O imprescindível aumento da progressividade do sistema tributário brasileiro



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Transcrição:

O imprescindível aumento da progressividade do sistema tributário brasileiro Marcos de Aguiar Villas-Bôas Conselheiro da Primeira Seção do CARF Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, Mestre em Direito Público pela UFBA Advogado (licenciado) O preparado economista Bernard Appy publicou um texto no Estadão em 24 de agosto de 2015 1, por meio do qual fez uma bela análise do Imposto de Renda da Pessoa Física, clamando pelo aumento da sua progressividade via tributação dos dividendos nas empresas sujeitas ao lucro presumido e ao Simples, e via tributação das diferenças entre a tributação na fonte dos Juros sobre Capital Próprio e a tabela progressiva do IRPF. Concordo com boa parte do que foi dito por Appy no seu texto e irei me ater àquilo de que discordo. Farei isso não pela mera intenção de discordar, mas para aprofundar no debate de uma tema de suma importância para o país. Como já haviam notado Sergio Gobetti e Rodrigo Orair 2, a publicação de dados de alguns anos das declarações do IRPF pela Receita Federal possibilitou conclusões mais concretas acerca da nociva regressividade da tributação brasileira da renda. Isso mesmo. Por mais absurdo que possa parecer, o imposto que é progressivo por natureza, e que dá o tom mais forte de progressividade na grande maioria dos países desenvolvidos, sequer é progressivo no Brasil. Apesar de haver uma tabela progressiva do IRPF, a isenção dos dividendos e o tratamento dado ao JCP, assim como aos ganhos de capital 3, provoca uma regressividade no sistema. Muitos ricos 1 APPY, Bernard. Tributação e distribuição da renda. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tributacao-e-distribuicao-de-renda--imp-,1749404>. 2 GOBETTI, Sérgio; ORAIR, Rodrigo. Jabuticabas tributárias e a desigualdade no Brasil. Disponível em: <http://www.valor.com.br/colunistas/sérgio%20gobetti%20e%20rodrigo%20orair>. Acesso em: 2. set. 2015. 3 Esse tema não foi abordado por Appy, mas as melhores teorias e práticas estrangeiras indicam que os ganhos da capital deveriam ser tributados normalmente dentro da tabela progressiva do IRPF, evitando que os retornos da riqueza, normalmente muito maiores nas declarações dos mais ricos, sejam tributados de forma minorada, e evitando que os ganhos de capital de pessoas pobres sejam tributados por uma alíquota única e definitiva de 15%, quando, talvez, poderiam ser tributados de forma minorada.

terminam pagando menos imposto do que os mais pobres, se avaliarmos a proporção entre a renda recebida versus a quantidade de imposto pago num dado período. Apesar de concordarmos, no geral, quanto à necessidade de combater a pouca progressividade do IRPF, tenho duas discordâncias em relação ao texto de Appy. A primeira diz respeito à premissa de que o sistema já tributa bastante a renda dos empregados, indicando uma provável conclusão, não claramente expressa no texto, de que não se deveria aumentar a progressividade da tabela do IRPF brasileiro. A segunda refere-se à conclusão de que os sócios das empresas no lucro real (tributados, em regra, a 34%) não deveriam ter os seus dividendos atacados pelo IRPF. Appy diz haver uma falha nos estudos brasileiros que defendem um aumento da progressividade do IRPF por meio da elevação das alíquotas marginais, pois os trabalhadores já pagariam muitos tributos incidentes sobre a folha de pagamento. Apesar de ser verdade que a folha de pagamento poderia ser um pouco mais desonerada, quando somamos o IRPF e os tributos incidentes sobre a folha, os brasileiros mais ricos ainda estão sujeitos a uma carga muito menor do que os indivíduos mais ricos de países mais desenvolvidos. Não é difícil comprovar o afirmado acima. Não compreendo como Appy chegou ao valor aproximado de R$ 12.000,00 (40%) em tributos que seriam pagos por um trabalhador que aufere uma remuneração de R$ 30.000,00. Ao calcular o IRPF, muitos não lembram que ele incide progressivamente ao longo da tabela, sendo cada alíquota aplicada até o teto da faixa, de modo que o percentual de 27,5% só incidirá a partir do valor do teto da última faixa, que é R$ 4.664,68. Antes mesmo de verificar qual a alíquota da tabela que incide sobre a renda, é preciso fazer a dedução das despesas. Pelo desconto simplifcado, que é mais usado pelos brasileiros do que as deduções legais, pode-se deduzir um valor mensal máximo, neste ano de 2015, de R$ 1.323,41 (R$ 15.880,89 / 12 meses). Há basicamente duas formas de calcular o IRPF devido. É possível tributar faixa por faixa (isento até R$ 1.903,98; 7,5% até R$ 2.826,65; etc.) e somar os valores, ou, aproveitando o cálculo já feito pela Receita Federal do Brasil, tributa-se a remuneração bruta (ex. R$ 30.000,00), subtraída da dedução (R$ 1.323,41), por 27,5% e, então, diminui-se o resultado do valor previamente calculado pela RFB (R$ 869,36), que se refere à diferença de tributação da faixa na qual o contribuinte se

encontra em relação às alíquotas e tetos das faixas mais baixas. Em suma: (R$ 30.000,00 R$ 1.323,41) x 27,5% - R$ 869,36 = R$ 7.016,70. Explicando em outras palavras o cálculo acima, os brasileiros pagam muito menos IRPF do que muitas vezes acreditam que pagam. As alíquotas efetivas são menores (ou muito menores) do que as marginais. O indivíduo remunerado com R$ 30.000,00, que acredita ser tributado efetivamente por 27,5%, o que totalizaria R$ 8.250,00, apenas é tributado efetivamente por um pouco menos de 23,5% (R$ 7.016,70). E a alíquota efetiva cai muito mais na medida em que a remuneração é reduzida. Com a contribuição previdenciária acontece algo parecido. Muitas pessoas pensam que têm de pagar 11% sobre a sua remuneração, mas os 11% incidem apenas até o teto previsto na tabela atualizada anualmente. A tabela da contribuição é diferente da tabela progressiva do IRPF. Ela não é progressiva e há um limite de tributação. O indivíduo que ganha R$ 5.000,00 e o que ganha R$ 30.000,00 pagam exatamente o mesmo valor em termos de contribuição previdenciária, que é R$ 4.663,75 (teto) x 11% = R$ 513,00. Voltando ao nosso exemplo da remuneração de R$ 30.000,00, o valor pago pelo trabalhador corresponde efetivamente a um pouco mais de 1,7% do seu salário. Lembre-se que as contribuições sobre a folha custeiam inúmeros benefícios, como a aposentadoria, benefício por acidente ou doença, o sistema S (SESI, SENAI, SENAC) de treinamentos etc. Se a CF/88 decidiu estabelecer um Estado Democrático Social, com o oferecimento de inúmeros benefícios à população, especialmente à mais pobre, é preciso tirar o dinheiro de algum lugar para pagar todas essas iniciativas. Ainda dentro do exemplo de Appy, se somarmos o IRPF à contribuição paga ao INSS, o total é R$ 7.016,70 (IRPF) + R$ 513,00 (INSS) = R$ 7.529,70, o que representa um pouco menos de 25,5% de R$ 30.000,00. Talvez Appy tenha considerado também no seu cálculo as contribuições pagas pela empresa sobre a folha de pagamento, mas, atualmente, a contribuição do empregador sequer é paga sobre a folha de pagamento na ampla maioria dos casos, pois ela passou a ter como base de cálculo a receita da empresa. Se considerarmos as contribuições para o sistema S e uma alíquota máxima de 3% de GIIL-RAT, nem assim é possível chegar sequer perto do valor de R$ 12.000,00 apontado por Appy no seu texto.

Se compararmos o que é pago pelos trabalhadores brasileiros em termos de IRPF e contribuição previdenciária, os mais afortunados pagam, de qualquer forma, muito menos do que os indivíduos da mesma classe nos países mais desenvolvidos do mundo. Vide a tabela abaixo na qual comparo o Brasil com os 5 países nórdicos e com mais 9 países bastante desenvolvidos: Países IRPF ou Individual Income Tax Contribuição previdenciária ou Payroll Tax Brasil 0%-27,5% 8%, 9%, 11% (emp.) e 20% (aut.) Suécia 0%-59,7% 7,45% (emp.) e 7,66% (aut.) Tributação sobre remuneração dos empregados 11%-38,5% 7,45%-67,15% Dinamarca 46,03%-61,03% até 2% 48,03%-63,03% Finlândia 7,71%-61,96% 5,5% (<53 anos) e 7,05% (>53 anos) 13,21% ou 14,76%-67,46% ou 69,01 Islândia 0%-46% 4% (emp.) e 7.79% (aut.) Noruega 0%-47,2% 8,2% (emp.) e 11,4% (aut.) Canadá 0%-50% (+ 4,95% ou 5,1% adicional) (emp.) 9,9% ou Estados Unidos 10%-39,6% (fed.), 0%- 13,3% (est.), 0-3% (mun.) 10,2% (aut.) 6,2% (emp.), 12,4% (aut.) 4%-50% 8,2%-55,4% 4,95% ou 5,1% 54,95% ou 55,1% 16,2%-62,1% Reino Unido 0-45% 9% + 2% (base>41,865) 9% ou 11%- 54% ou 56% Holanda 0-52% 18,5% 18,5%-70,5% Luxemburgo 6%-52,45% 8% (emp.) e 14%-60,45% 16% (aut.) Alemanha 0%-45% 9.45% (emp.) e 9,45%-45% 18.9% (aut.) França 0%-45% 7,05% (emp.) e 7,05%-45% 0% (aut.) Nova Zelândia 10,5%-33% 0% 10,5%-33% Austrália 0-49% 0% / contr. apenas voluntária 0-49% Não se pode tomar os percentuais em questão de forma simplista, pois eles precisam ser analisados de acordo com cada regime, com os valores das faixas, com limites para tributação pelas contribuições etc. Considerados todos esses aspectos, as alíquotas efetivas costumam ser bem menores do que essas da tabela.

De qualquer forma, a tabela é bastante ilustrativa e permite algumas ilações. Os percentuais demonstram que, mesmo quando se soma IRPF e contribuição previdenciária, ainda assim a tributação da renda do trabalhador brasileiro é muito menor do que a dos países desenvolvidos, sobretudo quando se sobe a pirâmide. A Nova Zelândia é a única exceção, país no qual o aumento da progressividade tem sido objeto de discussão, mas é preciso considerar que a desigualdade socioeconômica neozelandesa é infinitamente menor do que a brasileira, o que tende a justificar uma progressividade menor. Mesmo assim, boa parte dos maiores economistas do mundo, inclusive vários vencedores do Prêmio Nobel, defendem tributações da renda com alíquotas máximas que superam 60%, 70% e 80% nos países mais desenvolvidos. Praticamente todos os países tributam a renda do trabalhador com uma alíquota máxima acima de 50%, enquanto que o Brasil sequer chega a 40%. Mesmo que fossem somados os tributos pagos pela pessoa jurídica sobre a folha de pagamento, que não reduzem diretamente a remuneração do trabalhador, mas apenas indiretamente, ainda assim o Brasil tributaria menos do que todos os países da tabela, com exceção da Nova Zelândia. Sem falar que praticamente todos esses países também exigem tributos da empresa sobre a folha de pagamento, ainda que em percentuais pequenos. Pelas razões acima, juntamente com a tributação dos dividendos, deveriam ser criadas ao menos mais duas faixas na tabela progressiva do IRPF brasileiro, para que sejam tributadas com alíquotas mais pesadas as rendas mais altas, a exemplo daquelas acima de R$ 10.000,00 (ou R$ 15.000,00) e R$ 20.000,00 (ou R$ 30.000,00). O cálculo desses valores dependerá de uma análise econômica da elasticidade de renda dos indivíduos mais afortunados, de modo a encontrar grandezas que gerem maior justiça no sistema, sem que o trabalho dessas pessoas seja gravemente desincentivado. Com essa modificação, a classe baixa e a maior parte da classe média não seriam atingidas, mas apenas a parte bem alta da classe média e a classe alta, aquele pequeníssimo percentual de pessoas mais ricas do país. Com uma tributação adequada dos dividendos, dos ganhos de capital e dos JCP; enfim, o Brasil começaria a caminhar para uma tributação justa da renda, e isso com um aumento bastante significativo de arrecadação, importantíssimo para a União no presente momento.

Além de discordar de Appy em relação à necessidade de aumento da progressividade das alíquotas marginais do IRPF, também não concordo com a sua conclusão de que os sócios das empresas do lucro real não deveriam ter os seus dividendos tributados. Em muitos casos, as empresas gozam de incentivos fiscais que reduzem seus lucros ou têm prejuízos fiscais acumulados. Pode acontecer de serem distribuídos dividendos consideráveis, ao passo em que a empresa paga IRPJ com valores baixos. O regime hoje conhecido que me parece realmente eficiente e justo é aquele adotado por alguns dos países mais desenvolvidos do mundo, como Austrália 4, Nova Zelândia 5 e Malta 6. Outros países como Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) 7 e Canadá 8 utilizam sistemáticas de crédito, porém distintas. De acordo com a sistemática australiana, tributa-se o lucro da PJ e os dividendos da PF, mas imputa-se à PF créditos proporcionais ao tributo pago pela PJ 9. Com essa sistemática, evita-se distorções que ocorreriam com a tributação dupla da PJ e da PF. Sem a imputação de créditos, as alíquotas para tributação dos dividendos deveriam ser menores do que as existentes na tabela progressiva. Isso produziria novas situações injustas, como, por exemplo, a de um sócio de empresa no lucro real que, apesar de gerar um alto lucro líquido, os zera com incentivos e prejuízos fiscais. A empresa não seria tributada por IRPJ/CSLL e o sócio teria os seus dividendos tributados com alíquotas mais baixas do que as normais. Não há como negar que o lucro da PJ é lucro da PF, ainda que ele possa ser reinvestido na PJ. Contabilmente, lucros acumulados são registrados, inclusive, no Patrimônio Líquido, parte do Balanço Patrimonial que representa as dívidas da PJ perante os seus sócios. Tributar o lucro da PJ é tributar o lucro do acionista, o que não quer dizer, de modo algum, que os dividendos devam ser isentos, como acontece no Brasil. 4 Ver, por exemplo: <https://www.ato.gov.au/individuals/tax-return/2015/tax-return/incomequestions-1-12/11-dividends/>. 5 Ver, por exemplo: <http://www.ird.govt.nz/rwt/receiving/interest-dividends/rwt-int-div.html>. 6 Ver, por exemplo: <http://www.3amalta.com/en/articles/item/105-tax-refunds-and-dividend-taxationin-malta.html>. 7 A sistemática do Reino Unido não me parece ser tão interessante quanto à australiana e à neozelandesa. Ver, por exemplo: <https://www.gov.uk/tax-on-dividends/overview>. Acesso em: 2. set. 2015. 8 Ver, por exemplo: <http://www.fin.gov.on.ca/en/credit/dtc/>. 9 Já publiquei texto anterior no qual explico melhor a sistemática de créditos que sugiro para o Brasil: <http://www.conjur.com.br/2015-mai-04/marcos-villas-boas-dividendos-deveriam-tributadosaustralia>. 2. set. 2015.

Acima de tudo, é muito importante que esses temas estejam em discussão. É curioso como surgem discussões a respeito da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas IGF, de uma eventual nova Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras CPMF, do aumento do imposto sobre heranças (ITCMD), mas quase nada se fala sobre o aumento da progressividade da tributação da renda, seja pela elevação das alíquotas incidentes sobre os mais ricos, seja pela tributação dos dividendos, seja por qualquer outro meio. O sucesso socioeconômico do Brasil depende de uma tributação mais adequada, que torne possível custear os gastos do Estado sem onerar excessivamente nenhum indivíduo, ou seja, respeitando as elasticidades de riqueza e renda de cada um, o que significa tributar mais os ricos e menos os pobres.