OLHAR GLOBAL Inspirado no mito da Fênix, Olivier Valsecchi cria imagens com cinzas A poeira do renascimento 36 Fotografe Melhor n o 207
Olivier convida pessoas que encontra na rua ou na internet para posarem para ele Fotos: Olivier Valsecchi POR GABRIELLE WINANDY O fotógrafo francês Olivier Valsecchi usa cinzas para criar metáfora da Fênix em retratos belos e ousados Cinzas são o resultado de qualquer objeto que sofre a ação extrema do fogo. Representa, portanto, o fim de algo. Mas pode também significar o renascimento, como a Fênix, ave da mitologia grega que, quando morria, entrava em autocombustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas. Foi inspirado nesse mito que o fotógrafo francês Olivier Valsecchi, de 34 anos, criou a série I am Dust (Eu sou Poeira, em tradução livre). A ideia inicial era falar apenas de renascimento, porque ele sentia que estava renascendo desde que entrou em um curso de fotografia e descobriu as possibilidades que a área oferece. Até os 27 anos, Olivier tinha experimentado dife- Dezembro 2013 37
Para não sujar o equipamento, o fotógrafo embala sua Hasselblad H4-D40 com plástico filme rentes vertentes artísticas: gravou cerca de 200 músicas, escreveu quatro livros, traduziu outros e trabalhou em rádio. Até o dia em que resolveu transformar seu hobby em profissão. Em 2008, enquanto estava na casa dos pais durante as férias de inverno, percebeu que toda a madeira usada na lareira era reduzida às cinzas, o que lhe trouxe a imagem da Fênix, e lhe ocorreu usar o pó para expressar seu sentimento. Sabia exatamente como exteriorizar meu caos e as mudanças pelas quais eu passava. Todas as vezes que fechava os olhos, podia ver as imagens que queria fazer, conta. Idealizou então uma série de imagens com pessoas envoltas numa nuvem de cinzas. Assim que voltou às aulas de fotografia, propôs ao professor o projeto que não foi aprovado por causa dos danos que seriam causados nos equipamentos e pela sujeira que deixaria no estúdio. Fez os primeiros testes em 2009, quando 38 Fotografe Melhor n o 207
Fotos: Olivier Valsecchi já não estava mais estudando e decidiu tentar um ensaio para ver no que daria. Cobriu a Hasselblad H4-D40, que tem até hoje, com plástico filme (muito usado para embalar alimentos), chamou um modelo e fez os primeiros cliques. CASTELO DE CARTAS Em seu estúdio, Olivier trabalha sozinho com o modelo. Com uma ideia de como a foto pode ser, ele conversa com o fotografado, faz uma demonstração da posição e joga as cinzas (que sempre são de madeira) ou pede para o próprio modelo atirar o pó. Ficando boa ou não, ele nunca confia na primeira foto. Tenta outra e, ao longo das horas seguintes, reproduz o momento a maior quantidade de vezes possível. O fotógrafo compara o seu modo de trabalhar com a construção de um castelo de cartas. Cada tentativa é como se fosse uma carta do castelo. Se a imagem não fica como o esperado, é porque o castelo desmoronou. Portanto, ele desiste da ideia. Mas quando olha o monitor da câmera e o coração acelera de emoção e excitação ele sabe que conseguiu a foto perfeita e que o castelo de cartas não desmoronou. Foi o que aconteceu com a foto Time of War #8, segundo Olivier, que considera o resultado a sua obra-prima. Eu e o modelo tentamos várias ideias que não deram certo, vários castelos de cartas desmoronaram, lembra o fotógrafo. Ele diz que estava desencorajado e prestes a desistir. Tentaram pela última vez, e ficou ótima. Repetiram para aperfeiçoá-la, e ficou perfeita. Quando a foto que queria apareceu no visor, foi uma grande emoção. O coração disparou, afirma. Os modelos (mulheres ou homens) não são profissionais. São pessoas que Olivier conhece na rua, pela internet ou Cada foto é refeita várias vezes até que o fotógrafo consiga registrar a exata imagem que tem em mente Dezembro 2013 39
OLHAR GLOBAL Ao lado, Time of War #8, a fotografia é considerada pelo autor a sua obra-prima; abaixo, a obra Time of War #12 em lugares que frequenta. Procuro criar uma relação de intimidade com eles. Conversamos sobre assuntos pessoais e profissionais. Gosto que sejam únicos e espontâneos, características que quem vive disso nem sempre tem, explica. Fotos: Olivier Valsecchi ARTE NA VEIA 40 Fotografe Melhor no 207 Filho de artistas, não é surpresa que ele mesmo tenha se tornado um. A mãe é pintora e gosta de usar como inspiração as fotos que ela faz quando vê uma paisagem bonita. O pai faz esculturas de madeira, que Olivier cresceu admirando. Aos 4 anos de idade, já segurava uma câmera na mão. Mas apenas aos 27, porém, é que resolveu transformar o hobby em profissão de tempo integral. Hoje, vive em Toulouse, cidade no sul da França, e dedica todo o tempo à fotografia. Pensa em lançar um livro sobre a série I am Dust, mas ainda tem dúvidas. Quero ter certeza de que terminei o projeto antes de publicá-lo em um livro. Por enquanto, não está acabado, afirma. A intenção é fazer uma terceira parte, mas não se sente preparado. Trabalha em uma nova série, ainda sem nome, que será mais pictorial, ou seja, mais parecida com pinturas. Segundo Olivier, nenhuma foto se faz sozinha. É um processo passo a passo. Algumas pessoas gostam de pensar que há uma fórmula mágica e que não há jeito de errar quando você tem os ingredientes certos, que são basicamente uma boa luz, um bom modelo e uma grande quantidade de cinzas, explica o profissional, que não usa o Photoshop em nenhuma das imagens que produz. Se a mágica ocorre ou não, depende de várias coisas, como o olhar de quem fotografa. E o ingrediente não tão secreto é o quanto você quer fazer acontecer, pois demora horas para conseguir uma boa foto, diz. Explica que a maior sessão até hoje durou sete horas. Na foto Minotauro, da série Klecksography (termo para manchas de tinta preta em uma página branca, que já foi base para teste de detecção de esquizofrenia 4
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Nonono no nonono nono nonono nono nonono nono no nono nono nono nono nonono nononono nononono Fotos: Olivier Valsecchi Sete modelos posaram para montar a foto Minotauro, uma das mais complicadas feitas pelo fotógrafo francês Autorretrato do francês Olivier Valsecchi, que vive em Toulouse e, mais tarde, análise de personalidade, conforme a interpretação das manchas), o processo de registro da imagem foi muito difícil, já que ele precisou encontrar o ângulo específico para enquadrar a cena nessa série, ele não usa cinzas. Tentei três longas sessões, cada vez com um grupo diferente de pessoas por causa do tamanho dos modelos. Dois assistentes me ajudaram, mas até eles ficaram loucos com a complexidade da foto, confessa. Porém, depois de vários castelos de cartas malsucedidos, um deu certo. Para ele, a mensagem mais importante de seu trabalho para outros fotógrafos é que está tudo bem se você seguir o seu próprio caminho. Inquieto e perfeccionista, Olivier Valsecchi ainda tem muitas outras ideias para colocar em prática. 42 Fotografe Melhor n o 207