O alcance destes resultados está relacionado com as soluções encontradas pela organização na resolução de conflitos advindos das contradições emergentes do processo de mudança, sendo solicitadas pelas organizações, em alguns casos, intervenções psicossociológicas (LÉVY, 1994), embora as empresas modernas, prevendo e admitindo a existência de tais conflitos, se antecipam, introduzindo mediações (PAGÈS et alii, 1993). As mediações se interpõem entre os objetivos da empresa e as percepções das coerções por parte dos indivíduos que poderiam conduzi-los a reações de confronto. Dessa forma, ações preventivas e postergadoras de conflito são tomadas pelas organizações, aliando as restrições dos novos metodos de trabalho a vantagens oferecidas aos indivíduos. Assim, a política de reajustes internos de salários, bonificações, benefícios, participação nos lucros, participação nos resultados e promoções estão ligadas às mediações econômicas. O desejo dos indivíduos relativo ao controle das suas tarefas, posto em contradição com o estabelecimento de diretrizes e metas organizacionais, é mediado politicamente por técnicas de autonomia controlada ou administração à distância. A mediação ideológica promove a democratização da palavra, dando lugar à variedade de interpretações individuais quanto aos valores introduzidos, no caso deste estudo, pela multifuncionalidade, mas que convergem para as crenças da organização à medida em que participam do planejamento de suas ações. Psicologicamente, o binômio privilégio-restrição se transforma no binômio prazersofrimento. A angústia provocada pelos controles e pelas exigências dadas por metas desafiadoras é compensada pelo prazer de conquistar, prazer agressivo, de dominação (de clientes e de colegas), de superar-se e autodominar-se. Esse meio, mais que os outros, integra os indivíduos à organização, pois atua a nível do inconsciente, fazendo com que eles internalizem as restrições e os tipos de satisfações que ela oferece. Dessa forma, vê-se que a multifuncionalidade, como mudança na organização do trabalho, não é determinada apenas pela inovação tecnológica. Para a organização, o sucesso dessa mudança implica também em ações mediadoras econômicas, políticas, ideológicas e psicológicas entre seus objetivos e os objetivos de seus membros. Há uma tendência na redução dos níveis hierarquicos e um favorecimento à iniciativa individual no trabalho, mas também no fortalecimento do controle à distância, ao mesmo tempo em que aumenta a autonomia na execução das tarefas. Na realidade não há diminuição do poder por parte da organização, e sim um deslocamento de significado, uma vez que o seu exercício consiste não apenas em ordenar, tomar decisões, mas também em delimitar o campo, estruturar o espaço no qual são tomadas as decisões (PAGÈS et alii, 1993). A multifuncionalidade, vista dessa forma, pode funcionar como sistema de exclusão, em que não fazer parte dela implicaria, para o indivíduo, tratamento diferenciado por parte da organização. A mão-de-obra passa, então, por um processo de conversão, onde ocorrem a requalificação profissional e as transferências de locais de trabalho. 2. - A COMPETÊNCIA MULTIFUNCIONAL A competência multifuncional é definida como sendo um do conjunto de habilidades que a organização, ou parte dela, possui para unir, fundir ou transformar funções (operacionais ou de gestão) de forma permanente ou eventual, a fim de resolver situações de desvios entre resultados e metas no âmbito organizacional. Ela será tanto maior quanto for a facilidade e a rapidez em reestruturar o trabalho e menor for o conflito gerado

internamente pelos atores organizacionais (acionistas, clientes, força de trabalho e comunidade). As organizações modernas procuram requalificar as suas forças de trabalho de acordo com seus interesses. Assim, os trabalhadores são tidos como co-responsáveis pelo processo produtivo onde se procura dar margens ao desenvolvimento físico, intelectual e emocional do indivíduo. No caso da multifuncionalidade, faz-se necessário difundir ambientes de trabalho (re) organizados conforme novos padrões de processos produtivos, bem como introduzir a força de trabalho nestes ambientes na condição de conhecedora e modificadora das relações sociais emergentes da nova prática adotada. De fato, conhecer para poder modificar é condição central nos processos que buscam, na capacitação interna da força de trabalho, as bases para o autodesenvolvimento. A difusão da multifuncionalidade em organizações distintas não segue leis imutáveis determinadas a priori. Ela contém particularidades das relações de produção próprias de cada local que interferem no processo inicial de implantação da nova organização do trabalho. Desta forma, a tecnologia, a estrutura dos processos produtivos, o perfil de qualificação formal e profissional da mão-de-obra, o estilo gestão e liderança dominante e o estágio de organização desta mão-de-obra, enquanto classe social, constituem-se no ambiente encontrado pelo projeto multifuncional ao estabelecer-se como alternativa para o entendimento das necessidades explícitas e implícitas dos atores organizacionais. Esta solução encontrada pela organização será reproduzida até que novas necessidades de seus atores, nas relações de produção proporcionem novas sínteses. Em resumo, o funcionamento de processos produtivos à base do trabalho multifuncional repete-se no tempo de forma transitória, e transforma-se como resultado ou síntese das tensões geradas pelo encontro das necessidades emergentes dos atores organizacionais. Estas sínteses são geradas com a tensão provocada pela diferença entre uma visão individual e a realidade concreta, sendo, nesse sentido, criativa na sua essência. Esta tensão criativa não pode ser produzida apenas pela realidade concreta ou apenas pela visão individual, ela é produto de um processo de raciocínio onde é buscado o equilíbrio na análise destes dois fatores para a compreensão dos múltiplos processos produtivos (SENGE,1990). 3. - METODOLOGIA O estudo trata de uma análise qualitativa intensiva e comparativa (BRUYNE et alii, 1991) empreendida em três unidades operacionais diferentes da Petrobrás, sendo portanto um estudo comparativo de múltiplos casos. As informações reunidas devem possuir nível de detalhe necessário para apreensão da totalidade das situações selecionadas, ser coletada de acordo com a direção dada pelo quadro referencial teórico adotado e refletir a maneira pela qual as pessoas envolvidas com a multifuncionalidade experimentam-na no cotidiano da empresa. Essa comparação intensiva de situações ou casos similares permite teorizar melhor, a respeito do fenômeno estudado, que a análise de um único caso. 6

3.1 - DESCRIÇÃO DA AMOSTRA A Petrobrás S.A. caracteriza-se por ser uma empresa de economia mista com seu controle acionário exercido desde a sua criação em outubro de 1953, e tem a missão de abastecer o mercado nacional de conbustíveis e derivados de forma monopolística, conforme a lei 2004/53, sendo dessa forma uma empresa tecnoburocrata fortemente verticalizada. Após a revisão constitucional de 1988, ficou evidente a pressão política pela quebra de monopólio, mudando substancialmente a missão da empresa, pois não apenas ela seria responsável por abastecer o mercado nacional. Desde então, a empresa vem-se reestruturando, consolidando a identidade de uma organização ágil, rentável e otimizadora de seus recursos. A partir de 1990, a empresa adotou a forma de gestão pela qualidade total como fator tático operacional relevante para o sucesso de seus processos produtivos. Algumas unidades operacionais avançaram nas mudanças rumo à racionalização do trabalho, principalmente as unidades mais novas, por terem tecnologias mais atualizadas, fato que contribui para a simplificação dos processos produtivos, pela maior flexibilidade de que elas dispõem. Essas formas de (re)organizar o trabalho têm trazido excedentes de pessoal nas unidades de reestruturadas que precisam ser, no caso da Petrobrás, relocados de postos de trabalho, já que por esses motivos, a empresa está impedida de demitir, obedecendo aos acordos coletivos de trabalho assinados com os sindicatos dos petroleiros durante os últimos anos. A escolha dos casos foi feita de forma não aleatória, considerando-se fatores que pudessem enriquecer os resultados da analise comparativa dos dados a respeito do fenômeno da multifuncionalidade. Dessa forma, os casos foram selecionados de maneira que tivessem diferenças de localidade, de processo produtivo, de regime de trabalho, de tecnologia, de crenças gerenciais quanto aos métodos de gestão, de tempo de funcionamento da unidade e do número de funcionários. 3.1. 1 - O NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE GUAMARÉ O Núcleo de Produção de Guamaré (NUGUAM) situado no Rio Grande do Norte é uma unidade de produção de óleo, gás natural e gás liquefeito de petróleo, possuindo cerca de 300 funcionários e movimentando 2.000.000 de metros cúbicos diários de gás natural, 1600 metros cúbicos diários de óleo e 420 toneladas diárias de gás liquefeito de petróleo. Os clientes do NUGUAM são, quanto ao produto óleo, as refinarias do sistema Petrobrás, quanto ao produto gás combustível, as indústrias dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, alimentadas por ramais do gasoduto Nordestão, quanto ao gás liquefeito de petróleo, as distribuidoras dos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. As atividades do NUGUAM, como as outras existentes nos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará, respondem, gerencialmente, à estrutura da sede administrativa localizada na cidade de Natal (RN). O regime de trabalho interno varia com o local do processo produtivo de óleo e gás (plataformas marítimas) e do processamento de fluídos - compressão de gás e unidade de processamento de gás natural do pólo de Guamaré. As plataformas possuem o regime de sobreaviso, com três turmas em turnos de revezamento de doze horas diárias de trabalho ininterrupto, por oito dias consecutivos e posterior folga de quatorze dias consecutivos para cada turma seqüencialmente. 7

8 Os demais funcionários do NUGUAM trabalham em regime administrativo seqüencial - duas turmas se revezando a cada sete dias consecutivos de trabalho de doze horas, com folga de sete dias para turma seqüencialmente. As plataformas possuem seus sistemas técnicos com tecnologias pneumática, mecânica, eletrônica analógica e digital. A última inovação tecnológica (introdução da eletrônica microprocessada nas salas de controle de processos) ocorreu em 1985. Em 1992, iniciou-se um programa de simplificação técnica de instalações, permitindo algumas plataformas trabalharem sem a supervisão física direta dos funcionários. A unidade de compressão de gás e a unidade de processamento de gás natural iniciaram suas atividades em 1983 e 1985, respectivamente, sendo a pneumática e a eletrônica analógicas as principais tecnologias em funcionamento. Em 1995, foi incorporado um sistema digital de supervisão e controle que integrou as operações de compressão de gás e de processamento de fluídos. Em 1997, a unidade de processamento de gás natural recebeu o certificado ISO 9002 para produtos de gás combustível e gás liquefeito de petróleo. 3.1.2 - OS DUTOS E TERMINAIS DO NORTE E NORDESTE Os Dutos e Terminais do Norte e do Nordeste (DTNEST) é desde 1983 responsável pelo suprimento de petróleo, derivados e álcool para todo o norte e nordeste do país. É no complexo portuário de Pernambuco, situado na cidade do Cabo, onde se localizam suas atividades centrais. O DTNEST possui cerca de 320 funcionários e possui a média anual de 13,7 bilhões de litros de produtos. O DTNEST tem suas atividades divididas em gerências operacionais, setores e quatorze pontos de operação, sendo o regime de trabalho geral o administrativo ( quarenta horas semanais), existindo turno de revezamento em jornadas de oito horas diárias de trabalho, por três dias consecutivos, com folga de quarenta e oito horas subseqüentes. A tecnologia aplicada aos processos produtivos do DTNEST é basicamente a eletrônica analógica e digital. É um dos objetivos permanentes da gerência automatizar esses processos em breve espaço de tempo. 3.1.3 - A REFINARIA ALBERTO PASQUALINI A Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP) iniciou suas atividades em 1968. Ela é abastecida de óleo através dos oleodutos que fazem sua ligação com os dutos e terminais do Sul, abastecendo o pólo petroquímico do Sul com nafta e gás liquefeito de petróleo, e os estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina com combustíveis e derivados. A REFAP possui cerca de setecentos funcionários trabalhando em dois regimes: administrativo composto por quarenta horas semanais e turno composto por quarenta e oito horas de folga subseqüentes a cada três dias consecutivos de trabalho. Diversos investimentos têm sido realizados para a modernização dos sistemas técnicos, visando a otimização dos processos produtivos existentes na REFAP. A maior parte das operações já são supervisionadas e controladas a partir de um centro integrado com tecnologia eletrônica microprocessada. Todas essas três unidades adotam a gestão pela qualidade total como instrumento gerencial em todos os níveis da hierarquia, compatibilizando-as administrativamente, com o modelo de gestão da sede central da empresa no Rio de Janeiro.

9 A nossa amostra é de caráter intencional, observando as restrições impostas pela diretoria da Petrobrás, sendo composta pelo número total de dezesseis funcionários que desempenham as seguintes funções: gerência de recursos humanos, gerência de produção, gerência de manutenção, gerência da qualidade e executantes. Todos entrevistados possui no mínimo o nível de instrução correspondente ao segundo grau e tempo de serviço igual ou superior a sete anos. A pesquisa por ser qualitativa observou a regularidade do fenômeno. 3. 2 - COLETA E ANÁLISE DE DADOS A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas gravadas e depois transcritas literalmente. As entrevistas tiveram uma duração mínima de quarenta minutos e uma duração máxima de sessenta minutos. A interferência do pesquisador foi mínima, restringindo-se apenas à retomada dos tópicos, quando necessária, deixando a palavra livre ao entrevistado. A utilização da análise de conteúdo tem como objetivo compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas, o que tende a valorizar o material analisado, especialmente quando a interpretação tiver como parâmetro o contexto social e histórico onde foi produzido (BARDIN, 1977). Os dados foram analisados mediante o método de categorização da análise de conteúdo, seguindo os três pólos de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. O desmembramento do texto, de acordo com os conteúdos temáticos dos parágrafos, acompanhados de suas sínteses, deram origem às categorias iniciais. Estas categorias foram agrupadas por afinidade, tendo cada grupo uma síntese, dando origem às categorias intermediárias. A categoria final resultou do agrupamento das categorias intermediárias que, sendo mais abrangentes, permitiram o tratamento dos dados com maior aprofundamento da interpretação e compreensão do conteúdo do material coletado. Salientamos que o discurso foi considerado individual e ao mesmo tempo coletivo. Ele teve seu caráter individual, quando foram consideradas as posições sócio-mentais de cada entrevistado, refletindo as contradições inerentes à estrutura de dominação existente, e, coletivo, à medida em que foram consideradas as complementaridades que revelam estruturas e relações entre partes do fenômeno estudado presentes em diferentes formas nos entrevistados. 4. - ANÁLISE DOS RESULTADOS A partir das categorias emergentes da análise de conteúdo, que ofereceram informações exaustivas, as categorias iniciais e intermediárias convergiram para a categorias final o trabalho multifuncional. A categoria o trabalho multifuncional mostra as percepções existentes quanto as características da nova forma de atuação dos profissionais em cada unidade operacional estudada. As inovações organizacionais acompanhadas ou não pelas mudanças nos sistemas técnicos dos processos produtivos têm aumentado o aproveitamento dos recursos físicos,

financeiros e humanos aplicados pela Petrobrás nas suas unidades operacionais. Essas inovações têm acontecido antes mesmo da modificação no mercado nacional de combustíveis e derivados, prevista após a desregulamentação do setor de petróleo anunciada pela Constituição de 1988. No âmbito do trabalho, observam-se duas tendências que impactam diretamente a mão-de-obra envolvida. A primeira tendência que se pode inferir com base nos relatos do pessoal entrevistado é quanto à utilização da mão-de-obra que permaneceá menos nos locais de trabalho; ela tende a ser quantativamente menor e qualitativamente mais preparada para resolver problemas no processo produtivo. Com efeito, mesmo nas unidades operacionais que não introduziram mudanças nos sistemas técnicos - automação por exemplo, observa-se a substituição de homens pelo próprio homem, e não por equipamentos, como é o caso da automação. A outra tendência está relacionada com a tarefa em si: ela evolui cada vez mais no sentido de ser enriquecida, agrupada a outras tarefas tecnicamente mais próximas, tornando-se mais flexível quanto aos seus limites de definição e, portanto, mais integrada. A força de trabalho emergente experimenta um processo produtivo diferente quanto aos contéudos das tarefas existentes. As conseqüências ou resultados alcançados pelas gerências traduzem-se em uma organização de trabalho onde há uma maior intensidade, maior abrangência, menor repetição de atos por parte dos profissionais, maiores responsabilidades e maior flexibilidade na programação das tarefas. A supervisão do trabalho exerce um controle mais à distância através de resultados previamente negociados com a força de trabalho. Esse novo modelo utiliza, portanto, a mão-d-obra, baseando-se na idéia de formar trabalhadores just in time, na quantidade certa e no momento certo de sua presença nas diversas etapas do processo produtivo. As habilidades e o conhecimento necessário para transformar a mão-de-obra existente em uma mão-de-obra multifuncional vêm da própria força de trabalho. Nenhum conhecimento externo, no sentido de novas tarefas até antes inexistentes, é agregado ao conjunto dos trabalhadores. Acontece, dessa forma um repasse, uma tendência de equalização de habilidade entre as especialidades técnicas pertencentes a esta mão-de-obra. As experiências dos trabalhadores diante do processo produtivo são apropriadas tanto pelas gerências quanto pelos próprios trabalhadores entre si. A lógica que impera é a de que é necessário um mínimo de conhecimento adicional para realizar o máximo possível em um dado momento, criando-se assim uma tensão constante responsável pelo movimento em direção ao aumento da produtividade. É nesse contexto que a mão-de-obra multifuncional encontra-se inserida. Uma vez que a Petrobrás está promovendo transferências de pessoal entre suas unidades operacionais para suprir faltas momentâneas advindas de aposentadorias incentivadas, a alternativa de abrir concursos públicos ainda não foi ventilada. A Petrobrás acredita que há excessos locais de mão-de-obra e que o remanejamento de pessoal constituise numa alternativa atraente em termos financeiros. Dessa forma, a formação de um contingente multifuncional passa pela reconversão da mão-de-obra em cada unidade operacional. Os custos com a reconversão estão ligados aos treinamentos em habilidades diversificadas, principalmente os treinamentos nos locais de trabalho, e na difusão dos novos princípios e valores que esta nova categoria de trabalhador. Quanto menor o tempo para o atendimento das inúmeras necessidades do processo produtivo, mais valor possui a força de trabalho presente. 10

Uma nova disciplina surge nas unidades operacionais: a do estabelecimento de rotinas mistas de trabalho que se utilizam de diferentes ferramentas para o trabalho manual e de variados conhecimentos técnicos. No entanto, essa nova ordem não evitará a intercambialidade dos trabalhadores entre si, nem a sua condição de descartáveis, mesmo após o enriquecimento das tarefas que acontece na multifuncionalidade. O trabalho em equipe é facilitado com o objetivo de integrar tarefas de diferentes especialidades técnicas e também de propiciar a difusão de conhecimentos e experiências entre os participantes. A concepção do trabalho fica, dessa forma, mais participativa. No entanto, a execução do trabalho tende a ser feita por um número reduzido de profissionais, objetivando o aumento da produtividade individual. Evidencia-se, assim, uma contradição no seio da força de trabalho: a busca do trabalho em equipe para concepção das tarefas multifuncionais e sua divisão e, ao mesmo tempo, a busca da execução por apenas um indivíduo após a divisão ter sido efetivada. Na opinião dos entrevistados, há uma preocupação em não degradar o processo produtivo com eventuais paradas por falhas ou problemas com a qualidade do produto e segurança das instalações. Impõe-se, dessa forma, um limite para a aplicação da multifuncionalidade. Faz-se necessário distinguir as causas dos problemas para a sua solução com sucesso. O objetivo é manter os processos sob controle, separando causas aparentes das causas fundamentais dos principais problemas no processo produtivo. A capacidade em fazer essa distinção não pertence aos trabalhadores multifuncionais, e sim, aos especialistas que possuem conhecimentos técnicos em profundidade em cada ramo técnico em particular. Percebe-se que a ausência de especialistas não é possível nesse contexto. Cria-se, dessa forma, uma tensão na força de trabalho que polariza e isola o discurso em prol da multifuncionalidade, ao mesmo tempo que não se constata sua supremacia na prática. Quanto ao trabalho em si, não há diferenças significativas entre o que significa multifuncional em cada unidade operacional estudada. Em cada uma, as iniciativas para a reorganização do trabalho começaram nas atividades de manutenção industrial. Por fim, observa-se uma tendência em não formalizar o trabalho quando se trata de multifuncionalidade. Ela não deve, na opinião dos entrevistados, ser totalmente prescrito. No entanto, o que se coloca previamente é o controle do trabalho via resultados desejados mais que o controle direto do processo decisório no ambiente de produção. 11

12 CONCLUSÃO Não há duvidas de que o embrião da multifuncionalidade desenvolve-se a partir de reestruturações na organização do trabalho, sem que tenha havido mudanças nas bases técnicas - automação, por exemplo, dos processos produtivos em cada unidade. Com efeito, a decisão gerencial pela alternativa de adoção de uma organização do trabalho, baseada na multifuncionalidade foi tomada com o objetivo de reduzir custos com a mão-de-obra direta, através da não reposição dos aposentados ou da disponibilização de parte do efetivo do pessoal, e do aumento da produtividade individual dos trabalhadores. Quanto a concepção do que seja um trabalho ou tarefa multifuncional, parece haver concordância entre as três unidades operacionais estudadas. Nestas, a multifuncionalidade iniciou-se pelas atividades de manutenção industrial - atividade de apoio operacional de alto custo e de difícil programação de atendimento às necessidades dos processos produtivos existentes. Nota-se uma resistência em aplicar a multifuncionalidade, uma vez que as experimentações dessa natureza no seio das operações pode ocasionar paradas nos processos ou mesmo sua degradação em termos de segurança e de especificação de produtos. O trabalho ou tarefa multifuncional significa, para essas unidades, agregar a um cargo tarefas pertencentes a outros cargos distintos. Geralmente, estas tarefas adicionais são simples de serem executadas, não envolvem grandes riscos com as seguranças do pessoal e das instalações e são fáceis de terem seus treinamentos implementados. As unidades operacionais foram unânimes em considerar o plano de cargos e salários como o fator bloqueador da implementação da multifuncionalidade. Ele é o principal estruturador do trabalho nas unidades operacionais e vincula os salários aos cargos existentes. Não há como ser um trabalhador multifuncional e receber salários melhores, se não existe descrição para cargos multifuncionais no plano de cargos e salários. Se multifuncional, na concepção dos entrevistados, é não ter cargo fixo e ter flexibilidade para agir conforme as necessidades momentâneas do processo produtivo. Em relação a quebra do monopólio do mercado nacional de combustíveis e derivados exercidos pela Petrobrás detectamos o papel exercido pela sensação de aniquilação (fantasia da unidade) e que desencadeia mecanismos de defesas correspondentes. O mecanismo de defesa encontrado nas três unidades foi a identificação com o agressor. O superior imediato, a organização e, de forma mais abrangente, o mercado tomam o lugar do agressor em momentos diferentes dos discursos. Assim, é o superior que exige e pensa de acordo com a multifuncionalidade, que não pode ser contestado e que possui o poder de afastar o trabalhador que se rebela contra a multifuncionalidade. Em todas as unidades foram observados casos de saídas de trabalhadores dos setores, somente pelo fato de não concordarem com as mudanças na organização do trabalho. O prazer dos trabalhadores proporcionado pela organização do trabalho com base na multifuncionalidade é percebido como um prazer agressivo que dá lugar à ansiedade de aniquilação, tão logo desaparece. É o caso de conseguir recordes,tais como picos de produção, trabalhar com um contingente reduzido de pessoal durante um período, concluir uma tarefa antes do prazo combinado, aumentar a quantidade diária de tarefas executadas, diversificar ao máximo as tarefas quanto as suas especialidades técnicas, etc. Pode-se inferir que a satisfação trazida por esses recordes é resultado de um esforço e incentivo gerencial

contínuo que acaba sendo internalizado pela mão-de-obra, constituindo-se em um comportamento aceito por todos no ambiente organizacional. Alcançar recordes é o negócio da Petrobrás para mostrar que é imbatível e que merece a confiança da sociedade para continuar a exercer o monopólio do petróleo. Só que esse comportamento organizacional também molda o comportamento das suas gerências e de seus profissionais. A organização luta pelo reconhecimento externo sem, no entanto, reconhecer os desejos internos de sua força de trabalho. Não existe espaço para o reconhecimento dos desejos dos indivíduos e sim sua repressão. É dentro deste contexto que surgem as angústias, uma vez que a organização é ao mesmo tempo objeto de amor e ódio, detentora do poder de dar privilégios e aplicar sansões aos seus indivíduos (MOTTA, 1991). Por fim, confirma-se as conclusões que a adoção da multifuncionalidade é uma prática de poder (PAGÈS, 1993) que visa a subordinação dos indivíduos às metas da companhia (objetivação), a maximização do uso da força de trabalho (canalização), a separação do indivíduo do seu posto de trabalho socialmente construído (desterriorização) e a participação da força de trabalho apenas na concepção dos meios para atingir os objetivos organizacionais (abstração), diminuindo o controle direto sobre os profissionais, mas ao mesmo tempo, aumentando o controle ou supervisão à distância, dando ao trabalhador a sensação de autonomia. 13

14 BIBLIOGRAFIA BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução por Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1977. BRUYNE, P. et alii. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Livra\ria Francisco Alves Editora, 1991. COUTINHO, L. e FERRAZ, J.C. Estudo da competitividade da empresa brasileira. Campinas: Papirus, 1994. CROZIER, M. A sociedade bloqueada. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993. ENRIQUEZ, E. O vínculo grupal. In: LÉVY, A. et alii. Psicossociologia - análise social e intervenção. Perópolis: Vozes, 1994, p. 56-69. HIRATA, H. Da polarização das qualificações ao modelo de competência. In: FERRET, C.J. et alii. Novas tecnologias, trabalho e educação - um trabalho multidisciplinar. Petrópolis : Vozes, 1994, p. 124-138. LEITE, M.P. Modernização tecnológica e relações de trabalho. In: FERRET, C. J. et alii. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 36-53. LÉVY, A. A mudança: este obscuro objeto do desejo. In: LÉVY, A. et alii. Psicossociologia - análise social e intervenção. Petrópolis, Vozes, 1994, p. 113-124. MACHADO, L. R. S. A educação e o desafio de novas tecnologias. In: FERRET, C. J. et alii. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 165-184. MOTTA, F. C. P. Organizações: vínculo e imagem. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, 31 (3):5-11, jul.-set., 1991. PAGÈS, M. et alii. O poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1993. SALERNO, M.S. Trabalho e organização na empresa industrial integrada e flexível. In: FERRET, C.J. et alii. Novas tecnologias, trabalho e educação - um trabalho multidisciplinar. Petrópolis : Vozes, 1994, p. 54-76. SAMPAIO, A.M. Dicionário de Direito do trabalho. São Paulo: Editora LTR, 1993. SENGE, P. A quinta disciplina. São Paulo: Editora Best Seller, 1990.