A parceria com as famílias enquanto qualidade na educação infantil
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- Sebastiana Marreiro Carlos
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1 A parceria com as famílias enquanto qualidade na educação infantil Maria Aparecida Guedes Monção Janaina Vargas de Moraes Maudonnet Se há um saber que só se incorpora ao homem experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático. Paulo Freire As discussões sobre a qualidade do atendimento nas instituições de educação infantil nas últimas décadas, no Brasil e no mundo, apontam, dentre outros aspectos, a participação das famílias como um dos critérios relevantes para a melhoria destes programas. Entretanto, no cotidiano das instituições a dinâmica de relações entre profissionais e famílias ainda é permeado por muitas tensões que afetam diretamente as crianças. O estudo realizado por Maria Malta Campos, Jodete Füllgraf e Verena Wiggers (2006a) sobre qualidade na educação infantil, em que foram analisadas as publicações resultantes de pesquisas presentes nos principais periódicos de educação e apresentadas nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED), entre 1996 e 2003, constatou que existem, nas diferentes regiões do país, graves problemas no atendimento prestado à criança pequena, que colocam em risco o desenvolvimento e a aprendizagem das mesmas. A precariedade do atendimento, se expressa segundo essas pesquisas em quatro principais fatores: problemas de infra-estrutura, falta de qualificação profissional, ausência de diretrizes pedagógicas e na dificuldade de comunicação com as famílias (CAMPOS, 2006b). Nesse cenário de tantas contradições entre os direitos das crianças previstos na legislação e as políticas implementadas, as discussões sobre a qualidade da educação infantil brasileira se fortalecem. Neste momento, para além do direito ao acesso, a discussão sobre a qualidade da oferta educacional em creches e pré-escolas se coloca de forma determinante situando as crianças no centro das reflexões. (CAMPOS, 2006a). Todavia, os estudos sobre a qualidade na educação brasileira ainda são incipientes, embora a partir da década de 1990 é possível observar maiores esforços, a exemplo das iniciativas do Ministério da Educação (MEC) na produção de documentos para subsidiar essa discussão (BRASIL, 1995; 2006). Cabe destacar que o conceito de qualidade expresso no documento Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), ancora-se na perspectiva adotada por Anna Bondioli (2004) cuja compreensão de qualidade refere-se a
2 uma construção que exige contextualização histórica e negociação entre os sujeitos envolvidos. Por isso a autora indica, dentre outros aspectos, que a natureza da qualidade é participativa, auto-reflexiva, contextual, processual e transformadora (BONDIOLI, 2004, p.13). Nesse sentido, não é possível pensar a qualidade nas instituições de educação infantil sem considerar a necessidade de compreender esse nível educativo como um direito da criança e da família, o que requer a constituição de espaços de diálogo que favoreçam a construção de ambientes democráticos que primem pela autonomia dos sujeitos envolvidos, sejam eles educadores, famílias ou crianças. A educação infantil é oferecida para, em complementação à ação da família, proporcionar condições adequadas de desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social da criança e promover a ampliação de suas experiências e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformação da natureza e pela convivência em sociedade. (BRASIL, 1994, p.15) É comum nos espaços de formação continuada a constante reclamação das inúmeras dificuldades dos educadores no trato das relações com as famílias. Em muitas unidades, as queixas relacionadas, são de caráter pontual, reduzidas ao âmbito individual de cada família, desconsiderando muitas vezes fatores relacionados ao contexto social em que elas estão inseridas. Isso dificulta a constituição de ações coletivas para o enfrentamento dos desafios que se colocam na complexa tarefa de compartilhar a educação da criança pequena sendo encaminhadas medidas paliativas para solução de problemas ideológicos e estruturais, na maioria das vezes, a partir de ações isoladas no âmbito do projeto pedagógico sem envolver qualquer proposta de democratização da gestão. O processo de compartilhamento do cuidado e da educação é complexo pois envolve muitas emoções, diferentes expectativas, diferentes valores, e a necessidade dos profissionais atentarem para a delicadeza dessa relação assumindo uma postura profissional e menos passional, uma postura educativa, que exige o exercício permanente de compreender a instituição a partir da perspectiva das famílias. Para isso torna-se imprescindível a adoção de práticas de escuta e consideração das manifestações das famílias sobre a educação de seus filhos e a assunção de que os familiares conhecem suas crianças e almejam certas aquisições para eles. A participação das famílias na gestão da proposta pedagógica e no acompanhamento compartilhado do desenvolvimento das crianças é um elemento fundamental quando o foco do trabalho pedagógico tanto nas políticas públicas quanto nas práticas cotidianas são o respeito e a garantia dos direitos
3 fundamentais das crianças. Para isso faz-se necessário o permanente diálogo entre as experiências das crianças no contexto familiar e no contexto da instituição educativa Essa articulação envolve necessariamente a adoção de um perspectiva democrática para a gestão dos sistemas educativos e das unidades educacionais de educação infantil, possibilitando a criação de espaços em que as famílias, ao lado dos educadores possam decidir sobre os rumos do trabalho pedagógico desenvolvido, tal como é preconizado no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, elaborado em 1990: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.(grifos nossos) Entretanto, o envolvimento das famílias no trabalho realizado não é uma tarefa fácil, especialmente em função da trajetória histórica da educação infantil brasileira em que as famílias pouco participam das definições a respeito do atendimento das crianças e são consideradas, em muitos casos, incapacitadas para opinar sobre as questões educacionais em função de sua classe social. As pesquisas realizadas por HADDAD, 1991; CASTELLO, 1992; GEIS, 1994; FRANSCISCATO, 1996; VITÓRIA, 1997; MONÇÃO, 1999, sugerem que as concepções de família, de maternidade e do papel da mulher são elementos centrais para compreensão e avanço na relação entre educadores e famílias. Tais estudos fornecem também alguns indicadores que favorecem a compreensão a respeito das representações sociais sobre a participação das famílias nas creches. [...]a participação das famílias nas creches possibilitaria uma apropriação de informações e conhecimentos técnicos sobre educação infantil e prioritariamente sobre o atendimento prestado, num processo coletivo, favorecendo a democratização do órgão público e estabelecendo uma nova relação entre sociedade civil e Estado, a partir de uma gestão democrática [...] (Monção, 1999, 42-43) Todavia, é preciso lembrar que o exercício da participação exige aprendizagens relativas ao trabalho coletivo, que perpassa em aprender a escutar, falar, negociar, decidir, sempre voltados ao foco, que é a criança, seu desenvolvimento e sua aprendizagem, continuamente em parceria com suas famílias. O norte da prática pedagógica dever ser uma concepção de educação ancorada nos princípios da democracia e na realização do bem comum, considerando o diálogo como
4 elemento chave na formação de sujeitos autônomos que repelem qualquer tipo de dominação que restringe o ser humano a mero receptador, negando sua subjetividade. O exercício do diálogo favorece a aceitação das diferenças e possibilita a abertura para a negociação em busca de tomada de decisões que considerem o coletivo das instituição. Para tanto, rever as ações desenvolvidas junto as famílias, torna-se tarefa urgente, pois em grande parte das instituições família ocupa um lugar passivo seja colaborando com contribuições financeiras, prestação de serviços operacionais em eventos, ou na manutenção da limpeza e conservação dos prédios; seja como expectadores e ouvintes durante as apresentações artísticas das crianças; reuniões de pais e em palestras, especialmente com temáticas de saúde e higiene. O envolvimento das famílias no contexto educativo requer refletir: sobre o significado do compartilhamento da educação da criança e para isso é preciso querer envolver as famílias no cotidiano das unidades educacionais buscando refletir sobre a concepção de educação que norteia esse querer. O que desejamos partilhar? O que desejamos aprender? Realmente queremos a participação das famílias? Qual participação desejamos? Refletir sobre essas questões aberta e coletivamente nas instituições educativas é um processo necessário na busca por desvelar os condicionantes internos para essa participação, e as contradições entre as diferentes concepções e práticas profissionais que envolvem essa relação. Debater sobre essa participação é buscar na instituição a garantia de uma educação de qualidade, pautada em uma política de direitos, principalmente das crianças à uma educação integrada entre os adultos responsáveis por sua educação e cuidado. Referências Bibliográficas: BONDIOLI, Anna (org.). O projeto pedagógico da creche e a sua avaliação: a qualidade negociada. Campinas: Autores Associados, BRASIL. Lei n , de 13 de julho de Dispõe sobre Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: DOU, BRASIL. Política nacional de educação infantil. Brasília: MEC/SEF/ DPE/COEDI, CAMPOS, Maria Malta; FÜLLGRAF, Jodete; WIGGERS, Verena. A qualidade da educação infantil brasileira: alguns resultados de pesquisa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.36, n.127 p , 2006a.
5 CAMPOS, Maria Malta; MACHADO, Maria Lucia. Consulta sobre qualidade na educação infantil: o que pensam e querem os sujeitos deste direito. São Paulo: Cortez, 2006b. MONÇÃO, Maria A. Guedes. Subalternidade ou parceria? Um estudo das representações sociais sobre participação das famílias nas creches Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, MONÇÃO, Maria A. Guedes. A gestão democrática nas instituições públicas de educação infantil: um projeto em construção. Revista do SIPEEM, São Paulo, 2008.
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