ReDCen Revista Discurso em Cena
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- Dina Molinari Carreira
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1 A IDEOLOGIA NA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DO BRASILEIRO: ANÁLISE DE TEXTO EM LIVRO DIDÁTICO DE PBLA 1 (The ideology in the identity construction of the brazilian: analysis of text in the didático book of PBLA) Larisse Lázaro Santos Pinheiro 2 Universidade de Brasília larisselazaro@hotmail.com Janaína de Aquino Ferraz 3 Universidade de Brasília ferraz.jana@gmail.c RESUMO No presente artigo fazemos uma reflexão sobre a ideologia na construção identitária do brasileiro, no livro didático (LD) de Português Brasileiro como Língua Adicional (PBLA), a partir da análise do texto O país e o Idioma. Para tanto, trabalhamos com os conceitos de identidade e de ideologia sob uma perspectiva cognitiva, social e discursiva. A análise do texto será feita considerando: os pressupostos teóricos e metodológicos da Análise do Discurso Crítica (ADC) de Fairclough (2001, 2003, 2006); de Thompson (1995) com os modos de operação da ideologia e de van Dijk (1998) com uma perspectiva sociocognitiva, que possibilitam análise das construções discursivas revestidas de ideologia. O artigo se configura em uma pesquisa de natureza qualitativa em que se privilegia a (re)interpretação. As análises permitem reflexão sobre as construções simbólicas ideológicas no discurso nacionalista, com vistas à reflexividade crítica sobre a formação de sentidos em LD de PBLA. Palavras-chave: Discurso. Ideologia. Identidade. Livro Didático. ABSTRACT This article is a reflection about the ideology in the construction of Brazilian identity, in the textbook of Brazilian Portuguese as an Additional Language (PBLA), based on the analysis of the text "The country and the language". Therefore, I work with the concepts of identity and ideology from a cognitive, social and discursive perspective. The analysis of the text will be done considering: the theoretical and methodological assumptions of the Critical Discourse Analysis (CDA) of Fairclough (2001, 2003, 2006); of Thompson (1995) with the modes of operation of ideology and van Dijk (1998) with a sociocognitive perspective, that makes possible the analysis of discursive constructions coated with ideology. The article is configured in a qualitative research whose (re)interpretation is privileged. The analyzes allow to think on the ideological symbolic constructions in the nationalist discourse, with a view to the critical reflexivity on the formation of meanings in textbook of PBLA. 1 Português Brasileiro como Língua Adicional. 2 Doutoranda em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB) e Mestre em Linguística Aplicada pela mesma instituição. Engajada com as novas tendências de ensino. É pesquisadora da área de Multimodalidade e Ensino de Língua Estrangeira. 3 Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB), onde é professora na graduação em Letras Português do Brasil com Segunda Língua e na pós-graduação em Linguística.
2 Keywords: Discourse. Ideology. Identity. Textbook. 1 INTRODUÇÃO A ideologia é um aspecto importante para a construção identitária do brasileiro, por isso é importante compreender como funciona a ideologia e as estruturas mentais que possibilitam esse processo, bem como, entender como as formas simbólicas servem para estabelecer e sustentar as relações de dominação na sociedade. Conceituar ideologia não é tão simples quanto parece, pois há vários constructos, de diferentes perspectivas teóricas, em que muitas vezes são contraditórios. Com intuito de discutir a ideologia sob uma perspectiva cognitiva, social e discursiva dispomos da convergência das ideias de van Dijk (1999), Thompson (1995) e Fairclough (2001). Desse modo, fazemos uma reflexão sobre como as construções discursivas sobre a identidade do brasileiro são revestidas de ideologias no LD de PBLA, buscando estabelecer uma discussão acerca das construções simbólicas ideológicas no discurso nacionalista que é a salvaguarda dos interesses e exaltação dos valores nacionais. Por meio da análise do texto O país e o idioma, sob a perspectiva da ADC e da Ideologia. O ensino aprendizagem de PBLA encontra-se em desenvolvimento contínuo e vem se fortalecendo com pesquisas realizadas com preocupações não apenas voltadas para aspectos teóricos, mas, também, metodológicos e focadas nos suportes de livros e materiais didáticos. O LD no ensino de línguas é fundamental ao planejamento de cursos e currículos escolares, e também, é um importante objeto de estudo discursivo, que está permeado por crenças e valores sociais. Por isso, se faz necessário estudo sistematizado sobre as construções simbólicas ideológicas presente no LD de PBLA, uma vez que nele se encontram as escolhas do que se julgam pertinente para a o ensino da língua alvo. Com o propósito de criar ambiente favorável à fundamentação, este artigo está organizado da seguinte forma: em um primeiro momento, apresentamos uma reflexão acerca do LD no ensino de PBLA; em seguida, discutimos o conceito de identidade e após a explanação apontamos o arcabouço teórico em que se sustentam as análises, constituído pela perspectiva sociocognitiva da Ideologia (VAN DIJK, 1999), pelos pressupostos teóricos da ADC (FAIRCLOUGH, 2001) e pela Teoria Social Crítica da Ideologia (THOMPSON, 1995), na sequência, analisamos um texto do LD Bem-vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação (PONCE, BURIM, FLORISSI, 2008). Página 32
3 Para início da reflexão, consideramos importante abordar alguns conceitos sobre o LD de PBLA, aspectos sobre os quais discorremos na seção seguinte. 2 O LD NO ENSINO DE PBLA O português destaca-se no processo de globalização, favorecido pelo seu uso, na formação de blocos de países como a Comunidade Europeia, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) 4, entre outros, e é a língua oficial de seis países, além do Brasil e de Portugal. Desse modo, os alunos de PBLA estão inseridos nesse contexto intercultural, que lhes permite uma heterogeneidade de conhecimentos (PACHECO, 2006). Em relação ao LD de PBLA, Diniz et al. (2009) aponta que há lacunas, em que alguns livros ainda estão centrados em estruturas gramaticais, tradução de textos e vocabulário de palavras. Os autores afirmam, ainda, que alguns professores, com pouca ou nenhuma formação na área, o utilizam como única fonte para conduzirem suas aulas e não têm consciência das especificidades desse ensino. Diante desse contexto de ensino, é necessário que esses livros ofereçam condições de aprendizado com atividades que proporcionem a construção de sentido e a familiarização com textos diversos (DELL ISOLA, 2009). Novos hábitos linguísticos e discursivos precisam ser motivados para que o aluno seja receptivo às diversidades culturais. Segundo Ferraz (2007): O livro didático é, portanto, elemento provocador que pode abrir pontos para troca de ideias, de opiniões, de pontos de vista, pois carrega em si eventos e situações que buscam retratar a identidade cultural do brasileiro. Coloca o aluno estrangeiro em contato com visões de mundo e com parâmetros culturais diferentes dos de sua origem. Assim, o livro didático figura como um dos veículos de um discurso permeado por crenças e valores sociais, tornando-se, dessa forma, relevante como objeto de estudos discursivos. (FERRAZ, 2007, p. 119). Proporcionar ao aluno melhor conhecimento da cultura dos falantes nativos da línguaalvo é significativo para o desenvolvimento dessas habilidades, possibilitando a visão crítica dos vários modos semióticos que estão a sua volta. O LD é fonte fundamental de subsídios para a compreensão da ideologia contida em seus textos, e da percepção das origens sociais em Página 33 4 Organização internacional criada em 1991, constituída por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, para adoção de políticas de integração econômica.
4 que se deu sua produção. (FERRAZ, 2007, p. 120). Por isso, é necessário ampliar o significado para além da informação linguística presente no texto. Nessa perspectiva, o brasileiro, principal representante da cultura do Brasil, falante nativo da língua-alvo, é o sujeito representado no LD de PBLA. E, o desvelar da identidade, estereotipada do brasileiro, criada nesses livros é o ponto de partida para discussões e o conhecimento crítico dos diversos modos semióticos, possibilitando ao aluno a construção de novas habilidades linguísticas e discursivas. Passo, agora a explanar, o conceito de identidade, questão fundamental relativa ao contexto de minha discussão. 3 IDENTIDADE Segundo Giddens (2002, p. 39), o conceito de identidade, refere-se a primeira identidade de um falante que é a língua e é construída linguisticamente, sendo esse o protótipo das relações sociais. Para corroborar esse ponto de vista, Woodward (2000, p. 8) aponta que as identidades só adquirem sentido pela linguagem e pelos sistemas simbólicos que as representam. Elas estão em constante construção e não são um processo acabado (SILVA, 2015). Assim, através da linguagem escrita ou falada as identidades estão em um processo constante de construção e reconstrução. E as diversas transformações que ocorrem no mundo globalizado trazem mudanças nas relações culturais, sociais e econômicas. Hall (2004) afirma que: À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente. (HALL, 2004, p. 13). Essas mudanças geram uma instabilidade que afetam o sentido do eu, ocasionando muitas vezes uma crise de identidade. Desse modo, é importante entender como se dá a formação das identidades na pós-modernidade, que é algo formado ao longo do tempo, através de processos inconscientes (HALL, 2004). Para Fairclough (2003), esse processo é denominado como identificação, que envolve os efeitos constitutivos do discurso e deve ser visto de forma dialética no qual o discurso está Página 34
5 incutido nas identidades (FERRAZ, 2007). Desse modo, identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas, e, também, a sistemas de representação, tendo estreitas conexões com relações de poder (SILVA, 2000). Por isso, é relevante o conceito de identidade para a discussão da ideologia, assunto no qual discorremos na próxima seção. 4 IDEOLOGIA: COGNIÇÃO, SOCIEDADE E DISCURSO Para van Dijk (1998, p. 21) ideologia envolve cognição, sociedade e discurso, e não é apenas um instrumento de dominação, pois as ideologias, pertencem ao campo simbólico do pensamento e das crenças e relacionam-se à ideia de cognição, são de caráter social e frequentemente estão associadas com interesses, conflitos e lutas de grupos e são práticas sociais discursivas, associadas a linguagem e ao discurso. Nessa perspectiva, utilizamos como base para as discussões deste artigo, os pressupostos teóricos de van Dijk (1998) sobre a ideologia em uma perspectiva sociocognitiva, os de Thompson (1995) sobre as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação na sociedade, e os de Fairclough (2001) que oferece a teoria da ADC para análise. 4.1 Perspectiva sociocognitiva Van Dijk (1998) define ideologia com diferentes enfoques, que está sempre relacionada a formas de poder e dominação. É possível observar que os interesses diversos de grupos, as posições na estrutura social e os esquemas valorativos de práticas sociais são aspectos comuns em todas as definições. Segundo o autor, é um conceito que transcorre diversas áreas do conhecimento e precisa ser trabalhado e analisado, em um enfoque multidisciplinar e crítico. Desse modo, segundo o autor, é importante entender como funciona a ideologia e as estruturas mentais que possibilitam a compreensão das ideologias e, ainda, como essas ideologias são compreendidas nos grupos sociais. Van Dijk (1998) afirma que elas: [...] são construídas, utilizadas e trocadas pelos atores sociais como membros de um grupo, em práticas sociais específicas e, frequentemente, discursivas. Não são construtos individuais, idealistas, mas construtos sociais compartilhados por um grupo. (VAN DIJK, 1998, p. 23). A integração entre o aspecto cognitivo, o social, o individual e o coletivo são enfatizados pelo autor. Por isso, é importante examinar o papel do conhecimento sociocultural e outras Página 35
6 crenças compartilhadas por grupos sociais que oferecem a base de todo discurso e interação social (VAN DIJK, 1998, p. 23). Com base na abordagem cognitiva que van Dijk dá ao estudo de ideologia, a crença é qualquer coisa que pode ser pensada e por meio de práticas sociais e da interação elas são adquiridas, construídas e modificadas socialmente (VAN DIJK, 1998). A relação entre a interação social, o discurso e a mente é de extrema importância para o conceito de ideologia. Em relação a mente, o autor afirma que a memória é um construto teórico e cognitivo responsável pelo armazenamento e pelo processamento das informações (SILVA, 2015, p.265). Assim, van Dijk (1998) indica a diferença entre memória episódica, referente ao armazenamento de experiências pessoais e específicas e memória social, que refere-se a crenças que compartilhadas com o grupo social. Nessa perspectiva, o autor afirma que as ideologias pertencem a memória social, devido a sua constituição no campo das crenças sociais que podem estar pressupostas pelo falante e não se necessita afirmá-las explicitamente como informação nova. (VAN DIJK, 1998, p ). As ideologias fazem parte da mente social, porque são uma classe de representações mentais (básicas), ou seja, crenças individuais, contextualizadas, mas socialmente compartilhadas pelos membros de grupos e, portanto, firmemente localizadas nas mentes das pessoas. (VAN DIJK, 1998) Deste modo, o autor afirma que da mesma forma que as ideologias são sociais, elas também são mentais, e por esse motivo a importância de uma perspectiva sociocognitiva. A abordagem de van Dijk é de grande relevância para este artigo, pois possibilita pensarmos na relação entre o social e o mental que está ligada a forma como incorporamos visões estereotipadas e posturas preconceituosas, e ainda, no entendimento do processo de incorporação daquilo que é visto e das atitudes por parte dos membros de cada grupo social. 4.2 Perspectiva discursiva e social A ADC cuida tanto do funcionamento do discurso na transformação criativa de ideologia quanto do funcionamento que assegura sua reprodução (FAIRCLOUGH, 2001). Então, discurso e ideologia estão diretamente relacionados, pois determinados discursos podem ser vistos como ideológicos. Nessa perspectiva, Fairclough (2001) define ideologia como: Página 36
7 Significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção ou a transformação das relações de dominação. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117). O exercício do poder é cada vez mais realizado por meio da ideologia, sobretudo pela linguagem (FAIRCLOUGH, 2006). Ela é entendida, de uma forma muito mais ampla como o sentido a serviço do poder, operando em uma variedade de contextos da vida cotidiana (MAROUN, 2007, p. 94). Desse modo, a ideologia está na linguagem. Para Fairclough (1995, p. 71) a ideologia investe a linguagem de várias maneiras em vários níveis, e nós não temos de escolher entre diferentes localizações possíveis da ideologia, todas são parcialmente justificáveis e nenhuma inteiramente satisfatória. Thompson (1995) afirma que a análise da ideologia está unida essencialmente à linguagem, porque esta constitui a principal maneira de construir sentidos que servem para firmar relações de dominação. Para o autor estudar ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominações (THOMPSON, 1995, p, 76), ou seja, é o sentido a serviço do poder. A ideologia pode ser analisada somente quando os fenômenos simbólicos forem situados nos contextos sócio-históricos, dentro dos quais esses fenômenos podem, ou não, estabelecer e sustentar relações de dominação (THOMPSON, 1995). Assim, o autor ressalta, que as formas simbólicas se entrecruzam com as relações de poder e são entendidas por um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como contrutos significativos (THOMPSON, 1995, p. 79). Desse modo, cinco modos de operação da ideologia são elencados por Thompson (1995): legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação. Ele atesta que esses modos podem sobrepor-se e reforçar-se mutuamente e a ideologia pode, em circunstâncias particulares, operar de outras maneiras (THOMPSON, 1995, p. 81). Vejamos no quadro abaixo: Página 37
8 Quadro 1- Modos de operação da ideologia Modos Gerais LEGITIMAÇÃO: Relações de dominação são representadas como legítimas Algumas Estratégias Típicas de Construção Simbólica RACIONALIZAÇÃO - uma cadeia de raciocínio procura justificar um conjunto de relações UNIVERSALIZAÇÃO - interesses específicos são apresentados como interesses gerais NARRATIVIZAÇÃO - exigências de legitimação inseridas em histórias do passado que legitimam o presente DISSIMULAÇÃO: Relações de dominação são ocultas, negadas ou obscurecidas DESLOCAMENTO- deslocamento contextual de termos e expressões EUFEMIZAÇÃO - valorização positiva de instituições, ações ou relações TROPO - sinédoque, metonímia, metáfora UNIFICAÇÃO: Construção simbólica de identidade coletiva ESTANDARTIZAÇÃO- um referencial padrão proposto como fundamento partilhado SIMBOLIZAÇÃO DA UNIDADE - construção de símbolos de unidade e identificação coletiva FRAGMENTAÇÃO: Segmentação de indivíduos e grupos que possam representar ameaça ao grupo dominante DIFERENCIAÇÃO - ênfase em características que desunem e impedem a constituição de desafio efetivo EXPURGO DO OUTRO - construção simbólica de um inimigo) REIFICAÇÃO: Retração de uma situação transitória como permanente e natural NATURALIZAÇÃO - criação social e histórica tratada como acontecimento natural ETERNALIZAÇÃO- fenômenos sóciohistóricos como permanentes Página 38
9 NOMINALIZAÇÃO/ PASSIVAÇÃO - concentração da atenção em certos temas em detrimento de outros, com apagamento de atores e ações Fonte: Thompson, 1995, p. 81. Portanto, a ideologia é um aspecto muito importante para o entendimento da construção e representação das identidades do brasileiro no LD de PBLA e por isso é preciso estudar o modo como a ideologia está presente nos textos e suas estratégias de construção simbólica. O corpus será analisado enquanto práticas sociais e discursivas, conforme os pressupostos teóricos e analíticos propostos por Fairclough (2008) e Thompson (1995). É importante ressaltar que a ADC denota um enfoque teórico metodológico que conforme van Dijk (1992, p. 44) é definida por seu objeto de análise, especificamente os discursos, os textos, as mensagens, a fala, o diálogo, ou a conversação. 5 METODOLOGIA A pesquisa é de natureza qualitativa, que segundo Chizzotti (2006), a esta segue uma metodologia de trabalho, e o caminho determinará as estratégias, técnicas e métodos de alcançar a comprovação. Assim, para se realizar uma pesquisa, Ludke (1986, p. 1) afirma que é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. O corpus de pesquisa é composto pelo livro: Bem-vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação (PONCE, BURIM, FLORISSI, 2008), da editora SBS. Essa é uma edição atualizada que segundo os autores, propõe diversas atividades de conversação, compreensão oral, escrita e leitura. O LD é fonte de subsídios para o entendimento da ideologia existente em seus textos, e da percepção das origens sociais em que se deu sua produção (FERRAZ, 2007). Desse modo, para análise utilizo algumas categorias analíticas propostas por Fairclough (2001, 2003, 2006) e Thompson (1995). Página 39
10 6 PROPOSTA DE ANÁLISE Para a análise foi selecionado um texto extraído do LD de PBLA Bem-vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação (PONCE, BURIM, FLORISSI, 2008), da editora SBS, conforme a Figura 1. Figura 1- Texto O país e o idioma Fonte: Ponce, Burim e Florissi (2008, p. 73). Segundo os autores o livro propõe atividades de conversação, compreensão oral, escrita e leitura para que os estudantes de português brasileiro aprendam a língua de maneira dinâmica e prática. O texto analisado foi intitulado como O país e o idioma e para melhor compreensão otranscrevemos abaixo: Esta imensidão cercada pelo Oceano Atlântico, pelas Guianas, pelo Suriname, pela Venezuela, pela Colômbia, pelo Peru, pela Bolívia, pelo Paraguai, pela Argentina e pelo Uruguai tem um nome imponente: REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. É um país bom para nós, brasileiros, e para todos que nos visitam ou que mudam para cá: não temos guerras nem grandes catástrofes naturais. Muitos de nós, contudo, passam por muitas dificuldades financeiras mas é da nossa gente enfrentá-las sempre com otimismo e alegria. O Brasil é dividido em 5 regiões e Página 40
11 cada qual é conhecida dentro e fora do país por algumas características bem marcantes. O Norte abrange a Amazônia com seu grande rio, afluentes, sua linda e rica floresta, seus índios, seus botos-cor-de-rosa e demais lendas. É num estado nordestino que se fala o português mais correto do Brasil: no Maranhão. É também no Nordeste que se encontram algumas das praias mais famosas e tão bonitas que atraem turistas do mundo inteiro. Na Região Sudeste está uma das cidades mais conhecidas do mundo, verdadeiro cartão-postal do Brasil: O Rio de Janeiro com sua belíssima vista, a estátua do Cristo Redentor e... suas mulheres bonitas. A capital do país, Brasília, se situa no Distrito Federal que está na Região Centro- Oeste. Já boa parte dos imigrantes italianos, japoneses e alemães optou por habitar na Região Sul onde provavelmente o clima se aproxima mais ao das suas terras de origem. Um grande elo de união do nosso povo é que em todas as regiões do Brasil fala-se português! No decorrer desta unidade você terá oportunidade de conhecer muito, muito mais sobre esta linda terra onde canta o sabiá! O texto apresenta o Brasil e seu idioma com muitos exageros nacionalistas, que constroem como significado ideias preconceituosas e rotuladas. E essa construção significativa traz perspectivas ideológicas de representações estereotipadas do Brasil e do brasileiro. A abordagem de ideologia de Thompson, aliada ao arcabouço da ADC, fornece ferramentas para se analisar linguisticamente, construções discursivas revestidas de ideologia (FAIRCLOUGH, 2001). Por isso, na análise utilizamos algumas categorias analíticas propostas por Fairclough (2001) como: Tema; Condições das práticas discursivas; Intertextualidade e por Thompson (1995) como: A legitimação, por meio da racionalização e a unificação, por meio da padronização e da simbolização da unidade. Em relação ao tema Fairclough (2001) lança duas questões: Qual é a estrutura temática do texto e que suposições lhe são subjacentes? Os temas marcados são frequentes e, em caso positivo, quais são suas motivações? A estrutura temática apresentada pelo texto é pautada em uma única questão: a ênfase nas belezas do Brasil. O que reforça nossos argumentos quanto a essa informação é a recorrência desse tema e dos adjetivos bonito, lindo, belo, entre outros nas orações seguintes: [...] sua linda e rica floresta [...] ; [...] praias mais famosas e tão bonitas [...] ; [...] belíssima vista [...] ; [...] mulheres bonitas [...] ; [...] terra linda [...]. A repetição da temática proposta indica a motivação do produtor do texto em levar o aluno a enxergar o Brasil com romantismo. Página 41
12 Quanto às condições da prática discursiva, recorremos às duas questões também propostas por Fairclough (2001): O texto é produzido (consumido) individual ou coletivamente? Que tipos de efeitos não-discursivos possuem esta amostra? No tocante à primeira pergunta, as práticas sociais de produção e de consumo do texto são importantes para análise, em que estão relacionadas com o tipo de discurso que a amostra representa. Desse modo, como o texto encontra-se no LD, seu consumo se faz de forma coletiva, em sala de aula com alunos e professor. Em relação à segunda pergunta, a amostra representa a intencionalidade de seu produtor de tentar convencer o aluno de como o Brasil é um país bom para se viver, conforme observamos no trecho seguinte: É um país bom para nós brasileiros, e para todos que nos visitam ou que mudam para cá: não temos guerras nem grandes catástrofes naturais. A relação de intertextualidade é estabelecida com o famoso poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias, escritor que pertencia à primeira fase do Romantismo brasileiro, fase marcada pela idealização dos indígenas e exaltação das paisagens nacionais, com ideais nacionalistas. Essa relação se faz por meio do seguinte trecho: No decorrer desta unidade você terá oportunidade de conhecer muito, muito mais sobre esta linda terra onde canta o sabiá. [...] com seu grande rio, afluentes [...] ; [...] seus índios, seus botos-cor-de-rosa e demais lendas. Outros aspectos linguísticos a serem contemplados nesse texto são os propostos por Thompson (1995). O modo de operação da ideologia que parece prevalecer em todo o texto é a dissimulação, pois as relações de dominação são ocultas e negadas, desviando a atenção do leitor e passando por cima de relações e processos existentes. Desse modo, tudo o que é colocado no texto se apoia primeiro na estratégia da eufemização, pois há sempre uma valorização positiva do que é levantado, em que até mesmo os problemas existentes no Brasil são suavizados. Há muita diversidade no Brasil para se rotular e os estereótipos que perpassam o texto, como a Amazônia como o único rio que corta o Norte, o Maranhão como o país nordestino que se fala o português mais correto, as praias mais bonitas que são encontradas no Nordeste, o Rio de Janeiro como cartão postal, entre outros é um aspecto importante a ressaltar, em que referese ao modo da reificação, retratando um país com uma situação transitória como se fosse Página 42
13 permanente e natural, utilizando a estratégia da eternalização, no qual trata fenômenos sóciohistóricos como permanentes e únicos. Outro modo presente no texto diz respeito à legitimação, que ocorre quando relações de poder são representadas como legítimas e a racionalização é uma das estratégias típicas da construção ideológica que, por meio de uma cadeia de raciocínio procura justificar um conjunto de relações para se legitimar. No caso do texto, há uma preocupação do produtor em convencer os leitores de que o Brasil é um ótimo lugar para viver, ou seja, de vender uma imagem do país, conforme o seguinte trecho: [...] É um país bom para nós, brasileiros, e para todos que nos visitam ou que mudam para cá: não temos guerras nem grandes catástrofes naturais. Muitos de nós, contudo, passam por muitas dificuldades financeiras, mas é da nossa gente enfrentá-las sempre com otimismo e alegria. No trecho apresentado acima, podemos perceber ainda, o modo da unificação, que segundo Thompson (1995), é uma construção simbólica de identidade coletiva em relação as atitudes do brasileiro pacíficas e passivas, usando a padronização como referencial para todo brasileiro. Esse modo se manifesta no texto também por meio da simbolização da unidade referente ao cartão-postal do Brasil, o Rio de Janeiro, e o estereótipo da mulher brasileira, que vem após as reticências com uma quebra de expectativa para apresentar o melhor, o mais interessante, símbolos de identificação coletiva, que servem para estabelecer e sustentar relações de dominação, respectivamente, em relação à região Sudeste e à cultura machista. Vejamos: [...] Na região Sudeste está uma das cidades mais conhecidas do mundo, verdadeiro cartão-postal do Brasil: o Rio de Janeiro com sua belíssima vista, a estátua do Cristo Redentor e... suas mulheres bonitas. Esse aspecto também pode ser evidenciado nas imagens, em que o Cristo Redentor encontra-se em um enquadramento de destaque no centro dos outros cartões postais do país. Assim, os elementos não verbais também são constituídos de maneira intencional, motivados pelo interesse do produtor do texto. Nesse sentido, a unificação também se realiza pela estratégia da padronização, ao estabelecer o português como a única língua falada pelo povo brasileiro, enfatizando essa identidade coletiva do país com a escolha lexical elo de união, como podemos observar no seguinte trecho: Página 43
14 Um grande elo de união do nosso povo é que em todas as regiões do Brasil falase português. De acordo van Dijk (1998, p. 23) o conhecimento sociocultural e outras crenças compartilhadas por grupos sociais oferecem a base de todo discurso e interação social. O autor afirma, que por meio de práticas sociais e da interação que as crenças são adquiridas, construídas e modificadas socialmente. Nesse sentido, pela leitura do texto, o aluno de PBLA é confrontado com uma representação cultural do país e pode se identificar, incluindo em seu processo individual e imaginário do que o Brasil e o brasileiro deveriam ser, reforçando os estereótipos culturais. Então, da mesma forma que as ideologias são sociais, elas também são mentais como afirma van Dijk (1998). A integração entre o aspecto cognitivo, o social, o individual e o coletivo são importantes para compreendermos as ideologias na construção identitária do brasileiro e como visões estereotipadas e posturas preconceituosas, são incorporadas em nossa mente e nas atitudes dos membros de cada grupo social. Por isso, a aplicação dessas categorias analíticas possibilita a análise linguística das construções discursivas revestidas de ideologia, pois esta constitui o principal meio de construção de sentidos que servem para sustentar relações de poder. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na ADC o texto é considerado como uma dimensão do discurso. Por isso, ao analisálo, é importante não apenas observar as marcas linguísticas, mas também procurar o inserir em um contexto sociopolítico e ideológico. A ideologia perpassa toda a sociedade de forma variada e, por meio dela, nossas identidades são construídas (SILVA, 2015, p. 229). Por isso, é importante entender como se dá a formação das identidades na pós-modernidade, que é algo formado por meio de processos inconscientes e ao longo do tempo. Assim, as reflexões de ideologia com base em van Dijk (1998) e a análise com base nas categorias propostas por Fairclough (2001), unida às categorias propostas por Thompson (1995), trazem à tona questões que, muitas vezes, não são percebidas pelos leitores e que podem promover à leitura crítica e ultrapassar o ensino com foco apenas nos aspectos gramaticais e lexicais. Página 44
15 Segundo Ferraz (2007), o LD é fonte para a compreensão da ideologia contida em seus textos. Por isso, é necessário inserir no LD mais textos que estimulem discussões relacionadas as pistas significativas deixadas pelos produtores do texto, o que possibilitaria o desenvolvimento de multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2000), que é o conhecimento linguístico-discursivo associado a vários outros conhecimentos com destaque na cultura participativa e crítica, modificando as práticas discursivas, inclusive as de leitura e de escrita. Portanto, é importante que, no processo de ensino e aprendizagem de PBLA, o professor esteja atento a esses fenômenos, objetivando o posicionamento crítico dos alunos, concentrando-se no discurso, na textualidade, nas construções identitária, nas origens sociais, nas representações simbólicas e ideológicas na produção do texto e na sua leitura. Como citar este artigo: PINHEIRO, Larisse Lázaro Santos; FERRAZ, Janaína de Aquino. A ideologia na construção identitária do brasileiro: análise de texto em livro didático de PBLA. ReDCen, Brasília, v. 1, n. 1, p , Recebido em: 12/12/17 Aprovado em: 28/12/17 REFERÊNCIAS COPE, B.; KALANTZIS, M. Introduction: Multiliteracies: the beginnings of an Idea. In: COPE, B.; KALANTZIS, M. (Ed.) Multiliteracies: literary learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000, p DINIZ, L. R. A.; STRADIOTTI, L. M.; SCARAMUCCI, M. V. R. Uma análise panorâmica de livros didáticos de Português do Brasil para falantes de outras línguas. In: DIAS, R.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Orgs.). O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, p DELL ISOLA R. L. P. Gêneros textuais em livros didáticos de português língua estrangeira: o que falta? In: DIAS R., CRISTOVÃO V. L. P. (Orgs.). O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas, SP: Mercado de letras, p FAIRCLOUGH, N. Critical Discourse Analysis: papers in the critical study of language. London: Longman, Discourse and social change. Cambridge: polity Press, Discurso e mudança social. Coord. Da trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Analysing Discourse: textual analysis for social reseach. London: Routledge, Página 45
16 . Language and Globalization. London and New York: Routledge, FERRAZ A. J. Multimodalidade e Formação Identitária: o Brasileiro em Materiais didáticos de Português Língua Estrangeira (PLE). In: VIEIRA, J. A. (et. al.). Reflexões sobre a língua portuguesa: uma abordagem multimodal. Petrópolis, RJ: Vozes, p A Multimodalidade no Ensino de Português como Segunda Língua: novas perspectivas discursivas críticas. 200 páginas. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade de Brasília, Brasília. GIDDENS, A. A trajetória do Eu. In: Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed HALL, S. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 9ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, MAROUN, C. R. G. O texto multimodal no livro didático de português. In: VIEIRA, J. A. (et. al.). Reflexões sobre a língua portuguesa: uma abordagem multimodal. Petrópolis, RJ: Vozes, p PACHECO, D. G. L. C. Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo. Rio de janeiro: Programa de pós-graduação em Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006, 335 p. Tese de Doutorado. PONCE; BURIM; FLORISSI. Bem-vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação. São Paulo: Sbs, SILVA, F. C. O. A representação da raça negra no Brasil ideologia e identidades. In: VIEIRA, J. A.; BENTO, A. L. (Orgs.). Discurso, Identidade e Gênero. Brasília: Movimento, SILVA, T. T. da. Identidade e diferença. RJ: Vozes, THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, VAN DIJK, T. A. Ideology: a multidisciplinar study. London: Sage, Página 46
emergiram na Europa a partir do século VXII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em influencia.
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