1. Introdução. 2. Contextualização Histórica



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Transcrição:

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1. Introdução Para aqueles que diariamente se debatem com a realidade da sinistralidade laboral na construção civil, não é novidade que a prevenção no trabalho deve ser um dado adquirido de carácter permanente, tanto mais que em Portugal, a construção assume uma importância vital para o emprego e para a economia sendo, por esse motivo, apontada como o motor da economia. No entanto, e apesar da sua relevância económica, o paradoxo instala-se ao constatar-se o elevadíssimo número de acidentes de trabalho que anualmente ocorrem no nosso país, colocando-o no pódium de sinistralidade mortal da União Europeia. Estes resultados devem obrigar a uma profunda reflexão de todas as partes envolvidas, no processo produtivo. A construção civil e obras públicas tem características particulares que a diferenciam das restantes actividades produtivas, vejam-se a multiplicidade de obras (edifícios, pontes, barragens, estradas, etc.) e a complexidade de execução de algumas opções arquitectónicas, o ambiente envolvente dos locais de trabalho, o nomadismo dos estaleiros e a consequente distância do ambiente de familiar, a multiplicidade de actividades de risco e a desorganização dos locais de trabalho, a grande competição económica, o recurso a mão-de-obra temporária, etc. Estas características potenciam sem dúvida o risco, aumentando, por isso, a exigência das medidas de prevenção. Presentemente esta actividade também faz valer o recrutamento informal de mão-de-obra estrangeira, com grandes dificuldades de comunicação, não sendo também difícil deparar com situações de precariedade e clandestinidade e com a intensificação dos ritmos e das durações do trabalho. Perante esta realidade, a segurança e saúde no trabalho da construção deve envolver todos os elementos da unidade produtiva, tendo os dirigentes e quadros técnicos a responsabilidade de serem eles próprios o exemplo (um Director de Obra que não respeite as regras básicas de segurança, dissuadirá os trabalhadores do estaleiro do seu cumprimento). 2. Contextualização Histórica De uma fora geral, somos levados a pensar que as preocupações relativas à segurança no trabalho são recentes. No entanto, pelo estudo e análise de algumas peças que chegaram até aos nossos dias, somos levados a concluir que as preocupações com a segurança remontam há alguns milhares de anos, mais concretamente, desde que o Homem sentiu necessidade de usar utensílios para o auxiliarem nas tarefas que precisava de desempenhar (utilização de folhas de palma entrançadas como protecção das mãos, utilização de conchas ou ossos como dedais, etc.). Hipócrates (n. 460 A. C.), o pai da medicina moderna, foi o primeiro médico a relacionar a alimentação e o ambiente com o aparecimento de algumas doenças, nomeadamente o satumismo (que 2

resulta do envenenamento por contacto com o chumbo) que surgia com frequência nos homens que trabalhavam na extracção do chumbo. Em 1770, Bernardino Ramazzini apresentou um estudo no qual analisava o risco acrescido de contrair determinadas doenças, nos trabalhadores cujos trabalhos os obrigavam a contactar com alguns produtos químicos. Os trabalhos deste professor italiano constituíram uma referência para trabalhos posteriores e por este motivo Bernadino Ramazzini é hoje considerado o precursor da medicina profissional. Antes da era da industrialização, a produção era totalmente artesanal: o Homem controlava os meios de produção da forma mais conveniente, o que se manifestava também no controlo do risco. O século XIX e a industrialização dos processos produtivos vieram introduzir alterações profundas na sociedade: a relação Homem/utensílios de trabalho/matérias-primas modificou-se completamente, tendo como resultado o aparecimento de riscos até aí inexistentes. Os acidentes de trabalho aumentaram brutalmente (o Homem deixou de controlar o processo de produção, a carga horária de trabalho aumentou, empregavam-se mulheres e crianças nas piores condições físicas, os locais de trabalho eram insuficientes para o progressivo aumento da mão de obra, etc.), surgiram novas doenças e aumentou o número de mortos devido a acidentes de trabalho, em suma as condições de vida agravaram-se. Face a esta nova situação foram desencadeados, pelos Estados dos países mais industrializados, processos que visavam a protecção da saúde dos trabalhadores. Em Portugal, o desenvolvimento da indústria assim como as preocupações verificadas na sequência das alterações que daí advieram, também se fizeram sentir ainda que, numa primeira fase, (meados dos século XIX) sem um movimento organizado. Em 1890, o movimento operário consegue reunir um conjunto de reivindicações (vigilância sanitária das condições de trabalho, protecção no trabalho de mulheres e crianças, direito de associação) que iriam estabelecer um quadro legal de actuação autónoma. Em 1895 surgiu, em Portugal, a primeira lei de higiene e segurança no trabalho de construção civil. Nos primeiros anos do século XX, Frederick Taylor, procurando uma metodologia que conduzisse a um aumento da produtividade, cria a Escola de Administração Científica. Os estudos deste engenheiro americano baseavam-se na análise do método de trabalho (movimentos necessários para executar uma determinada tarefa, tempo necessário, etc.), desta análise partia-se para a designada Organização Racional do Trabalho que consistia na formação específica do trabalhador e na readaptação de movimentos e operações. A escola de Taylor teve o mérito de introduzir novos conceitos relativamente às condições de trabalho: a iluminação, a ventilação, a ausência de ruído, o conforto do trabalhador passaram a ser tomados em consideração, porque a melhoria destes factores resultava num aumento da produtividade do trabalhador. O progressivo aumento dos conhecimentos sobre os efeitos das 3

condições de trabalho na segurança e saúde dos trabalhadores, fez com que os responsáveis mais visionários introduzissem serviços médicos, com o objectivo de vigiar a saúde, melhorar as condições de segurança e aumentar a produtividade dos trabalhadores. Em 1916, foi criado, em Portugal, o Ministério do Trabalho e Previdência Social que integrava entre outros serviços o Laboratório de higiene profissional; higiene, salubridade e segurança nos locais de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada, em 1919, na sequência do Tratado de Paz de Versailles (este organismo passou a ser, depois da II Guerra Mundial, uma agência especializada da ONU, actualmente mantém a sua sede nas Nações Unidas e integra cerca de 150 países). Em 1929, A OIT promoveu a criação de um serviço de prevenção de acidentes de trabalho com o objectivo de caracterizar e definir riscos de acidente e doenças decorrentes das novas técnicas industriais, propondo a existência de um controlador de segurança. A II Grande Guerra e a grande procura de mão-de-obra que implicou, contribuiu também para a tomada de consciência das condições de trabalho, de tal modo que as acções que apontassem para a prevenção de riscos de acidentes foram sendo gradualmente introduzidas nas políticas de gestão das empresas. Foi a partir dos anos 50 do século XX que os Estados dos países mais desenvolvidos, promulgaram leis para reforçar acções estruturantes, no sentido de melhorar e aperfeiçoar as condições laborais. Portugal também não ficou alheio às alterações que se manifestaram nos outros países em matéria de regulamentação de segurança e saúde no local de trabalho. Em 1957, o Governo português preocupado com o elevado número de acidentes em trabalhos de construção civil, aprovou o Decreto 41 821 referente ao Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. Uma década depois, em 1967, foram aprovados os Decretos-Lei 47 511 e 47 512, relativos à criação dos serviços de medicina do trabalho nas empresas bem como a sua organização e atribuições. Estes documentos legislativos visavam fundamentalmente empresas privadas com mais de 200 trabalhadores e empresas cuja laboração implicasse risco de doença profissional (independentemente do número de trabalhadores). No entanto, esta definição normativa conduziu a que não se contemplasse um elevado número de instalações industriais e comerciais. No início da década de 70, o Bureau International du Travail (BIT) propôs a Engenharia de Segurança como uma profissão tipo (a constar nas classificações internacionais). No âmbito da política europeia, a criação do Mercado Único também motivou a alteração das orientações legislativas dos Estados-Membros, ao serem estatuídos novos e mais amplos poderes de harmonização normativa. Em 1975, a então Comunidade Económica Europeia aprovou um regulamento relativo à criação da Fundação Europeia para o melhoramento das condições de vida e de trabalho. No ano seguinte o Conselho da Europa recomendou, a todos os países membros, o desenvolvimento de 4

serviços de segurança. Na Áustria, na República Federal da Alemanha e na Bélgica os referidos serviços assumiram existência de carácter obrigatório. Foi também a partir da década de 70 que se accionou um novo modelo de actuação em que se responsabilizavam os empregadores e os trabalhadores; este modelo admitia que a prevenção nas empresas devia assentar na evolução científica e técnica, na melhoria das condições envolventes e no reconhecimento de que a novas tecnologias estariam associados novos riscos e novas formas de intervenção. Estas medidas levaram a que as confederações patronais e sindicais sentissem a necessidade de assumirem um papel activo no âmbito da definição de prioridades de actuação. Assim surgiram as Comissões de Higiene e Segurança do Trabalho. Como efeito do crescente número de acções na Europa, também a Assembleia da República Portuguesa apresentou uma proposta de lei com o objectivo de estabelecer directrizes para a criação do serviço de segurança, nos estabelecimentos industriais. Em 1981, as Convenções 155 e 164 da OIT, relativas a Segurança e Saúde dos Trabalhadores e Ambiente de Trabalho foram dois instrumentos essenciais para o novo modelo de segurança, saúde e ambiente de trabalho ao reflectirem, entre outros assuntos, no novo conceito de saúde que deve integrar o bem-estar físico, psíquico e social, segundo a definição da OMS. Com a adesão ao Mercado Único, Portugal acompanhou a evolução verificada ao nível europeu, através da transposição para o direito interno das directivas comunitárias. Assim, a aprovação do Decreto- Lei 441/91 veio dar cumprimento integral às obrigações decorrentes da ratificação da Convenção 155 da OIT e permitir adaptar o normativo interno à Directiva número 89/391/CEE. Neste decreto estabelecese que todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e de protecção da saúde. O ano de 1992 foi estabelecido, pela Comunidade Europeia, como o Ano Europeu da Segurança, Higiene e Saúde no local de trabalho. Foi ainda nesse mesmo ano aprovada a directiva 92/57/CEE, conhecida como Directiva Estaleiros referente às prescrições mínimas de segurança e saúde nos estaleiros temporários ou móveis. Esta directiva foi transposta para o direito português através do Decreto-Lei 273/2003 de 29 de Outubro. Actualmente, no sentido de diminuir a dependência em relação ao petróleo, os países que mais dele dependem os países industrializados direccionam as suas investigações para novas fontes de energia, com o consequente aparecimento de novas industrias com uma organização e distribuição física distintas das já existentes. A nova organização implica a utilização de novas ferramentas de trabalho, como os computadores que ligados em rede permitem que o trabalho de muitas pessoas possa ser feito a partir de casa, reduzindo significativamente alguns custos. Esta rápida evolução obriga a uma atenção redobrada do investimento no sector dos recursos humanos e à segurança, higiene e saúde no trabalho dos mesmos. 5

3. Os Objectivos da SHST O desenvolvimento de concepções, tecnologias e conhecimentos em matéria de SHST seguiu, em muitos casos, a evolução das preocupações dos Estados mais industrializados com os esquemas de protecção social. A preocupação com todos os grupos de trabalhadores (não apenas com os trabalhadores das actividades de risco) reflecte-se na constante evolução da legislação aplicável, por exemplo, trabalhadores do sector dos serviços saúde (riscos de contágio de SIDA, hepatite B, etc.). As empresas que interpretam as verbas disponibilizadas na área da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (SHST), na empresa, não como um custo mas como um verdadeiro investimento são, ainda, em número escasso. No entanto, as empresas que optam por este caminho, não lamentam as quantias dispendidas, por verificarem que desta forma alcançam uma série de benefícios, tais como aumento dos resultados das empresas como consequência do aumento da produtividade; a melhoria da qualidade dos produtos ou serviços prestados; a diminuição dos custos indirectos (custos devidos a paragens, perdas e defeitos de produção); a redução dos custos directos em indemnizações (devido a lesões e/ou incapacidades); a redução de custos de substituição dos trabalhadores acidentados (substituídos, em grande parte das vezes, por outros com menor produtividade); a inexistência de custos de formação com novos trabalhadores e do investimento perdido com a formação dos trabalhadores acidentados; a melhoria da imagem interna e externa da empresa, em síntese: que a prevenção é rentável. Interessa referir que, apesar do carácter aleatório das estimativas, em algumas empresas, os custos da prevenção apontam para metade do valor dos custos globais da sinistralidade e que estes representam cerca de 4% do PIB. Os grandes objectivos da SHST estão indicados no quadro3.1: 6

1 Proporcionar postos de trabalho que garantam a integridade física e psíquica dos trabalhadores 2 Aumentar a produtividade e a qualidade dos serviços e/ou produtos oferecidos pelas empresas 3 4 5 Implementar nas empresas uma filosofia de prevenção de riscos, de modo a reduzir o número de dias de trabalho perdidos, as incapacidades e as mortes Controlar os níveis de agentes nocivos a que os trabalhadores estão expostos, para que os níveis de exposição não ultrapassem valores que ponham em perigo a saúde dos trabalhadores Combater situações de inadaptação, discriminação profissional ou outro tipo de conflitos no trabalho 6 Contribuir, através da canalização das verbas resultantes da diminuição da sinistralidade, para o aumento da capacidade financeira das instituições sociais 7 Combater a concorrência desleal. Quadro 1 Objectivos da SHST 4. A Dimensão Económica da SHST A frequência da sinistralidade numa empresa permite, por um lado, apreciar o grau de importância que essa empresa atribui à gestão da segurança e por outro, detectar anomalias de funcionamento e/ou acontecimentos indesejáveis. Dificilmente se pode avaliar o custo de um acidente de trabalho. Os acidentes de trabalho bem com as doenças profissionais representam custos de difícil contabilização, devido à dificuldade que existe em apurar com rigor os componentes e a contribuição de cada um. Poder-se-á, no entanto, afirmar que independentemente do sofrimento da vítima e dos seus familiares, qualquer acidente conduz a um défice económico altamente significativo. 7

Em 1931, H. W. Heinrich demonstrou, a partir da análise de cerca de 5000 casos, que os custos dos acidentes de trabalho e doenças profissionais atingiam verbas de ordem muito superior às verbas de transferência de responsabilidade para as seguradoras, tendo defendido que os custos indirectos seriam quatro vezes superiores aos custos directos. Heinrich considerou como custo directo o montante total de indemnizações e pensões pagas pela seguradora; como custo indirecto admitiu o valor assumido directamente pela empresa (primeiros socorros, transporte do sinistrado, tempo de trabalho perdido pelo sinistrado e pelos colegas que lhe prestaram auxílio, substituição do trabalhador, retoma da actividade interrompida na sequência do acidente, perdas de produção, etc.); e como custo total definiu a soma dos custos directos e indirectos. Deste estudo, resultou uma tomada de consciência, por parte das empresas, de que seria possível obter uma redução significativa dos custos indirectos com a sinistralidade laboral, bastando para isso implementar um sistema eficaz de prevenção de riscos. Figura 1 Iceberg de Heinrich Depois deste ensaio, muitos estudos se seguiram, na Europa e nos EUA, no sentido de apurar o impacto dos custos indirectos, tendo-se constatado que a relação estabelecida por Heinrich de 1:4 (custos directos: custos indirectos), pode variar em função do número de acidentes, da gravidade do acidente, do tipo de lesão, dos riscos inerentes ao trabalho, do tipo de organização da segurança e do regime de pensões e indemnizações. Desta forma, na referida relação, a proporção relativa aos custos indirectos pode tomar valores que variam entre 4 e 50. 5. Organização dos países relativamente à sinistralidade laboral Em termos de organização dos países face à sinistralidade laboral, há países que organizam os seus sistemas através da responsabilização individual do empregador, outros fundamentam esses sistemas através da adopção de uma política de prevenção de riscos profissionais e de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais num organismo público, de registo obrigatório (quadro 5.1). 8

SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO INTERNA DOS PAÍSES RELATIVAMENTE À SINISTRALIDADE LABORAL Responsabilidade individual do Empregador Transferência de responsabilidade para a Segurança Social 1. A entidade patronal não é obrigada a transferir a responsabilidade para a Seguradora; 1. Existência de um sistema de autonomia 2. A entidade patronal é obrigada a transferir a administrativa e financeira Compensação responsabilidade para a companhia de seguros dos danos devidos a acidente de trabalho; ou para uma entidade pública; 2. Integração no sistema de Segurança 3. Existência de um fundo de reserva cuja Socialcobertura de todo o tipo de riscos. constituição é obrigatória e que cobre as obrigações do empregador. Quadro 2 Sistemas de organização dos países face à sinistralidade laboral Em Portugal, as entidades patronais são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho para empresas seguradoras (autorizadas a explorar o ramo de acidentes de trabalho), salvo se lhes for reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os respectivos riscos. De acordo com o Decreto nº 360/71, as entidades dispensadas de transferir a referida responsabilidade para seguradoras são o Estado e os seus serviços personalizados, as juntas distritais, Câmaras Municipais e serviços Municipalizados e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, geral ou local. 6. Conceito de Acidente de Trabalho Existem várias definições de acidente: Todo o incidente com potencialidade lesiva sobre as pessoas que ocorre no decurso de um trabalho, Qualquer facto que interrompe ou altera uma actividade ordenada, Um acontecimento brusco e imprevisto, não desejado que tenha como resultado um dano físico a uma pessoa ou danos e perdas à propriedade. 9

Geralmente, um acidente é um acontecimento indesejado que resulta do contacto com uma substância ou fonte de energia térmica, eléctrica, química, etc. superior à capacidade limite do corpo humano ou da estrutura, causando um dano físico e/ou danos à propriedade. De acordo com a legislação (Lei 100/97 de 13 de Setembro), é acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. A legislação também admite como acidente de trabalho, alguns acidentes que ocorram fora do local ou do tempo de trabalho e na ida e regresso do local de trabalho. De acordo com a legislação em vigor, são acidentes de trabalho os que ocorram: 1. No local e no tempo de trabalho; 2. Fora do local de trabalho, quando verificados na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou por esta consentidos; 3. No trajecto habitualmente utilizado pelo trabalhador, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou quando o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso; 4. Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade patronal; 5. No local do pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito; 6. No local onde ao trabalhador deve ser prestada qualquer assistência ou tratamento, por virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse fim; 7. Em actividade de procura de emprego, durante o crédito de horas para tal concedido. Há, no entanto casos em que o acidente pode parecer formalmente um acidente de trabalho, mas em que a legislação não o considera como tal, coexistindo, nestes casos, uma causa associada ao trabalho e uma causa que lhe é estranha. A legislação (Dec. Lei 143/99 de 30 de Abril) enuncia os casos que não se consideram acidentes de trabalho, deixando, por isso, de estarem abrangidos pelo direito à reparação. Não são acidentes de trabalho, os acidentes que: 1. Tenham sido dolosamente provocados pela vítima ou provierem de um seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; 10

2. Provierem exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima; 3. Resultarem de privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, ou se a entidade patronal ou o seu representante, conhecendo o estado da vítima, consentir nessa prestação; 4. Resultarem de caso de força maior (forças inevitáveis da natureza, independentes da intervenção humana, não constituindo risco criado pelas condições de trabalho, nem produzindo, ao executar serviço expressamente ordenado pela entidade patronal, condições de perigo evidentes). O direito à reparação, do acidente de trabalho que for caracterizado como tal, engloba as prestações em espécie (de natureza médica e hospitalar e suas complementares bem como outras prestações necessárias ao restabelecimento e recuperação da vítima) e as prestações em dinheiro (indemnizações e pensões ao sinistrado ou aos familiares da vítima, em caso da morte deste). As incapacidades na vítima resumem-se no quadro 3. ABSOLUTA (IPA) i) para todo e qualquer trabalho ii) para o trabalho habitual PERMANENTE INCAPACIDADE PARCIAL (IPP) ABSOLUTA (ITA) Indemnização diária de 70% da retribuição TEMPORÁRIA PARCIAL (ITP) Indemnização diária de 70% da redução sofrida na capacidade de ganho. Quadro 3 Classificação das incapacidades resultantes de um acidente de trabalho. 7. Participação dos Acidentes de Trabalho no quadro 4: Na participação da ocorrência de um acidente de trabalho podem verificar-se as etapas resumidas 11

PARTICIPAÇÃO DOS ACIDENTES DE TRABALHO 1. Participação por parte da vítima ou familiares beneficiários legais de pensão, à entidade patronal ou ao seu representante (no prazo de 48 horas depois da ocorrência do acidente); 2. Participação por parte das entidades patronais com a responsabilidade transferida à respectiva entidade seguradora (no prazo de 24 horas); 3. Participação à respectiva instituição de previdência (até ao dia 20 do mês seguinte ao que tenha ocorrido o acidente); 4. Participação por parte do médico de trabalho, ao delegado de saúde e ao delegado do Instituto de Desenvolvimento para as Condições de Trabalho (IDICT); 5. Participação do acidente de trabalho ao tribunal competente. Quadro 4 Modalidades de participação de acidentes de trabalho 12