O MUNDO DO TRABALHO: concepções e historicidade



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UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI O MUNDO DO TRABALHO: concepções e historicidade 1 Hilderline Câmara de Oliveira 1 Joseneide Sousa Pessoa dos Santos 2 Eduardo Franco Correia Cruz 3 RESUMO Em cada conjuntura o trabalho assume significados próprios. Neste estudo, refletiremos sobre o entendimento de trabalho, buscando situá-lo na sua historicidade, tendo como referência, os clássicos Karl Marx, Hegel e autores brasileiros que assumem igual perspectiva como Antunes, Matoso e que discutem o trabalho, como categoria central na sociabilidade humana. Palavras-Chave: Mundo do trabalho. Historicidade. Sociabilidade. ABSTRACT In each conjuncture the work assumes proper meanings. In this study, we will reflect on the work agreement, having searched to point out it in its historicity, having as reference, the Brazilian classics Karl Marx, Hegel and authors who assume equal perspective as Antunes, Matoso and that they argue the work, as central category in the sociability human being. Key-words: World of the work. Historicity. Sociability. 1 INTRODUÇÃO Ao fazermos uma retrospectiva histórica, observamos que o trabalho constituise, um importante se não o principal determinante da formação das sociedades, sendo o meio através do qual o homem constrói o seu ambiente e a si mesmo de acordo claro com as reais condições que dispõe, pois, o trabalho está na base de toda sociedade, seja ela qual for, estabelecendo as formas de relações entre os indivíduos; entre as classes sociais; criando relações de poder e propriedade; determinando, assim, o ritmo do cotidiano do trabalhador e da própria sociedade. Consideramos necessário discutir concepções e historicidade do trabalho no contexto brasileiro, mostrando e discutindo o trabalho humano enquanto um dos focos essenciais da vida do indivíduo e, em qualquer tipo de sociedade, sem, no entanto, esquecer de discutir a finalidade do trabalho e situar o aspecto formação e qualificação profissional categoria central no processo contemporâneo de reinserção no mercado de trabalho. 1 Doutoranda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN(CCHLA) 2 Doutoranda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN(CCSA) 3 Mestrando. Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN(CCHLA)

2 Para este estudo, nos respaldamos teoricamente no conceito marxista de trabalho, abordando autores como: Marx, Hegel, Iamamoto, Antunes e Matoso. Para tratar da questão da exclusão social, buscamos referência em Martins e Dupas, utilizando, dessa forma, tanto os autores clássicos como os contemporâneos. 2 CONCEPÇÕES E HISTORICIDADE DO MUNDO DO TRABALHO Conforme a concepção Hegeliana, o trabalho é uma relação peculiar entre homens e os objetos, na qual se unem o subjetivo e o objetivo, o particular e o geral, e que se concretiza através dos instrumentos de trabalho, sendo esses mediadores entre o homem e a natureza. Diante dessa visão, para Hegel, o trabalho se confunde com um processo de transformação; pois, no que produz, o homem se reconhece e é reconhecido, além do que, a ele, revela-se a relação social existente em que se dá sua produção. Por conseqüência, é que, da utilização dos instrumentos de trabalho, cria-se à relação dos homens com outros homens e com a natureza. Na visão de Karl Marx, o homem é o primeiro ser que conquistou certa liberdade de movimentos em face da natureza. Através dos instintos e das forças naturais em geral, a natureza dita aos animais o comportamento que eles devem ter para sobreviver. O homem, entretanto, pelo seu trabalho, conseguiu dominar em parte as forças da natureza colocandoas a seu serviço. (MARX, 1989). Para Karl Marx, a essência do ser humano está no trabalho, pois através deste o homem transforma a natureza; trabalhando, o homem se relaciona com outros homens, produz máquinas, obras de artes, cria instituições sociais, crenças religiosas, hábitos diferentes, modos de vida específicos, adquirem novas potencialidades e capacidades, se socializa. Assim, o que os homens produzem é o que eles são. O homem é o que ele faz e a natureza dos indivíduos depende, portanto, das reais condições materiais e do modo como os homens se relacionam socialmente no processo de produção que determinam sua atividade produtiva e o tipo de sociedade que existirá. (MARX, 1989). Para Marx, o trabalho é o fator que faz a mediação entre o homem e a natureza, sendo a expressão da vida humana. Logo, através dele, altera-se a relação do homem com o meio. É o esforço do homem para regular seu metabolismo com a tão rica natureza, (MARX, 1989). Dessa forma, ao transformar a natureza, o homem transforma-se a si mesmo, onde o processo de trabalho corresponde à realização de um trabalho concreto e real que gera valor de uso, para o qual contribuem elementos fundamentais: o primeiro é o trabalho propriamente dito seu objeto que é por excelência a matéria bruta fornecida pela natureza; o outro é o meio de trabalho, os instrumentos que servem para produzir algo.

3 Assim, O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens (IAMAMOTO, 2001). Entendemos que esses elementos se tornam essenciais e fundamentais em qualquer processo de trabalho, e assim, tornando o labor elemento imprescindível na vida de qualquer indivíduo, para que este possa suprir suas necessidades e também, enquanto elemento que dignifica o homem na sociedade na qual está inserido e, portanto, fazendo parte da sua estrutura sócio-econômica, cultural, dentre outras. Desse modo, o homem e a natureza participam igualitariamente do processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla o intercâmbio material com a natureza e entre si. No entanto, é relevante não esquecer que o processo de trabalho tem por objetivo principal atender às necessidades da sociedade, através das mercadorias e dos serviços. Cabe, ressaltar que o trabalho humano tem uma qualidade específica e distinta de um mero labor animal, já que os animais também trabalham e produzem, somente para atender às exigências práticas imediatas, exigências materiais diretas dos mesmos ou de seus filhotes, portanto, não podendo ser livres ao trabalharem, pois a atividade dos mesmos é determinada unicamente pelo instinto ou pela experiência limitada que podem ter. O que ocorre ao homem é diferente. Anterior à realização de seu trabalho, o homem é capaz de projetá-lo em nível de sua consciência. Nesse sentido, Marx (1984, p.202) afirma: o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha, é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade, ou seja, a capacidade de definir meios diversos que possibilitam o alcance de seu objetivo. Isso é o que torna o trabalho do homem propriamente humano: o projeto e a visão antecipada do produto; ou seja, o homem ao participar de um processo produtivo, já sabe qual deve ser o seu produto final, pois todo processo de produção, cuja finalidade está voltada para o consumo e demandas de um determinado grupo social, é projetado e planejado. Por ser o trabalho humano distinto do trabalho dos animais é que o homem modifica a natureza de acordo com suas possibilidades. E para aumentar o seu poder sobre esta, o homem passa a utilizar instrumentos, acrescenta meios artificiais de ação aos meios naturais de seu organismo multiplicando-se enormemente a capacidade do trabalho humano de transformar o próprio homem. O que Marx observa na História é à evolução gradativa do trabalho, naquilo que corresponde à evolução do homem e a necessidade de suprir suas necessidades frente ao meio do qual faz parte. Ao longo da história e na atual conjuntura, o trabalho e as relações de trabalho vêm sofrendo mudanças significativas decorrentes, em grande parte, de transformações que afetam a economia e o modo da produção, estabelecendo uma nova cultura de trabalho.

4 O mundo do trabalho é perpassado por várias transformações sejam elas nas esferas tecnológicas, organizacionais, estruturais e/ou conjunturais. Observamos uma dinâmica, que segundo Antunes (1995), verifica-se de um lado uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, manual, especialmente nos chamados países de capitalismo avançado o que, na prática, expressa uma diminuição crescente da classe operária, ao mesmo tempo em que se materializa a terceirização do trabalho com base na absorção do assalariamento no setor de serviço (sem contar que a incorporação crescente da mulher no mercado de trabalho, requalifica a composição do trabalho, dando-lhe contornos de profunda heterogeneidade). Por outro lado, efetiva-se uma subproletarização do trabalho, redimensionando elevados contingentes rumo a precarização do trabalho. Dessa condição de constrangimento social é que se intensificam o trabalho parcial, subcontratado e informal que aguçam ainda mais as contradições sócio-econômicas da sociedade. Verificamos uma considerável fragmentação do trabalho que afeta o trabalhador, pois as inseguranças do mundo do trabalho dificultam a expansão do crescimento sustentado e durável. Logo, acentua-se a instabilidade de convivência numa sociedade cuja sociabilidade sempre esteve baseada no trabalho, uma vez que é através deste que o ser humano tenta suprir suas necessidades, e se realiza pessoal e profissionalmente. Sem distanciarmos da realidade, observamos que o cenário que se apresenta, hoje, se expressa pelo conjunto de fatos simultâneos que se fundamenta, basicamente, nas transformações do modo de produção capitalista, sinalizando desdobramentos diferenciados e permutáveis no que se referem aos processos produtivos formas diversas de contratação e de definição para o mercado de trabalho. No cenário dos anos 80, os países de capitalismo avançado viveram profundas e significativas transformações das relações de trabalho em suas distintas formas; ou seja, mutações da estrutura produtiva, das formas de representação sindical, política e/ou tecnológica. Essas mudanças foram tão intensas que se pode afirmar que a década de 80 passa a ser caracterizada como detentora de uma profunda crise das relações de produção que atingiu a classe-que-vive-do-trabalho, tanto em seu aspecto objetivo, como subjetivo, afetando as formas de sociabilidade humana. Nesse sentido, de acordo com Lukács citado por Antunes (1999, p.193): [...] ao mesmo tempo em que o desenvolvimento tecnológico pode provocar diretamente um crescimento da capacidade humana, pode também nesse processo, sacrificar os indivíduos (e até mesmo classes inteiras). As principais mudanças advindas da revolução tecnológica culminaram com a permuta do modelo Fordista de produção modelo esse que era baseado na produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos, utilizando-se do cronômetro para controlar o tempo e os movimentos no processo produtivo. Assim, o velho

5 Modus Operandi Fordismo deu lugar a um modelo flexível que possibilitou a um novo conceito produtivo de recusa à produção em massa e responde de forma imediata, às oscilações cotidianas do mercado. Desde o início dos anos 80, o mercado de trabalho brasileiro aponta para uma trajetória assaz distinta daquela observada entre os anos 30 e 70, pois, até então, a estruturação do mercado de trabalho ocorria por meio da ampliação dos empregos assalariados principalmente dos que eram registrados, da chamada redução das várias ocupações por conta própria, sem remuneração, e do desemprego. No decorrer dos anos 80, anunciava-se uma significativa ruptura na tendência geral do funcionamento do mercado de trabalho, desta forma tornando-o cada vez menos estruturado; embora seja, também, considerável o fato de que foi nesse período que se constatou grande crescimento da automação, da robótica, da microeletrônica e tecnológica, num sentido amplo que, sem dúvida, acelera a produção, qualifica os produtos e faz com que se produza, quantitativamente, em pouco espaço de tempo. Em contrapartida, essa conjuntura gera desemprego, afeta o contexto sóciopolítico e econômico do sistema vigente, repercutindo desfavoravelmente nas condições de vida dos trabalhadores que invadiram o universo fabril e, conseqüentemente, no mundo daqueles que atuavam em várias áreas do trabalho. Essas transformações trouxeram sérias conseqüências para a classe-que-vive-do-trabalho, estando em maior evidência a condição de que o homem fosse, aos poucos, sendo substituído pelo expediente maquinal; ou seja, ele se tornasse um mero acessório do processo produtivo, reforçando, assim, o exército industrial de reserva. A partir da década de 80, o trabalho no sistema capitalista passa por um período de significativas mudanças no qual se instaura um novo padrão produtivo, com alto nível tecnológico e organizacional, denominado por Mattoso (1999), de terceira revolução industrial. Tal fase apresenta como característica fundamental à descentralização produtiva, na qual se substituía as grandes unidades produtivas fixas por uma rede de pequenas unidades. Na década de 90, os sinais de desestruturação do mercado de trabalho assumiram maior destaque, consolidando a tendência de redução do assalariamento com registro, à expansão do desemprego e de ocupações não sistematizadas. Configura-se como um período de reversão na trajetória geral das ocupações, uma progressiva desestruturação das relações de trabalho (MATTOSO, 1995). Em um sentido geral, o mercado de trabalho tornou-se mais informal ao longo desta década, significando desta forma, uma redução percentual dos trabalhadores com carteira assinada no mercado produtivo, o que significa segundo Lesbaupin e Mineiro (1999, p. 19), impactos negativos não apenas no ponto de vista de abrangência da garantia de

6 direitos trabalhistas, mas também no ponto de vista do financiamento da Previdência Social, para o qual os trabalhadores com carteira assinada contribuem automaticamente. De acordo com essa realidade quanto ao nível de emprego, a taxa de desemprego subiu consistentemente, a partir de meados de 1995. (período do governo de FHC). Realidade a qual o mundo do trabalho perpassa até os dias atuais. E concomitantemente, cresce o mercado de trabalho informal, precário, subcontratado, temporal, terceirizado, dentre outras formas de subempregos. E assim, registrou-se um processo de desestruturação do mercado de trabalho. Mattoso (1999, p 9) aduz: O desemprego e a precarização das condições de trabalho que se observam o longo dos anos 90, e mais intensamente no primeiro governo de FHC (1995-1998) são um fenômeno de amplitude nacional, de extraordinária intensidade e jamais ocorrido na história do país. O desemprego produtivo não foi apenas medíocre e resultante de efeitos de oscilações do ciclo econômico sobre o mercado de trabalho. O Estado nacional foi desmontado a golpes de privatizações lesivas, de sonegações, guerras fiscais e de sucessivos cortes de gastos nas despesas públicas. Assim, as marcas da desestruturação do mercado de trabalho em todo o país concentram-se na redução de postos de trabalho, no núcleo organizado da economia; na sua transformação em trabalho por conta própria (trabalho sem carteira assinada, desempregos abertos, ocultos e precários); e no desemprego estrutural este último, em geral, resultante da desproporção qualitativa entre demanda e oferta de trabalho, devido, especialmente, à ausência de trabalhador qualificado, ou até mesmo, à inadequação do tipo de qualificação às necessidades do empregador e do mercado. Nos anos 90, de cada dez empregos criados, oito eram não-assalariados; até a década anterior, de cada dez vagas criadas, oito eram assalariadas. (POCHMAN, 2001, p.27). Uma outra transformação que o mundo do trabalho vivenciou foi a divisão sexual das relações de produção, devido a um aumento bastante significativo da mão-de-obra feminina que chegou a atingir na década de 80, cerca de 40% da força de trabalho em inúmeros países avançados. Esse novo dado vem sendo absorvido pelo sistema capitalista, embora que de maneira precarizada, subcontratada, terceirizada e/ou desregularizada. A mão-de-obra feminina segue diferenciada, ou mesmo sofre discriminação em relação à mão-de-obra masculina quanto ao percentual de remuneração que é bem menor (em torno de 60%) do que aquela auferida pela mão-de-obra masculina, mesmo que a mulher realize uma jornada de trabalho prolongada. Nessa fase transitória da economia mundial, o trabalho, em seu conceito elementar, da Era primitiva (colheita, caça e pesca) ao período industrial, ou mesmo pósindustrial, sofreu tantas e significativas mudanças que se torna difícil prever os novos rumos do mundo do trabalho. O que se pode afirmar, em meio a todas essas transformações que o

7 trabalho vivencia, é que, em qualquer caso, as relações de produção não deixarão de existir isso porque o trabalho é próprio do homem, é a protoforma da vida social do ser humano. Em conseqüência do descontrole das situações de trabalho, este se apresenta, hoje, sob formas precárias, frágeis, eventuais, situações não estáveis, biscates, tarefas ocasionais, dentre outras. Trabalhadores sem profissões definidas, sem qualificação, estão dispostos, a qualquer momento, a cumprir atividades que surgem como alternativas de obter renda, tendo um mínimo de garantia para a sua sobrevivência. Essas transformações no interior do mundo do trabalho continuam se intensificando, neste início de século XXI, bem como as condições de exploração e de precarização das relações trabalhistas presentes no mercado de trabalho. De fato, o complexo contexto apresentado desde o final de século XX, configura mutações no mundo do trabalho às quais, não apenas com as novas técnicas de robótica e de microeletrônica favorecem o trabalhador, mas, também provocam o afastamento da mãode-obra do mercado de trabalho, que permanece sem propostas capazes de redirecionar a classe trabalhadora em busca de sustentação, do nível de emprego e da melhoria do padrão social, através de um modelo de desenvolvimento respaldado no processo de globalização. Tal modelo, no entanto, não se orienta para concentrar um tipo de renda que tenha como fim essencial projetar a realização do potencial econômico, político, social, cultural e ético de uma determinada população, bem como não se preocupa em adotar uma política nacional de emprego para superação da desregulação do trabalho que se apresente de forma ofensiva. Verificando este fato na contemporaneidade, e conforme nos explica Marx (1984), o trabalho assumiu características diferentes das anteriormente pensadas: homens que produzem os bens materiais, alguns indispensáveis à sua própria existência, porém, não se realizam como seres humanos na atividade que desenvolvem. No sistema capitalista o trabalhador produz bens que não lhe pertencem e cujo destino, depois de prontos, escapa ao seu controle. 3 CONCLUSÃO De acordo com o contexto apresentado, entendemos que em qualquer modo de produção, o ser humano está condenado a produzir sua existência, independente da sociedade na qual ele esteja inserido precisa buscar suprir suas necessidades e conservar a sua vida, pois o trabalho opera mudanças significativas na subjetividade do indivíduo, permitindo, dessa forma, que o homem descubra novas qualidades, habilidades e se torne um ser social. O trabalho, essencialmente, é uma ação própria do homem,

8 mediante a qual ele transforma e melhora os bens da natureza, estabelecendo uma constante relação com o meio-ambiente. Nesta concepção, o conceito de trabalho vai sofrendo variações nos seus aspectos mais específicos não só na conjuntura histórica, mas também no espaço, pois cada cultura, e dentro dela cada grupo humano vai imprimindo qualidades únicas e próprias ao seu modo de ver e concomitantemente de viver o trabalho, de acordo com suas particularidades. Pois, a ação transformadora do homem não é solitária, mas social, uma vez que os homens ao se relacionarem para produzir sua própria existência, desenvolvem condutas sociais, a fim de atender às necessidades do grupo. Por isso, a condição humana não apresenta características universais e eternas, pois variam, e assim o fazem para encontrar as soluções através das quais os homens respondem socialmente aos desafios do cotidiano, a fim de continuar existindo. Por esses fatores, o trabalho se tornou o ponto central e essencial de sociabilidade humana, pois, somente o trabalho dignifica o homem enquanto parte de uma história e cultura. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralização do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Rio de Janeiro: Boitempo, 1999. IAMAMOTO, Marilda Vilela. Trabalho e indivíduo social no processo capitalista de produção. Trabalho e indivíduo social: um estudo sobre a condição operária na agroindústria canavieira paulista. São Paulo, Cortez, 2001. LESBAUPIN, Ivo. (org). O desmonte da nação: balanço do governo FHC. 3 ed, Petropólis, Vozes, 1999. MATOSSO, J. A terceira revolução industrial e mundo do trabalho. In: A desordem do trabalho. 1995, p. 69-120.. O Brasil desempregado: Como foram destruídos mais de 3 milhões de empregos nos anos 90. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1999. MARX, Karl. Processo de trabalho e processo de produzir Mais-valia. In: O Capital 14. Rio de janeiro: Bertrand, 1989.. O Capital: Crítica da Economia Política. In: O processo de produção do capital. 9 ed. São Paulo: DIFEL. V. 1. Livro 1, 1984.. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo, 2 ed, Martins fontes, 1983. MARX, K e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Lisboa: Editorial Presença, [19--]. p. 15-101.

9. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo, 2 ed, Martins fontes, 1983. POCHMAN, Márcio. O trabalho na globalização. São Paulo, Boitempo, 2001.