Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito NUPEDIR IX MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (MIC-DIR) 9 de novembro de 2016

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1 O CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Guilherme Wirth 1 Luís Fabiano Sobrosa Ribeiro 2 Rogério Cezar Soehn 3 Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 A INSIGNIFICÂNCIA/BAGATELA COMO PRINCÍPIO. 3 A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE CRIME EM ESPÉCIE. 4 (IN) APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO AO CRIME. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. Resumo: Os altos índices de acidentes de trânsito envolvendo a conduta de embriaguez ao volante chamam a atenção da sociedade em geral. Na tentativa de dar uma resposta adequada aos graves problemas sociais decorrentes desta prática delituosa, o legislador empreendeu sucessivas alterações nos dispositivos legais referentes à matéria. Todavia, a carência de conhecimentos técnicos do legislador na seara do trânsito, dentre outros fatores, têm causado sucessivos conflitos doutrinários e jurisprudenciais. Um dos aspectos apontados nestes conflitos diz respeito à aplicação de certos princípios, concomitantemente à legislação penal no julgamento de casos concretos. Utilizando-se do método de pesquisa bibliográfica, por meio de exposições doutrinárias e decisões proferidas pelo Judiciário, apresenta-se, a seguir, uma abordagem do denominado princípio da insignificância. Também uma explanação sobre a conduta delitiva de condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, em razão da influência de substância psicoativa que determine dependência, predominantemente, álcool. Por fim, análise de possibilidade ou não de aplicação do referido princípio à mencionada conduta, concluindo-se pela inaplicabilidade da bagatela às infrações positivadas no art. 306 da lei nº 9.503/97 CTB (Código de Trânsito Brasileiro). Palavras-chave: Princípio da insignificância. Trânsito. Embriaguez ao volante. 1 INTRODUÇÃO A vida em sociedade requer certos padrões de conduta dos indivíduos, que salvaguardam princípios e valores sensíveis ao bem da coletividade, como, por exemplo, a segurança no trânsito. Com a promulgação da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, o Estado brasileiro codificou dispositivos basilares que regulam o trânsito de veículos e pedestres em território nacional, surgindo assim o Código de 1 Acadêmico do 6º Semestre de Graduação do curso de Direito da FAI Faculdades. gfritzw@hotmail.com 2 Acadêmico do 10º Semestre de Graduação do curso de Direito da FAI Faculdades. fabiano.sobrosa@hotmail.com 3 Graduado em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC - Campus de São Miguel do Oeste/SC (2005); pós-graduado em Segurança Pública pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do SUL - PUCRS (2007). Professor especialista do curso de Graduação de Direito da FAI Faculdades. rogerio.soehn@seifai.edu.br 1

2 Trânsito Brasileiro. Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito NUPEDIR Porém, certas infrações ao referido diploma, bem como a normas esparsas complementares, têm desafiado de forma recorrente o aparato estatal na manutenção da ordem. Dados estatísticos, frequentemente computados e divulgados, comprovam que o trânsito brasileiro se mostra um dos mais violentos a nível mundial, com expressivo índice de acidentes. Grande parte das ocorrências tem o condutor de veículo automotor como sujeito ativo. Por vezes, este condutor, no momento em que o acidente ocorre, é flagrado com sua capacidade psicomotora alterada. Com aplicação de sanções correspondentes à infração prevista em lei, tem início o processo, conforme o delito, em âmbito administrativo e criminal. Neste último, em matéria defensiva, alguns infratores buscam afastamento da tipicidade penal e consequentemente, extinção da pena evocando o denominado princípio da insignificância. questão. Objetivando esclarecimentos a respeito da matéria, tem início o estudo em 2 A INSIGNIFICÂNCIA/BAGATELA COMO PRINCÍPIO O Princípio da Insignificância, comumente conhecido como criminalidade de bagatela, é um tema debatido no Direito Penal moderno, embora ausente previsão do mesmo na atual legislação. Fator este que não o torna menos importante, uma vez que gera ampla gama de discussões doutrinárias, as quais resultam em notória polarização: parcelas de juristas defendendo de forma mais expansiva a sua aplicação, outra, apregoando o seu caráter apenas excepcional. Porém, mesmo sem previsão legal de maneira expressa na legislação comum, o princípio da insignificância encontra-se na doutrina e jurisprudência, onde é reconhecido e aplicado. O Princípio da Insignificância tem origem nos primórdios do Direito Romano Privado, onde era sumarizado pela expressão latina Minimus non Curat Praetor, significando que o mínimo não preocupa aos tribunais. 2

3 No Brasil, este princípio foi estudado e incorporado ao Direito Penal através do jurista Claus Roxin, nos anos de Hoje, sua aceitação é pacífica, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal - STF. 4 A maior discussão que ocorre no Brasil diz respeito ao grau de reflexão necessário a ser estabelecido para a aplicação do referido Princípio diante de um caso concreto. De acordo com o Princípio da Insignificância, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. 5 O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento sobre o princípio da insignificância no sentido de que exclui ou afasta a própria tipicidade penal, não considerando o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou sua não aplicação. Sua aplicação decorre no sentido de que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. 6 A fundamentação jurídica deste princípio, segundo Micheletto, baseia-se no conceito da tipicidade, analisada em seus aspectos formal e material. A tipicidade formal é a correspondência exata entre o fato e os elementos constantes de um tipo penal. A tipicidade material é a real lesividade social da conduta, onde se encontra o verdadeiro sentido do princípio da insignificância. Frisa a doutrinadora, ainda, que não basta que a conduta praticada tenha apenas correspondência nos elementos de um 4 RIBEIRO, Bruno Servello. A atual importância do Princípio da Insignificância no Direito Penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan Disponível em: Acesso em: TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, p BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Glossário Jurídico. Disponível em: Acesso em:

4 tipo penal. A conduta deve ser capaz de lesar ou expor terceiros a risco, provocar lesões significativas ao bem jurídico tutelado 7. Entende-se, então, que o Princípio da Insignificância pode ser muito bem contextualizado como sendo preceito, abstrato e implícito ao Direito Penal, capaz de valorar fato social determinado, e concluir pela existência de um resultado jurídico relevante ou não, tudo para se definir a conduta real de um agente como criminosa, típica ou não. 8 3 A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE CRIME EM ESPÉCIE Como ato de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, a embriaguez ao volante assim está disposta como crime em espécie no Código de Trânsito Brasileiro - CTB: Art Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº , de 2012) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 9 Gomes observa que o crime não se configura mais com a embriaguez, somente, e sim com a alteração da capacidade psicomotora do condutor do veículo, por influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência MICHELETTO, Paula. Princípio da Insignificância ou Bagatela. Disponível em: Acesso em: RIBEIRO, Bruno Servello. A atual importância do Princípio da Insignificância no Direito Penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan Disponível em: Acesso em BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: Acesso em: GOMES, Ordeli Savedra. Código de Trânsito Brasileiro e Legislação Complementar. 9.ed. Curitiba: Juruá, p

5 Marcão salienta que como objeto jurídico da tutela penal, está a preservação da incolumidade pública um dos direitos fundamentais previstos expressamente no caput do art. 5º da Constituição Federal, proporcionada pela segurança no trânsito. 11 Para os repressores estatais, o artigo 306 do CTB, com a nova redação, configura crime de perigo abstrato puro, pelo qual bastaria a simples constatação da presença de álcool no sangue ou no ar alveolar, ou de sinais diversos de embriaguez, para ser possível presumir a capacidade psicomotora alterada, prescindindo de qualquer constatação sobre a ocorrência de perigo efetivo. Por outro lado, para uma parcela da doutrina penalista, inclusive com a adesão de alguns Tribunais do país, a simples verificação da presença de álcool ou de outros sinais é insuficiente para tipificar a conduta, sendo necessária a comprovação de que a ingestão de substâncias psicoativas tenha efetivamente alterado a capacidade psicomotora do condutor. Vislumbra-se, assim, um crime de perigo abstrato, de periculosidade real, além de reconhecer que o parágrafo primeiro estabelece apenas situações que possam servir como meios de prova, não fazendo parte da figura típica do caput. 12 Pode-se evidenciar, portanto, que o núcleo do tipo penal do artigo 306 do CTB é o verbo conduzir, que significa dirigir, colocar em movimento. Estamos, portanto, frente a um elemento objetivo do tipo, existindo concretamente no mundo dos fatos, não sendo necessário um juízo de valor para vislumbrar seu alcance. No referido artigo, tem-se a ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência como último elemento. Sendo assim, para haver a caracterização do tipo, há a necessidade da ingestão de bebida alcóolica ou o uso de produto análogo. Percebe-se que a grande polêmica neste artigo é ocasionada pelos elementos normativos, capacidade psicomotora alterada e em razão da influência. Por terem estes elementos caráter normativo, eles carecem de interpretação valorativa para a definição e delimitação do seu significado. 11 MARCÃO, Renato. Crimes de Trânsito anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei nº 9.503, de ed. São Paulo: Saraiva, p RIOS, Thiago Meneses. Crime de embriaguez ao volante: tipo penal, tipicidade, classificação e consequências da nova redação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n , 25 mar Disponível em: Acesso em: 29 set

6 Adentrando nesta valoração, deve-se definir quais os efeitos que estas substâncias por si só causam. Nesta linha de pensamento, ensinam BEM e GOMES que [...] todo aquele que consegue controlar o perigo do consumo prévio de álcool ou das drogas não deve responder pelo delito, pois não criou contexto de risco potencial aos bens jurídicos [...] 13. Rios, Por conseguinte, para a caracterização do delito do art. 306 do CTB, conforme [...] a influência da ingestão do álcool ou de outra substância deve ser suficiente para alterar a capacidade psicomotora do condutor. Capacidade psicomotora alterada significa a afetação das faculdades psicofísicas de percepção, autocontrole e reação. Exige-se, portanto, que o consumo diminua efetivamente as faculdades do agente para a condução do veículo. Mesmo tendo ingerido bebida alcoólica, por exemplo, e estando por ela influenciado, caso o agente não apresente a sua capacidade psicomotora alterada, a sua conduta não se amolda perfeitamente ao artigo 306 do CTB, sendo, assim, atípica (IN) APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO AO CRIME Os seguintes requisitos são necessários para verificação do princípio da insignificância, no entendimento sedimentado pelo STF: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 15 Neste sentido, o Judiciário tem reiterado suas decisões tangentes à aplicabilidade da bagatela em trânsito: APELAÇÃO. Crimes de trânsito. Embriaguez ao volante. Absolvição com reconhecimento do crime de bagatela. Impossibilidade: O crime de bagatela 13 BEM, Leonardo Schimitt de; GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei seca: comentários à Lei n , de São Paulo: Saraiva, p RIOS, Thiago Meneses. Crime de embriaguez ao volante: tipo penal, tipicidade, classificação e consequências da nova redação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n , 25 mar Disponível em: Acesso em: 29 set BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Glossário Jurídico. Disponível em: Acesso em:

7 ou princípio da insignificância, corolário da intervenção penal mínima, somente pode ser aplicado a condutas previstas para proteção patrimonial, não sendo cabível num caso como o presente, em que a incolumidade pública é o objeto jurídico tutelado. Recurso não provido. (TJ-SP - APL: SP , Relator: J. Martins, Data de Julgamento: 16/10/2014, 7ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 04/11/2014) APELAÇÃO. Embriaguez ao volante Princípio da Insignificância Inaplicável Pedido para que a pena seja fixada aquém do mínimo legal Incabível Inteligência da Súmula nº 231 do STJ Pleito de Absolvição Impossibilidade em face de robusto conjunto probatório. Recurso improvido. (TJ-SP - APL: SP , Relator: Otavio Rocha, Data de Julgamento: 22/10/2015, 7ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 28/10/2015) 16 Fica evidente, portanto, que ao crime de embriaguez ao volante não é possível aplicar o princípio da insignificância, pois o bem jurídico tutelado é a incolumidade pública. 5 CONCLUSÃO Por meio dos elementos estudados, conclui-se pela impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância/bagatela nas condutas delitivas positivadas no art. 306 da lei nº 9.503/97 CTB (Código de Trânsito Brasileiro), diante da relevância do bem jurídico tutelado, qual seja, a incolumidade pública. Ressalta-se o caráter fundamental da observância dos requisitos necessários para verificação do princípio da insignificância, no julgamento de casos concretos. A mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada demonstram-se imprescindíveis na aferição da tipicidade penal e adequada aplicação no mundo dos fatos. O crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro se configura com a alteração da capacidade psicomotora do condutor do veículo, por influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. 16 Portal Jus Brasil. Pesquisa de jurisprudência. Disponível em: sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ /apelacao-apl sp /inteiro-teor Acesso em:

8 As controvérsias em âmbito doutrinário e jurisprudencial tem aberto novos caminhos rumo a uma possível e necessária adequação de aplicabilidade dos princípios e normas, no sentido de conceder ao Estado os instrumentos que lhe permitam coibir com eficácia e eficiência os delitos cometidos no trânsito. As infrações em sede de trânsito, especialmente no ramo penal, estão a reclamar cada vez mais conhecimento técnico e clareza nas ações de todos os membros envolvidos na constituição da legislação pertinente, bem como na sua aplicabilidade. REFERÊNCIAS BEM, Leonardo Schmitt de. Direito Penal de Trânsito. 3. ed. ampliada, atualizada e revista. São Paulo: Saraiva, BEM, Leonardo Schimitt de; GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei seca: comentários à Lei n , de São Paulo: Saraiva, BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: Acesso em: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Glossário Jurídico. Disponível em: Acesso em: GOMES, Ordeli Savedra. Código de Trânsito Brasileiro e Legislação Complementar. 9.ed. Curitiba: Juruá, MARCÃO, Renato. Crimes de Trânsito anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei nº 9.503, de ed. São Paulo: Saraiva, RIOS, Thiago Meneses. Crime de embriaguez ao volante: tipo penal, tipicidade, classificação e consequências da nova redação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n , 25 mar Disponível em: Acesso em: 29 set MICHELETTO, Paula. Princípio da Insignificância ou Bagatela. Disponível em: Acesso em:

9 RIBEIRO, Bruno Servello. A atual importância do Princípio da Insignificância no Direito Penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan Disponível em: Acesso em: Portal Jus Brasil. Pesquisa de jurisprudência. Disponível em: sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ /apelacao-apl sp /inteiro-teor Acesso em: TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,