EFEITO DAS MODIFICAÇÕES AMBIENTAIS NATURAIS E ANTRÓPICAS NA REPRODUÇÃO DE PEIXES AMAZÔNICOS



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Transcrição:

EFEITO DAS MODIFICAÇÕES AMBIENTAIS NATURAIS E ANTRÓPICAS NA REPRODUÇÃO DE PEIXES AMAZÔNICOS (Effect of natural and anthropogenic changes in Amazonian fish reproduction) Sidinéia AMADIO 1*, Cristhiana ROPKE 1, Rodrigo NEVES DOS SANTOS 1 1 Coordenação Biodiversidade/ Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) E-mail: amadio @inpa.gov.br RESUMO Alterações de táticas reprodutivas em peixes podem ser provocadas por vários fatores como as mudanças ambientais naturais ou aquelas provocadas pela construção de grandes empreendimentos como o caso de hidrelétricas. Para verificar como as condições ambientais impostas influenciam na reprodução dos peixes, parâmetros reprodutivos populacionais como tamanho médio de primeira maturação sexual (L 50 ), menor fêmea madura capturada, tamanho máximo da fêmea (L ), tamanho relativo da primeira maturação (L 50 /L ) e intensidade reprodutiva (IR), foram determinados para assembleias de peixes de uma área não impactada de várzea e da UHE Balbina. Os resultados mostraram um padrão sazonal de reprodução durante a enchente, indicando a importância da sequência seca/enchente/cheia para o sucesso reprodutivo das espécies em ambientes de várzea e da precipitação para as espécies em reservatório. Ainda, foi observado mudança na intensidade reprodutiva da assembleia nas duas situações e nas táticas reprodutivas das espécies do reservatório. Eventos climáticos drásticos podem influenciar a atividade reprodutiva, o recrutamento e consequentemente a manutenção dos estoques pesqueiros, assim como a interrupção do curso natural de um rio pode provocar mudanças nas táticas reprodutivas de espécies como mecanismo adaptativo ao novo ambiente. Palavras-chave: peixes da Amazônia, táticas reprodutivas, plasticidade fenotípica 27 a 29 de junho de 2012. 188

ABSTRACT Changes in reproductive tactics in fishes can be caused by several factors such as natural climate changes or those caused by the construction of large projects as it is the case of hydroelectric plants. In order to evaluate environmental conditions on fish reproduction, a few reproductive parameters such as size at first maturation (L 50 ), smallest ripe female captured, maximum female size (L ), relative size at first maturation (L 50 /L ) and reproductive intensity (IR) were determined for fish assemblages in a non impacted floodplain area and in a neotropical reservoir, Balbina hydroelectric plant. The results showed a seasonal pattern of fish reproduction during the rising of the water and indicate the importance of the flood pulse to the reproductive success of species in the floodplain as well as precipitation for the species in the reservoir. Still, changes in the reproductive intensity in both sites and in the reproductive parameters of the reservoir fishes could be observed. Drastic climate events may influence the reproductive activity, recruitment, and consequently the maintenance of fish stocks, as well as the interruption of the natural course of a river can cause changes in the reproduction of species as an adaptive mechanism to the new environment formed. Key-words: Amazonian fishes, reproductive tactics, phenotypic plasticity INTRODUÇÃO Alterações de táticas reprodutivas em peixes são provocadas por vários fatores como as mudanças nas características abióticas locais ou mesmo sobrepesca (Lowe- McConnell, 1999). Eventos cíclicos na vida dos peixes, como a desova, podem ser determinados por alguns parâmetros abióticos como a temperatura (Moresco & Bemvenuti, 2006) ou físicos como o pulso de inundações (Vazzoler, 1996). Entretanto, ocorrências climáticas não previsíveis e de grande intensidade também podem estar relacionadas a alterações nos eventos reprodutivos de espécies ou da comunidade de peixes, estabelecendo variações temporais naturais (Amadio & Zuanon, 2011). Além deste cenário, condições ambientais artificiais como aquelas causadas pela construção 27 a 29 de junho de 2012. 189

de reservatórios podem provocar mudanças de habitat, com consequências para a composição e estrutura das populações de peixes (Agostinho et al., 1992). Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi verificar as alterações na atividade reprodutiva das espécies de peixes, decorrentes de dois tipos de impactos ambientais: eventos climáticos naturais e mudança ambiental antrópica pela construção de reservatórios. MATERIAL E MÉTODOS Neste estudo foram utilizados exemplares provenientes do lago Catalão, uma área de várzea da Amazônia Central com baixos índices de impactos antrópicos e do rio Uatumã, impactado pelo barramento do rio para a implantação da UHE de Balbina. Os peixes foram capturados mensalmente no lago Catalão e bimestralmente na área de influência do reservatório, com um conjunto padronizado de redes de espera (malhadeiras) imersas por 24 horas, com despescas a cada seis horas. Após a identificação dos exemplares, as seguintes informações foram anotadas: comprimento padrão em milímetros; peso em gramas e determinação macroscópica do sexo e estádio de desenvolvimento gonadal (Brown-Peterson et al., 2011). As análises para o lago Catalão basearam-se numa série temporal de dados de dez anos (seca de 1999 a vazante de 2010) e para a UHE Balbina, nas fases prébarramento (1985) e pós-barramento (2005). Foram consideradas variações sazonais entre os períodos hidrológicos de acordo com Bittencourt & Amadio (2007), utilizando os peixes do lago Catalão, variações temporais e espaciais nos dois locais considerando o reservatório e trecho à jusante, durante a fase pós-barramento. As táticas reprodutivas selecionadas foram o tamanho médio de primeira maturação sexual (L 50 ), menor fêmea madura capturada, tamanho máximo da fêmea (L ), tamanho relativo da primeira maturação (L 50 /L ) e intensidade reprodutiva (IR) segundo métodos descritos em Merona et al. (2009) e Vazzoler et al. (1997). Ainda, o índice de Bray-Curtis, convertido em valores de similaridade foi utilizado para comparar a fauna entre as várias situações. 27 a 29 de junho de 2012. 190

RESULTADOS E DISCUSSÃO Para o lago Catalão os resultados mostraram um padrão sazonal de maior atividade reprodutiva durante o período da enchente, com a participação de 40% das espécies, em sua maioria Characiformes e Siluriformes e da seca, com 25%, das espécies representadas, em sua maioria, Characiformes e Perciformes. Esse resultado encontra-se dentro dos padrões gerais relatados por Menezes & Vazzoler (1992) em referência à influência do nível fluviométrico na delimitação do período reprodutivo para peixes de várias regiões da América do Sul, incluindo a Amazônia. Para a UHE Balbina também houve uma sincronia no período reprodutivo das espécies, entretanto, esse padrão foi associado à pluviosidade (p<0,05), uma vez que a barragem promoveu a estabilização do nível hidrológico. No Lago Catalão os maiores valores de intensidade reprodutiva ocorreram entre os anos de 1999 e 2004 e coincidiram com secas e cheias mais curtas e enchentes mais prolongadas. A IR anual diminuiu drasticamente após a seca de 2005, sendo que o menor valor registrado coincidiu com o ano hidrológico de 2005/2006, cuja seca (105 dias) e cheia (161 dias) foram as mais longas, e a enchente (62 dias) a mais curta registrada para a última década (Tab. 1). As análises de correlação entre IR e a duração da seca (p=0,0085) e cheia (p=0,0078) foram significativas, mostrando uma relação inversa entre as duas variáveis; os resultados para enchente e vazante não foram significativos, embora exista uma clara tendência de relação direta entre IR e duração da enchente. Para as demais táticas reprodutivas não houve variações temporais significativas. A similaridade da assembleia de peixes se manteve em 70%, indicando que a flutuação observada na IR não foi em decorrência da mudança de espécies no local. Os resultados referentes à UHE Balbina mostraram que o valor de IR no reservatório foi superior (1,42) ao registrado para a fase pré-barramento (1,15). Considerando que a similaridade da fauna encontrada entre as duas fases foi somente de 12%, aparentemente essas espécies encontraram condições favoráveis para a sua manutenção no reservatório e o aumento observado na IR reflete o sucesso da colonização do novo ambiente formado. Esses valores estão entre os encontrados por 27 a 29 de junho de 2012. 191

Vazzoler et al. (1997) para a ictiofauna da planície de inundação do alto rio Paraná (0,1 a 1,4). Tabela. 1. Valores de IR e CPUE com os respectivos testes t antes e depois da seca extrema de 2005. Ano IR/CPUE média t Período 1999/2000 1,3661/12 IR 1,3706 2000/2001 1,4347/15 2001/2002 ----- 2002/2003 1,2727/12 2003/2004 1,4090/13 2004/2005 1,0322/10 2005/2006 0,7540/12 2006/2007 0,9662/10 2007/2008 0,8476/11 2008/2009 1,0120/10 IR 0,9224 IR 6,627 p<0,001 Seca (73 dias) Cheia (122 dias) Enchente (114 dias) Vazante (56 dias) Seca (105 dias) Cheia (161 dias) Enchente (62 dias) Vazante (41 dias) Figura 1. Variação temporal dos valores de IR da assembléia de peixes do Catalão. A seta indica a ocorrência da seca extrema em 2005. S=Seca; E=Enchente; C=Cheia; V=Vazante acompanhado dos respectivos anos hidrológicos. 27 a 29 de junho de 2012. 192

Além de alterações no IR, o tamanho médio dos exemplares da maioria das espécies diminuiu após o barramento do rio Uatumã, tanto no reservatório quanto à sua jusante (Tab. 2). Foi possível observar um padrão no tamanho relativo da primeira maturação; as espécies na fase pré-barramento atingiram a maturidade sexual com um tamanho correspondente a 68% do tamanho máximo para a espécie, mas esse valor aumentou para 75% para as espécies atualmente encontradas à jusante do reservatório e permaneceu o mesmo para as espécies que ocorrem no reservatório, ou seja, 68%. Considerando que de maneira geral as espécies à jusante do reservatório atingem tamanhos máximos e de maturidade sexual menores, essa estratégia de investir mais tempo e energia no crescimento somático possivelmente seja no sentido de aumentar a cavidade abdominal com consequente aumento na fecundidade, uma vez que a mesma está diretamente relacionada à capacidade corpórea de armazenar um maior número de ovócitos. As modificações encontradas nas táticas reprodutivas selecionadas para as duas situações de alterações ambientais indicaram que as assembleias de peixes não respondem de maneira igual: apresentam alterações em táticas diferentes, promovendo a melhor adaptação às condições vigentes. Situação similar de variações de características reprodutivas em ambiente alterado foi registrada por Merona et al. (2009), quando investigou a ictiofauna de dois reservatórios neotropicais de diferentes idades, Petit- Saut (14 anos de existência), na Guiana Francesa, e outro mais antigo (44 anos), Brokopondo, no Suriname. Os resultados ainda indicam claramente a necessidade de maior conhecimento sobre a funcionalidade dos sistemas aquáticos e capacidade de adaptação dos organismos por meio de séries temporais de dados. 27 a 29 de junho de 2012. 193

Tabela 2. Valores de comprimento máximo de fêmea (L ), menor fêmea madura (L <Frdp ), comprimento padrão médio (Ls médio ) e tamanho relativo da primeira maturação (L <Frpd /L ) de exemplares das espécies capturadas antes e após o barramento do rio Uatumã, AM, Brasil. (*) indicam diferença significativa ao nível de 0,05% do comprimento médio para as três situações. RIO UATUMÃ PRÉ RIO UATUMÃ PÓS RESERVATÓRIO Espécie L L <Frdp Ls médio L <Frpd /L L L <Frdp Ls médio L <Frpd /L L L <Frdp Ls médio L <Frpd /L Acestrorhyncus falcirostris 339 260 192 77 270 185 194 68 Acestrorhyncus grandoculis 122 117 106 96 133 Acestrorhyncus microlepis 202 135 132 67 167 115 136 69 Agoniates halecinus 210 146 164 69 237 158 165 67 230 138 145 60 Auchenipterichthys longimanus 150 85 127* 57 145 77 111 53 123 100 87 81 Bryconops alburnoides 137 137 126 100 130 97 103 75 Bryconops caudomaculatus 116 93 90 80 120 72 97 60 Caenotropus labyrinthicus 190 110 143* 58 148 106 105 72 Catoprion mento 132 110 97 83 102 57 Chalceus epakros 176 140 140* 79 150 107 123 71 Curimata ocellata 305 195 206 64 Cyphocharax plumbeus 113 65 81 57 Geophagus altifrons 186 109 164* 59 200 116 155 58 190 130 143 68 Hemiodus argenteus 185 138 155 74 214 143 132 67 Hemiodus atranalis 96 92 101 75 84 74 Hemiodus immaculatus 190 161 143 85 Hemiodus microlepis 200 170 150 85 165 112 Hemiodus unimaculatus 213 155 153 73 Hydrolycus tatauaia 385 265 286 69 Hypophthalmus fimbriatus 287 253 258 88 Hypophthalmus marginatus 320 138 267 43 Laemolyta taeniata 285 208 214* 73 227 161 191 71 Leporinus agassizi 330 230 258 70 Leporinus fasciatus 350 225 247* 64 234 203 193 87 Metynnis hypsauchen 125 102 116 82 127 72 102 57 Moenkhausia lepidura comprida 67 61 79 63 68 80 Moenkhausia lepidura curta 65 56 57 86 Myleus rubripinnis 204 120 166 59 Plagioscion squamosissimus 400 240 252* 60 327 170 200 52 330 238 208 72 Serrasalmus elongatus 250 220 88 Serrasalmus rhombeus 330 160 212* 48 224 137 357 200 141 56 Sorubim elongatus 310 230 238 74 Triportheus albus 240 200 186* 83 191 140 154 73 27 a 29 de junho de 2012. 194

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