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2 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ UNESPAR CÂMPUS DE CAMPO MOURÃO Reitoria Antonio Carlos Aleixo Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Frank Antonio Mezzomo Direção do Câmpus Eder Rogério Stela Versão eletrônica disponível em: Expediente Revista Educação e Linguagens Av. Comendador Norberto Marcondes, 733, Centro CEP Campo Mourão/Paraná educacaoelinguagens@gmail.com site: Fone: (44) O conteúdo dos trabalhos cujos autores e/ou autoras são identificados(as) representa oponto de vista dos(as) próprios(as) autores(as) e não a posição oficial da Revista,do Conselho Editorial ou da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/Câmpus de Campo Mourão. Dados Internacionais de Catalogação para Publicação Revista Educação e Linguagens Universidade Estadual do Paraná UNESPAR. Campo Mourão, v. 5, n. 9, jul./dez Ricardo Fernandes Pátaro (org.), 244p. Semestral ISSN Online Acesso: 1. Educação. 2. Letras. 3. Periódico interdisciplinar. CDU: 370 Indexadores: Dialnet, E-Revistas, Latindex, Sumários.org

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4 ISSN Online Revista Educação e Linguagens Editor Ricardo Fernandes Pátaro Conselho Editorial Adriana Beloti Analéia Domingues Cristina Satiê de Oliveira Pátaro Dalva Helena de Medeiros Elizabeth Labes Fabiane Freire França Frank Antonio Mezzomo Mônica Luiza Sócio Fernandes Ricardo Fernandes Pátaro Willian André Conselho Consultivo Ana Aparecida Arguelho de Souza, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Brasil Andrea Cesco, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil André de Macedo Duarte, Universidade Federal do Paraná, Brasil Célia Regina Vendramini, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Eneida Oto Shiroma, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Fernando Becker, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Florencia Miranda, Universidad Nacional de Rosario, Argentina Ivani Catarina Arantes Fazenda, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Iria Brzezinski, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil Joan Rué Domingo, Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha Josep Maria Puig Rovira, Universitat de Barcelona, Espanha Joaquim Dolz, Université de Geneve, Suíça Maria Filomena Rodrigues Teixeira, Universidade de Aveiro, Portugal Mário Sérgio Vasconcelos, Universidade Estadual Paulista, Brasil Sérgio Antonio da Silva Leite, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Ulisses Ferreira de Araújo, Universidade de São Paulo, Brasil Vera Lúcia Lopes Cristovão, Universidade Estadual de Londrina, Brasil Secretária Executiva Alessandra Diendry Fonseca Capa e Arte Cleverson de Lima Organização, diagramação e revisão Conselho Editorial - Revista Educação e Linguagens

5 **** SUMÁRIO **** APRESENTAÇÃO ENTREVISTA Pesquisas no campo de estudos das religiões - Entrevista com Silvia Fernandes Lara Bonini Thaís Serafim ARTIGOS Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture Wenceslao Machado de Oliveira Jr. Tatiana Plens Oliveira Eduardo de Oliveira Belleza A escola e a construção da inteligência Orly Zucatto Mantovani de Assis O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no ensino fundamental II Laís Maria Álvares Rosal Botler Lívia Suassuna Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o ensino fundamental Rogério Antonio Krupek Geize Aparecida Deon Adriane Froelich Rádio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica Bene Martins Correio Mailson de Moraes Soares Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de Letras-Português na modalidade a distância da UFSC Josias Ricardo Hack Daniela Aparecida de Albuquerque Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, representações e cultura Geiva Carolina Calsa Rosana Lopes Romero

6 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna Antônio Luciano Pontes Demóstenes Dantas Vieira Luan Talles de Araújo Brito La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales Francisco J. Rodríguez Muñoz Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Leandro Moreira da Luz Valker Antônio Correia Maria Izabel Rodrigues Tognato Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado Educativo: uma experiência investigativa Marcela Moura Motta Fernanda Coelho Liberali O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia Fabiana Giovani Moacir Lopes de Camargos Nathan Bastos de Souza Pareceristas ad hoc

7 **** APRESENTAÇÃO **** Desde os primeiros passos, sobretudo a partir da publicação de seu primeiro número, em agosto de 2012, a Revista Educação e Linguagens tem buscado contribuir para o debate acadêmico com discussões e provocações àqueles que se interessam pelas áreas de educação e letras. Enquanto periódico científico com pouco tempo no cenário nacional e internacional, a trajetória da Revista Educação e Linguagens se mescla à igualmente recente história da própria Universidade Estadual do Paraná UNESPAR. Em 2013, com duas edições publicadas, a Revista Educação e Linguagens celebrou sua primeira avaliação Qualis-Periódicos feita pela CAPES, atingindo, em sua classificação mais expressiva, o estrato B3 na área Interdisciplinar. No mesmo ano, foi assinado o decreto de credenciamento da UNESPAR, marco na trajetória da nossa universidade. Em 2014, a Revista Educação e Linguagens ampliou sua abrangência com a publicação de artigos oriundos de pesquisas realizadas por pesquisadores e pesquisadoras de fora do Brasil, no mesmo momento em que a UNESPAR implementou seus primeiros cursos de pós-graduação stricto sensu (Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento PPGSeD/Campus de Campo Mourão e o Mestrado Acadêmico em Formação Docente Interdisciplinar PPIFor/Campus de Paranavaí. No ano de 2015, a Revista Educação e Linguagens passou a ser gerenciada pelo Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). Com o uso dessa plataforma, a Revista reafirmou sua preocupação com a transparência, livre acesso ao conhecimento e agilidade no processo de recebimento, avaliação e publicação de cada edição. No mesmo ano, a UNESPAR destinou recursos institucionais para apoio às pesquisas dos professores e também para as investigações de Iniciação Científica. Neste ano de 2016, celebramos uma nova conquista: a Revista Educação e Linguagens foi avaliada pela CAPES no extrato B2 na área de Ensino e B2 também na área de Letras/Linguística. Em primeiro lugar, tal resultado vem coroar o trabalho sério e ininterrupto realizado pelos Conselhos Editorial e Consultivo da Revista Educação e Linguagens, mas também inaugurar um novo ciclo para nosso periódico, 7

8 que exigirá a manutenção e ampliação das conquistas até aqui alcançadas. Em um momento de sérias dificuldades pelas quais passam as universidades públicas brasileiras, situação vivida também pela UNESPAR no estado do Paraná, o resultado positivo alcançado pela Revista Educação e Linguagens no Qualis- Peiódicos/CAPES impulsiona nosso trabalho, que se intensifica, com o compromisso de manter o ritmo de expansão e alcançar ainda novas conquistas. Fechando um ciclo de cinco anos ( ) com visível desenvolvimento, não podemos deixar de mencionar a orientação, assíduo acompanhamento e total apoio recebidos da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UNESPAR, na figura do Prof. Frank Antonio Mezzomo, sem o qual a Revista Educação e Linguagens certamente não teria alcançado o crescimento que demonstrou nesses primeiros anos de trabalho, juntamente com o intenso crescimento também de nossa universidade. Em meio à celebração das conquistas e reorganização para viver novos desafios, convidamos à leitura dos artigos publicados nesta edição, contribuições de pesquisadores e pesquisadoras vinculados a instituições de ensino superior e programas de pós-graduação nacionais e internacionais que possibilitam pensar e repensar a língua, a escrita, a literatura, as artes, as linguagens e a educação. Boa leitura a todas e a todos! Ricardo Fernandes Pátaro Editor da Revista Educação e Linguagens 8

9 PESQUISAS NO CAMPO DE ESTUDOS DAS RELIGIÕES ENTREVISTA COM SILVIA FERNANDES Lara Bonini * Thaís Serafim ** Silvia Regina Alves Fernandes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1996), mestre (1999) e doutora (2004) em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós-doutorado realizado na Universidade da Flórida, Estados Unidos (2013), e pesquisadora Sênior/CAPES no Center For Latin American Studies and Departament of Religion ( ). Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais PPGCS da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e líder do grupo de pesquisa Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião. Autora dos livros Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades (2010) e Novas Formas de Crer-católicos, evangélicos e semreligião nas cidades (2009), e organizadora das obras Direitos Humanos e Assistência Religiosa no Sistema Socioeducativo: desafios formativos (2010), Mudança de religião no Brasil: desvendando sentidos e motivações (2006), Catolicismo e Experiência Religiosa no Piauí (2005), O padre no Brasil: interpelações, dilemas e esperanças (2005), Desafios do Catolicismo na Cidade (2002), além de vasta produção de capítulos de livros e artigos científicos. A entrevista gentilmente cedida pela pesquisadora Silvia Fernandes, foi realizada na Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão, e aborda temáticas relacionadas às experiências de pesquisa, ao campo de estudos das religiões, juventude e estudos transnacionais. Conte-nos um pouco a respeito da sua formação, e quais as motivações ao pesquisar sobre o campo religioso, temática presente desde sua graduação. Silvia Fernandes: Essa coisa da construção da trajetória, a partir da fala, para mim é curioso. Você verbalizar aquilo que é uma experiência vivida, como é que você constrói isso, mas vamos tentar. Quando eu fui fazer uma apresentação do meu livro Jovens religiosos e o catolicismo - escolhas, desafios e subjetividades, eu pensava exatamente sobre isso: o que tinha me levado a fazer uma tese de doutorado sobre jovens motivados ao ingresso na vida religiosa? E claro, eu fiz uso do Weber para dizer que somos movidos pelos interesses. Um conjunto de interesses que nos 9

10 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura levam para determinadas escolhas de objetos de pesquisa. O grande desafio é você conseguir fazer com que seus interesses não sejam enviesados a ponto de interferirem no seu processo produtivo, na produção do conhecimento, mas a rigor ninguém pode negar os próprios interesses. Então pensando nisso, é claro que fica óbvio para mim, eu venho de uma família extremamente católica, que tem uma história familiar de dois irmãos que seinteressam pela vida religiosa, minha irmã vai para um convento e meu irmão para um seminário e então eu me perguntava: o que está acontecendo, está todo mundo entrando para essas instituições? Porque é uma discussão sobre instituições. Isso foi, de certa maneira, o pano de fundo para o meu interesse em estudar o campo religioso. Sendo natural de um município pequeno - Italva/RJ, nós tínhamos um tipo de religiosidade muito forte, que os pais levam as crianças muito cedo para a religião, se faz primeira comunhão muito cedo, então o meu interesse pela religião vem desde muito pequena. É claro que a partir do momento que você vê a religião como um fenômeno social muda também, naturalmente, a sua maneira de se relacionar com a religião do ponto de vista pessoal. Você estuda isso e ao mesmo tempo, você se relaciona com isso, e a produção do conhecimento sobre esse fenômeno social afeta também a sua maneira de aderir à religião, pois novas questões se colocam para você como indivíduo e não só como pesquisador da religião. Eu começo na graduação estudando a Renovação Carismática, por que a minha professora Cecília Mariz, me introduz na pesquisa/campo da religião, ela estava desenvolvendo uma pesquisa e precisava de alguém que fizesse entrevistas com pessoas que se inserem em grupos carismáticos. Eu iniciei as entrevistas, eu não era da Renovação Carismática, mas eu tinha contato com pessoas, e me intrigava muito essa nova maneira da Igreja Católica se apresentar. Isso eu estou falando da década de noventae para mim era estranho, porque eu pensava: no que a Renovação Carismática se assemelha à Igreja evangélica? Porque eles têm esse jeito de cantar e se abraçar? Esse cultivo de uma emoção muito privada, dentro de um contexto muito coletivo, muito ritualístico que é a missa (dentro da missa você chora, bate palma, etc). Eu vinha de uma diocese - eu participava quando criança - profundamente tradicionalista que não aceitava as Renovações (isso em 1975), eu me lembro muito bem, de chegar na igreja (lá pelos meus sete anos) e o padre estar rezando a missa em latim e de costas, e a gente sabia as respostas em latim (meio que decoradas), a gente falava o que todo mundo falava. Então você imagina, era bem difícil você sair de uma 10

11 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura diocese tradicionalista, eu já jovem trabalhando/estudando no Rio de Janeiro, eu estranhava. Eu também tenho uma trajetória pessoal que me colocou junto de grupos que estudam e participam de comunidade eclesial de base. Eu não participo efetivamente, mas me relaciono com amigos que participavam e que eram também da Pastoral da Juventude e que tinham toda uma percepção de igreja inserida na política, de uma juventude que achava que ia mudar o mundo pela política. Muitos dos meus amigos eram filiados ao Partido dos Trabalhadores e havia uma utopia de mudança pela via religiosa também. Eu estou nesse tema, não filiada a nenhum partido, mas de certa maneira interagindo com pessoas com essa percepção de fé e vida pelo movimento carismático, depois a gente vai questionar isso pela literatura, mas em um certo momento fé e vida é você ler a bíblia dentro de uma perspectiva politica e fazer mudança social, então a gente tem esse tipo de utopia. Suas pesquisas enveredam por caminhos que cruzam as diferentes questões institucionais do catolicismo. Nesse sentido, como a Renovação Carismática Católica (RCC) e a Fraternidade Toca de Assis são visualizadas, enquanto movimentos institucionalizados da Igreja Católica? Silvia Fernandes: Eu começo pelo catolicismo, depois que eu vou ampliando para o campo religioso brasileiro, pensando no cristianismo mais diretamente falando, tanto de religiões neopentecostais e pentecostais dessa expansão das igrejas, quanto à própria renovação do catolicismo. Quer dizer, são os catolicismos porque as pessoas têm diversas maneiras de se inserir na Igreja Católica, de se sentir participante. Se você quiser pegar só o catolicismo na sua trajetória você vai pesquisar muita coisa, tem um grande campo de investigação: a vida sagrada dentro do catolicismo, a própria juventude, os grupos carismáticos, a própria hierarquia, as subculturas institucionais. Por exemplo, uma coisa é você olhar o que é a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), outra coisa é você olhar os pequenos grupos que se articulam e opinam nessa grande discussão, nessa grande conferência que é a CNBB do ponto de vista das lideranças. Outra coisa é você olhar a adesão dos fiéis, como se inserem na igreja, os conflitos, por exemplo, as controvérsias que existem. Recentemente a gente teve a questão do aborto, toda a polêmica que gerou, sobretudo pela questão da laicidade. Em que medida o Brasil, que tem o catolicismo como sua religião fundante, estabeleceu e estabelece relações com o Estado, e como essas mediações se dão, que controvérsias são geradas através disso, então eu diria: se você olhar o catolicismo, você vai saber 11

12 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura que tem a Igreja Católica, e instituições, e grupos que estão formatando o que a gente chama de catolicismo. Sobre a Renovação Carismática é muito diferente, mas ao mesmo tempo demarca uma identidade muito católica. Até mesmo para garantir uma certa legitimidade dentro da instituição, já que eles eram tão parecidos, tinham traços com o pentecostalismo, era importante eles manterem um pouco dessa identidade católica, issoé uma coisa que se você acompanha, faz parte da trajetória da Renovação. Somos católicos, temos um papa, sou feliz por ser católico - o padre Marcelo Rossi traz esse slogan. É importante afirmar a identidade católica quando a maneira de se relacionar com a instituição lembra um pouco o que vinha do pentecostalismo. E claro, o grande diferencial da Igreja Católica com as igrejas protestantes é a não segmentação. Quando a Igreja Católica experimenta um novo tipo de movimento dentro dela, que eventualmente possa gerar algum tipo de cisma, ela absorve e não vai ter a segmentação. Não tem a Igreja Católica x, a, b, c ou d, ela tem essa habilidade institucional de lidar com aquilo que diverge das normas e orientações oficiais, e institucionalmente usa algumas estratégias e mecanismos de controle. Então a Renovação Carismática já é bem aceita dentro da igreja, mas para ela chegar onde chegou hoje, ela recebeu um conjunto de orientações. Na década de noventa tem um documento que saiu da CNBB que o titulo é: Orientações pastorais sobre a Renovação Carismática no Brasil 1, e aí você lê, não pode fazer isso, não pode falar em língua, não pode batismo no espírito, porque as pessoas já eram batizadas e isso criava um certo mal-estar. E esse estudo das novas tendências dentro da Igreja Católica, isso me persegue um pouco. Recentemente nós concluímos a pesquisa sobre a Toca de Assis 2, também de inspiração carismática, mas ao mesmo tempo com uma conotação diferente porque eles não se afirmam carismáticos, apesar da inspiração que vem da Renovação de lidar com a religião. Mais recentemente eles se firmam como instituição dos Filhos e filhas da pobreza, oque era um movimento fundado por um Padre dissidente da congregação, vira um instituto religioso, com regras, convenções normais da congregação. Então mais uma vez a Toca de Assis é um exemplo disso, de como determinados carismas que aparecem dentro da instituição são rapidamente burocratizados e formalizados para que a instituição consiga dar conta do que seria um movimento mais dissidente. Lembro no início que a Toca de Assis também recebeu muitas críticas institucionais: que os jovens entravam muito novos e tinha um nível de radicalidade muito forte, eles ficavam doentes porque ficavam muito 12

13 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura tempo ajoelhados, além disso, tinha a questão de saúde pública, porque eles cuidavam e lidavam com população de rua, sem se cuidar, não usavam luvas, estavam expostos a qualquer tipo de doença. Então isso assusta a instituição, vamos organizar tudo isso, cadê o bispo responsável por esse grupo, quem é que vai acompanhar, e hoje a Toca de Assis tem outra configuração, eles dizem que noinício foi assim, mas que hoje aprenderam, pois a igreja é a nossa mãe, a igreja nos orientou, então rapidamente tem essa adesão institucional. Como foi sua experiência de atuação no CERIS - Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais? Silvia Fernandes: Minha experiência de trabalho, antes da universidade ainda, foi no CERIS (Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais), uma experiência de sete anos com pesquisas em religião. O CERIS tinha uma certa autonomia de propor que tipo de fenômeno queria estudar no cenário religioso brasileiro, embora ele fosse um órgão que se autodenominava órgão anexo da CNBB, ele tinha um estatuto, era um órgão da Conferência dos bispos, na década de sessenta, justamente num período de forte urbanização ainda no Brasil. A Igreja Católica experimentando o processo de urbanização e as consequências dele dentro das paróquias, muita gente imigrava do campo para e cidade, e enfrentava um certo desamparo na cidade. Então tinha uma preocupação da igreja em como lidar com o mundo urbano, então você escuta falar dentro da Igreja Católica de pastoral urbana, oque é? É conseguir entender oqueestá acontecendo no cenário urbano e atuar nesse cenário como igreja, e já tinha todo aquele ar, provavelmente final dos anos 1960, fechando com o final do II Concílio do Vaticano. E o CERIS é fundado neste período, por um bispo que era Sociólogo, D. Afonso Grégori. Então quando eu entro no CERIS em 1999, já era uma instituição antiga, já tinham passado pessoas interessantíssimas do campo da Sociologia da Religião como o Pedro Ribeiro de Oliveira que é uma referência até hoje, o professor Rogério Vale que depois migra para área mais específica da Sociologia do Trabalho e várias pessoas passam pela instituição e dão contribuições importantes para estudar a religião no cenário da cidade. Nos sete anos de trabalho no CERIS, a gente fez várias pesquisas, relacionadas com interesse e solicitação da CNBB por vezes, como no caso daquela pesquisa que resultou no livro intitulado Mudança de religião no Brasil: desvendando sentidos e motivações. Essa pesquisa foi muito importante por ter me 13

14 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura apresentado essa questão da motivação do indivíduo para sair ou entrar no catolicismo, e aí já estamos falando de períodos mais recentes, e antes a gente fez uma pesquisa também muito importante chamada Desafios do catolicismo na cidade, essa foi uma pesquisa em seis grandes regiões metropolitanas brasileiras, para olhar também a diversidade de crenças e práticas, oque as pessoas fazem no catolicismo. Eu não projetei essa pesquisa, quando entrei no CERIS ela já estava em desenvolvimento, tinha a Andreia Damacena que atualmente é uma pesquisadora que vive fora do Brasil, também a Cátia Medeiros e mais um conjunto de pesquisadores. E quando euentro, essa pesquisa já estava em fase de conclusão de coleta e a gente tem então a possibilidade de ler e interpretar os dados, e resultou nesse livro com o Luis Alberto Gomes de Souza, que era diretor do CERIS. E a gente organizou o livro que é um marco para mim nos estudos do catolicismo urbano, não temos muitas referências depois desse livro, em relação àsurveys e estudos quantitativos. O CERIS possibilita não só pensar o fenômeno urbano religioso, como também me especializar nas metodologias do trabalho de pesquisa, por exemplo, a gente teve um estudo bem interessante queestava relacionado com um projeto que a gente chamava de diagnóstico de bairro. Uma ONG (Organização não governamental) no bairro de Santa Teresa - RJ solicita ao CERIS um diagnóstico de bairro para trabalhar com desenvolvimento local. A gente faz um estudo bem interessante buscando várias metodologias de trabalho, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo, para chegar a um diagnóstico de como é o bairro de Santa Tereza, e como que esse bairro pode se fortalecer do ponto de vista do desenvolvimento, seja no campo da política, da saúde, de várias esferas que a gente analisou. No início dos anos2000 o CERIS, como em várias ONGs no Brasil, começa a ter um problema com financiamento, porquea cooperação internacional, que era uma rede de agências que apoiavam instituições como o CERIS no Brasil, alega que os recursos estão escassos, e que iriam começar a apoiar mais projetos na África. E isso, de certa maneira, me fez pensar na possibilidade de ingressar na universidade como outro espaço de produção, isso eu estava terminando o doutorado em 2004, e até então eu estava na universidade me formando (graduação, mestrado e doutorado), mas do ponto de vista de trabalho eu estava no CERIS, com esse cenário eu começo a pensar em ir para universidade. Então as perspectivas de pesquisa e de atuação no CERIS se consolidam na Universidade? 14

15 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Silvia Fernandes: Em 2005 eu faço concurso e começo a dar aula em 2006, minha trajetória na universidade, do ponto de vista de trabalho é recente. Claro, ao entrar na universidade vou pensando em novos objetos de pesquisa, reunindo a experiência anterior, do que se colocava como desafios. Eu já tinha concluído a tese sobre juventude católica, então eu resolvo ampliar os estudos da juventude com outras esferas como a política, que é oque a gente vem fazendo desde É interessante pensar que a experiência de doutorado e mestrado me aproximou muito das congregações religiosas católicas, porque eu faço estudo sobre freiras no mestrado e até hoje eu tenho essa relação com as congregações. Já fiz avaliações institucionais bem interessantes, como por exemplo, Os Oblatos, que é um grupo masculino de padres que pediram uma avaliação há pouco tempo, também fiz uma com o pessoal de um antigo colégio do Rio de Janeiro chamado Assunção. Então frequentemente eu estou em contato com grupos de padres e congregações masculinas e femininas seja para assessoria ou palestra, reordenamento no planejamento deles, do ponto devista da própria inserção de onde eles estão. Eu transito muito em um universo que eu diria que é acadêmico e institucional na perspectiva da Igreja Católica, eu transito muito por estes dois campos. É uma trajetória que vem se consolidando basicamente dentro dessas duas grandes linhas. A experiência internacional começa pelo contato do CERIS e vai se consolidando a partir da universidade, por exemplo em 2011 eu já estava na universidade e eu vou para Alemanha em razão de um contato anterior do CERIS, então tem um conjunto de experiências internacionais do ponto de vista do trabalho que se fortalecem na universidade, mas que foram construídas antes. Tendo em vista a realização do seu pós-doc na Universidade da Flórida, como você avalia as discussões feitas nos EUA e no Brasil sobre a religião? Quais aspectos e diferenças contextuais ficaram mais visíveis no desenvolvimento de seu trabalho? Silvia Fernandes: No pós-doutorado eu concentrei na tentativa de comparação entre a produção científica sobre juventude e religião nos Estados Unidos, pensando na perspectiva católica inicialmente. Eu queria pesquisarsobre a questão da Renovação Carismática nos Estados Unidos e os jovens que estavam inseridos. Como os grupos carismáticos se apresentavam no país onde nasce a Renovação Carismática, na década de sessenta. E euqueria estabelecer alguns pontos de 15

16 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura comparação como: será que os jovens que estão participando do movimento carismático lá têm questões e rituais parecidos com os nossos, no Brasil? E como é a produção lá, já que os Estados Unidos é um país bem protestante, bem diferente do nosso aqui. E na formatação do meu projeto eu não encontrava muita bibliografia, quase nada para ser sincera, que comparasse Brasil e Estados Unidos, do ponto de vista da religião, e isso me chama a atenção, essa falta de comparação entre esses dois países sobre o fenômeno religioso. E eu tinha uma hipótese que, do ponto de vista de religião predominante, nós temos religiões predominantes diferentes, aqui é o catolicismo e láé o protestantismo, mas eles têm também uma diversificação de todo o movimento pentecostal, os chamados Revivers. Meu projeto tem dois olhares, um sobre a produção dos pesquisadores norte-americanos em relação ao jovem com a religião, e dentro disso afunilando ainda mais para o movimento carismático, e por outro lado a própria experiência juvenil, qual o perfil dos jovens norte-americanos inseridos na Renovação Carismática, se estão interessados em política ou não. A Renovação aqui no Brasil, sofreu muita crítica (talvez hoje menos), em razão dela ser mais voltada para o que seria uma dimensão espiritual e menos da política, tanto que para combater essas críticas ela acaba criando ministérios da política, assim como tinha fé e política na Pastoral da Juventude. Então essa era umas das minhas questões-problema, e quando eu começo a levantar essa bibliografia eu identifico claramente quais tendências aparecem nessa produção norte-americana. Primeiro porque você tem muitos estudos de pesquisadores vinculados às universidades católicas, então essa foi a primeira constatação levantada e outra que me surpreendeu, não só a mim, mas também ao meu colaborador na Universidade da Flórida, o Prof. Emanuel Vasques, era que a abordagem vinha muito da Psicologia, então se você jogasse numa busca: juventude e religião, quem estava pesquisando? O pessoal da Psicologia. Tentando olhar a interferência da religião nos processos de desenvolvimento juvenil, a relação entre adolescência, juventude e religião. Primeiro que eu tive que incluir na busca o termo adolescência, porque se eu fosse só pela categoria juventude eu não achava nada. Por isso esse acento muito forte na Psicologia, muita produção do adolescente com a questão do desenvolvimento psicológico. Por exemplo, as pesquisas que a gente faz aqui no Brasil sobre universitários e religião, nos Estados Unidos também há, mas acho que a gente tem mais produção que eles, pelo que pude perceber. Foquei minha busca de pesquisas em periódicos, nas bases da biblioteca que a 16

17 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Universidade da Florida oferecia, fiz um trabalho minucioso em cima dessas bases. Eu fiquei cinco meses no pós-doc fazendo o trabalho de levantamento bibliográfico. E na pesquisa em campo, pesquisei especificamente os jovens universitários, porém foi exploratório de um ano, então ainda não posso falar com propriedade sobre os jovens norte-americanos. Acho que a experiência do campo é uma experiência muito incipiente ainda, mas claro que estamos abrindo convênios para tentar trabalhar juntos. Tentar juntar o departamento de religião do Center For Latin American Studies and Department of Religion, na Universidade da Flórida, e a gente está organizando a Conferência anual de religião para 2017, então vamos trazer pesquisadores de diferentes lugares e religiões e eu vou apresentar um painel sobre juventude e religião. Essa parceria com o Centro vai permitir que se explore mais essa perspectiva, que ficou esboçada como um problema de pesquisa no meu pósdoc. Então eu entrevisto os jovens que estão na Universidade da Flórida e que participam do Centro Católico da Paróquia de Santo Agostinho que fica na cidade de Gainesville, e faço o trabalho de campo, indagando como eles formatam suas palestras, que tema eles trabalham. E uma conclusão que a gente chegou é que há uma grande diferença na maneira de se expressar. O que aqui no Brasil a dimensão corporal no rito (o toque, o abraço, o choro) é bem evidente, a gente não observa lá nesse pequeno grupo que tive contato. Eles são espiritualistas, estão vinculadosa tradição da igreja, eles fazem uma coisa que é o Human Rosary, queé sair em formato de rosário humano pelas ruas da cidade para divulgar o terço com uma maneira de devoção. Entãoesses jovens têm toda uma relação com o catolicismo mais tradicional, como a Renovação Carismática também, e muitos desses jovens são da Renovação, mas do ponto de vista da expressão da religião eles são bastante reservados. Oque eu imagino a partir do campo, mas que eu não tive tempo de explorar é que isso seja uma questão cultural, e talvez por serem jovens universitários norte-americanos. Porque aqui no Brasil mesmo sendo jovens universitários oriundos da Renovação Carismática, eles têm essa expressividade, então a gente pode dizer que a racionalização quea universidade dá, não retira dos jovens carismáticos do Brasil aquilo que seria próprio da expressão carismática aqui, então no Brasil isso não tem nenhuma interferência da universidade. Nos Estados Unidos pode ser que tenha, então é uma coisa que é para investigar. Quando eu olho os jovens latinos que vivem nos EUA e que são da Renovação Carismática, eles já têm um outro perfil, que é mais próximo com o perfil daqui. Então quando 17

18 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura você for olhar os jovens americanos, você também tem que fazer um recorte no que se refere a origem familiar e cultural, e imagino que tenham diferenças regionais importantes. E a partir da sua experiência de pesquisa no exterior, quais os principais ganhos significativos em seu caminho enquanto pesquisadora do campo das ciências da religião? Silvia Fernandes: Eu digo que o período do pós-doc foi interessante primeiro para ampliar, eu sempre acho que olhar o outro ajuda a gente a entender a gente mesmo. Então estudar o catolicismo no Brasil, o fenômeno religioso no Brasil e a sua relação com o ordinário da vida, pois quem estuda religião do ponto de vista científico, jamais está estudando religião pela religião, a estuda para entender a relação com a vida ordinária e que sentido essa variável vai nos permitir fazer relação com a modernidade e outros campos. Então é um grande equívoco quando alunos vem para um grupo de pesquisa como acontece na UFRRJ: ah tem uma professora que estuda religião e eu sou religiosa vou para o grupo dela, e quando entra toma um susto, porque não tem ninguém fazendo apologia à religião, tentando entender a religião como um fenômeno importante na vida social. E quem estuda a religião no Brasil e olha só a religião no Brasil, já teria, como diz meu colaborador Manuel Vasques da Universidade da Flórida, um campo vastíssimo de investigação. Mas nesse momento da minha vida acadêmica eu senti necessidade de olhar de fora, o de fora para entender melhor o de dentro. E entender como essemesmofenômeno orienta e organiza a vida social em outros países, então estou muito interessada nos estudos transnacionais. Para América Latina eu também tenho o interesse em fazer algum estudo comparado com países da América do Sul, então tem que expandir, estudar só olhando para gentemesmo é muito complicado às vezes. É claro que tem campo, mas por outro lado, é como o pintor: ele só vai enxergar melhor a própria tela quando se afastar dela, colocar distância para enxergar melhor. É o que me interessava no pós-doc, a gente está estudando a mesma coisa há anos, inserida no campo religioso brasileiro, e dando as mesmas explicações para esses fenômenos, que mudam. O que são os sem religiões no Brasil? Como é a expansão do budismo no Brasil? Por exemplo, como a genteestá lendo isso e daí a gente fala de modernidade, de individualismo na cultura, e será que são só essas chaves explicativas? Por isso quis ir para fora, olhar oque os pesquisadores estavam produzindo lá, para ver quais chaves explicativas eles também estão trazendo. E a 18

19 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura gente encontra muita coisa interessante, como o trabalho de uma pesquisadora da Inglaterra, que tem uma produção interessante de estudos da religião nos Estados Unidos, ela chama a atenção para a dimensão da localidade e da materialidade dos estudos da religião com o espaço, e se você olha no Brasil, por exemplo, que eu discuto um pouco no capítulo do livro sobre religião no censo organizado pelo Faustino Teixeira e Renata Menezes, que é o fato das pessoas se deslocarem, mudarem de localidade, como isso altera o cotidiano da vida, nessa materialidade, a ponto deles mudarem de religião. É um pouco diferente do queestava sendo dito na década de setenta, quando você tinha um processo imigratório que a explicação para expansão do pentecostalismo e evasão de fiéis do catolicismo. Então você tem um sujeito que vem da cidade pequena para os centros urbanos ele se sente deslocado ali, e ele vai encontrar novas formas de sociabilidade, e o pentecostalismo vai responder por isso. Essa é a ligação da religião com o processo de imigração. Oque eu estou falando agora é que a gente não tem mais a questão da imigração, agente não tem mais o boom da imigração. Hoje em dia as pessoas estão mais assentadas em suas cidades, porque o processo de urbanização avança e ele também incorpora as cidades de pequeno e médio porte e em algumas regiões isso tem maior intensidade. Não estou dizendo que as pessoas mudam de cidade e mudam de religião, mas é uma das chaves explicativas, de que a mudança espacial altera os modos de vida. Eu tenho essa inquietação, porque a gente sempre atribui à modernidade e a individualidade? Eu estou perseguindo e acho importante não se conformar com as chaves teóricas que a gente herdou de outros pesquisadores, mas também como a gente constrói as nossas e como os outros nos inspiram a construir as nossas. A gente se lê pouco também eu acho, é curioso como muitos pesquisadores estudam coisas parecidas com oque vocêestá estudando e não leu absolutamente nada do que você escreveu e vice e versa. Esse é um cuidado muito importante que temos que ter. Sobre a discussão que trata da relação entre juventude e religião. Atualmente os dados dos censos demográficos demonstram um crescimento expressivo da categoria sem religião, principalmente no segmento juvenil. A que você atribui tal fenômeno? Silvia Fernandes: Pois é, a gente tem poucas explicações para esse fenômeno, o fato da gente ter essa intensificação dos sem religião no Brasil ainda suscita mais perguntas do que respostas. Isso vem do censo brasileiro de 2000, a gente ficou dez 19

20 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura anos sem saber que isso estava acontecendo e o censo inquieta e traz algumas tentativas de interpretação do fenômeno que começam com os estudos da Regina Novaes, do que ela chama de ventos secularizantes da religião e depois um trabalho bem interessante da Denise Siqueira que estuda pessoas sem religião e ateus também. E as pesquisas que a gentefez, essa também que eu mencionei Mudança de religião no Brasil, a gente mapeia os sem religião a partir do censo - em 2006 a gente já tinha os resultados de 2000 do censo IBGE - e a pesquisa grande, pouco divulgada. Em As novas formas de crer que a gente mapeia do ponto de vista qualitativo, em profundidade com pessoas sem religião, e esse projeto da pesquisa já era uma tentativa de compreensão desse movimento novo de desvinculação institucional no Brasil, porque oque inspira nesse projeto é que novas expressões de crenças estão aparecendo tanto para pessoas que estão vinculadas institucionalmente, como Assembleia de Deus, Renovação carismática, quanto para pessoas que se declaram sem religião. E a gente encontrou um perfil diferenciado a partir das cidades, os sem religião muito racionais, mas basicamente crentes, poucos ateus no grupo dos sem religião no Brasil e isso nos levou a olhar mais de perto essa questão da juventude, também a partir das bases do censo. Como é que a gente explica isso, oque a gente atribui a esse fenômeno? Um conjunto de hipóteses, mais do que explicações. Uma primeira é que tínhamos mapeado pouco em seguimentos juvenis, em termos de vinculação religiosa. Então isso começa a aparecer mais fortemente agora e essa fase da vida em que o jovem está ali, ou saindo de casa, ou estudando ou constituindo família é um momento que ele parece ter pouco tempo para religião do ponto de vista das igrejas. O indivíduo está sereformatando em diferentes esferas da vida, está definindo família, estudos e trabalho, ele está com os três grandes campos, que ele está consolidando suas experiências. E a pergunta, que é uma hipótese, que lugar que a religião tem na vida desse indivíduo? Ela não parece se colocar como essencial do ponto de vista do vínculo e da frequência. E é muito importante a gente ver se os jovens sem religião, nesse segmento de até 29 anos, está mais presente nas classes populares, esse recorte de classe nos ajuda aentender melhor. Essa também é uma possibilidade interpretativa, porque quando você instiga esses jovens a falarem dessa relação com o campo religião, eles não são sem religião, eles têm religiosidade que eles cultivam, alimentam de alguma forma, mas não do ponto de vista de agregar a vida dele para além da constituição de família, trabalho e estudo também esse outro campo 20

21 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura institucional, porque tanto família, trabalho e estudo vai tomar horas do dia dele, é como numa escala: você tem um monte de dinheiro e de repente fica sem. Oque você corta? Não corta a comida né. Você corta outras coisas, a academia, a terapia... Coisas que você consiga viver minimamente sem eles. Parece-me que essa também é uma das possibilidades. Por outro lado há, o que acho que é uma questão de época mais ampla que a questão da contingência, há o que a Regina Novaes chama de espírito de época 3, a partir do trabalho do René Decol, que é um demógrafo, que também paradoxalmente demanda vínculos institucionais, porque isso que é preocupante a afirmação de que nós temos desinstitucionalização no Brasil já. Porque você tem a Igreja Universal agora que consegue recrutar naquele projeto Gladiadores do Altar 4, que é um conjunto de jovens que vive experiências radicais, porque eles formam um exército chamado de gladiadores e se você olha, eles estão organizados em fileiras, eles tem uma espécie de marcha, que se você for para Igreja Católica você também vai encontrar mas em proporções e narrativas diferentes, você também tem os Arautos do Evangelho 5, uma juventude que se caracteriza pela roupa e pelo estilo em defesa da fé, esta aí uma boa ideia de pesquisa: pega Gladiadores do Altar e Arautos do Evangelho e olha esses dois grupos como segmentos juvenis. É uma preocupação instigante e desafiadora! Nesse campo interpretativo de olhar os jovens que se vinculam às instituições me parece que tem uma dimensão mais de conjuntura de época, que tem relação com a idade, das relações com a modernidade, que geram um efeito reverso de que já que tenho tantas preocupações, vou em busca de uma instituição que me de segurança, pode ser também uma forma de ser reconhecido, pois na instituição ele se torna alguém. A juventude é sempre vista com uma dimensão de futuro, e essa ideia não pode ser negada, mas eu acho ela absurdamente cruel, porque as gerações anteriores não construíram eventualmente o futuro, o bom futuro que elas cobram da juventude hoje, então é cruel depositar nas costas do jovem de hoje a responsabilidade da construção de um país melhor que não foi construído antes, e no Brasil a gente tem muito isso: o jovem é o futuro do país. É muita responsabilidade você mudar se o que lhe foi herdado não está bom. Eu sempre brinco que a juventude sempre fica na berlinda da sociedade porque poucas pessoas leem jornal no país, e se você vai criticar alguém pela sua desinformação, você critica o jovem, o jovem é desinformado, imagético, não tem interesse pelas noticiais. E é o contrario, o que vemos nas pesquisas é que ele está muito antenado, 21

22 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura sobretudo agora na era da internet, mas de qualquer maneira eles são vistos por determinados segmentos sociais como aquele que sempre precisa de um adulto por perto para impedir que eles façam alguma bobagem. Só que se você pega a maioria da população adulta ela também é desinformada, também não lê jornal, mas se você for comparar, o jovem fica como para raio, para o bem ou para o mal ele está sempre ali recebendo qualquer tipo de impacto. Bom, e para compreender o movimento dos sem religião no Brasil nós temos várias hipóteses, pelo fato de termos um pluralismo religioso maior, em que ser sem religião é mais uma possibilidade também, e essa é uma declaração que nos aparece agora, hávinte anos, com maior ênfase, ser sem religião também está dentro das possibilidades e do contexto religioso do país, também é um processo de modernização religiosa do Brasil, então nós temos os sem religião religiosos, mas a gente ainda não sabe muito. Eu gosto de me provocar e provocar as novas gerações de pesquisadores da religião em criar novas chaves explicativas e não se conformar com explicações mais confortáveis eu diria. Por exemplo, quando eu publiquei a tese de doutorado sobre jovens religiosos, católicos, os meninos e as moças que se sentiam motivados a ingressarem nos conventos e seminários hoje, de uma juventude que cresce sem religião... E aí você se deparar com jovens, diferentemente de uma desvinculação religiosa, querendo fazer uma experiência mais religiosa, de vinculação religiosa nesse contexto de modernidade, esse jovem quer se contrapor ao que seriam os ideários de modernidade. Notas * Lara de Fátima Grigoletto Bonini é mestre pelo PPGSeD Programa de Pós-graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento da Universidade Estadual do Paraná Unespar/Campo Mourão PR. Integrante do Grupo de Pesquisa Cultura e Relações de Poder. Graduada em Turismo e Meio Ambiente pela mesma instituição. laraboninipr@gmail.com ** Thaís Serafim dos Santos é mestre pelo PPGSeD Programa de Pós-graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento da Universidade Estadual do Paraná Unespar/Campo Mourão PR. Integrante do Grupo de Pesquisa Cultura e Relações de Poder. Graduada em Psicologia pela Universidade Paranaense Unipar, Umuarama/PR. E- mail: serafim_thais@hotmail.com 1 O documento confeccionado no ano de 1994, por meio de Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), orienta as diretrizes primordiais da Renovação Carismática Católica (RCC). Disponível em: Acesso em: 24 abr Para mais informações sobre a Fraternidade Toca de Assis, fundada no Brasil no ano de 1994, conferir 22

23 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura 3 Cf. Os jovens sem religião : ventos secularizantes, espírito de época e novos sincretismos. Notas preliminares. Disponível em: Acesso em: 24 de abr. de O projeto "Gladiadores do Altar", da Igreja Universal do Reino de Deus, é destinado ao segmento juvenil, e possui como objetivo o trabalho de evangelização. Disponível em: html. Acesso em: 24 de abr. de A associação Arautos do Evangelho, da Igreja Católica, é composta predominantemente por jovens que dedicam-seao apostolado e a evangelização. Disponível em: Acesso em: 24 de abr. de Recebido em: junho de Aprovado em: agosto de

24 EM BUSCA DE OUTRAS IMAGENS NA EDUCAÇÃO: RELATO DE UMA IN-DISCIPLINA ENTRE ESCOLA E CULTURA Wenceslao Machado de Oliveira Jr. * Tatiana Plens Oliveira ** Eduardo de Oliveira Belleza *** Resumo: O artigo é um desdobramento da experiência vivida numa disciplina de graduação na qual se estudaram imagens presentes em livros didáticos e sua ação na configuração do pensamento representacional e se realizaram experimentações para provocar rasuras nos sentidos habituais que as imagens têm na educação. Percurso que culminou no desafio final aos alunos de criar uma atividade educativa inter-multi-trans-in-disciplinar com imagens em que elas escapassem dos sentidos exclusivamente representacionais. Uma atividade impossível para os alunos que tornou visíveis as possibilidades que se criam para as imagens nas situações escolares, quando o impossível força o pensamento à invenção de novos possíveis. Palavras-chave: Imagem. Disciplina. Cultura. Livro didático SEARCHING FOR OTHER IMAGES IN EDUCATION: REPORT OF AN IN-DISCIPLINE BETWEEN SCHOOL AND CULTURE Abstract: The article is a deployment of the lived experience in an undergraduate discipline in which was studied the images present in textbooks and their effect on the representational thought and was held trials with images in the search for cause erasures in the usual way they have in education. Route that culminated in a final challenge for the students: to create an educational activity inter-multi-trans-disciplinary with images, where they fell outside of the purely representational way. An impossible activity in the words of the students, in that is clearly the possibilities that are created at the images in school situations when the impossible to force the thought to the invention of a new potential. Keywords: Image. Discipline. Culture. Textbook. Parte um: estudo das imagens didáticas A disciplina 1 foi organizada em um percurso cuja perspectiva era lidar com a força das imagens para afetar os corpos humanos. Como recorte, optamos por focar nas imagens que atravessam de maneira mais constante os currículos e as aulas: aquelas presentes nos livros didáticos de disciplinas diversas, pois envolvidos na proposta aqui relatada estavam estudantes de áreas de graduação distintas. Em torno dessas imagens, que configuram parte significativa da cultura visual escolar, foi proposto o percurso geral de estabelecer relações entre escola e cultura, buscando perseguir algumas perguntas: de que maneiras a escolarização atua na cultura e vice-versa?; que sentidos se configuram na(s) imagem(ns) na escola?; quais as potências da(s) cultura(s) visual(is) que atravessa(m) a escola?; o que poderiam outros tipos de imagem na escola? O aproximar-se das imagens presentes em livros didáticos se deu por meio 24

25 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura de leituras de artigos e entrevistas que tratavam das múltiplas relações entre as i- magens e esses livros; de debates ocorridos em sala de aula; e, principalmente, do atendimento, pelos(as) alunos(as), a roteiros que propunham miradas distintas para o conjunto de imagens constantes no capítulo 2 de livro didático escolhido por cada aluno(a) e a observação atenta das semelhanças e diferenças entre as diversas culturas visuais disciplinares constituídas no percurso de escolarização. Foram três os roteiros de aproximação das imagens. No primeiro deles, foi solicitado que anotassem a quantidade e os tipos de imagens do capítulo; estabelecessem relações simples entre imagens e textos; percorressem o capítulo somente através das imagens; e, após isso, anotassem os sentidos assumidos pelos vários tipos de imagens em sua relação com os vários tipos de texto escrito. O segundo roteiro solicitava que os estudantes considerassem essas mesmas imagens segundo as quatro principais características propostas por Vincent, Lahire e Thin (2001) para a forma escolar e propunha: Tendo em vista a centralidade da língua escrita na teoria-efetivação da forma escolar, escreva como as (linguagens em) imagens se (des)articulam com essa língua escrita nos livros didáticos. O terceiro e último roteiro orientava os alunos a abordar as imagens, considerando os roteiros disciplinares de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático do ano anterior 3. Conforme liam os textos, preenchiam os roteiros e discutiam em classe as respostas, descortinava-se a presença maciça de imagens em quase todas as disciplinas, com a preponderância de certos tipos em cada uma delas, porém a fotografia era comum a todas. Encontravam-se pistas tanto das diferenças entre as culturas disciplinares quanto da semelhança geral nas funções e nos sentidos da grande maioria das imagens nos livros didáticos: ilustrar informações e conceitos, seduzir e memorizar (para qualquer tipo de imagem); sistematizar e exemplificar (para gráficos e esquemas); mostrar, exemplificar e provar (para mapas e fotografias). Foi importante notar que as imagens que apareciam frequentemente nas aberturas dos capítulos montagens híbridas com sobreposições de diversas figuras e linguagens compondo uma única estampa impressa na página tinham também a função de embelezar o livro e não necessariamente possuíam algum sentido informativo relacionado ao capítulo que se seguia. Uma primeira pista indicativa da semelhança na cultura visual que perpassa todas as disciplinas escolares apareceu aí: o hibridismo, as misturas, as sobreposições em uma imagem principalmente se ela for fotográfica retiram dela exata- 25

26 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura mente os sentidos comumente dados à grande maioria das que compõem esses livros didáticos: ilustrar e favorecer a memorização do conteúdo informativo do texto escrito. Somente permanece, nessas imagens híbridas, o sentido de sedução, pois ele busca afetar os humanos estudantes e não as forças inumanas dos conhecimentos a serem adquiridos. Portanto, nos embates inumanos entre as forças que atravessam as imagens e as linguagens que compõem conhecimentos e pensamentos que compõem, enfim, cultura e culturas, as imagens e seus tensos processos de produção e aparecimento nos livros didáticos parecem ser desconsiderados, para que os sentidos e as funções mais comuns delas nos textos possam se manter estáveis e eficientes. Através desta e de outras pistas surgidas no percurso da disciplina, foi se delineando que, no limite, as próprias imagens parecem desaparecer, passam a não ser notadas, para que sejam significadas como transparentes aos fenômenos, aos fatos, aos conceitos enfim, aos conteúdos informativos que por elas se manifestam visualmente aos estudantes. Essa estratégia geral de aprisionar as imagens e contêlas num conjunto restrito e restritivo de sentidos e funções, para que alguns desses sentidos sobretudo o de representação de algo externo à própria imagem possam ali se instalar sem questionamentos ou tensões, passou a ser algo notado pelos alunos(as), em maior ou menor grau, em todos os tipos de imagens dos capítulos de livros didáticos que eles miravam, dentro ou fora do percurso da disciplina. Essa descoberta descortina uma política visual coercitiva de usos e funções mais heterogêneos e diversificados das imagens que participam do percurso de aprendizagens nos livros didáticos. É esta a principal aprendizagem que diz respeito às imagens: a construção do sentido de sua transparência à realidade e, portanto, a desobrigação de lhes fazer perguntas, uma vez que elas notadamente as fotografias apenas revelam o que de fato há. Na perspectiva do conceito de forma escolar, já citado, essa é uma vitória da língua escrita sobre as demais linguagens e também uma estratégia legítima para efetivar o que a escolarização se propôs a realizar, nas sociedades em que ela passou a ocupar o centro da inserção dos mais jovens no mundo dos mais velhos. Uma estratégia que, apesar de submeter fortemente as imagens à escrita, amplifica e utiliza-se de uma potência das imagens talvez a mais perseguida em todo o período dito moderno ou científico, que as colocou no centro do processo de civilização 26

27 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura global, capitaneado pela televisão, pela fotografia, pelo cinema e, atualmente, também pela internet. Essa centralidade das imagens nos processos de globalização das informações os quais certamente são, em alguma medida, coloniais e colonizadores e, portanto, homogeneizadores das culturas nos parece colocar um paradoxo: esses mesmos processos gestam muitas vezes, nas proximidades da arte resistências de vários tipos que ora fazem resistir intactas certas imagens que a globalização pretende significar como obsoletas, ora fazem-nas reexistir e(m) outras que rasuram; esburacam; problematizam; enfurecem; e emudecem aquelas que se querem hegemônicas muitas vezes únicas! de e para um certo tipo de globalização cultural. Não encontraríamos, nas forças que emergem dessas imagens resistentes que se colocam, acima de tudo, como imagens, pistas para dar acesso às questões contemporâneas que teimam em escapar de nosso entendimento? Nas conversas em sala de aula, em meio a uma juventude inquieta, ficava claro que muitas dessas linguagens e(m) imagens que insistem em resistir pululam pelas redes sociais configuradas em interfaces corporais e/ou digitais e atuam nas culturas que afetam e conformam os corpos dos jovens, entre eles aqueles(as) alunos(as) diante de nós. Essas imagens tornam-se outras, diversas das hegemônicas, justamente quando se gestam em modos de criação de figuras não transparentes à realidade, mas imanentes e até mesmo excedentes a ela; quando trazem para suas visualidades algo do real que, antes de a imagem existir, ainda não era sensível na realidade. Imagens, portanto, que não só revelam a realidade, mas nela atuam, desfigurando-a, tornando-a outra, instável, na medida mesma em que se abrem tornam-se permeáveis às sensações e às intensidades que as levam a ter muito mais a função de forças atuantes no mundo que de formas dele representativas, imagens cujos sentidos não se estabilizam, mas, sim, estão sempre à deriva, a cada nova conexão a que são engendradas. Imagens para as quais fazemos perguntas e não só encontramos respostas. É nesse sentido que entendemos a pertinência da questão que se coloca atualmente no campo da educação: essa vitória das imagens representacionais ilustrativas e memorizadoras de conteúdos informativos, que paralisa as forças que as formas e as linguagens poderiam vir a assumir nas escolas, não seria algo a ser rompido ou, pelo menos, tensionado, problematizado? Não seria interessante, porque potente, para a educação de nossas crianças e jovens, dar passagem para que 27

28 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura outros tipos de imagens venham a compor a escolarização, talvez configurando os próprios livros didáticos? É nesse sentido que a dobra do percurso da disciplina se deu como uma pergunta: o que podem (outras) imagens na escola? Parte dois: experimentações com imagens O segundo módulo da disciplina se configurou a partir da investigação da possibilidade de outros tipos de imagens povoarem as práticas educativas e os professores; do contato com imagens que provocassem rasuras no pensamento representacional e, consequentemente, nos sentidos habituais que elas têm na educação. Uma aposta nas imagens que faltam na cultura escolar, porém uma falta que não é a ausência de algo já dado, mas que se coloca como uma necessidade de dar existência a outras imagens a partir da experimentação. Impulsionado por essa busca, esse segundo módulo se deu pela aproximação dos(as) alunos(as) a alguns conceitos e às obras de artistas da fotografia, do cinema e das artes visuais e pela feitura de suas próprias experimentações com imagens. Para uma das turmas, esse percurso aconteceu por meio de uma proposta de pensar a fotografia a partir do tensionamento dos conceitos de tempo e memória, pela conexão que o filósofo David Lapoujade (2013) estabelece com a obra de Henri Bergson. Uma busca por libertar as imagens de seu aprisionamento habitual em um passado inativo, da sua perpceção apenas como uma reserva de sentido que funciona recolhendo e significando as nossas lembranças, como forma de registrar, capturar e armazenar a realidade, para conectá-las a uma noção de tempo vivo, em que a memória é permanentemente ativa e se constitui como uma reserva de energia (LAPOUJADE, 2013). Uma aposta na possibilidade de as fotografias conterem essa reserva que, na experimentação, pode ganhar potência para emergir e instaurar novos acontecimentos na sua superfície. Um desejo de soltar as imagens, para que elas possam se movimentar, para deixar o tempo fluir nelas, abrir outros futuros possíveis. Desafio que exige que o contato com as fotografias não se dê a- penas pela inteligência, mas por uma aproximação sensível, por uma relação intuitiva, pela possibilidade de se deixar afetar por elas, de extrair uma potência criadora desse encontro, de vê-las como superfícies sempre em vias de se fazer. Uma tentativa de deixar a vida passar pelas imagens, de fazê-las desejarem e delirarem, de 28

29 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura torná-las uma fabulação: imagem sempre retomada, remendada, e que não pára de crescer ao longo do caminho até tornar-se fabulosa (DELEUZE, 1997, p. 133). Contagiados por esses pensamentos, nos dispusemos a pensar, com os estudantes, o que podem a criação, a experimentação e a exposição das/com as fotografias, na relação com essas concepções de tempo e memória, tendo como material imagético as experimentações realizadas com o arquivo fotográfico do Coletivo Cê 4 e as intervenções de artistas-convidados na Casa-Museu Eva Klabin, dentro do Projeto Respiração 5, realizado pelo curador Márcio Doctors. Ambas experimentações e intervenções foram expostas aos alunos através de fotografias, pequenos filmes, textos e palavras que destacavam o quanto elas foram criadas sob o contágio da noção de tempo vivo proposta por Bergson, bem como utilizavam um acervo já existente de fotografias e de obras de arte clássica como matéria-prima para novas intervenções/experimentações. Nesse sentido, as experimentações e as intervenções expostas aos alunos partem de uma compreensão da composição de um acervo/arquivo como um ato de recolhimento que possibilita uma expansão a novas experiências capazes de produzir sensações não vividas (DOCTORS, 2012, p. 38). A partir das outras possibilidades de existência que a conexão entre esses pensamentos e as intervenções/experimentações possibilita para as imagens, os(as) alunos(as) foram convidados(as) a inventar novas imagens por meio da configuração de diferentes relações com as sensações disparadas pelo contato com o acervo de fotografias e textos dos processos criativos do Coletivo Cê rasgando, recortando, costurando, pintando, propondo novas combinações, na tentativa de criar imagens desejantes e delirantes, nas quais ver e querer se confundissem. Dessa experimentação, surgiram criações 6 que desejam desenhar uma linha de fuga, fazer a linguagem fotográfica se desestabilizar, se desequilibrar os sentidos habituais das imagens oscilam como num pêndulo caótico, em que, a cada mínimo toque, uma oscilação nova é produzida e o pêndulo passa por diversos pontos tanto pelos sentidos habituais como por aqueles considerados fora da curva 7. Nasceram imagens que, para os alunos e as alunas, ao primeiro contato, continuaram a representar que ainda pareciam expressar formas e figuras, mas criaram pequenos desvios para essas representações iniciais por onde esses sentidos podiam escapar, por onde as imagens puderam diferir de si por meio da articulação com outras imagens e materiais. Criações nas quais as linhas, por vezes, fazem imagens e palavras suspirarem... Imagens que, por vezes, parecem se alongar ou se quebrar 29

30 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura como ondas... Imagens que re-nascem, que se re-criam, que navegam na superfície do papel, envoltas em lacunas. Surgiram ainda criações que se delinearam como uma maneira de fazer o exterior coabitar o interior das imagens que, para um dos alunos, parecia sombrio, quando tentava se conectar a elas pelo pensamento representacional, pela tentativa de acessar o que foi um espetáculo e que impulsionava a dar outra vida àquelas imagens. Uma tentativa de dar consistência a um desejo de fazer o fora coabitar a superfície das imagens e de ver outras imagens nascerem delas. Imagens e palavras que foram molhadas por uma chuva de desejos, de delírios, de tintas, de linhas, de palavras. Materiais abertos a um e se... Essas foram algumas das rasuras nos sentidos habituais com que as imagens povoaram as práticas educativas e os professores, que se proliferaram na e pela entrega às forças emersas do encontro com os materiais. Pensar, criar e experimentar com as imagens fotográficas do Coletivo Cê surgiu como uma possibilidade de se permitir falhar, de escapar de um controle que se delirou possuir 8, de fazê-las fugir de uma noção totalizante de retenção representação do tempo e da realidade. Surgiu também a possibilidade de buscar nas imagens fotográficas o encontro com o que nos afeta e de afetá-las também pelo que as move e pelo que nos move. Deixar a criação acontecer pelas fotografias e com as fotografias, por uma aproximação sensível delas, ao tatear a sua superfície e a de outros materiais, ao se deixar ser carregado por eles, ao deslizar por sua superfície para ver nascer outras imagens. Recortadas, perfuradas, sobrepostas, despedaçadas, deslocadas para conexões com outras imagens e materiais, as fotografias foram rasuradas em suas representações do tempo e da realidade das peças de teatro, liberando forças outras que vieram a circular pelas suas superfícies desejosas de criação, no contato mesmo com mãos, olhos e sensações dos(as) alunos(as) que, em maior ou menor medida, se deliciaram em recompor a suposta realidade das fotografias em imagens em que poesia, dor, surpresa atravessam as múltiplas realidades que se desdobraram quando as fotografias escaparam do sentido representacional de captura do tempo em que antes eram contidas. Na outra turma, o módulo O que podem (outras) imagens na escola? iniciouse com a aproximação a dois conceitos presentes nos escritos de Gilles Deleuze e Félix Guattari: rizoma e máquina 9. Nosso intuito foi fazer com que esses conceitos pudessem operar composições com experimentações audiovisuais em torno dos temas de investigação, pelos alunos, escolhidos no início da disciplina, a partir dos 30

31 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura capítulos de livros didáticos. Nessa experimentação, algo nos apontou o quanto criar imagens acontece em meio a tensões e ajustes atravessados por estranhamentos, por transformação, por contágio de umas sobre as outras imagens. Daí que nosso não saber ao certo como fazer nos tornava mais abertos, tanto no fazer como no ver, a sentidos outros que foram sendo conectados aos poucos às imagens. Algo muito parecido encontramos em torno do cineasta Eduardo Coutinho. Alguns trechos de suas obras eram assistidos em sala de aula antes de começar as conversas sobre os textos da disciplina, a fim de estabelecer relações entre imagens e palavras, outros modos de lidar com o cinema, em torno do desafio de pensar as imagens dos livros didáticos. Produzir alguns trechos de filmes, embalados nas o- bras de Coutinho, nos parecia contingencial naquele momento e assim o fizemos. Isso se deu, em grande medida, por optarmos por um cineasta que busca, em muitos de seus filmes, evidenciar a verdade da filmagem, e não tanto a filmagem da verdade. Uma pergunta que marcava nossas proposições era: como fazer com que as imagens produzam alguma espécie de diferença em relação a algo que já sabemos?. Produzir era algo que se colocava como uma maneira de provocar os(as) alunos(as) a pensarem com as suas próprias imagens, uma maneira de colocá-los diante do fazer, algo que os remetia a ter que pensar em questões técnicas e teóricas, realizar uma espécie de cartografia com as imagens, em que os sentidos para formar conexões entre nós e as imagens não são necessariamente lineares, funcionam como rizomas, raízes emaranhadas sem começo ou fim e nos colocam muito mais perguntas do que respostas. Assim, aproveitamos esse momento para pensar que o sentido das imagens não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-se, intermezzo (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 48). Era preciso minuciosamente se deter nelas e estabelecer conexões várias. Assistimos a um trecho do filme O fim e o princípio (COUTINHO, 2005) 10, chamando atenção para pensar como realizar imagens negociando com o cenário, com o câmera, com o personagem que fala, com o clima, com os imprevistos na realização, com uma ideia que vai se formando durante a produção do filme etc. Nossa busca foi mostrar o quanto há de intenção e de improvisação em torno da criação de imagens, bem como buscar compreender os dispositivos usados por esse diretor, para podermos inventar nossos próprios modos de fazer. 31

32 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Realizamos, noutro encontro, uma conversa em torno do conceito de máquina, tentando já trazer para a superfície da sala de aula a ideia de que as imagens podem atuar como máquinas e fazer funcionar coisas em nossos modos de pensar. Acoplamentos e maquinações, duas noções derivadas do pensamento de Deleuze e Guattari (2014) que juntávamos na relação com os estudos. Uma mecânica que passava tanto pelo manuseio da câmera e de seus dispositivos óticos e sonoros, como pelas composições dadas pela manipulação dos elementos da linguagem audiovisual: o som, o quadro, o plano, o ângulo, a luz, o cenário, as ideias do como filmar, a montagem etc. Salientávamos também a máquina de máquinas, uma máquina filme produzindo uma máquina espectador. Com esses devaneios, muitas vezes cheios de humor, nos divertíamos e nos tensionávamos diante de conceitos a- bertos e potentes para problematização em nossos estudos. Os filmes e os textos nos empurravam para um momento em que nos voltávamos com mais força para produzir e conversar sobre nossas próprias imagens: traçamos alguns combinados e partimos para essa etapa, contaminados por tudo que já vivíamos. Os combinados eram: 1) a produção teria que ser uma entrevista uma aposta próxima ao que Coutinho faz quando escolhe a fala diante da câmera como objeto a ser filmado; 2) a entrevista deveria ter relação com o assunto do capítulo do livro didático que cada aluno(a) vinha focando, de modo que as perguntas promovessem com o entrevistado um diálogo relacionado a esse assunto; 3) a filmagem deveria ocorrer com a câmera parada e em um lugar pensado para o filme desse modo, buscamos fazer com que eles lidassem também com o espacial; 4) o filme teria entre dois e três minutos para que todos pudéssemos assistir em aula e conversar sobre ele. Essas quatro condições criavam a prisão deles, os limites por onde teriam que se forçar a inventar. Ao todo foram realizados quinze pequenos filmes para o encontro em que assistimos e conversamos em aula. Dentre eles destacamos dois não queremos nos alongar nas descrições e nas discussões para não sobrecarregar a leitura. Num pequeno filme, um aluno de Artes Visuais se colocou e apresentou aos entrevistados esta questão: Qual sua opinião sobre arte contemporânea? algo que o tensionava na relação com as imagens de arte no livro didático. Caminhando com a câmera na mão, numa praça pública da cidade de Campinas-SP, o realizador se pôs à procura de alguém para entrevistar. A câmera passeia e enquadra algumas árvores, quadros, bancos, barracas e algumas pessoas dispersas pela cena, até que 32

33 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura se aproxima de uma senhora e faz a pergunta que movimenta seu filme. A personagem imediatamente responde: Você está filmando? Eu não quero que me filme. Ele insiste, e ela arrisca dizer algo timidamente, mas se constrange e resolve ficar oito segundos em silêncio, até que diz: É ruim, eu não vou conseguir desenvolver isso. O andamento das imagens se dá nesse balanço de um entrevistador buscando respostas para sua pergunta e personagens em local público desassossegados com a presença da câmera. Imagens de cabeças abaixadas, receosas expressões, tentativas de fugir do entrevistador, dúvidas. Somente algumas pessoas se dispõem a interagir com o realizador, fornecendo o diálogo necessário para a realização do exercício proposto. As conversas em sala de aula despertaram percepções para a força que a câmera exerce em campo, o modo como constrange e desperta atenções, algo que apontava para a presença do vídeo digital na cultura e das forças que circulam em torno das veiculações da imagem na internet, o incômodo dos personagens e o modo como reagiam às perguntas, ora tímidos, ora suspeitos. Essas conversas agenciavam pensamentos sobre a presença da câmera nos ambientes públicos e a potência de arte que isso disparava. Ela não quer falar de arte, ela quer falar da câmera que está filmando ela, disse uma aluna. Isso não nos colocaria uma questão para pensar a arte na contemporaneidade? E esse era o tema que latejava o desejo do aluno de filmar. Imediatamente colávamos outros sentidos na imagem: poder e imagem e público e íntimo e facebook e direitos autorais e outros assuntos que iam configurando uma conversa com o filme e com a arte contemporânea, atravessados por outros sentidos, formando um rizoma cujas pontas se desdobravam em cada nova conexão feita, uma conversa sem fim nas palavras de outro aluno. Em outro pequeno filme, uma aluna do curso de Engenharia Elétrica tinha como assunto eletromagnetismo. Muito perdida, sem saber ao certo o que fazer, ela se colocou a circular aleatoriamente, com a câmera ligada, em lugares em que se sentia à vontade: pela Faculdade de Engenharia Elétrica, onde tinha a maior parte de suas aulas. Acabou indo para o Centro Acadêmico do curso e lá se encontrou com amigos para os quais dizia: É um vídeo, eu tenho que te fazer umas perguntas, não sei sobre o que ainda, mas fala aí o que você pensa. Dispersas, as pessoas que vemos nas imagens comentam assuntos outros e acabam chegando a uma conversa sobre a Universidade como espaço político e de crítica social, de como ali 33

34 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura eles encontram possibilidades mais amplas de abordar outros assuntos. As conversas seguem, enquanto a câmera vagueia ligada, evidenciando objetos, pessoas, porções do espaço. Além disso, a aluna, por um descuido, filmou com o celular na posição invertida, fazendo com que as pessoas aparecessem de cabeça para baixo no filme. Na conversa em aula, esse curioso fato chamava atenção do grupo: Ficou legal filmar de cabeça para baixo, parece que você quer mostrar o quanto a universidade vira a gente de cabeça para baixo, ao mostrar mais coisas sobre o mundo, dizia uma aluna. A forma se fazendo nitidamente conteúdo e, juntos, sendo a força daquelas imagens. Percebíamos também o quanto aquele lugar Centro Acadêmico, associado ao fato de a aluna não entender direito o que devia fazer, configurava possibilidades para fugir do tema inicial, para compor com os acasos dos encontros num lugar conhecido e com a câmera de cabeça para baixo. Fazer pensar mais a universidade do que o eletromagnetismo colocava para nós aberturas para, inclusive, tentar correlacionar os assuntos e conversar sobre isso, via livro didático, nos muitos tantos outros livros, nas tantas outras versões, no acaso das imagens que nos lança para outros territórios de sentidos. Percebemos como uma prisão um filme sobre um assunto específico é capaz de liberar-se para outros possíveis modos de composição. As discussões quase sempre se alongavam para além do tempo de aula: tinham que parar ali, mas certamente continuavam no caminho de volta para casa. Ambos os filmes funcionaram em conexão com aquilo que estudamos: apontavam o quanto as coisas não pareciam ser o que queríamos que fossem, como algo que acontecia entre os vários sentidos que envolvem a trama de conexões com as imagens; o quanto de aberturas existiam e nos convidavam a entrar. Assim nossas conversas anunciavam os desvios como potência educativa nas próprias imagens, mais do que aquilo que elas, as imagens, efetivamente realizavam dentro do assunto esperado. Mas assim funcionavam as imagens nos livros didáticos? Nossas experimentações nos faziam voltar ao percurso inicial da disciplina, buscando compreender melhor as marcas presentes na relação entre escola e cultura, apontando não só a força das imagens didáticas para nos fazer ver por caminhos mais objetivos, mas também a própria construção do conhecimento, através de um educar na relação com o olhar. 34

35 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Ao longo desse pequeno exercício de filmagens e conversas e após, nos desdobrávamos para voltar ao livro didático, para continuar fazendo perguntas às imagens que por ali formavam percursos educativos. E, a partir das muitas questões, de dúvidas, desassossegos e encantamentos, iniciamos a busca para criar outros possíveis modos de as imagens aparecerem e circularem em atividades educativas e ambientes escolares. Parte três: criações de outras práticas educativas com outras imagens Ao final, as duas turmas retomaram um percurso comum, no qual os alunos e as alunas, em grupos de diferentes graduações, foram desafiados a configurar uma atividade educativa inter-multi-trans-in-disciplinar com imagens, em que estas últimas escapassem dos sentidos exclusivamente representacionais que as caracterizam nas culturas didáticas disciplinares. A atividade proposta visava arrancar novos possíveis usos e sentidos para as imagens, no momento mesmo em que esses jovens inventassem outras maneiras de elas funcionarem em atividades educativas, tomando-as como forças inumanas que atravessam a educação contemporânea, a qual se vê asfixiada quando as imagens são contidas quase em um único uso e sentido: o de representação. Ao buscar fazer escapar as imagens desse uso e sentido, os grupos de alunos(as) foram buscar outros tipos de imagens existentes em nossa cultura, notadamente no universo da arte, para configurar suas atividades. Esse movimento em direção à arte já havia circulado pelas aulas no momento anterior, com as experimentações realizadas em torno das fotografias do Coletivo Cê ou dos filmes de Eduardo Coutinho, e foi potencializado pela exposição de livros de arte realizada nas primeiras aulas desse último módulo, bem como pela assistência a alguns curtasmetragens ou trechos de filmes cujo estilo de filmagem ou montagem diferenciavase do modo mais habitual como aparecem as imagens audiovisuais no cinema hollywoodiano e na televisão comercial. Na aula em que foi realizada a exposição de livros de arte, os(as) alunos(as), rodeados(as) por imagens pinturas, gravuras, fotografias, filmes criadas por artistas diversos, eram desafiados(as) a escolher aquelas que talvez pudessem compor um percurso educativo para o tema do capítulo didático a que eles haviam se dedicado ao longo do semestre. Diante da impossibilidade da maioria deles e delas de 35

36 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura encontrar imagens que representassem, ainda que sutilmente, as informações e os processos tratados nos livros didáticos, os estudantes conversavam e riam, folheavam os livros e se entreolhavam, buscando uma saída, uma pista por onde seguir. Alguns encontraram, outros não. Ao desistirem de encontrar, deixavam-se levar pelo prazer de ver... algum tipo de deriva se estabeleceu em muitos dos estudantes. Na busca de abrir os pensamentos para outras possibilidades de aproximação dos próprios assuntos-temas escolares e da Educação a partir de miradas menos cognitivas ou informativas, perguntávamos a alunos e alunas: Será que um assunto é composto somente por informações? Estariam eles também compostos por sensações e estéticas que são (quase) invisibilizadas pelo foco (quase) exclusivo em seus aspectos cognitivos e informativos?. Silêncios, movimentos abruptos, rabiscos sobre folhas soltas de papel, gestos outros compunham o ambiente em sala de aula, por onde o professor e os estagiários circulavam em busca de provocar ainda mais inquietação. Como essa atividade era pensada em grupos formados a partir da mistura de estudantes das diferentes graduações, o desafio tornava-se mais difícil e potente a um só tempo, uma vez que eram (des)locados a todo instante, em função das constantes negociações entre eles, na busca de encontrar imagens que permitissem não só tocar em algum daqueles temas, como também estabelecer relação entre alguns ou todos os temas focados no grupo. Dúvidas e mais dúvidas. Gestos tateantes, conversas cifradas, risos nervosos, olhos brilhando, irritação e... Perguntas de muitos tipos dirigidas a nós que, ora nos desviávamos delas, formulando outras, ora dávamos pequenas pistas de possíveis escolhas. Toda a atenção das aulas e das atividades propostas para casa passou a ser para as imagens. Não havia mais textos a serem lidos. Todos os encontros seguintes eram animados por descobertas, ideias, pulsões que eles encontravam nas imagens. Elas estavam ali, e a maioria delas escapava de um uso didático previsto como possível. Eram indisciplinadas em vários sentidos: não eram autoexplicativas como as imagens didáticas, não cabiam em nenhuma disciplina escolar específica, nem em nenhuma disciplina científica, não haviam sido criadas a partir de signos de alguma disciplina, mas, sim, de signos indisciplinados e dispersos na cultura. No entanto, cabiam na Arte, mas, por só caberem ali, disciplinarizavam o que pensar como sendo Arte. 36

37 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Havia entre os estudantes das duas turmas alguns poucos alunos e alunas das Artes Visuais, das Artes Cênicas e da Música. Mas, nos grupos onde eles estavam, outro problema surgia: como compor com as demais disciplinas que formavam o grupo? Em grupos de graduações diversas, os estudantes se debatiam com dificuldades diversas, fazendo com que as forças inumanas que atravessam a Educação ficassem mais nítidas. Por exemplo, como desfazer-se das forças disciplinares e configurar uma atividade educativa que reúna assuntos e temas provenientes das disciplinas Química, Sociologia, Biologia e Artes Cênicas? Como fugir da força da escrita como organizadora de toda atividade escolar e dar prioridade para as imagens (audio)visuais? Como escapar das forças representacionais e deixar as imagens circularem por outros sentidos e mesmo sem sentidos que possam gerar aproximações e aprendizados outros indisciplinados acerca de um assunto ou tema escolar? Ficavam mais marcantes as forças disciplinares, escriturais e representacionais que compõem a Educação, forçam os humanos a agirem segundo certas diretrizes e impedem que eles pensem outros percursos. Como escapar delas? Seria melhor esquecer os limites e os percursos propostos pelas disciplinas e pensar somente a partir dos assuntos e temas? Seria melhor escolher uma única imagem, qualquer imagem, e buscar aproximar dela os assuntos e temas, ao invés de, inversamente, ir dos assuntos à procura de imagens? Seria melhor criar uma sequência entre os assuntos ou descobrir um outro assunto que tocasse em todos os temas que deveriam estar presentes na atividade educativa? Seria melhor... Os grupos de alunos e alunas estiveram bastante envolvidos com essas e muitas outras perguntas ao longo de três semanas. Notávamos, na grande maioria deles, o pensamento a pensar. A cada nova saída encontrada, outro conjunto de problematizações era colocado por nós, de modo que eles fossem forçados a continuar pensando, encontrando outros e outros modos de tornar possível aquilo que lhes parecia e era? impossível. Chegado o dia, na apresentação dessas atividades pelos estudantes para nós e para os demais alunos e alunas das turmas, ficou nítido que se desdobram possibilidades para as imagens em situações escolares, quando o impossível força o pensamento à invenção de novos possíveis. Trazemos somente algumas delas para finalizar este artigo. 1 A Onda, movimen... 37

38 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Os estudantes propuseram que os temas que compunham o problema do grupo Poríferos (Biologia), Reações Químicas (Química), Luz (Física), Capitalismo (Sociologia) fossem agrupados em torno da ideia de movimento e escolheram a habitual imagem de uma onda como imagem geral, em que foram dispostas, dispersas, outras várias imagens 11. Figura 1 Atividade criada pelos alunos Fonte: os autores. A proposta era promover uma circulação aleatória pelas imagens, iniciando com a ampliação da placa científica que está mais ou menos no meio da imagem geral e movimentando-se pelas demais imagens num vaivém sem nenhum tipo de previsibilidade, promovendo a criação de um movimento com as imagens escolhidas e dentro delas, em que a própria palavra interrompida ( Movimen... ) que dá nome à atividade também ganhou a possibilidade de se mover. Foram utilizados vários tipos de imagens, com destaque para um conjunto de fotografias dos mais distintos estilos e gêneros fotográficos, que arrastaram o sentido geral representativo, presente nas fotografias reproduzidas nos livros didáticos, para outras possibilidades de composição e pensamento: fotografia informativo-científica de um porífero ou de uma placa científica de observação microscópica; fotografia publicitária da cocacola; fotografias artísticas diversas; instantâneo fotográfico que mostra tudo do conteúdo informativo pretendido,o exemplar marinho de porífero; instantâneo fotográfico que mostra um objeto brinco para falar de outro, os componentes de computadores; montagem fotográfica que dança; fragmento fotográfico que recorta um detalhe que solicita a imaginação do todo. Além disso, em algumas dessas fotografias a luz 38

39 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura tem um sentido distinto do habitual: calor, truque fotográfico, luminescência natural de um habitante marinho. Ainda que, na imagem-onda, as variadas fotografias sejam atravessadas por outros tipos de imagens charges e desenhos, é a variedade delas que faz vazar o pensamento acerca desse tipo de imagem em suas potencialidades educativas e faz surgir perguntas do tipo O que pode a fotografia em educação?. Na apresentação desse grupo, destaca-se ainda a última imagem, a qual está fora da imagem-esquema-onda inicial e escapa, portanto, a um esquema inicialmente apresentado como aparentemente completo. Além disso, a escolha dessa imagem gerou um deslocamento da noção de movimento de seus aspectos físicos e químicos, e ela pôde ser pensada em seus aspectos sociais e políticos, como movimentos de resistência, criação e instauração do novo. Uma tentativa de relacionar a ideia de conhecimento, traçada na apresentação, com algo não ordenado, instável, em movimen... 2 A Pirâmide, estrela de doze pontas O formato geral da imagem escolhido pelos(as) estudantes foi o de uma estrela com doze pontas, seis delas estiradas em três imagens circulares em cada raio 12. Essa estrutura foi escolhida para dar igual espaço e quantidade de imagens para cada componente do grupo-tema do capítulo. Eram seis: Era Vargas (História), Pirâmides (Matemática), Fungos (Biologia), Organelas (Biologia), Aves (Biologia), Evolução (Biologia). Figura 2 Atividade criada pelos alunos Fonte: os autores O problema maior que os estudantes encontraram foi o de como lidar com o assunto pirâmides? Como conectá-lo aos outros assuntos? Encontraram, então, um 39

40 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura tema fora daqueles iniciais: o Egito, que permitiu o agrupamento dos temas todos em torno dele, por isso a imagem de suas pirâmides está no centro da estrela, e todos os raios partem dela para se configurarem como tema (a ser) estudado. Somente após definirem o tema articulador é que cada aluna(o) foi pesquisar imagens variadas para movimentar seu tema e, ao mesmo tempo, buscá-los em diferentes fontes. Assim, foi possível encontrar passagens dos deuses falcões egípcios para as aves na teoria da evolução; ou dos faraós que construíram as pirâmides para as obras faraônicas realizadas na Era Vargas no Brasil. E dobraram sobre o Egito múltiplas e inusitadas miradas, fazendo conviver as tradicionais pirâmides com o fungo lá encontrado; e a joalheria egípcia, cuja joia lembra o formato de partes de uma célula, revelou-se atinente ao tema das organelas. Essas e outras descobertas foram feitas pelos estudantes em suas pesquisas de imagens para compor as três figuras obrigatórias de cada raio da estrela inicialmente definida pelo grupo. Isso fez com que os alunos entrassem em contato com imagens de vários tipos e as tornassem equivalentes, realizando com elas, inclusive, montagens como no raio da Era Vargas para realizar a tarefa solicitada por nós e complexificada pelo próprio grupo. 3 O quebra-cabeças, montando conceitos Em outra atividade, não foi apenas na escolha da montagem de um quebracabeça 13 que se estabeleceu um jogo educativo, mas também na própria criação de um modo de funcionamento das imagens e dos conceitos em uma atividade didática. Figura 3 Atividade criada pelos alunos Fonte: os autores. 40

41 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Na busca por conectar os temas dos capítulos, a escolha das imagens por cada um dos alunos do grupo seguiu a mesma regra: cada imagem precisava efetuar uma conexão com mais de um dos conceitos trabalhados Botânica (Biologia), Gravitação (Física), Microbiologia (Biologia), Artrópodes (Biologia). O objetivo era tentar quebrar o senso comum de cada imagem, a noção do que pode ser visível nelas, para efetuar outras conexões a partir de cada imagem escolhida (bem como do fragmento de outra imagem que invade a peça do quebra-cabeça, onde uma i- magem está quase inteira). Assim, a fotografia de um inseto ou de uma árvore poderia instaurar uma discussão sobre a gravitação, e a imagem de um artrópode poderia estabelecer uma conexão com a botânica. Junto com essa busca surgiu outra aposta: trazer criações de artistas que mobilizassem questões científicas. Escolhas que tornaram possível ver ondas em uma placa de Petri ou observar uma árvore flutuar... imagens que mobilizam interações entre ciência e arte. 4 A viagem cinematográfica, equivalendo imagens O filme 14 feito pelo grupo toma como tema central a chegada do homem à Lua e busca dar conta de criar conexões entre os diferentes temas relacionados no grupo, provenientes de livros didáticos das Artes Visuais, de Química, Língua Portuguesa e Sociologia. Foi criado para uma situação escolar no Ensino Médio e realiza uma tentativa não só de abarcar os diferentes temas e criar em cada um outros sentidos através das relações propostas entre eles, mas também de lidar e tornar equivalentes imagens de vários tipos: de filmes de ficção, documentários de cinema, programas de tevê e filmes de animação. A rede de conexões entre disciplinas se deu tanto pelos temas quanto pelas imagens ao convergir para o filme imagens de arquivo da imprensa norte-americana e brasileira, dos filmes Armagedom (1998) e Viagem à Lua (1902) e também pelo jogo de palavras que se intercala às imagens, legendadas pelos participantes com o objetivo de propor relações diversas entre texto e imagem: cheio vazio - Pelo Futuro - Combustão - 3N2H4-4NH3+N2 - Pressão do ar - Pressão social - Conquista do espaço? Figura 4 Filme produzido pelos alunos 41

42 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura Fonte: os autores. O que se coloca de forma central nesse filme é o fato de as misturas se estabelecerem não para determinar sentidos já dados de antemão, mas para deixar falarem as imagens, contaminá-las por outras possibilidades de sentido e sem sentido, que não se negam mutuamente, mas, antes, se coconstituem. Por exemplo, imagens da arte dobram-se sobre informações químicas e não se anulam, nem tampouco se separam; ao contrário, se ajuntam para dar outros sentidos a si mesmas e à experimentação em imagens. A grande aposta dos alunos foi assumir o desafio de relacionar todos os temas e disciplinas num só trabalho, sem que necessariamente precisassem explicar cada um(a) dela(e)s, mas, sim, deixá-lo(a)s existir nas relações entre as imagens, de modo que fica mais evidente a conexão entre elas numa única narrativa crítica, e não a exposição separada de cada assunto. Tudo se mistura e se (des)articula entre palavras e imagens, dando a ver possibilidades não apenas de conversar sobre cada assunto separadamente (não se anulou essa possibilidade), mas, sobretudo, de tratá-los relacionadamente, na interconectividade das ligas que se formam e das linhas que se prendem e desprendem em um filme de aproximadamente dez minutos. Outros trabalhos ainda se realizaram em composição audiovisual, mas também com a performance, com projeções de imagens na sala de aula, com fotografias rasgadas e coladas que propunham a interatividade do público... Enfim, muitas possibilidades foram inventadas. Elas transformaram a sala de aula em um espaço 42

43 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura de instalações artísticas e científicas a um só tempo; deslocaram sutil ou fortemente as imagens de seu universo meramente representacional, ilustrativo e informativo; buscaram criar sentidos-sensações outro(a)s, convocando as imagens a participarem do conteúdo ensinado, do aprendizado adquirido; convocaram-nas a compor problemas para o pensamento. Buscaram dar conta e deram! de realizar uma atividade impossível. O que existe de comum entre os grupos-apresentações acima descritos e outros não presentes neste artigo e que nos pareceu de maior potência para as imagens em seu encontro com a educação foi a pluralidade de preenchimento e de passagens que os estudantes inventaram entre as imagens, fazendo com que, no vazio inicial entre as imagens, brotassem múltiplas possibilidades imaginativas de correlacionar temas de disciplinas distintas, dobrando-os uns nos outros e extraindo dali do entre-imagens composto com as imagens pensamentos inter-multi-trans-indisciplinados que ganhavam ritmos e conexões singulares em cada estudante. Em alguns deles, tais pensamentos eram muito mais paralisantes que mobilizadores, pois os estudantes persistiam em perguntar: Para que serve isso para ensinar Biologia, Química e Sociologia?. No entanto, na grande maioria dos alunos, junto com essa pergunta que persistia neles, outras perguntas se faziam possíveis: que tanto de assuntos atravessam uma mesma imagem?, como alterar as imagens meramente informativas para que delas reverbere algo mais que informação visual?, como buscar uma imagem para um tema a partir da sensação que este nos provoca?. Era uma atividade impossível, nas palavras dos estudantes. Uma atividade que toca, sim, o impossível e, justamente por isso, tem potência para inventar novos possíveis. A partir de Gilles Deleuze (2010), afirmamos que um novo possível não é algo previsível e, portanto, não se faz no campo das possibilidades ou das probabilidades aventadas. Nesse sentido, um novo possível é algo arrancado ao impossível, algo que, esgotados os possíveis, se inventa. Nunca se esgotam todas as possibilidades porque nunca se realiza todo o possível; ele é até mesmo criado à medida que é realizado (DELEUZE, 2010, p. 67). Podemos dizer que uma grande parte das imagens que compuseram as atividades inventadas pelos estudantes impuseram saídas às capturas representacionais que, a despeito de permaneceram pulsando nelas não mais aprisionava-as em um ou em poucos sentidos que as tornavam parte disciplinada de 43

44 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura alguma disciplina. As imagens, ao cruzar disciplinas e temas diversos, indisciplinam a si próprias, bem como aos temas e às disciplinas que atravessam, criando pontas soltas, linhas de fuga para todo o conjunto de coisas que foi conectado através delas, fazendo-se forças inumanas que forçam os corpos disciplinares e disciplinados a encontrarem-se em variações sutis ou desembestadas em seus sentidos e impossibilidades, abrindo-se para novos possíveis modos de compor a educação pelas em intenção de imagens. Há muitas outras atividades e potencialidades com imagens a serem inventadas nas universidades e nas escolas. Possibilidades de criação de percursos para as imagens, permeados de esquinas, paradas, hesitações em cada uma delas, a invenção de uma conexão distinta, uma nova dobra, percursos que se desdobram e onde se está sempre no meio, sendo arrastado pelas imagens e arrastando-as para outros circuitos, para o nascimento de outras formas e forças. Imagens que se movem e movem as práticas educativas na potência mesma do fazer, do que cada encontro entre seres e coisas pode suscitar um movimento entre escola e cultura sempre em trânsito... Notas * Wenceslao Machado de Oliveira Jr. é professor no Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte e pesquisador do Laboratório de Estudos Audiovisuais OLHO, ambos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Pesquisa na interface entre imagens e educação. Atualmente tem focado mais nas relações e experimentações entre cinema e escola. Coordenou a Rede Internacional Imagens, Geografias e Educação entre 2010 e 2015, da qual participa atualmente junto ao projeto As telas da escola: cinema e professores de geografia. Desde 2016 participa do projeto Dispositivos de criação e a experiência do cinema na escola de educação básica do município de Campinas. wenceslao.oliveira@gmail.com ** Tatiana Plens Oliveira é mestranda em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e integrante do grupo de pesquisa e criação multitão: prolifer-artes sub-vertendo ciências e educações do Labjor-Unicamp. É pós-graduada lato sensu em jornalismo científico pela U- nicamp e graduada em jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso). Desenvolve pesquisa na experimentação da escrita entre arte, comunicação, filosofia e ciências. tati.plens@gmail.com *** Eduardo de Oliveira Belleza é doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp. Possui mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Produtor e pesquisador audiovisual junto ao Laboratório de Estudos Audiovisuais-OLHO da Faculdade de Educação da Unicamp. Atualmente desenvolvendo trabalhos na relação entre Cinema e Educação, com pesquisa na produção audiovisual dentro da escola na interface arte, espaço e educação. Membro da rede internacional de pesquisas Imagens, Geografias e Educação desde 2012, desenvolvendo uma pesquisa comum atualmente intitulada As Telas da Escola: Cinema e Professores de Geografia. 44

45 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura 1 A disciplina em questão intitula-se Escola e Cultura e foi oferecida em uma universidade pública para duas turmas de alunos e alunas de diferentes cursos de licenciatura no segundo semestre de 2015, com a participação, em codocência, de dois estudantes de pósgraduação, um em cada turma. 2 Os capítulos foram escolhidos pelos próprios alunos em livros didáticos da Educação Básica, tendo como referência sua área de graduação e a presença de imagens, fazendo com que a diversidade de assuntos fosse bastante significativa, uma vez que havia, nas duas turmas, alunos de doze graduações distintas, incluindo pelo menos uma entre as quatro grandes áreas nas quais se organiza a universidade: biológicas, humanas, exatas e artes, além de uma aluna do curso de Engenharia Elétrica. 3 Disponíveis na página 4 Experimentações realizadas por um dos estudantes de pós-graduação e apresentadas para os alunos e as alunas em sala de aula. 5 O Projeto Respiração é uma iniciativa do curador Márcio Doctors, na Casa Museu Eva Klabin, em que artistas contemporâneos são convidados a fazer instalações/intervenções artísticas temporárias a partir da relação que estabelecem com o espaço da casa-museu, com seu acervo de obras de arte clássica e com a história da sua antiga proprietária. 6 Fotografias das imagens criadas pelos(as) alunos(as) em aula, disponíveis em: < Acesso em: 30 abr Comparação realizada por um dos alunos da turma, ao escrever sobre a sua experiência de criação das imagens. 8 Trecho de um dos textos produzidos durante o processo de criação do espetáculo Cunhãntã, do Coletivo Cê, e que foi material para as experimentações com as imagens realizadas pelos alunos e pelas alunas. 9 As leituras foram a Introdução: Rizoma, do livro Mil platôs (DELEUZE; GUATTARI, 2011, e o capítulo As máquinas, de O Anti-Édipo (DELEUZE; GUATTARI, 2014). 10 Nesse filme, Eduardo Coutinho e sua equipe visitam uma região conhecida como sertão, no nordeste do Brasil; por ali se encontram com vários moradores locais que são instigados a conversar com o diretor. O diálogo que vai sendo filmado é algo que nos permite pensar a força do cinema para poder compor modos de contar performances diante da câmera, ao mesmo tempo que nos revela o poder da língua falada na formação dos sentidos, na beleza dos sons criados pelos vocábulos, nas conexões entre ficção e documentário. 11 Disponível em: < Acesso em: 25 abr Disponível em: < Acesso em: 25 abr Acesso em: 25 abr O filme intitulado Das(s) Terra(s) a(s) Lua(s) pode ser visualizado em < Acesso em: 30 abr Referências ARMAGEDOM (filme). Direção: Michael Bay. (Armageddon). Estados Unidos,

46 Em busca de outras imagens na educação: relato de uma in-disciplina entre escola e cultura DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo, SP: Editora 34, DELEUZE, Gilles. O esgotado. In: Deleuze, G. Sobre o teatro: um manifesto de menos; O esgotado. Rio de Janeiro: Zahar, DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-édipo. São Paulo: Editora 34, DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. v. 1. São Paulo: Editora 34, DOCTORS, Marcio. Projeto Respiração = Breathing Project. Rio de Janeiro, RJ: Cobogó; Fundação Eva Klabin, FIM E O PRINCÍPIO, O (filme). Direção: Eduardo Coutinho. Brasil, LAPOUJADE, David. Potências do tempo. São Paulo, SP: N-1 Edições, VIAGEM À LUA (filme). Direção: Georges Méliès. (Le Voyage dans la lune). França, VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, Recebido em: setembro de Aprovado em: dezembro de

47 SEARCHING FOR OTHER IMAGES IN EDUCATION: REPORT OF AN IN-DISCIPLINE BETWEEN SCHOOL AND CULTURE Wenceslao Machado de Oliveira Jr. * Tatiana Plens Oliveira ** Eduardo de Oliveira Belleza *** Abstract: The article is a deployment of the lived experience in an undergraduate discipline in which was studied the images present in textbooks and their effect on the representational thought and trials with images were held in the search to cause erasures in the usual way they have in education. A route that culminated in a final challenge for the students: to create an educational activity inter-multi-trans-disciplinary with images, where they fell outside of the purely representational way. An impossible activity in the words of the students, which made clear the possibilities that are created at the images in school situations when the impossible forces the thought to the invention of a new potential. Keywords: Image. Discipline. Culture. Textbook. Part one: study of didactic images The discipline 1 was organized in a course whose perspectivve was to address the strength of images to affect human body. We have chosen to focus on images that more consistently cross the curriculum and the classes: namely, those present in textbooks from different disciplines, because students from different undergraduate areas were involved in the reported proposition. Around these images, which constitute a significant part of the school visual culture, that the general route of establishing relationships between school and culture occurred, aiming to pursue some questions: in which ways the schooling acts on culture and vice versa? Which are the image(s) senses present at school? Which are the visual culture(s) potentialities crossing the school? What could be possible to other types of images at school? The approximation to textbooks images was by reading articles and interviews related to the multiple relationships between images and textbooks; through debates that occurred in the classroom; and, mainly, through the students filling of some scripts aimed at proposing distinct glances for the same set of images that made up the textbook chapter 2 chosen by each student and also aimed at establishing the encounter with the similarities and differences among various disciplinary visual cultures established in the schooling course. We used three scripts to propitiate the student s approximation to the images. In the first one, we requested the students to note the amount and the types of images composing the chapter; to establish simple relations between images and 47

48 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture texts; to look over the chapter only through images; and, after that, we asked them to note the senses assumed by the different types of images in their relationship with the various types of written text. In the second script, we asked the students to look back to the same images considering the four main characteristics proposed by Vincent, Lahire and Thin (2001) for the "school form", and we proposed: "Considering the centrality of the written language in the completion-theory of the school form, write down how (languages in the) images are (dis)articulated of this written language in textbooks." In the third and final script, we asked the students to return to those images considering the disciplinary assessment scripts of the Programa Nacional do Livro Didático (National Textbook Program) of the previous year 3. As the students read the texts, filled the scripts and discussed about it in class based on their responses, they would discover the massive presence of images in almost all disciplines, with the preponderance of certain types of images in each one of them, but the photograph being present in all of them. Also, they would find clues either of the differences between the disciplinary cultures as of the general similarity of the functions and senses that most of images have in textbooks: illustrating information and concepts, seducing and memorizing (to any type of image); systematizing and illustrating (to charts and diagrams); showing, exemplifying and proving (to maps and photographs). It was important to note that the images that frequently appeared in the chapters openings hybrid montages" with various images and languages overlapping composing an only image printed on the page - were also meant to beautify the book and not necessarily had any informative sense related to the chapter following it. A first clue pointing to the visual culture similarity that goes throughout all the school disciplines appeared there: the understanding that hybridism, mixtures, overlaps in an image especially if it is a photograph take from it exactly the most common senses given to the overlapping majority of textbooks images: to illustrate and promote the memorization of the informative content of the written text. Only the seduction sense remain present in these hybrid images, because it seeks to affect the existing human students and not the inhuman forces of the knowledge to be acquired. Thus, in the inhuman clashes between the strengths crossing the images and the languages which form knowledges and thoughts which form, in short, culture and cultures, images and their tense processes of production and 48

49 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture appearance in textbooks seem to be disregarded so that the most common senses and functions of the first in the latter can remain stable and efficient. Through this last clue and others emerged during the discipline course, we outline that, in the limit, the images themselves seem to disappear, effectively are not noticed anymore, so that they can be meant as transparent to the phenomena, facts, concepts finally, to the informative contents that they are demonstrating to students in their visual shapes. This strategy of imprisoning images and to contain them in a restricted and restrictive set of senses and functions so that some of these senses mainly the one of representation of something external to the image itself can be installed there with no questions or tensions, becomes something noticed by students, to a greater or lesser degree, in all types of images from the textbooks chapters, target inside or outside the discipline course. This discovery reveals a visual coercive policy to the more heterogeneous and diverse uses and functions of the images involved in the learning course in textbooks. That is the main learning regarding images: the sense construction of its transparency to reality and, therefore, the no need to ask questions to the images since they especially the photographs only reveal what is actually there. In the perspective of the concept of "school form", already mentioned, this is a victory of the written language over other languages, just as well this is a genuine strategy to implement what schooling has proposed to in societies where it became to occupy the insertion center of the youngest in the elders world. A strategy that, despite greatly submitting images to the writing, amplifies and uses a potential of images perhaps the most pursued throughout the so called modern or scientific period that has placed them at the center of the global civilization process, led by television, photography, film, and now also the Internet. The images centrality in the globalization process of information which certainly are, in some measure, colonial and colonizing being, therefore, cultures homogenizers places a paradox to us: these same processes manage often in close proximity to art resistances of many types which sometimes make resist intact certain images aimed to mean as obsolete by globalization, and sometimes make re-exist those same images in (and and) others that erase, hole, problematize, rage and silence the images that want themselves to be hegemonic often unique! from (and to) a certain type of cultural globalization. Would we find in the forces that emerge from these resistant images images that place themselves, above all, as 49

50 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture images clues to give access to contemporary issues that insist on escaping our understanding? During the classroom conversations, among a restless youth, it was clear that many of these languages in (and and) images, which persist in resisting, fill the social networks configured on corporal and/or digital interfaces and act in cultures that affect and shape the youth bodies, among them, those students in front of us. These images become other in relation to the hegemonic ones precisely when managed under modes of figures creation that are not transparent to reality, but immanent to it and that are even exceeded to it; when they bring to their visualities something of the real that, before the image existed, was not sensitive in reality yet. These are images, therefore, which do not only reveal the reality, but act in it, changing it, turning it into another, into unstable, as they open themselves become permeable to sensations and intensities that force themselves to have more the function of acting forces in the world than the forms that represent it, images whose meanings do not stabilize, but are always drifting at every new connection that is engendered to them. They are images for which we ask questions and not only find answers. It is in this sense that we understand the relevance of the question currently placed in the education field: this victory of representational images illustrative and informative content memorizer that paralyzes the forces someday taken by the forms and languages in schools would not be something to be broken or, at least, tensioned, problematized? Would not it be interesting, inasmuch it is powerful, for the education of our children and young, to enable that other types of images could compose the schooling, maybe setting the textbooks? It is in this sense that the discipline course fold took place as a question: what can (other) images do at the school? Part two: experiments with images The second discipline module was configured based on an investigation about how other images could possibly affect the educational practices and the teachers. It was also based on the contact with images that cause deletions in the representational thought and, consequently, in the usual senses that they have on education. It was a bet on the lacking images in school culture, a lack that is not the absence of something already given, but a need to give existence to other images since experimentation. A lack that raises the images to other possibilities, other 50

51 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture powers. Driven by this search, this second module took place by bringing the students closer to some concepts and to some photography, cinema and visual arts artists works, and by their own experiments making with images. For one of the classes, this journey happened through a proposal to think the photograph from the tension of the time and memory concepts by the connection established by the philosopher David Lapoujade (2013) with Henri Bergson work. It was a search to set images free from their habitual imprisonment in an idle past, from their perception only as a reserve of sense that works collecting and signifying our memories, as a way to "record", "capture" and store reality, in order to connect them to a time-alive notion, in which memory is permanently active and constitutes itself as a reserve of energy (LAPOUJADE, 2013). It is a bet on the possibility of the photographs containing this reserve which, in the experimentation, gains potential to emerge and initiate new developments on its surface. It is a desire to set the images free so that they can move around, let time flow in them, so that they can, open other possible futures. This challenge requires that the contact with the images not only happens through intelligence, but through a sensitive approach, an intuitive relation, for the possibility of letting oneself be affected by them, of extracting a creative potential from this meeting and of seeing them as surfaces always in the process of being done. It is an attempt to let pass life in them, to make them desire and rave, making them a fabulation: an image always resumed, patched, and that does not stop growing along the way until becoming fabulous (DELEUZE, 1997, p. 133). Infected by these thoughts, we set out thinking, together with the students, what can creation, experimentation and exposure of/with the photographs be in the relations to these time and memory conceptions, having as imagery material the experimentations carried out with the Coletivo Cê photographic archive 4 and the artists-guests interventions at the Casa Museu Eva Klabin, part of the Projeto Respiração 5 with the curatorship of Márcio Doctors curator. Both the experimentations and interventions were exposed to students through photographs, short films, texts and words that highlight how intense was their creation under the contagion of the alive-time notion proposed by Bergson, as well as used an existing collection of photographs and classical art works as raw material for new interventions/experimentations. In this sense, the experimentations and interventions exposed to the students come from an understanding of the 51

52 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture composition of a collection/archive as an act of self-communion, which allows an expansion to new experiences capable of producing sensations that have not been lived (DOCTORS, 2012, p. 38). From the other possibilities of existence that the connection between these thoughts and interventions/experimentations give to images, the students were asked to invent new images through the configuration of many relationships with the sensations triggered by the contact with the Coletivo Cê creative processes photographs and the texts collection, tearing it, cutting it, sewing it, painting it, proposing new combinations to it in an attempt to create desiring and delirious images, in which the seeing and wanting would be confused. From this experimentation, creations 6 have risen these ones wishing to draw a flight line, wishing to destabilize and to unbalance the photographic language the usual meanings of the images vary as a chaotic pendulum, the ones in which a new oscillation is produced every slightest touch and the pendulum go through various points both the usual senses and those deemed outside the curve 7. There were born images that, for students, at the first contact, continued to be representative, still seemed to express forms and figures, but that created small deviations from these initial representations by which these senses could escape, by which the images could differ from each other through articulation with other images and materials. In the student s creations, there are lines that sometimes make images and words sigh... Images that sometimes seem to stretch or break as waves... Images that are re-born, that are re-created, sailing on the paper surface, wrapped in lacunae. From this experimentation, creations which were outlined as a way to make the exterior of the images cohabit their interior have risen an interior that, for one of the students, seemed bleak in the face of an attempt to connect to them by representational thought, by the endeavor to access what was a spectacle and what pushed to give them another life. It was an attempt to give consistency to a desire to make the exterior cohabit the surface of the images and to see other images born from them. Images and words that became wet by a rain made of desires, delusions, paintings, lines, words. Materials open to a "what if... These were some of the erasures in the usual senses of the images; senses in which they constitute educational practices and teachers. These erasures proliferated themselves in and by the render to the forces that have emerged from the encounter with the materials. Thinking, creating and experimenting with Coletivo 52

53 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture Cê photographic images emerged as a possibility to allow failures, to escape from a control that one deliriously thought to possess 8, to make them run away from a totalizing notion of retention representation of time and reality. We also saw the possibility to find in photographic images the encounter with what affects us and also to affect them by what moves them and by what moves us; the possibility to let the creation happens by and with photographs, by a sensitive approach to them, touching their surface and of other materials, allowing to be taken by them, sliding in their surface to see other images being born. Cut, drilled, overlapped, torn, displaced to connections with other images and materials, the photographs were erased in their representations of time and of the reality of theater plays, releasing other forces that came to circulate by their desired-to-create surfaces, in the even contact with students hands, eyes and sensations who, to a greater or lesser extent, indulged themselves in putting together the supposed reality of photographs into images, in which poetry, pain, surprise cross the multiple realities that are seen when the photographs escape from the representational sense of time capture, where they were previously contained. In the other class, the module What can (other) images do at school? began with the approximation to two concepts present in the Gilles Deleuze and Félix Guattari philosophy: rhizome and machine 9. Our intention was to allow these concepts to operate compositions with an audiovisual experimentation around the students research topics elected by them at the beginning of the discipline, from the textbooks chapters. In this experiment, something showed us how the images creation happens amid tensions and adjustments full of barriers, transformation, contagion of some images over others. That is how our not exactly knowing how to make made us more opened, both in the making and seeing, to other senses that were being gradually connected to the images. Producing some short films, stimulated by Coutinho s works, seemed contingent at the moment to us, and we did so. This happened to a large extent as we choose a filmmaker who searches in many of his films to show the truth of the filming and not the filming of the truth. A question that marked our propositions was: "how do we allow images to produce some difference in relation to something we already know?". The act of producing was something that placed itself as a way to provoke the students to think with their own images, a way to put them on the making, something 53

54 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture that made them think about technical and theoretical issues, that made them do a sort of cartography of the images, in which the meanings to form connections between the images and us are not necessarily linear, but which are rhizomes, roots entangling themselves without beginning or end, giving us more questions than answers. Thus, we take this moment to think that the images meaning has no beginning or end; it is always in the middle, between things, interning, intermezzo. (DELEUZE, GUATTARI, 2011, p. 48). We needed to hold on them and establish various connections. We watched an excerpt from the film O fim e o princípio (COUTINHO, 2005) 10, calling students attention to observe how to perform the images, negotiating with the scenario, the camera, the character that talks, the weather, the unexpected, with an idea that is formed during the film production, etc. Our quest was to show how much of intent and work exists around the images creation, as well as to understand the devices used by this director so that we could invent our own ways of doing. During another meeting, we performed a conversation around the machine concept, trying to bring to the surface of the classroom the idea that images can act as machines and operate things in our ways of thinking. Couplings and machineries, two notions derived from Deleuze and Guattari (2014) that we added in the relation with the studies. A mechanic that went also through both the handling of the camera and its optical and sound devices, as through the manipulation of audiovisual language elements: the sound, the picture, the plan, the angle, the light, the scenery, the ideas of how to shoot, the composition, etc. We also highlight the machine of machines, a film machine producing a machine viewer. With these daydreams, often filled with humor, we were amused and tensioned in the face of open and potent concepts for problematization in our studies. The films and texts pushed us to a moment when we were turning harder to produce and talk about our own images: we drew some conditions and set out for this stage, contaminated by everything we already lived. This conditions were: 1) production would have to be an interview a bet close to what Coutinho does when choosing the talk on the camera as the object to be shot; 2) the interview would have to be connected with the textbook chapter subject that each student were focusing on, so that the questions would promote a dialog related to that subject with the interviewee; 3) filming should occur with the camera at rest and in a place thought for the film in this way we wanted them to 54

55 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture address the space; 4) the film needed to have between two and three minutes so that we all could watch and talk about it in class. These four conditions created the students prison, the limits through which they would have to force themselves to invent. Altogether, fifteen short films were made for the meeting in which we watched and discussed in class. Among them, we highlight two for this text we do not want to extend on the descriptions and the discussions so as not to overload the reading. In the short movie, a Visual Arts student introduced himself and presented this question: "How do you feel about contemporary art?" something that strained him in relation to the art images in the textbook. Walking with camera in hands, in a public square in the city of Campinas, the filmmaker puts himself looking for someone to interview. The camera walks and focus on some trees, pictures, benches, stands and a few scattered people in the scene, until it approaches a lady and the student asks the question that guides his film. The person immediately responds: "Are you filming? I don't want you to film me". He insists, and she tries maidenly to say something, but she feels embarrassed and decides to stay eight seconds in silence, until she says: "It's bad, I won't be able to develop this". The progress of the images is given in this swing, of an interviewer seeking answers to his question and some people troubled with the camera s presence. Images of heads down, afraid to face the camera, attempts to run away from the interviewer, doubts. Only a few people is willing to interact with the filmmaker by providing the necessary dialog to perform the proposed exercise. Classroom conversations arose perceptions in relation to the power that the camera has in the field, the way it embarrasses and draws attention, something that pointed to the presence of digital video in the culture and also to the presence of circulating powers around the images on Internet, the hassle of people and the way they responded to questions, sometimes being shy, sometimes suspicious. These conversations guided thoughts about the presence of the camera in public environments and the power of art that it had. "She doesn't want to talk about "art", she wants to talk about the camera that is filming her" said a student. Would it give us a question to think art on contemporaneity? That was the subject vibrating in the student's desire to film. We immediately placed other senses in the image: power and image and public and intimacy and facebook and copyright and... other matters that were setting up a conversation with the film and with contemporary art, traversed by other senses, forming a rhizome whose tips unfolded in every new connection made, 55

56 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture an endless conversation in the words of another student. In another short film, an Electrical Engineering course student had electromagnetism as subject. Very lost, not knowing exactly what to do, the student randomly walked with the camera on in places that she felt at ease: the School of Electrical Engineering, where she had most of her classes. She ended up going to the Academic Center of the course and there she met up with friends to whom she said: "It's a video, I have to ask you a few questions, I don't know what to ask yet but... hey, tell what do you think about it". Scattered, the people we see on the images talk about other issues and end up reaching a conversation about the University as a political space and as a space of social criticism, and also about how they can find, there in the University, better ways of addressing other issues. The talking continues while the camera wanders on, highlighting objects, people, space portions. In addition, the student, due to an "oversight", filmed with a cell phone in an inverted position, making people appear upside down in the film. In the classroom this curious fact called the group attention: "It was cool to film upside down, it seems like you want to show us how much the University turns us upside down by showing us more about the world", said a student. The form was clearly making itself as content and, together, they were the force of those images. We also noticed how that place the Academic Center associated with the fact that the student had not completely understood what she was supposed to make, enables possibilities to escape from the initial subject, to compose with the coincidences of encounters in a familiar place and with the camera upside down. To think more about the university than electromagnetism, placed openings for us to also try to correlate the issues and talks about this with the textbook, in many other books, in many other versions, in the image random that launched us to other sense territories. We see how a "prison" a film about a specific subject is able to free itself to other possible modes of composition. Discussions usually extended beyond class time: they had to stop here, but they certainly continued on the way home. Both films worked in connection with what we studied: they pointed out how things didn t seem to be what we wanted them to be, as something that happens between the various senses that involve the plot of connections with the images; how many openings existed and invited us to enter. Thus, our conversations addressed the deviations as educational powers in the own images, more than what they actually were doing within the expected subject. However, were the images in the 56

57 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture textbook working in same way? Our experimentations allowed us to go back to the original route of the discipline, seeking to better understand the marks present in the school and culture relations, pointing out not only the strength of the didactic images in making us go through more objective ways, but also the very construction of knowledge through an education in the relation with the view. Along this little filming exercise and conversations and after, we went back to the textbook, to continue asking questions to the images which formed, there, the educational pathways. And, from the many questions, doubts, restlessness and enchantment, we began the search to create other possible modes for images to appear and move in educational activities and school environments. Part three: creations of other educational practices with other images In the end, both classes retook a common pathway, in which students, in groups of different courses, were challenged to set up an inter-multi-trans-indiscipline educational activity with images, and the latter should escape the exclusively representational senses that characterize them in the educational disciplinary cultures. The activity proposed aimed to bring new possible uses and senses for the images at the very moment in which these young persons invented other ways to use them in educational activities, taking them as inhuman forces that cross the contemporary education, which sees itself suffocated when the images are contained in almost a single use and sense: the representation. By seeking to release the images from such use and sense, the groups of students sought other types of images existing in our culture, notably in the art world, to configure their activities. This movement towards art had already been circulating the classes in the previous moment, with experimentations carried out around the photographs of Coletivo Cê or around Eduardo Coutinho films and it was potentiated by the exposure of art books carried out in the first classes of this last module, as well as by the watching of some short films or excerpts whose shooting style or composition differed from the usual, as they appear in the audiovisual images of Hollywood cinema and commercial television. In the class in which we showed the art books, the students, surrounded by images of various artists paintings, prints, photographs, films were challenged to choose those images that, perhaps, could compose an educational pathway for the 57

58 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture chapter subject which they had dedicated themselves throughout the semester. Facing, most of them, the impossibility of finding images that represent, albeit subtly, the information and processes addressed in the textbooks, students talked and laughed, flipped through the books and looked at each other seeking a way out, a clue to where they could go next. Some found, some did not. By giving up a way to find, they let themselves be carried away by the joy of seeing... a type of drifting took many of the students. In search to open thoughts to other possibilities of bringing closer the school topic-subjects themselves and Education from less cognitive or informative glances, we asked the students: "Is a subject composed only by information? Would it be also composed by sensations and aesthetics that are (almost) invisibilized by the (almost) exclusive focus on its cognitive and informative aspects?" Then, silences, abrupt movements, scribbles on loose sheets of paper, other gestures made up the environment in the classroom, where the professor and the interns circulated in search of evoking further unrest. As this activity was conceived in groups formed by the students mix from different courses, the challenge became even tougher and powerful at the same time, since they were (dis)placed at every moment according to the constant negotiations between them in the quest to find images that would allow not only the touching of some of those subjects, but also the establishment of the relationship between some or all the subjects focused on the group. Questions and more questions. Feeling gestures, encrypted conversations between the students, nervous laughter and shining eyes and irritation and... Questions of many types were addressed to us, and we sometimes avoided them formulating other questions and sometimes gave little clues of possible choices. All of attention given in the lessons and the activities proposed for home went on to be for the images. There were no more texts to be read. All the following classes were animated by discoveries, ideas, impulses (instincts) that they found in the images. The images were there and most of them escaped from a didactic use, foreseen as possible. They were unruly in many ways: they were not self-explanatory as didactic images, they did not fit in any specific school discipline or any scientific discipline, and they had not been created from signs of some discipline, but rather from undisciplined signs scattered in the culture. However, they fit in Art, and by only fitting there they disciplined what to think as being Art. 58

59 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture Among the two classes students, there were some from the courses of Visual Arts, Performing Arts and Music. However, in the groups where they were present, another problem arose: how to interact with the other disciplines that formed the group? In groups with students from various courses, the students found themselves with various difficulties, making clearer the inhuman forces crossing Education. For example, how do we remove the disciplinary forces and set up an educational activity that gathers topics and subjects from the disciplines of Chemistry, Sociology, Biology and Performing Arts? How do we escape the power of the writing, this one pretended as the organizer of all school activity, and give priority to (audio)visual images? How do we escape the representational forces and let the images move by other senses and even by none senses, which can generate other approaches and learnings undisciplined about a school topic or subject? The disciplinary, written and representational forces that are part of Education and that force humans to act according to certain guidelines, preventing them from thinking other routes, became more and more highlighted. How do we escape them? Would it be better to forget the limits and routes proposed by the disciplines and think only from topics and subjects? Would it be better to choose a single image, any image, and approach it to the topics and subjects instead of doing the other way around, go from the topics to the search for images? Would it be better to create a sequence between the subjects or discover another subject that touched all the topics that should be present in the educational activity? Would it be better... The groups of students were fairly involved with these and many other questions over three weeks. We could see, in the vast majority of students, the thought being thought. At every new exit found, another set of problematizations was placed by us so that they were forced to continue thinking, finding other ways of making possible what seemed to them and was it? impossible. Arrived the day, in the presentation of these activities by the students, it was clear for us and other students in the classes that possibilities unfold for the images in school situations when the impossible makes the thought invent new possibilities. We bring only a few of them to finish this article. 1 The wave, movemen... The students proposed that the subjects that made up the "problem" of the group Porifera (Biology), Chemical Reactions (Chemistry), Light (Physics), 59

60 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture Capitalism (Sociology) should be grouped around the idea of movement and chose the usual image of a wave as the general image where other images were arranged, dispersed 11. Figure 1 Activity created by students Source: the authors. The proposal was to promote a random circulation by the images, starting with the expansion of the scientific plate that is more or less in the middle of the general image and moving through the other images, on a coming and going, without any type of predictability, promoting the creation of a movement with and in the chosen images, where the very interrupted word which gives its name to the activity also received the possibility to move... Several types of images were used by the students, with emphasis on a set of photographs from the most different styles and photographic genres that dragged the general representative sense present in the textbooks pictures to other possibilities of composition and thought: informativescientific photography of a sponge or a scientific plate of microscopic observation; coca-cola's advertising photography; several artistic pictures; instant photograph that shows all of the informational content intended, the marine example of sponge; instant photograph that shows an object earring to talk about the other; computer components; photographic composition that dances; photographic fragment that cuts a detail that prompts the imagination of the whole. In addition, in some of these photographs, the light has a distinct meaning: heat, photography trick, natural 60

61 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture luminescence of a sea dweller. Although in the image-wave these various photographs are traversed by other types of images cartoons and drawings, it is their variety that leaks the thought about this type of image in their educational potential and that bring up questions such as "what can the photograph in education do?". In the presentation of this group, we also highlight the last image, which is outside the initial image-scheme-wave, and therefore escapes a scheme initially presented as apparently complete. In addition, the choice for that image generated a shift of the movement concept from its physical and chemical aspects and it could be thought in its social and political aspects, as movements of resistance, creation and introduction of the new. An attempt by the students to relate the idea of knowledge, drawn in the presentation, with something not ordered, unstable, in movemen... 2 The pyramid, twelve-pointed star The general image format chosen by the students was that of a twelve-pointed star, being six of them drawn in three circular images on each spoke 12. This structure was chosen to give equal space and amount of images for each component of the group-subject of the chapter. There were six: Vargas Era (History), Pyramids (Mathematics), Fungi (Biology), Organelles (Biology), Birds (Biology), Evolution (Biology). Figure 2 Activity created by students Source: the authors 61

62 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture The bigger "problem" that the students found was "how to address the subject pyramids? How to connect it to the other subjects?" They found, then, a subject outside the initial ones, Egypt, which allowed the grouping of subjects around it, that is why the image of the Egypt pyramids is at the center of the star and all "spokes" start from it to be configured as subject (to be) studied. Only after defining the articulating subject is that each student researched various images to move their subject and, at the same time, search the subjects in different sources. Thus, it was possible to find passages between the Egyptian hawk gods and the birds in the evolution theory; or between the Pharaohs who built the pyramids and the "pharaonic works" carried out in Brazil in the Vargas Era. And they also folded multiple and unusual views over Egypt, enabling the coexistence of the traditional pyramids with the fungus found there; and also enabling the Egyptian jewelry, whose jewel reminds the shape of parts of a cell, was revealed regard the subject of organelles. These and other discoveries were made by students in their images research to compose the three images required for each spoke of the star initially set by the group. This forced students to get in contact with images and to turn equivalent images of various types, also composing with images as in the spoke of the Vargas Era to perform the task requested by us and complexified by the group itself. 3 The puzzle, building concepts In another activity, it was not only by the choosing of a puzzle composition 13 that it was established an educational game, but it was also in the creation of images and concepts working mode in a didactic activity. Figure 3 Activity created by students Source: the authors. 62

63 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture In the search for connecting the subjects of the chapters, the images choice by each one of the group students followed the same rule: each image needed to make a connection with more than one of the worked subjects Botany (Biology), Gravity (Physics), Microbiology (Biology), Arthropods (Biology). The search was to try to break the common sense of each image, the notion of what can be visible in them, to make other connections from each image chosen (as well as from the fragment of another image that pervades the puzzle piece where an image is almost complete). Thus, a photograph of an insect or a tree could initiate a discussion about gravitation and the image of an arthropod could establish a connection with botany. Together with this search, another bet raised: to bring up the creations of artists who mobilize scientific issues. Choices that propitiated a possibility to see waves in a petri dish or to see a tree floating... images involving interactions between science and art. 4 The cinematic journey, equivalent to images The film 14 made by the group takes as its central subject the man arrival on the Moon and seeks to create connections between the different subjects in the group, taken from textbooks on Visual Arts, Chemistry, Portuguese and Sociology. The film was created for High School and performs an attempt to not only encompass different subjects and create other senses in them through proposed relations between themselves, but also to address and make equivalent various types of images, such that as fictional films, film documentaries, TV programs and animated films. The connections network between disciplines took place by both the subjects and the images by converging to film the archive footage of the North American and Brazilian press, the images from the movies Armageddon (1998) and Le Voyage dans la lune (1902) as well as by the word game that is linked to the images, subtitled by the participants in order to propose different relationships between text and image - full... empty - The Future - Combustion - 3N2H4-4NH3+N2 - Air Pressure - Peer Pressure - Conquest of space? 63

64 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture Figure 4 Film created by students Source: the authors. The central point of this film is that the mixtures are established not to determine meanings already given beforehand, but to allow images talk, infect them with other possibilities of meaning and meaningless that are not mutually denied, but which are made together. For example, images of art are folded into chemical information and do not cancel each other out, nor are separated, on the contrary, they are connected to give other senses to themselves and to the experimentation in images. The big bet of the students was to assume the challenge of relating all the subjects and disciplines in a single work without necessarily having to explain each one of them, but rather let them exist in the relations between images, so that what is most evident is the connection between them in a single "critical narrative" and not the separate exposure of each subject. Everything is mixed and (dis)articulated between words and images, enabling both the discussion of each issue separately (this possibility was not annulled) but, above all, their treatment in a related note, in the interconnectivity of the senses that are formed and in the lines that are caught and released in a movie of approximately ten minutes. Other works were also carried out with audiovisual composition, but also with performance, projections of images in the classroom, photographs ripped and pasted that proposed the interactivity of the audience... Ultimately, many ways was invented by the students. They transformed 64

65 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture the classroom in a space of artistic and scientific installations at one time; they shifted subtly or strongly the images from their merely representational, illustrative and informative universe; they sought to create other senses-feelings, calling the images to participate in the content taught, the learning acquired; they calling them to compose problems for the thought. They sought to realize an impossible activity that came true. What is common among the group-presentations described above and others not present in this article, and that seemed to us to have greater power for the images in their meeting with education, was the plurality of fulfilling and passages that students invented between images, allowing multiple imaginative possibilities to raise from the gap between them, correlating different disciplines, folding one into another and extracting from it from the between-images that are created with the images inter-multi-trans-in-disciplined thoughts that gained unique rhythms and connections in each student. In some of them, they were more paralyzing than mobilizers, because they persisted in asking: "What is the point of this to teach Biology, Chemistry and Sociology?" However, in the vast majority of students, we note that together with this question, which persisted in them, other questions were possible: what subjects traverse one same image?, "how do we change the merely informative images so that they can reverberate something more than visual information?", "how do we search for an image for a subject from the feeling that it provokes in us?". It was an impossible activity, in the words of the students; an activity that still touches the impossible and, therefore, has the power to invent new possibilities, new possible means. From Gilles Deleuze (2010), we affirm that a new possible is not something predictable and therefore it does not happen in the realm of suggested possibilities or probabilities. In this sense, a new possibility is something ripped out from the impossible, something that, exhausted the possible means, is invented. All possibilities are never exhausted "because everything possible is never performed; it is even created as it is being realized. (DELEUZE, 2010, p. 67). It can be said that a large portion of the images that composed the activities invented by students imposed escapes to the representational captures that remained in them pulsing, but that were not imprisoning them anymore in one or a few senses that made them a disciplined part of some discipline. The images, by crossing several disciplines and subjects, indiscipline themselves, as well as the subjects and disciplines that they cross, creating loose ends, vanishing lines for the 65

66 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture entire set of things which was connected through them, making themselves inhuman forces that force the disciplinary and disciplined bodies to meet in subtle variations or loosely in their senses and impossibilities, opening up new possible ways of composing education by through images. There are many other activities and potentialities with images to be invented at universities and schools. Possibilities for creating paths for the images permeated by corners, stops, hesitations in each one of them, the invention of a separate connection, a new folding, pathways that are unfolded and in which are always in the middle, being dragged by the images and dragging them to other circuits, to the birth of other forms and strengths. These are images that move themselves and move the educational practices in the potential of the doing, in what each encounter between beings and things can, evoke for each one, in a movement between school and culture always in transit... Notes * Teacher in the Department of Education, Knowledge, Language and Art and researcher in the Laboratory of Audiovisual Studies-OLHO, both in the Faculty of Education at the State University of Campinas (UNICAMP), Brazil. Research developer in the interface between images and education. Currently he is more focused on the relations and experiments between cinema and school. He coordinated the International Network Images, Geographies and Education between 2010 and 2015, which he currently participates in the Project The school screens: cinema and teachers of geography. Since 2016 he participates in the project Creative devices and the experience of cinema in the elementary school of the city of Campinas. wenceslao.oliveira@gmail.com ** MSc student in scientific and cultural divulgation at Unicamp and member of the research and creation group multitão: prolifer-artes sub-vertendo ciências e educações at the Labjor- Unicamp. She is a post-graduate lato sensu in scientific journalism at Unicamp and graduate in journalism at the University of Sorocaba (Uniso) Research developer in the experimentation of writing between art, communication, philosophy and sciences. tati.plens@gmail.com *** PhD student in Education in the Faculty of Education at the State University of Campinas. Master s Degree in Education from the Faculty of Education at Unicamp, graduation in History at the Pontifical Catholic University of Campinas (PUC Campinas). Producer and audiovisual researcher in the Laboratory of Audiovisual Studies OLHO in the Faculty of Education at Unicamp. Currently he is developing works in the relation between Cinema e Educação, with research in audiovisual production within the school interface art, space and education. Member of the International Network Images, Geographies and Education since 2012, developing a common research currently entitled The Screens of the School: Cinema and Teachers of Geography. 1 The discipline in question is entitled "Escola e Cultura" (School and Culture), was offered at a public university for two groups of students from different undergraduate courses in the second semester of 2015, and had the participation, in codocency, of two postgraduate students one in each class. 66

67 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture 2 The chapters were chosen by the students themselves and were taken from Basic Education textbooks. To choose the chapters, they had as reference their graduation area and the presence of images in the chapter, which consecutively, became meaningful to the diversity of subjects, since there were, in the two classes, students from twelve different undergraduate courses, including at least one among the four major areas in which the University is organized: biological, humanities, exact and arts, and since there were, also, a student of the Electrical Engineering course. 3 As available on the webpage: 4 Experiments carried by one of the postgraduate students and presented to the students in the classroom. 5 The Project named Respiração is an initiative created by curator Márcio Doctors at Casa- Museu Eva Klabin, in which contemporary artists are invited to make temporary artistic installations/interventions since the relationship they establish with the museum-house space, with its classical art works collection and with its former owner history. 6 Photographs of images created by students in the classroom: Accessed: 30/Apr/16 7 Comparison performed by one of the classroom students when writing about their creation experience of images. 8 An excerpt of one of the texts produced during the "Cunhãntã" show creating process of Coletivo Cê and which was the material for the experimentations with the images carried out by the students. 9 The readings were Introdução: Rizoma, from Mil Platôs book (DELEUZE, GUATTARI, 2011) and chapter As máquinas, from O Anti-Édipo (DELEUZE, GUATTARI, 2014). 10 In this film, Eduardo Coutinho and his team visit a region in Northeast Brazil known as sertão; there, we can find several local residents who are encouraged to talk to the director. The dialog that goes on camera is something that allows us to think about the power of the cinema as being able to compose ways to tell performances on camera at the same time that it reveals to us the power of the spoken language in the formation of the senses, in the beauty of the sounds created by words, in the connections between fiction and documentary Accessed: 25/Apr/ Accessed: 25/Apr/ Accessed: 25/Apr/16 14 The movie titled "Das(s) Terra(s) a(s) Lua(s)" can be viewed at < Accessed 30/Apr/16. References ARMAGEDDON (film). Direction: Michael Bay. United States, DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo, SP: Editora 34, DELEUZE, Gilles. O esgotado. In: Deleuze, G. Sobre o teatro: um manifesto de menos; O esgotado. Rio de Janeiro: Zahar, DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-édipo. São Paulo: Editora 34,

68 Searching for other images in education: report of an in-discipline between school and culture DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. v. 1. São Paulo: Editora 34, DOCTORS, Marcio. Projeto Respiração = Breathing Project. Rio de Janeiro, RJ: Cobogó; Fundação Eva Klabin, FIM E O PRINCÍPIO, O (film). Direction: Eduardo Coutinho. Brasil, LAPOUJADE, David. Potências do tempo. São Paulo, SP: N-1 Edições, VIAGEM À LUA (film). Direction: Georges Méliès. (Le Voyage dans la lune). França, VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, Received in: 2016 september. Approved in: 2016 december. 68

69 A ESCOLA E A CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA Orly Zucatto Mantovani de Assis * Resumo: A educação é condição para o desenvolvimento do ser humano. Sem a educação não seria possível a construção das estruturas mentais que constituem os instrumentos de adaptação do indivíduo ao seu meio e que lhe possibilitam raciocinar com lógica e conquistar a autonomia moral. A escola, instituição encarregada de transmitir para as gerações mais jovens os conhecimentos, a cultura e as formas de comportamento socialmente valorizadas, é responsável por desenvolver a personalidade no que se refere à construção da inteligência e da moralidade e contribuir para a formação de cidadãos capazes de empreender transformações sociais e culturais. Mas estará a escola conseguindo executar bem suas funções? O presente artigo apresenta argumentos que justificam porque concebemos a escola como uma instituição que tem por finalidade contribuir para o pleno desenvolvimento da personalidade e para a constituição da cidadania, proporcionando formação geral e específica para a ocupação de um justo lugar na vida social que permita a todos e a todas participar ativamente da sociedade e da construção de um mundo melhor. Palavras-chave: Desenvolvimento humano. Inteligência. Moralidade. Papel da escola. THE SCHOOL AND THE CONSTRUCTING THE INTELLIGENCE Abstract: Education is a condition to human development. With no education, it would not be possible to construct the mental structures that constitute the instruments of adaptation of the individual to his environment and that enable him to reason with logic and to conquer the moral autonomy. The school, responsible for transmitting knowledge, culture and values, is responsible to develop the personality in the construction of intelligence and morality and contributing to the formation of capable citizens to undertake social and cultural transformations. But, will the school be able to perform its functions well? The present article presents arguments that justify why we conceive the school as an institution whose purpose is to contribute to the full development of the personality and to the constitution of citizenship, providing general and specific formation. In this way, it will be possible for students to occupy a rightfull place in social life that allows everyone to participate actively in society and build a better world. Keywords: Human development. Intelligence. Morality. Role of the school. Introdução O tema do XXV Encontro Nacional de Professores do PROEPRE Programa de Educação Infantil e Ensino Fundamental, intitulado Escola, torna-te o que és!, enseja a formulação da pergunta: Mas o que a escola é? São várias as respostas: Uma comunidade de aprendizes e ensinantes; um lugar onde alunos e alunas se sentem aceitos(as), valorizados(as) e compreendidos(as), um lugar onde aprendizes têm liberdade de expressar suas ideias, suas convicções seus sentimentos; uma instituição em que se concretiza o direito à educação; um lugar onde se aprende a conviver; um lugar prazeroso aonde se vai para ser feliz... Sim! Escola é tudo isso! Então por que o apelo: torna-te o que és? Porque a escola, do modo como está estruturada, não consegue ser o que ela é, daí a necessidade dessa instituição 69

70 A escola e a construção da inteligência tornar-se o que é ou, em outras palavras, tornar-se o que deveria ser. Este artigo pretende apresentar argumentos que justificam porque concebemos a escola como uma instituição que em sua essência tem por finalidade contribuir fortemente para o pleno desenvolvimento da personalidade e para a constituição da cidadania do educando e da educanda, assegurando-lhe o direito a ser respeitado(a) em suas diferenças, proporcionando-lhe uma sólida formação geral e específica para a ocupação de um justo lugar na vida social que lhe permita participar ativamente do progresso da sociedade e da construção de um mundo melhor. O papel da escola na construção da inteligência Ao nascer, os animais trazem consigo mecanismos hereditários completamente montados que são ativados ao contato com a experiência e lhes permitem sobreviver no meio que constitui o seu habitat. No entanto, as principais condições de adaptação que garantem a sobrevivência do ser humano, tais como a linguagem, os costumes, as regras que regem a convivência entre as pessoas, os valores, a inteligência, os conhecimentos do mundo físico e social, não fazem parte da herança genética transmitida aos filhos e às filhas. O ser humano, ao nascer, vem ao mundo dotado de instrumentos adaptativos elementares constituídos por atos puramente biológicos, os reflexos, que possibilitam as suas primeiras trocas com o meio. Enquanto que os animais já apresentam ao nascer comportamentos adaptativos que lhes garantem a sobrevivência, o recém-nascido sucumbe se deixado à sua própria sorte. Os comportamentos que possibilitam sua adaptação ao mundo são adquiridos a partir das trocas que ele começa a estabelecer com o meio físico e social desde o momento de seu nascimento. De todos os animais, o ser humano é um dos que nasce menos preparado para enfrentar a vida. O recémnascido traz consigo possibilidades orgânicas de construir um sistema de significações que lhe permite comunicar-se por meio da linguagem e sistemas lógicos que lhe permitem construir também todo o conhecimento que durante milênios a humanidade descobriu e inventou, juntamente com um sistema de princípios e valores. É sempre pela ação educativa que a criança aprende a língua materna e a contribuição exterior é necessária para a construção das estruturas da inteligência. Assim é que os fatores endógenos constituídos pelo conjunto de possibilidades 70

71 A escola e a construção da inteligência orgânicas garantem, unicamente à espécie humana, a construção de uma função simbólica e a possibilidade de vir a ser inteligente. No entanto, sem os fatores exógenos, representados pelas transmissões exteriores, dentre estas a educação, a continuidade da linguagem coletiva e a construção da inteligência não seriam possíveis. Esse fato evidencia o importante papel que o meio exterior desempenha no desenvolvimento psicológico do ser humano. Com efeito, no que se refere ao desenvolvimento intelectual, o meio oferece a matéria-prima para que a construção da inteligência chegue a um bom termo. Quanto ao ritmo do desenvolvimento, estudos comparativos em psicologia genética evidenciam adiantamentos e atrasos em relação às idades encontradas por Jean Piaget e seus colaboradores ao estudar crianças europeias. Há também casos de indivíduos bem-dotados, menos dotados, há ainda casos de genialidade e deficiências resultado de uma maturação biológica mais lenta ou mais rápida, pois existem ritmos muito diferentes no crescimento individual. Essas variações também podem ser explicadas pelas condições orgânicas relacionadas à constituição anátomo-estrutural e bioquímica das vias neuronais. Um número maior de sinapses entre os neurônios, uma maior quantidade de neurotransmissores, por exemplo, podem permitir que para um determinado sujeito, cada nova informação seja mais rapidamente assimilada e integrada às suas estruturas cognitivas, ampliando suas possibilidades de conhecer e adaptar-se. Segundo a teoria piagetianao processo de equilibração, responsável pela passagem de estágio de desenvolvimento para o seguinte, é o mesmo para todos os indivíduos e, do ponto de vista orgânico, o que pode produzir diferenças é o modo e o tempo que as estruturas cognitivas levam para se organizarem e se reorganizarem para entender o mundo e se adaptar a ele. Piaget (1975) ressalta também que os estudos comparativos realizados em vários países comprovaram a existência de atrasos alarmantes com relação às idades por ele encontradas. Por exemplo, os psicólogos canadenses, que padronizaram as provas piagetianas para determinação do comportamento operatório, encontraram em Montreal mais ou menos as mesmas idades que em Genebra. Mas os mesmos estudos realizados na Martinica evidenciaram quatro anos de atraso nas respostas dadas por crianças dessa ilha francesa. Tratava-se, entretanto, de crianças escolarizadas segundo o programa francês de ensino primário. Apesar disso, as crianças da Martinica têm quatro anos de atraso na aquisição das noções de conservação, de dedução, de seriação. 71

72 A escola e a construção da inteligência Outros estudos feitos no Irã, em Teerã, encontraram mais ou menos as mesmas idades de Genebra; mas, em alguns analfabetos, do campo, foram encontrados atrasos de dois anos e meio, e isso de uma maneira mais ou menos constante. Essas pesquisas comprovaram também que a ordem de sucessãodos períodos de desenvolvimentos permanece a mesma, com variações apenas na cronologia. Como objetivo de verificar a existência de atrasos semelhantes que poderiam ser encontrados em Campinas, estado de São Paulo, realizei uma pesquisa (MANTOVANI DE ASSIS, 1976) para qual foi constituída uma amostra pelo processo de estratificação proporcional segundo o tipo de escola que as crianças de 7 a 9 anos de idade frequentavam. Todos os nomes de crianças dessa faixa etária foram relacionados em listas e procedeu-se à escolha aleatória de 324 sujeitos que foram avaliados individualmente de acordo com os princípios do método clínico crítico piagetiano. De todas as crianças avaliadas apenas 12 demonstraram possuir as estruturas lógicas elementares que correspondem ao estágio de desenvolvimento intelectual denominado operatório concreto; 103 ou 31,8% manifestaram raciocínio de transição entre o pré-operatório e o operatório concreto e 209 ou 64% tiveram um desempenho tipicamente pré-operatório que se caracteriza pelo fato do raciocínio da criança ser pré-lógico e pela ausência das noções de conservação, classificação e seriação em seus comportamentos. Considerando que mais da sessenta por cento das crianças avaliadas não possuíam ainda as estruturas do pensamento operatório concreto e que mais de trinta por cento das crianças estavam no estágio de transição, pode-se afirmar que noventa e cinco por cento dessas crianças ainda não eram operatórias. Esses resultados denotam a existência de um atraso de dois anos e meio a três anos no desenvolvimento no que se refere à construção do pensamento operatório nas crianças estudadas. Mas, a que fator se pode atribuir esses atrasos? De antemão, Piaget (1975) descarta a possibilidade de atribuir esses fatos a um fator racial. Por outro lado, ele admite a existência de um fator social que poderia influenciá-los. Ou trata-se de um fator social, quer dizer de uma certa passividade no meio social adulto? Os psicólogos que cito (A. Pinard, M. Laurendeau, C. Boisclair) estariam mais certamente orientados para essa segunda direção, fornecendo-nos a esse respeito todas as espécies de índice: Um dos professores das crianças examinadas tinha hesitado em muito, antes de escolher sua profissão, entre a 72

73 A escola e a construção da inteligência vocação de professor e uma outra possível, a de feiticeiro. Ora, um meio adulto sem dinamismo intelectual pode ocasionar um atraso geral no desenvolvimento das crianças. (PIAGET, 1975, p. 351). Piaget recorre às transmissões educativas para explicar atrasos ou acelerações no ritmo do desenvolvimento intelectual que pode variar de uma sociedade para outra. Para ele, embora insuficiente por si só, a educação é condição necessária para o desenvolvimento psicológico do ser humano, sem a qual não seria possível a construção das estruturas mentais que constituem os instrumentos de adaptação do indivíduo ao seu meio e que lhe possibilitam raciocinar com lógica e conquistar a autonomia moral. Segundo Piaget: A educação é, por conseguinte, não apenas uma formação, mas uma condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural. Proclamar que toda pessoa humana tem direito à educação não é, pois unicamente sugerir, tal como supõe a psicologia individualista tributária do senso comum, que todo indivíduo, garantido por sua natureza psicobiológica ao atingir um nível de desenvolvimento já elevado, possui, além disso, o direito de receber da sociedade a iniciação às tradições culturais e morais; é, pelo contrário e muito mais aprofundadamente, afirmar que o indivíduo não poderia adquirir suas estruturas mentais mais essenciais sem uma contribuição exterior, a exigir um certo meio social de formação, e que em todos os níveis (desde os mais elementares até os mais altos) o fator social ou educativo constitui uma condição do desenvolvimento. (PIAGET, 1973, p.39). A pesquisa mencionada (MANTOVANI DE ASSIS, 1976) comprovou também ser possível acelerar o desenvolvimento de crianças estudadasem Campinas/SP, de modo a evitar atrasos semelhantes aos que foram encontrados na mesma cidade. Para constatar se seria possível evitar atrasos no desenvolvimento intelectual, realizamos uma pesquisa com crianças de 5 e 6 anos de idade, pertencentes a famílias de diferentes níveis socioeconômicos e que estavam matriculadas em uma escola particular e quatro escolas municipais. Foram constituídas nove classes experimentais, sendo que três funcionaram em 1974 e seis, no ano seguinte. Constituíram o grupo experimental e de controle, respectivamente, 183 e 188 sujeitos. No início de cada ano escolar, foi aplicado o pré-teste aos componentes do grupo experimental, visando determinar o estágio de desenvolvimento dos sujeitos, para que se tivesse certeza de que esse grupo fosse formado somente por crianças tipicamente pré-operatórias. Os sujeitos desse grupo tiveram a oportunidade de participar de classes de educação infantil que lhes propiciou um ambiente moral e 73

74 A escola e a construção da inteligência intelectualmente enriquecedor que por sua atmosfera e, sobretudo, pela abundância e diversidade do material usado, que no tocante aos estímulos apresentados aos alunos despertava a curiosidade e a atividade espontânea (PIAGET, 1973, p. 10). Naquela época, os procedimentos pedagógicos empregados nas classes do grupo experimental foram denominados de Processo de Solicitação do Meio. Tal processo consiste em oferecer à criança a oportunidade de se defrontar com situaçõesproblema que geram conflitos e contradições que desencadeiam o processo de equilibração responsável pela construção das estruturas da inteligência. Desde 1980, o Processo de Solicitação do Meio passou a ser denominado PROEPRE (Programa de Educação Pré-Escolar). Nas classes dos sujeitos do grupo controle foi empregado o programa da escola que frequentavam. Comparando-se os resultados de ambos os grupos foi possível conclur que o Processo de Solicitação do Meio contribuiu para que as crianças pertencentes ao grupo experimental apresentassem um progresso bastante significativo. De fato, enquanto que 80,87% dos sujeitos que constituíam o grupo experimental apresentaram o progresso máximo, o mesmo não aconteceu com nenhuma criança do grupo controle. Há ainda outro aspecto a ser ressaltado. Quando os resultados do grupo experimental foram submetidos ao teste estatístico, verificou-se que a proporção de sujeitos que atingiram o estágio das operações concretas não aumentou em relação direta ao nível socioeconômico como era esperado. Isso significa que o nível socioeconômico não exerceu influência no progresso do desenvolvimento intelectual apresentado pelas crianças desse grupo. As principais conclusões a que se chegou, a partir da análise dos resultados obtidos nesse trabalho, foram as que se seguem adiante. O Processo de Solicitação do Meio foi eficaz para promover o progresso no desenvolvimento cognitivo dos alunos que pertenciam ao grupo experimental. Ao contrário, os programas empregados nas classes constituídas pelos integrantes do grupo controle não contribuíram para que os mesmos progredissem, já que nenhuma criança desse grupo apresentou desempenho correspondente ao estágio das operações concretas. É importante ressaltar que esse resultado reflete a influência do programa educacional (PROEPRE) das classes experimentais no ritmo do desenvolvimento da maioria das crianças dessas classes, os quais passaram mais rapidamente para um estágio mais avançado enquanto alunos(as) do grupo 74

75 A escola e a construção da inteligência controle permaneceram onde estavam no início do ano escolar. O fato de que o nível socioeconômico aos quais os sujeitos pertenciam não exercer influência no progresso cognitivopode ser explicado pelos seguintes fatores: - nas classes experimentais o ambiente sócio afetivo era livre de tensões, coação, pressão; - o relacionamento professor/aluno baseava-se a aceitação, no respeito mútuo; - o estágio de pensamento em que as crianças se encontravam, suas necessidades e interesses constituíam um quadro referencial a partir do qual o professor planejava e organizava situações em que a criança, ao perceber a existência de um problema, tentava resolvê-lo. O princípio que rege tal ação pedagógica é o de que, diante de uma situação-problema, a criança põe em funcionamento seus esquemas de assimilação que poderão dar origem a novos esquemas necessários para chegar à solução do problema que lhe despertou a curiosidade ou, melhor dizendo, a necessidade de conhecer, que é inerente às estruturas da inteligência, independentemente do nível socioeconômico ao qual a criança pertença. No ano de 2003, em decorrência do Contrato MEC-INEP/UNICAMP-CESOP, a equipe que integra o Laboratório de Psicologia Genética/FE/UNICAMP realizou uma pesquisa que teve por objetivo avaliar o desenvolvimento intelectual dos alunos da EJA Educação de Jovens e Adultos. Constituíram a amostra da pesquisa 77 (setenta e sete) sujeitos que foram sorteados aleatoriamente dentre aqueles que estavam presentes e aceitaram participar do trabalho, em cada um dos 19 Centros de Educação e Ensino Supletivo do Estado de São Paulo, nos dias em que a pesquisa foi realizada. A amostra estudada era constituída por 36 sujeitos (46,75%) do sexo feminino e 41 (53,25%) do sexo masculino, totalizando 77 (setenta e sete) sujeitos, dos quais 26 (vinte e seis) possuíam idade entre 16 e 24 anos e 51 (cinquenta e um) cujas idades eram iguais ou maiores que 25 (vinte e cinco) anos. A média de idade dos sujeitos é de 29,1 anos. O nível de desenvolvimento intelectual dos participantes da pesquisa foi avaliado mediante o emprego das seguintes provas piagetianas: construção de múltiplos comuns, equilíbrio da balança, relações entre superfícies e perímetros do retângulo, as oscilações do pêndulo e as operações de exclusão, noção de conservação do volume, combinação de fichas coloridas. 75

76 A escola e a construção da inteligência Considerando-se a distribuição dos sujeitos quanto ao nível de desenvolvimento intelectual determinado pelas mencionadas provas, constata-se que na amostra toda um aluno encontrava-se no estágio pré-operatório de desenvolvimento; 4 alunos em transição entre o estágio pré-operatório e o operatório concreto. Dos alunos estudados temos então que 5 não eram operatórios, 35 encontravam-se no estágio operatório concreto, 32 em transição do operatório concreto para o operatório formal e 5 no início do estágio operatório formal. Os resultados encontrados apontam também um atraso no desenvolvimento, já que com a idade que tinham era esperado que todos já tivessem construído as estruturas do pensamento formal. Esses resultados correspondem às explicações da teoria de Piaget, segundo a qual embora a ordem de sucessão dos estágios de desenvolvimento seja constante, porque cada uma é necessária à formação da seguinte, as idades médias em que os estágios se cristalizam, pelo contrário, variam sensivelmente de um meio social ou mesmo de um país ou de uma região para outros. Essas diferenças de velocidades resultariam então da qualidade ou da frequência das solicitações intelectuais às quais as pessoas são expostas ou às possibilidades de atividades espontâneas do sujeito que variam conforme os meios em eles se encontram. Em caso de insuficiência das solicitações, é óbvio que o desenvolvimento seria retardado no que se refere aos três primeiros dos quatro estágios distinguidos por Piaget. No caso dos alunos da EJA estudados (todos com mais de 16 anos) também se pode afirmar que o estágio operatório formal é alcançado mais tardiamente, considerando que 41,54% dos sujeitos haviam ultrapassado (T4) o estágio das operações concretas e 3,9% encontravam-se no início do estágio operatório formal e 2,6% em transição para (T5) para o final deste último estágio. Segundo Piaget (1971), quando o meio social não apresenta solicitações adequadas e suficientes, as estruturas de pensamento formal se constroem com um atraso maior (por exemplo, entre 15 e 20 e não entre 11 e 15 anos) ou mesmo não chegam a formar-se num meio desfavorecido. Tais estruturas poderiam se elaborar somente se o meio em que esses indivíduos estão inseridos mudasse, numa idade em que o desenvolvimento ainda fosse possível. Isso significa que, em princípio, todo o indivíduo normal é capaz de atingir as estruturas formais, mas com a condição de o meio social e a experiência adquirida lhe fornecerem os alimentos cognitivos e as solicitações intelectuais necessárias a uma tal construção. Isso equivale a dizer que todos os indivíduos normais poderão 76

77 A escola e a construção da inteligência chegar, senão aos e anos, em todo caso entre 15 e 20 anos, às operações e às estruturas formais, mas que o fazem em domínios diferentes, e tais domínios dependem então das suas aptidões e das suas especializações profissionais (estudos distintos ou aprendizagens diferenciadas segundo as profissões) sem que a utilização dessas estruturas formais seja exatamente a mesma em todos os casos. Considerando os dados dessa pesquisa, apenas 3,85% dos alunos encontravam se no estágio operatório formal, o que representa um atraso muito significativo se a essas pessoas não for proporcionado um ambiente educacional e social que lhes propicie ultrapassar o estágio das operações concretas e atingir o estágio operatório formal, que é absolutamente necessário para que o indivíduo se transforme num cidadão integro, útil à sociedade da qual faz parte, possuidor de pensamento crítico, capaz de se adaptar às exigências do mundo atual e de contribuir para torná-lo melhor. Piaget explica que os métodos utilizados pela escola poderão ser a causa desses atrasos e ressalta a importância dos métodos ativos para a construção dos conhecimentos e da inteligência, em contraposição aos métodos passivos que consistem na tentativa de transmissão verbal do conhecimento, pois para construir o raciocínio lógico Piaget (1948/1984) ressalta que não é suficiente que a criança e o adolescente ouçam durante anos de escolaridade as mais esplêndidas preleções, pois isso não lhes garante uma aprendizagem com compreensão. As estruturas de conjunto que se constroem durante o processo do desenvolvimento e que possibilitam ao sujeito realizar operações lógicas se constroem a partir da ação sobre os objetos, da experimentação e das trocas entre os indivíduos. Portanto, a transmissão verbal dos conhecimentos, não propiciando a oportunidade para que o sujeito seja ativo no ato de conhecer e possa estabelecer trocas de opiniões e pontos de vista com seus colegas, que ocorrem por ocasião do trabalho em equipe, não favorece o progresso intelectual. Sobre isso Piaget afirma: As pesquisas psicológicas acerca do desenvolvimento das operações racionais e da aquisição ou construção das noções fundamentais fornecem, com efeito, dados que se revelam decisivos em favor dos métodos ativos e estão a carecer, mesmo, de uma reforma do ensino intelectual muito mais radical que possam imaginar muitos dos partidários da escola ativa. (PIAGET, 1973; p. 54). Considerando que para Piaget a construção do conhecimento e a construção 77

78 A escola e a construção da inteligência da inteligência representam as duas faces de uma mesma moeda e que uma das responsabilidades da escola é a transmissão de conhecimentos que a humanidade construiu, é preciso que essa instituição utilize métodos de ensino adequados que propiciem às crianças e jovens as condições favoráveis para que construam os conhecimentos ao mesmo tempo em que se desenvolvem intelectualmente, a fim de que cheguem a ser tudo aquilo que podem durante o período de vida que corresponde à Educação Básica, isto é, sem que haja retardamentos ou atrasos. Nas poucas obras que Piaget dedicou à educação, o autor ressalta inúmeras vezes a importância do papel da escola na formação de pessoas intelectual e moralmente autônomas. Para isso, é preciso que essa instituição assuma não apenas a responsabilidade de ensinar a ler, escrever, contar e transmitir os conhecimentos que depois de certo tempo serão esquecidos. Sua função é muito mais importante do que essa. A escola deve proporcionar ao aluno a oportunidade de desenvolver plenamente sua personalidade no que se refere à construção da inteligência, da moralidade e contribuir de maneira decisiva para a formação de um cidadão apto a cooperar, a ser solidário e capaz de empreender transformações sociais e culturais. Mas estará a escola conseguindo executar bem suas funções? Estará o aluno tendo oportunidade de encontrar na escola um ambiente educacional que lhe possibilite construir, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação ao meio físico e social que são as operações da lógica, como afirma Piaget (1973, p. 38)? De acordo com Piaget, do ponto de vista desse pleno desenvolvimento da personalidade, a escola tradicional não consegue formar com êxito, na criança e no adolescente, um raciocínio ativo e autônomo. Piaget atribui esse fato aos métodos utilizados pela escola tradicional. A escola tradicional oferece ao aluno uma quantidade considerável de conhecimentos e lhe proporciona a ocasião de aplicá-los em problemas ou exercícios variados: ela "enriquece" assim o pensamento e o submete, como se costuma dizer, a uma ginástica intelectual, à qual caberia consolidá-lo e desenvolvê-lo. No caso do esquecimento (e todos sabemos o pouco que resta dos conhecimentos adquiridos na escola, cinco, dez ou vinte anos após o término dos estudos secundários), tem ela ao menos a satisfação de haver exercitado a inteligência; pouco importa que se haja esquecido por completo a definição do cosseno, as regras da quarta conjugação latina ou as datas da história militar: o essencial é tê-las conhecido. (PIAGET, 1948/1984; p. 53). 78

79 A escola e a construção da inteligência Como a escola, instituição encarregada de transmitir para as gerações mais jovens a cultura e as formas de comportamento aceitas em sociedade, tem cumprido o seu papel? Tem ensinado. Tem procurado transmitir esses conhecimentos como produto pronto para o consumo, como se não houvesse necessidade de elaboração por parte de quem aprende. O conhecimento científico, reduzido a teorias e técnicas, vem sendo apresentado por meio de raciocínios que o explicam do ponto de vista do professor ou do livro didático, sem maiores preocupações com a possibilidade de compreensão pelo aluno e pela aluna, sem levar em conta a sua forma específica de ver o mundo e, muito menos, a sua participação no processo de conhecer. Este enfoque passa para o(a) aluno(a) a ideia de ciência pronta e acabada, cujo conhecimento é detido pelo(a) professor(a) e não pode ser questionado, nem precisa ser experimentado e comprovado para ser aceito. As normas e as regras sociais, em geral são apresentadas como princípios independentes do raciocínio e, até mesmo, sem possibilidade de serem alteradas por este. Nesse contexto, os discursos morais substituem a possibilidade de tomar decisões, o verbalismo substitui a ação. Se a escola regular vem agindo dessa forma, o mesmo acontece na Educação de Jovens e Adultos (EJA) que atende aos que dela foram excluídos na idade adequada. De acordo com o senso comum, por serem jovens ou adultos, podem receber o conhecimento pronto através do livro, de vídeos, de falas, sem necessidade de se levar em conta seus conhecimentos prévios, suas competências, habilidades e estruturas mentais. Ora, tratando-se de crianças, de jovens ou de adultos as condições necessárias para compreender e para conhecer são as mesmas. Para construir o conhecimento é imprescindível a ação daquele que conhece sobre o objeto a ser conhecido. Por ação compreendemos tanto as manipulações como as elaborações mentais e por objeto do conhecimento, um objeto concreto, um aparelho científico, a língua, outra pessoa, um grupo social, textos elaborados, conhecimentos sistematizados por outros, etc. Enfim, tudo aquilo que o sujeito quer e/ou precisa conhecer. Se as pessoas aprendem graças à possibilidade de realizar operações mentais cada vez mais complexas, se a compreensão de um fato depende das operações que elas são capazes de realizar, as explicações do professor não 79

80 A escola e a construção da inteligência bastam para modificar os seus sistemas de significação. Por conseguinte, as palavras não podem ser o instrumento básico do ensino. Estudantes de todas as idades precisam ter a oportunidade de levantar hipóteses, planejar ações para verificá-las, buscar novas explicações quando as anteriores se mostram insuficientes. Ora, isso depende das estruturas cognitivas que tenham construído. Para organizar um trabalho pedagógico que mobilize os instrumentos da inteligência dos alunos e das alunas sua ação e reflexão é importante conhecer quais são os instrumentos de que dispõe o(a) estudante real, que está diante de nós em nossas salas de aula. Especialmente no caso de uma população diferenciada, como é o caso de alunos da EJA, é importante conhecer quais estruturas cognitivas possuem, quais relações podem estabelecer, que tipo de soluções podem construir e experimentar nas situações que enfrentam, quais são seus interesses, enfim, quais suas condições de aprendizagem e quais suas necessidades para poder realmente aprender. Quando o(a) professor(a) transmite o conhecimento diretamente para o(a) aluno(a), tentando fazê-lo(a) compreender passivamente o conteúdo que ele está querendo ensinar, não dando oportunidade para que hipóteses sejam formuladas, dúvidas sejam apresentadas, coloca-se no lugar de dono da verdade submetendo aquele que aprende um constrangimento intelectual e, consequentemente, moral, não lhe dando chances de conquistar a autonomia correspondente a esses dois aspectos de sua personalidade. Da mesma forma, os métodos chamados ativos, que podem desenvolver a personalidade intelectual, pressupõem necessariamente a intervenção de um meio coletivo ao mesmo tempo formador da personalidade moral e fonte de trocas intelectuais organizadas Sobre isso, Piaget afirma: Na realidade, a educação constitui um todo indissociável, e não se pode formar personalidades autônomas no domínio moral se por outro lado o indivíduo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que tenha de se limitar a aprender por imposição sem descobrir por si mesmo a verdade: se é passivo intelectualmente, não conseguiria ser livre moralmente. Reciprocamente, porém, se a sua moral consiste exclusivamente em uma submissão à autoridade adulta, e se os únicos relacionamentos sociais que constituem a vida da classe são os que ligam cada aluno individualmente a um mestre que detém todos os poderes, ele também não conseguiria ser ativo intelectualmente. (PIAGET, 1948/1984; p. 61). 80

81 A escola e a construção da inteligência Piaget considera que os métodos chamados ativos, capazes de desenvolver a personalidade intelectual, pressupõem necessariamente a intervenção de um meio coletivo ao mesmo tempo formador da personalidade moral e fonte de trocas intelectuais organizadas. Como é possível observar na citação que se segue, com a qual encerramos nossas reflexões, Piaget considera a necessidade de ambas, educação intelectual e educação moral, serem proporcionadas pela instituição escolar inseparavelmente: A proposição Toda pessoa tem direito à educação como o afirma solenemente o princípio de nosso artigo 126, significa, em primeiro lugar: Todo ser humano tem direito de ser colocado, durante sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível chegar ao ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica. Ora, essa formação é mais complexa do que possa parecer, e não será necessária uma especial perspicácia para que se perceba - ao examinar os indivíduos adultos e normais, representativos de uma razoável média humana - que as personalidades verdadeiramente lógicas, donas de seu pensamento são tão raras quanto os homens verdadeiramente morais e que exercem sua consciência em toda sua plenitude. (PIAGET, 1973, p. 38). Considerações Finais A expressão torna-te o que és! traz em si um pressuposto, tornar-se o que é implica não estar sendo o que deveria. O apelo Escola, torna-te o és! reflete a necessidade de seu verdadeiro sentido ser resgatado, para a escola tornar-se o que é. Para que isso aconteça, faz-se necessária uma corajosa e ampla verificação da realidade atual da escola, sobre o que existe e o que já se faz de bom, quais as falhas e deficiências, o que e como é preciso fazer mais e melhor. É preciso saber qual é o significado da escola no espaço da cidade onde ela se encontra. Enfim, torna-se necessário um planejamento de iniciativas para promover e alcançar, com determinação e perseverança, a renovação educacional da escola envolvendo os(as) gestores(as) dessa instituição, professores(as), alunos(as) e toda a comunidade escolar num esforço conjunto. Faz-se necessário também que professores(as), gestores(as) e funcionários(as) se engajem nesse projeto de renovação participando de projetos de formação continuada, planejamentos conjuntos, reuniões pedagógicas para troca de experiências, eventos educacionais e tudo mais é necessário para que a escola cumpra seu papel educacional e social e 81

82 A escola e a construção da inteligência chegar a torna-se o que é: um lugar onde estudantes são aceitos(as) e compreendidos(as), uma instituição que tem a responsabilidade de transmitir os conhecimentos às novas gerações e proporcionar as melhores condições para que crianças e adolescentes desenvolvam de maneira harmoniosa todas as dimensões de sua personalidade. Um lugar livre de constrangimentos, de autoritarismos no qual as relações entre as pessoas sejam baseadas no respeito mútuo, reciprocidade e cooperação. Enfim, um lugar em que adultos e as crianças e jovens, ensinantes e aprendizes possam ser curiosos, inventivos, criativos e, principalmente possam ser felizes e conviverem em paz. Notas * Orly Zucatto Mantovani de Assis possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUC/Campinas (1971), mestrado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/São Paulo (1973) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP (1976). Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp e coordenadora do LPG - Laboratório de Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Psicologia, desenvolvimento humano e educação. orly.zma@gmail.com Referências MANTOVANI DE ASSIS, Orly Zucatto. A escola e a construção das estruturas da inteligência na criança. In: CASTELLANO CAMPOS, Elisabete Gabriela. Desenvolvimento sustentado: problemas eestratégias. São Paulo. Academia de Ciências do Estado de São Paulo, A solicitação do meio e a construção das estruturas lógicas elementares na criança. Campinas, 1976, Tese de Doutorado, Faculdade de Educação - UNICAMP.. L' école et la construction des structures de L' intelligence chez l' enfant. Bulletin de Psychologie, Présences de Jean Piaget (2), tome 51, (5) septembre/octobre, MANTOVANI DE ASSIS, Orly Zucatto et al. Avaliação do desenvolvimento cognitivo dos alunos da EJA. Relatório de Pesquisa INEP PIAGET, Jean. O tempo e o desenvolvimento intelectual. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1975, pág A evolução intelectual da adolescência à maturidade. In: Separata Revista Portuguesa de Pedagogia, Coimbra, Volume V, Ano I,

83 A escola e a construção da inteligência Piaget, Para onde vai educação? Rio de Janeiro: José Olympio, Para onde vai educação? Rio de Janeiro: José Olympio,1948/1984. Recebido em: novembro de Aprovado em: dezembro de

84 O TRATAMENTO DAS ESPECIFICIDADES DA MODALIDADE ORAL DA LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL II Laís Maria Álvares Rosal Botler * Lívia Suassuna ** Resumo: No presente artigo, objetivamos, com base em Marcuschi (2003, 2010) e Dolz, Schneuwly e Haller (2004), entre outros autores, descrever e analisar como duas professoras do segundo segmento do ensino fundamental abordama modalidade oral da línguaem suas aulas. Desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, com foco na maneira como as docentes tratavam as especificidades da oralidade. A análise dos dados mostrou que ambas se preocupavam em mostrar para os alunos que há formas diferentes de utilização da língua, a depender da modalidade. Além disso, suas práticascontribuíram para uma caracterização mais sólida e bem justificada da modalidade oral da língua. Palavras-chave: Ensino de língua portuguesa. Ensino de oralidade. Especificidades do oral. Oralidade. APPROACHES TO PORTUGUESE ORAL LANGUAGE SPECIFICITIES IN JUNIOR HIGH SCHOOL Abstract: In this paper, we aim to describe and analyze how two junior high school teachers approach the oral language specificities in their lessons. We based our research on studies by authors like Marcuschi (2003; 2010), Dolz, Schneuwly and Haller (2004), and other specialists. We developed a qualitative research by focusing on how the teachers approached the specificities of the oral modality. The data analysis showed that the teachers approach clarified for the students different usages of the language depending on its modality. In addition, while aiming to construct different meanings for distinct interactive situations, their approach contributed build with the students a solid justified characterization of the language s oral modality. Keywords: Oral specificities. Oral language. Portuguese teaching. Introdução O ensino de oralidade nas aulas de língua portuguesa foi, durante muito tempo, relegado a segundo plano ou, até mesmo, inexistente. Uma das principais justificativas para esse fato é a crença de que, ao chegar à escola, o aluno já sabe falar. Outra é a associação da fala a aspectos como a falta de planejamento, a espontaneidade e, principalmente, a erros linguísticos (DOLZ, SCHNEUWLY e HALLER, 2004). Milanez (1993) argumenta que um dos fatos para que o trabalho na escola seja pouco eficaz no que concerne ao desempenho comunicativo dos alunos é a valorização da escrita em detrimento da oralidade. Pode-se atribuir a ausência da oralidade na escola à influência da concepção de linguagem como expressão do pensamento que, por muitas décadas, predominou nas aulas de português. De acordo com essa concepção, o aluno 84

85 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II precisa aprender a escrever bem, sem erros, já que a língua é considerada algo externo ao sujeito e este precisa adquirir a língua da escola para ser considerado como alguém que sabe falar (CAVALCANTE; MARCUSCHI, 2005, p. 124). O quadro acima descrito começou a mudar de forma mais evidente a partir dadécada de 1980, quando se passou a perceber a língua como interação e os fenômenos a ela vinculados como sendo, necessariamente, situados em contextos históricos, sociais e culturais. Essa concepção interacionista de linguagem passou a requerer que se redefinissem não apenas metodologias e materiais didáticos, mas, principalmente, os conteúdos de ensino-aprendizagem (GERALDI, 2006). Dessa forma, o argumento de que o indivíduo ao entrar na escola já sabe falar é não é suficiente para que se ignore o ensino da modalidade oral da língua e seus gêneros textuais se pensarmos nas mais diversas situações de uso da mesma e na necessidade que socialmente todos têm de utilizar suas variedades a depender do contexto. Essa necessidade se acentua em relação à modalidade oral da língua, na medida em que, de acordo com Marcuschi (2003), ela está muito mais presente no nosso cotidiano do que a escrita. Dificilmente um indivíduo está preparado para utilizar a fala em todos os contextos interativos possíveis, principalmente naqueles em que se faz necessário um planejamento, pois, ao contrário do que se argumentava, há, sim, situações em que se faz necessário planejar a fala, como nas que se faz uso de gêneros orais como entrevistas, debates e discursos, por exemplo. Assim, concordamos com Marcuschi (2003) e Messias (2001) que é papel da escola, mais especificamente do professor de português, proporcionar aos estudantes a possibilidade de adquirir as habilidades de que necessitam para se adequar às distintas situações sociais de uso oral da língua, ensinando-lhes padrões linguísticos de prestígio para as situações mais formais, ao lado das formas coloquiais adequadas para as situações mais correlatas. (MESSIAS, 2001, p. 6). O presente artigo - um recorte de uma dissertação cujo objetivo foi analisar e discutir se e como são abordados os gêneros textuais orais nas aulas de português - tem o objetivo de descrever e analisar como duas professoras do ensino fundamental abordam em suas salas de aula as especificidades da modalidade oral da língua, uma vez que essas influenciam na compreensão dos gêneros textuais orais. No desenvolvimento do texto, traremos, inicialmente, os autores e posicionamentos em que nos baseamos no que concerne às concepções de oralidade e às suas especificidades enquanto modalidade da língua. Em seguida, 85

86 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II explicaremos a metodologia adotada na pesquisa e, posteriormente, realizaremos a descrição e a análise das aulas observadas de cada uma das professoras. Por fim, apresentaremos as considerações finais. 1 Concepções de oralidade Milanez (1993) diz que, [...] numa abordagem interacional da língua, saber falar (assim como saber escrever) não é só saber expressar o pensamento nem só conseguir ser entendido, mas atingir um objetivo dentro de determinada situação comunicativa (MILANEZ, 1993, p. 207, grifos da autora). A partir da percepção de língua e texto como um conjunto de práticas sociais, Marcuschi (2010, p.15), por sua vez, defende que não é possível realizar investigações sobre a oralidade e o letramento sem articulá-los a seus papéis na civilização contemporânea. Da mesma maneira, já não é possível, segundo o autor, estabelecer semelhanças e diferenças entre os contrapontos formais dessas práticas, ou seja, a fala e a escrita, sem associá-las a seus usos cotidianos. Faz-se necessário, de acordo com o autor, que a relevância tanto da oralidade quanto do letramento seja explicitada a partir das práticas de linguagem, por meio das quais são determinados o papel, o lugar e a importância de cada um; não se trata, pois, de uma relação oposta, mas de uma relação situada num contínuo sócio-histórico de práticas. A oralidade, então, é uma prática social com objetivos de interação definidos, que se manifesta em diferentes gêneros textuais concretizados por meios sonoros. A mesma pode variar entre formas mais ou menos formais, a depender do contexto de uso. Já a fala é, para Marcuschi, uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral (MARCUSCHI, 2010, p. 25). A fala é caracterizada pela utilização da língua em forma de sons, com algumas características específicas, envolvendo aspectos prosódicos e outros recursos expressivos, como gestos e movimentos do corpo. A escrita, da mesma maneira, é uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica (MARCUSCHI, 2010, p. 26). As práticas sociais relacionadas à escrita são definidas pelo autor como letramento, que abarca desde uma apropriação mínima até um domínio profundo da escrita, bem como a participação significativa em eventos de 86

87 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II letramento. Assim, a maior diferença entre fala e escrita seriam os aspectos sonoro e gráfico, podendo essa visão ser ampliada no sentido de englobar [...] na fala, todas as manifestações textuais-discursivas da modalidade oral, bem como englobar na escrita todas as manifestações textuais-discursivas da modalidade escrita. (MARCUSCHI, 2010, p. 25, grifos do autor). Tratando de oralidade e escrita, Fávero, Andrade e Aquino (2011) afirmam que ambas as modalidades apresentam as características de dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2011, p. 13), situando-se em um contínuo, por meio do qual devem ser analisadas a partir dos usos em situações de comunicação. Além disso, defendem que é preciso ter em mente que a diferença entre a oralidade e a escrita se dá devido às escolhas do enunciador, as quais dependem das especificidades da situação de uso e dos gêneros textuais a serem utilizados. Junto a isso, as autoras consideram que, uma vez que toda atividade de linguagem se constitui por uma interação, esta é que deve ser observada para que se analisem as produções orais e escritas. Outro ponto que as autoras destacam para mostrar que as diferenças entre as duas modalidades estão situadas nos usos é o fato de que, cognitivamente, o processamento do texto escrito e o do texto oral apresentam vários aspectos similares, sendo a interatividade uma estratégia que pode ocorrer em ambas. Dolz, Schneuwly e Haller (2004), apesar de acharem que há diversos tipos de oral, tanto espontâneos quanto mais formais, consideram importante diferenciar dois tipos que têm características muito diferentes: o oral espontâneo, cujas características mais marcantes são a fragmentação e a descontinuidade, embora haja vários aspectos de regularidade em sua produção; e a oralização da escrita, que é dependente de um texto escrito e limitada a ele. Entre esses dois orais extremos, situar-se-iam todos os outros orais. A partir das visões desses autores, consideramos, portanto, a oralidade como uma modalidade da língua que possui características particulares e que, através do meio sonoro, configura-se por meio de práticas sociocomunicativas definidas por objetivos específicos e situadas em um contínuo. 87

88 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II 2 Especificidades do oral Dolz, Schneuwly e Haller (2004) relacionam o oral ao que é transmitido pela boca, ao que é falado e, ao mesmo tempo, ouvido pelo emissor. Junto a isso, o segundo fator destacado é a voz, a qual, além dos fonemas, produz elementos prosódicos, como a entoação. Paralelamente, os autores dão destaque às mudanças que ocorrem historicamente com os fonemas, que deveriam ser levadas em consideração no momento do trabalho em sala de aula. A questão da prosódia é abordada como fator essencial para o funcionamento da fala, especificamente por meio da entoação, da acentuação e do ritmo, cujo domínio pode ser essencial na leitura de textos escritos, por exemplo. Em relação à entoação, os autores afirmam que ela pode auxiliar na identificação das emoções do locutor, bem como de alguns de seus posicionamentos. A tristeza, por exemplo, pode ser percebida por meio de uma voz fraca. Além disso, a entoação numa conversação serve, por exemplo, para marcar os turnos de fala. Sobre a acentuação, os autores destacam os acentos que não são intrínsecos à língua, ou seja, que dependem da intenção e do estilo do locutor, por exemplo. No que concerne ao ritmo, os autores associam-no à expressão da emoção, mas fazem uma ressalva sobre esse aspecto em relação às influências culturais no ritmo de determinada língua. Como se observa, embora se trate de aspectos mais propriamente físicos, eles exercem influências inegáveis na construção de sentidos no momento da interação e, portanto, merecem também ser abordados em sala de aula. Outro fator específico dos textos orais é, segundo os autores, a relação com o corpo, ou seja, a interação por meio da linguagem oral não se dá só pelo uso dos meios linguísticos e prosódicos, mas também de meios não linguísticos, que convencionalmente apresentam significados. Os autores ressaltam que, apesar da aparente universalidade desses recursos não linguísticos, eles se diversificam bastante, a depender do local e da época em que são realizados. Afirmam ainda os autores que, na transcrição, o oral espontâneo parece completamente desordenado, mas, quando essa aparente desordem é analisada não em função da escrita, mas levando em consideração também os aspectos prosódicos e gestuais, percebe-se uma ordenação. Sobre a relação entre o conceito de norma e o de oralidade, Milanez (1993) afirma que não há uma só norma em relação ao oral, mas várias, que caracterizam 88

89 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II diferentes falares, conforme situações e lugares sociais. Fávero, Andrade e Aquino (1999) abordam as características do oral tratando especificamente da conversação. As autoras trazem, inicialmente, os estudos de Ventola (1979, apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999), que abordam a estrutura da conversação, valorizando alguns aspectos: o tópico, por meio do qual se estabelecem os relacionamentos; a situação; os papéis dos participantes, que delimitam a forma como estes devem se comportar em cada situação; o modo do discurso, que varia de acordo com o objetivo da interação; e o meio, que é o canal através do qual a mensagem é transmitida. A partir disso, as autoras afirmam que [...] a produção do texto falado resulta da conjugação de vários fatores. (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999, p. 19); trata-se, segundo elas, de uma atividade social em que são necessários os esforços de pelo menos duas pessoas, sendo a fala uma [...] criação coletiva e [que] se produz não só interacionalmente, mas também de forma organizada. (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999, p. 21). Além desses aspectos, as autoras destacam a necessidade de, no texto conversacional, a questão da coesão ser estudada de forma específica e um pouco diferenciada da escrita, uma vez que há aspectos como a quantidade de repetições que, no texto falado, colaboram para a coesão. Outros elementos são destacados pelas autoras como favorecedores da coesão no texto falado, como a paráfrase e os conectores. As autoras ressaltam quatro elementos que no texto conversacional são essenciais para sua coerência e organização, são eles: o turno, o tópico discursivo, os marcadores conversacionais e o par adjacente. O turno é estruturalmente definido por ser aquilo que um indivíduo fala enquanto está com a palavra em uma determinada conversa. Em relação a ele, há algumas propriedades que são descritas pelas autoras, mas as mesmas afirmam que o fundamental em uma conversação é a troca de turnos. Já o tópico discursivo é aquilo sobre o qual se fala, sendo um elemento essencial para a estrutura de uma conversação, pois é nele que os falantes se baseiam durante a interação. Muitas vezes o tópico discursivo não é explícito e isso ocorre quando o referencial não se encontra no texto, mas no contexto da situação. Em termos de propriedades, o tópico discursivo pode ser caracterizado por: centração, pois se refere à fala sobre algo; organicidade, a partir de planos sequenciais e hierárquicos; delimitação local, já que em geral cada tópico tem início, 89

90 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II meio e fim. A partir da existência de vários tópicos em uma conversação, tem-se a digressão, causada pela movimentação da conversação entre mais de um deles. Em relação aos marcadores conversacionais, as autoras destacam que estes podem ser elementos tanto verbais, como prosódicos e não linguísticos, e todos têm uma função na interação, uma vez que auxiliam na articulação, encadeamento e coesão do texto. Os marcadores não lingüísticos têm uma função bastante específica na interação face a face (é o caso, por exemplo, do riso, do olhar, da postura). Já os prosódicos têm, de acordo com as autoras, uma [...] natureza linguística, mas não apresentam caráter verbal. (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999, p. 45); são exemplos as pausas, os alongamentos e as variações no tom de voz. As autoras também apontam para o fato que os marcadores verbais exercem funções estruturadoras relevantes, coincidindo de modo distribucional e funcional com operações de organização sintática (p. 46), mas, da mesma forma como auxiliam na coesão, atuam como agentes segmentadores do texto. Em análise de textos conversacionais, elas observaram que os marcadores desempenham papéis de especificadores, coordenadores e subordinadores, por exemplo, auxiliando na compreensão das atividades entre o locutor e o interlocutor. No que concerne ao par adjacente, as autoras afirmam ser este o elemento básico da interação, especificamente na conversação. Esse elemento estáintrinsecamente ligado aos tópicos discursivos. Os pares do tipo perguntaresposta podem ser usados para introdução, continuidade, redirecionamento e mudança de tópico. De acordo com as autoras, a formulação da linguagem oral pode ser classificada em duas formas: stricto sensu, na qual o locutor não encontraproblemas de processamento e linearização (idem, p. 56) e lato sensu, na qual o locutor encontra problemas de formulação, como hesitações, paráfrases, repetições e correções, e deve resolvê-los. As autoras trazem, então, o ponto de vista de Chafe (1985, apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999), o qual considera que as hesitações são a comprovação de que a fala não é o lugar do improviso, mas sim um ato criativo e elaborado. Em relação à paráfrase, trata-se de um enunciado reformulado que mantém relações de equivalência semântica com o primeiro. No que concerne à repetição, de acordo com Marcuschi (1996, apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999), ela é uma das atividades mais comuns de formulação textual na modalidade oral, assumindo funções como fortalecimento do discurso e auxílio para a coerência textual. Já a 90

91 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II correção é um enunciado linguístico que reformula o anterior, produto de uma determinada situação de interação, e não ocorre de forma aleatória. As autoras ressaltam que esses elementos ocorrem também no processo de composição do texto escrito, mas, em geral, não aparecem porque são apagados. Julgamos importante que o trabalho com os gêneros orais na escola seja também voltado para essas especificidades e que tal abordagem deve se dar sempre no sentido de favorecer a interação e a construção dos sentidos dos textos. 3 Fundamentos e procedimentos metodológicos Objetivando analisar as formas de abordagem das especificidades da modalidade oral da língua em sala de aula, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, empregando a observação como instrumento de geração dos dados. As docentes participantes foram selecionadas por meio de um questionário 2, aplicado com a finalidade de encontrar professores que abordassem de forma sistemática os gêneros orais em suas aulas. Para gerar os dados, realizamos observação participante das aulas, assim chamada, de acordo com André (2008), por pressupor uma maior interação com os sujeitos da pesquisa. No total, observamos 28 dias de aulas de uma professora da rede estadual de ensino do Estado de Pernambuco, totalizando 1996 minutos de gravação, e 22 dias de aulas de uma professora do Colégio de Aplicação da UFPE, totalizando 1674 minutos de gravação. As aulas, de duração de 50 minutos cada e em sua maioria geminadas, foram gravadas em áudio, em aparelho do tipo MP4. Além disso, fizemos anotações em diários de campo, de modo que pudéssemos registrar, inclusive, os posicionamentos das professoras em relação ao tema no momento do trabalho em sala de aula. Para proceder à análise dos dados, levamos em conta: (1) as concepções de linguagem e oralidade implícitas na prática das professoras; (2) os procedimentos didáticos adotados e as metodologias empregadas em relação ao trabalho com os gêneros orais; (3) a abordagem da variação linguística e das especificidades do oral; e (4) a articulação, caso houvesse, entre o trabalho com os gêneros orais e as práticas de leitura, produção escrita e análise linguística. No presente artigo, como já dito, vamos priorizar a abordagem realizada pelas professoras em relação às especificidades da modalidade oral. Antes, porém, vamos caracterizar brevemente cada uma das docentes observadas. 91

92 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II A professora da rede estadual de ensino de Pernambuco, denominada a partir de agora Professora A, é formada em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco e possui mestrado pela mesma universidade, também na área de Letras. A professora destaca em sua formação o fato de ter realizado, durante a graduação, pesquisa de iniciação científica com a equipe dos professores Luiz Antônio Marcuschi, Dóris Cunha e Judith Hoffnagel, que, na época, investigavam questões atinentes à conversação. Além disso, seu mestrado também foi voltado para a temática da oralidade, envolvendo especificamente o trabalho com transcrições e análises de textos orais, o que se configurou como bastante relevante para o nosso estudo. Já a professora do Colégio de Aplicação, a quem chamaremos de Professora B, fez graduação em Letras, e mestrado e doutorado em Teoria da Literatura também pela Universidade Federal de Pernambuco. Ela ensina no Colégio de Aplicação há seis anos em regime de trabalho de dedicação exclusiva, o que faz com que ela tenha mais tempo disponível para a preparação das aulas e para investir na própria formação. 4 Descrição e análise das aulas 4.1 Professora A Observamos a professora A no período compreendido entre os meses de julho e novembro de A maioria de suas aulas eram geminadas, exceto quando ocorriam problemas relacionados à organização da escola, situada em Brasília Teimosa, um bairro da periferia da cidade do Recife, famoso por um movimento de resistência social por parte dos moradores. A turma observada era um 7º ano do ensino fundamental e a maior parte dos alunos fazia parte da comunidade em que a escola se situa. As aulas observadas foram referentes ao trabalho com o projeto Olimpíada de Língua Portuguesa o qual envolvia os gêneros textuais memória literária e entrevista. O projeto foi baseado na proposta de gêneros textuais da Olimpíada de Língua Portuguesa, mas foi adaptado pela professora para a realidade dos alunos. Para isso, ela utilizou o material fornecido pelos organizadores da Olimpíada juntamente com o livro didático e outros materiais desenvolvidos por ela mesma. Além disso, a professora explorou advérbios e verbos, os quais, embora a professora tenha tentado articular com a abordagem dos gêneros, foram explorados de forma um pouco mais isolada dos demais conteúdos, isto é, os tópicos 92

93 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II gramaticais abordados não foram diretamente relacionados ao trabalho desenvolvido por ela com os gêneros textuais, mas foram importantes para a discussão sobre as diferenças dos usos dessas classes gramaticais na linguagem falada e escrita e, consequentemente, para uma melhor compreensão dos gêneros por parte dos alunos. Para fins de análise, dividimos as aulas da professora A em duas sequências que envolveram o gênero entrevista. A primeira delas voltou-se para uma experiência mais individual dos alunos com o gênero, embora, em alguns momentos, o trabalho tenha sido feito em pequenos grupos, enquanto a segunda foi realizada em uma perspectiva tipicamente coletiva. Nos quadros a seguir, detalhamos melhor cada uma das sequências. Primeira sequência de aulas Quadro 1 Primeira sequência de aulas sobre entrevista professora A 1 - Preparação para a produção do gênero entrevista Leitura de texto do gênero memória literária e reflexão sobre as condições de produção desse gênero. Discussão sobre como a autora do texto conseguiu informações para escrever a história de outra pessoa. 2 - Produção do gênero entrevista Em grupos, produção de entrevista com pessoa mais velha da comunidade, sobre algum fato marcante de sua vida. 3 - Preparação para a socialização da produção da entrevista produzida 4 - Socialização da produção e de discussão e reflexão sobre a mesma 5 - Análise linguística do gênero entrevista Em grupos, sistematização dos dados obtidos na entrevista a partir da construção de um quadro. Apresentação das histórias encontradas a partir das entrevistas, com intervenção da professora e dos outros alunos sobre questões que não ficaram claras. Atividade do livro didático sobre marcas da oralidade na entrevista. Fonte: BOTLER, Segunda sequência de aulas Quadro 2 Segunda sequência de aulas sobre entrevista professora A 1 - Preparação para a produção do gênero entrevista Reunião dos alunos em grupos para a preparação de um roteiro de perguntas para a entrevista a partir de sugestão de temas pela professora. Discussão sobre regras da produção coletiva do gênero entrevista. 2 - Produção do gênero entrevista Realização de entrevista coletiva com a avó de uma das alunas, sobre modos de viver do passado, memórias sobre a vida da entrevistada e sobre o bairro. 93

94 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II 3 - Atividade de retextualização Leitura de trecho de anotações sobre entrevista. Reflexão coletiva sobre os passos necessários para retextualizar a entrevista em um texto do gênero memórias literárias. 4 - Atividade de transcrição Transcrição de um trecho da entrevista para identificar as características da modalidade oral da língua. Fonte: BOTLER, Ao longo das observações, encontramos abordagens ou reflexões relacionadas a conceitos específicos da modalidade oral da língua em quatro momentos. Primeiramente, no momento de reflexão sobre a produção da primeira entrevista; depois, durante um exercício do livro didático sobre as marcas de oralidade na entrevista; em seguida, na atividade de retextualização e, por fim, na atividade de transcrição. Em todos esses momentos, percebemos, da parte da professora, a intenção de mostrar aos alunos que na fala utilizamos recursos diferentes dos da escrita para a construção dos sentidos. Esse é um dos princípios que Antunes (2003) postula para o trabalho com a modalidade oral baseado em uma concepção de língua como interação: a compreensão das especificidades do oral, já que esse tem alguns aspectos relacionados ao seu funcionamento que se dão de forma diferente do texto escrito. Primeiramente, a professora discute o fato de que a modalidade oral da língua, além de ter recursos de expressão diferentes dos da modalidade escrita, possui outros que não são passíveis de reprodução nessa última modalidade, tais como a ênfase, a pausa e os alongamentos: AULA 6 PA: [...] Além disso, o texto oral, ele também tem recursos que o texto escrito não tem, por exemplo: quando eu quero dar ênfase olhao que eu acabei de fazer. Quando eu quero dar ênfase a uma palavra tem como fazer isso no texto escrito? A: Tem! PA: Como? A: Deixa em itálico. PA: Pronto, eu posso sublinhar, eu posso grifar, mas a pessoa só vai saber qual foi o tipo de ênfase que eu dei... Eu sublinho só uma sílaba, por exemplo? Não, não é? O máximo que eu posso fazer é sublinhar, é grifar. Mas na fala a gente tem muitas possibilidades de demonstrar ênfase, por exemplo, pela entonação da nossa voz, por exemplo, reforçando uma determinada sílaba. Observamos, portanto, que, mesmo que haja semelhanças, as quais, 94

95 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II inclusive, são percebidas pelos alunos, a professora demonstra a clareza de que na modalidade oral da língua determinados fatores se concretizam de maneira particular e, por isso, merecem ser objeto de ensino e de estudo. Junto a isso, a professora procura sempre enfatizar os sentidos que são gerados pela utilização de cada recurso na oralidade. Ao discutir o alongamento, por exemplo, ela discorre sobre ao menos dois efeitos de sentido que o indivíduo pode provocar ao fazer uso desse recurso na fala: AULA 6 PA: Esses dois pontinhos servem pra fazer um alongamento pra quê? A: Porque ele tá pensando o que vai falar. PA: Pode ser, uma das razões, né, ou, como Richardson falou, às vezes a gente faz um alongamento desses, o caso do gol, Richardson... Go..., por exemplo, pra dar ênfase nessa palavra, né? O caso do gol tem uma função específica, diferente da de é... Aí eu não tô enfatizando coisa nenhuma, eu tô fazendo um alongamento porque eu ainda tô pensando no que eu vou dizer. A partir de um exercício do livro didático que tratava das marcas de oralidade na entrevista e que trazia uma entrevista do NURC 1, a professora discute a importância das marcas da oralidade em determinados textos escritos e explica o que é o NURC, comparando-o com a entrevista que estão fazendo. Além disso, utiliza o exercício para introduzir os conceitos de marcas de oralidade no texto escrito e de turno conversacional, para mostrar como a palavra bem funciona como um marcador conversacional do turno. É interessante como não há, nem no exercício do LD, nem na perspectiva adotada pela professora, o posicionamento de retirar as marcas da oralidade do texto; ao contrário, procura-selevar os aprendizes a perceber como elas podem ser utilizadas para trazer significados. No gênero entrevista, especificamente, que é mais comumente produzido na modalidade oral num primeiro momento para ser transcrito em seguida, as marcas de oralidade servem para manter a fidedignidade à maneira como certos enunciados foram ditos. De acordo com Hoffnagel (2010, p. 204), essas marcas são índices ou dicas que orientam a interpretação da interação, e é justamente isso que a professora busca mostrar aos alunos: AULA 7 PA: [...] Então essas marcas de oralidade vão aparecer no texto escrito exatamente pra dar o tom pra ficar parecido com o registro em que ele foi produzido na modalidade oral, certo? Então pra lembrar aquela informalidade, pra lembrar aquela descontração do momento em que o entrevistador estava conversando com o entrevistado. Então palavras vão aparecer aqui que lembrem 95

96 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II essa informalidade. Em outros momentos, como nas atividades de retextualização e de transcrição, em que o objetivo era outro e voltado para um gênero essencialmente escrito (memória literária), a professora pediu para que os alunos pensassem sobre o que precisariam eliminar. Entretanto, enfatizamos que não se tratou de uma perspectiva dicotômica que opõe fala e escrita, mas sim de uma operação que visou a atingir objetivos relacionados à melhor construção do texto. Nesse momento, a professora trabalhou também outros elementos específicos da modalidade oral, como a hesitação e o truncamento, como forma de caracterizar o texto e a interação oral: AULA 25 PA: Ó, por exemplo, ela diz: na época era de pala/de madeira. Perceberam? É claro que não é de palamadeira. O que ela ia dizer? Era de palafita. Só que não era isso que ela queria dizer. Era de madeira, era o que ela queria dizer. Por isso, ela abandonou o trecho anterior, era de pala... era de madeira, então aí houve, primeiro, houve um abandono do turno de fala, do pedacinho da fala dela. Então entre esse de pala...a gente tem um alongamento, não é, aí abandona, o que a gente chama de truncamento, aí a gente mostra que houve essa quebra utilizando esse travessão aqui, essa barra na vertical, então marcaria indicando truncamento, e aí ela dá uma pausa pra reformular, é de pala.. é de madeira. Deu pra perceber isso? Na escrita a gente tem essas pausas? Tem essas reformulações? Tem esses abandonos? Outra coisa que a gente observa é a interação, é a troca de turnos, né? É uma característica do texto dialógico. É... Há uma substituição de quem é o falante e de quem é o ouvinte. A professora aborda, também, os conceitos de turno e marcador conversacional. Fávero, Andrade e Aquino (1999) destacam que esses elementos são essenciais para a construção da coesão e da coerência do texto oral. E é justamente isso que a professora destaca para os alunos, mostrando como eles servem, por exemplo, para manter o interlocutor atento em uma conversação: AULA 7 PA: Mas na escrita não tem uma frase formada como na fala, não é? A maneira de organizar a fala é diferente da forma como a gente organiza a escrita. Não tem um ponto final indicando que a frase acabou, não é? Na fala, não tem. Tem uma pausa. E também tem palavras que aparecem pra indicar que eu vou começar uma nova fala. Não é? Isso aí. Se vocês compreendem como fala, tudo bem. A gente chama de turno. A: Turno? PA: Turno. Turno conversacional. É um pedacinho da fala. Eu vou começar um novo pedacinho da minha fala. Então... Olha aí, não é? Então quando eu vou começar um novo pedacinho dessaminha fala, eu marco, eu indico isso pro meu interlocutor pra quem está me ouvindo saber que eu vou iniciar. Então a gente 96

97 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II chama isso de marcador conversacional. A partir desse trecho, compreendemos a clareza que a professora tem quanto às especificidades da organização do texto oral e acreditamos que isso se deve, mais uma vez, à sua formação, voltada para os estudos das relações entre fala e escrita. Assim, observamos que ela aborda o texto oral não pelo viés da escrita, mas sim por meio de suas características peculiares que, ao serem compreendidas, contribuem para o melhor entendimento desse texto. Conforme Dolz, Schneuwly e Haller (2004), ao serem concebidos dessa maneira, os gêneros orais se tornam, então, objetos de ensino com foco específico, uma vez que fazem parte da linguagem em uso, baseiam-se em um quadro teórico e em diversas pesquisas empíricas, e são facilmente relacionados aos objetivos de ensino da língua. As especificidades do oral são abordadas na prática da professora A de forma crítica e voltada para a construção de sentidos nas situações de interação, de maneira a deixar claro para os alunos que há formas diferentes de utilização da língua a depender da modalidade oral ou escrita. Tais especificidades foram tratadas por meio de atividades como a transcrição e a retextualização que, apesar de problemas estruturais como a falta de equipamentos adequados, serviram para uma melhor compreensão dos alunos acerca da modalidade oral da língua. 4.2 Professora B A observação das aulas da professora B se deu entre os meses de novembro de 2012 e janeiro de 2013, devido à greve dos professores que ocorreu nas universidades federais brasileiras, incluindo o Colégio de Aplicação, e que provocou alterações no calendário. Acompanhamos o trabalho desenvolvido numa turma de 6º ano do ensino fundamental, composta por alunos que haviam ingressado na escola naquele ano por meio de concurso público. Em uma sequência de 22 aulas, tanto simples como geminadas, observamos o trabalho da professora com o gênero entrevista. Sua abordagem foi pautada em um projeto criado por ela mesma, chamado Eu, tu, nós formação da identidade através das entrevistas, ao qual depois foi adicionado o título Loucos por entrevista. No quadro abaixo, exibimos uma síntese da sequência de aulas realizada pela professora B: 97

98 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II Quadro 3 Sequência de aulas professora B 1 - Atividades de introdução ao gênero Leitura de poema e audição de canção. Brincadeira: berlinda. 2 - Proposta de produção do gênero Produção de entrevista oral em duplas entrevista com alguém da escola. 3 - Construção das características do Leitura de entrevistas escritas trazidas gênero pelos alunos. Análise das entrevistas escritas a partir de roteiro proposto pela professora. Sistematização das características da entrevista escrita em slides e coletivamente no quadro. Exibição de entrevistas em vídeo. Análisedas entrevistas orais a partir do roteiro de produção da entrevista proposto pela professora. Sistematização das características da entrevista oral em slides e no quadro e comparação entre as entrevistas oral e escrita. 4 - Preparação para a produção do Produção de relato de experiência de gênero leitura para treinar a fala planejada. Discussões sobre especificidades das entrevistas a partir de slides sobre as relações entre fala e escrita. Leitura de entrevistas e perfis biográficos para a preparação das perguntas. Elaboração do roteiro da entrevista. 5 - Socialização da produção Exibição das entrevistas produzidas pelos alunos. 6 - Reflexão e análise sobre as Transcrição e retextualização das entrevistas produzidas entrevistas produzidas. Pesquisa linguística sobre a utilização de determinadas classes gramaticais nas entrevistas orais. Fonte: BOTLER, O destaque de aspectos específicos da oralidade foi percebido em pelo menos oito momentos das aulas da professora, que procurou levar os alunos a refletirem sobre essas especificidades em relação a diferentes aspectos de utilização da língua. De acordo com Melo, Marcuschi e Cavalcante, [...] do ponto de vista da avaliação, o aluno competente é aquele que, ao analisar um gênero oral, consegue perceber como aspectos de natureza extralinguística, paralinguística e linguística atuam conjuntamente na construção de significações. (MELO; MARCUSCHI; CAVALCANTE, 2012, p. 98). Assim, inicialmente, durante o exercício de análise de entrevistas escritas, a 98

99 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II professora fez questionamentos sobre a diferença entre entrevistas realizadas nas duas modalidades da língua, sobre se havia algum indício de que aquela entrevista havia sido feita primeiramente na modalidade oral etc. O primeiro fator que os alunos destacaram foi a presença de marcadores não linguísticos na modalidade oral da língua, conforme apontam Fávero, Andrade e Aquino (1999). Assim, eles deram destaque à emoção, mais marcadamente presente nessa modalidade: AULA 3 PB: O que vocês acham que diferencia uma entrevista oral, um vídeo e uma entrevista escrita, lendo? É a mesma coisa? A1: Porque assim quando a gente lê um texto a gente não vê... O sentimento da pessoa na hora... PB: Na escrita, não, na oral dá pra perceber porque você tá vendo a pessoa falar, ouvindo a pessoa falar. Você vê os gestos, né? Você vê o processo da comunicação em ação, digamos assim... Direta! Instantâneo, feito tirar leite da vaca. Né? Outro fator que os alunos destacam é a vergonha no momento de falar ou de fazer uma pergunta oralmente: AULA 4 PB: Então vejam só. No momento de elaboração das perguntas, tá certo? A minha reflexão que eu quero fazer com vocês é: qual é a diferença de você fazer a pergunta na oralidade e você fazer a pergunta por escrito? O que é que muda? A: Mais vergonha na oralidade. Na escrita você pode escrever o que quiser. PB: E ninguém vai ler, não? A: Mas ninguém vai saber que sou eu. PB: E tu não vai se identificar não, na escrita? A1: Não. Em relação à percepção dos alunos de que podem dizer o que quiserem na escrita, Lima e Beserra (2012) destacam que, apesar de ter algumas características estruturais específicas e diferentes da escrita, do ponto de vista discursivo, o texto falado não difere do texto escrito (LIMA; BESERRA, 2012, p. 64) e possui algumas características em comum com este, como a existência de um interlocutor que pode interferir no texto de várias maneiras, ainda que não esteja presente fisicamente. A professora demonstra consciência desse fato ao questionar o aluno sobre sua identificação no texto. A presença de elementos emocionais é destacada por Melo, Marcuschi e Cavalcanti (2012), segundo as quais o trabalho com a oralidade deve incidir sobre os aspectos corporais e prosódicos (os elementos paralinguísticos), uma vez que 99

100 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II eles: [...] podem trair o falante, deixando transparecer algo que ele tenta esconder/ minimizar. Por exemplo, o corpo pode denunciar um comportamento emocional involuntário do falante (aceleração do ritmo cardíaco, tensão muscular, rosto enrubescido, tom agudo da voz). (MELO; MARCUSCHI; CAVALCANTI, 2012, p. 98). Em outro momento das aulas, quando se discute a leitura de um texto transcrito, a influência dos elementos paralinguísticos no texto oral é novamente percebida pelos alunos: AULA 7 A: Isso não tem sentido... PB: Por que não tem sentido, por que não tem sentido? Porque é uma transcrição e o que se perde nisso? A: A expressão! A1: A emoção! A2: A representação! PB: Então vejam só, a gente quando faz essa transcrição, certo? A gente perde o momento que a fala foi produzida, não é? Ainda na análise das entrevistas escritas, a professora solicita que os alunos atentem para a existência de marcas que evidenciem que aquele texto foi produzido na modalidade oral da língua: AULA 5 PB: Na questão seis. As entrevistas escritas foram feitas originalmente na oralidade? É pra você ver se tem alguma coisa escrita, por exemplo, essa entrevista tem, foi... alguma ligação óbvia, explícita com a oralidade e nós transcrevemos. Ou então se tiver essas expressões tipo, né, repetições, prolongamentos de vogais. A: Não, não tem isso, é mais formal... PB: Pronto aí você... A: Não tem... PB: Então, você não tem como dizer porque essas marcas não aparecem. A: Só que aparece colchetes. PB: Então, isso é uma marca da oralidade. Aparece risos ou então entediado. Nesse trecho de diálogo entre a professora e os alunos, podemos perceber que, na abordagem das marcas da oralidade no texto, a professora discute o tema como se os alunos já tivessem se apropriado desse conceito, não aprofundando muito os aspectos levantados. Ainda assim, esse é um momento que serve para que os alunos comecem a refletir sobre as regularidades da língua falada. Após a exibição de entrevistas orais e da leitura da transcrição de uma dessas 100

101 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II entrevistas, a professora também chamou atenção para as particularidades da modalidade oral da língua: AULA 6 PB: Vocês acham que dá pra fazer uma análise de uma entrevista oral ouvindo e vendo pela primeira vez? A1: Não. PB: Por quê? A: (incompreensível) PB: A velocidade? Isso que ele tá falando é uma especificidade interessante. Vejam só, quando você tá lendo um texto, você dá uma velocidade à leitura. Tem gente que lê mais devagar do que outros. Quando você tá ouvindo, o ritmo que é dado não é o nosso. Assim, entre aspas, porque se a gente for bom ouvidor, a gente escutar bem [...] PB: Quando vocês estão fazendo uma análise do texto escrito e de um texto da oralidade, essa pesquisa de informações no texto muda? O que é que muda? A: Presta mais atenção. PB: Prestar mais atenção... Você presta mais atenção no escrito ou no vídeo? A1: No vídeo A2: Escrita! Nesse ponto, os alunos chamam atenção para a dificuldade que têm de analisar um texto oral devido à velocidade do mesmo. É interessante notar que eles não apontam para uma possível efemeridade da modalidade oral, mas sim para o tempo que têm de contato direto com o texto. A professora, por sua vez, valoriza o posicionamento dos alunos e aprofunda a discussão perguntando sobre a diferença na busca de informações em textos das duas modalidades, o que faz com que os alunos reflitam sobre a atenção que dão a textos falados e escritos. Já durante a apresentação dos relatos de leitura dos alunos, a professora pergunta se eles percebem algum cuidado em relação à organização ou ao planejamento da fala, já que era esse seu objetivo inicial para essa atividade: que eles treinassem a fala planejada. A partir disso, eles discutem sobre dois aspectos aos quais dão destaque, aspectos esses relativos às especificidades da modalidade oral: a organização e a presença de marcadores da oralidade: AULA 10 PB: De olho no contínuo de Marcuschi (eles já haviam discutido sobre o contínuo de Marcuschi em aulas anteriores), o que é que a gente pode dizer da fala dele? Sobre as especificidades da modalidade oral. Fala, relato, né? Agora, ele organiza ou ele não organiza? A: Não organiza. Não organiza, mas dá pra entender. PB: O que é que significa organizar? Significa só escrever no papel o que vai falar? A: Não. Porque ele... (incompreensível) PB: Então ele organiza mentalmente. Ele tem um esquema mental da 101

102 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II apresentação. Há uma organização, sim. Ou seja, não é que haja uma oposição entre fala desorganizada e escrita organizada. O modo de organizar é diferente, por exemplo, ele organizou na cabeça, mas quando ele vai falar algumas coisas por causa do momento de produção que está sendo feito naquele exato momento, ele volta, ele pode voltar. Ele pode se redizer. Ele pode acrescentar alguma coisa. Se ele teve alguma coisa a favor dele, porque o relato de experiência foi registrado, ele fez edições, né? Ele fez cortes. [...] Então, tudo isso faz parte da modalidade da fala. Ela ser realizada, o texto ser realizado no momento exato que ele tá sendo processado e tá sendo realizado. Outra coisa que eu queria destacar é que tem momentos que você percebe radicalmente a diferença porque ele lê uma coisa que tá escrita. E aí o que é que muda pra vocês quando ele tá lendo a sinopse e quando ele tá falando? A: Marcas de oralidade. PB: Marcas de oralidade. Diminuem as marcas da oralidade: o é ; a pausa e até as caretas diminuem, né? Olha pra baixo, olha pra cima. Ele tá concentrado na leitura e a gente percebe. Mais uma vez retomando as questões relacionadas à dicotomia entre fala e escrita, a professora discute com os alunos especificidades da modalidade oral, caracterizando-a e estabelecendo relações com a modalidade escrita da língua. Sobre essa característica de organização ou planejamento na modalidade oral, Lima e Beserra (2012) destacam, no mesmo sentido que a professora explica aos alunos, que: [...] diversos estudos (principalmente o de Ochs, 1979), mostraram que ambas são atividades com alto grau de planejamento. A diferença é que, na fala, mais frequentemente na fala informal, o planejamento é on-line, ou seja, ele ocorre concomitante à execução. E é exatamente por conta desse planejamento on-line que o texto falado parece fragmentado, em oposição ao texto escrito, que parece não fragmentado. A diferença é que, quando escrevemos, nós apagamos as marcas do planejamento, de modo que, quando vemos um texto escrito pronto, não conseguimos enxergar nele as inúmeras vezes que o autor precisou apagar (ou deletar), reformular, reescrever, etc. (LIMA; BESERRA, 2012, p. 60). Há também, nas discussões sobre os relatos de experiência de leitura dos alunos, uma reflexão feita pela professora sobre os diferentes orais existentes, na dependência do contexto e da intenção de comunicação. Quando um dos alunos faz um texto escrito e o lê no vídeo, ela discute a diferença entre fazer um texto escrito e oralizá-lo, e preparar um roteiro de fala: AULA 13 PB: [...] A palestra, a apresentação acadêmica, é como se fosse um texto escrito para ser falado. É uma outra coisa, entendesse? Mas não é uma oposição. É por causa da adequação dos contextos comunicativos, sociocomunicativos, que faz com que em determinadas situações a gente fale mais parecido com o texto 102

103 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II escrito. O que não significa que um é mais ou menos organizado que o outro, mas que ele tem as suas especificidades. Então, a gente percebe radicalmente quando você tá lendo o texto e quando você tem o roteiro na mão e vai fazendo, porque aí a gente percebe a especificidade da fala. Os conectivos, eles são diferentes. As pausas, a gente percebe que são diferentes. Tudo isso a gente vai perceber mais claramente daqui a pouco quando a gente estiver fazendo um pequeno exercício de transcrição. É, portanto, mais uma vez, a partir das particularidades da situação sociocomunicativa que a professora define e discute as especificidades de cada modalidade da língua. Novamente, seus posicionamentos convergem com o que defendem Lima e Beserra (idem), para quem em algumas situações de fala mais formais, o texto falado pode ser muito bem planejado anteriormente à execução, pelo locutor, embora esse planejamento não garanta que o texto será enunciado tal qual planejado. Dentre as aulas citadas, observamos que a professora volta sua atenção para os aspectos específicos da modalidade oral, buscando abordar diversos elementos de tal especificidade que lhe permitem construir, junto aos alunos, uma caracterização mais sólida e bem justificada da modalidade oral da língua. Além disso, destacamos o fato de que ela chama a atenção de seus alunos para as especificidades do oral, principalmente em suas relações com a modalidade escrita, buscando eliminar as dicotomias presentes nas falas dos mesmos no que concerne a essas duas modalidades. Considerações finais No presente artigo, considerando as atuais discussões acerca da importância do ensino da oralidade a partir de uma perspectiva sociointeracionista de língua, buscamos analisar como duas professoras do ensino fundamental abordam em suas salas de aula as especificidades da oralidade. É preciso destacar que a formação das professoras participantes pode ter tido uma influência na forma como as especificidades da oralidade foram contempladas. Isso ficou mais evidente na prática da professora A, que teve formação específica na área, tendo feito uma dissertação de mestrado voltada para a análise da conversação. Em relação à professora B, pudemos perceber a influência de sua formação como pesquisadora em sua busca incessante por se renovar e construir sua prática baseada em novos paradigmas do ensino da língua portuguesa. Tudo isso indica a necessidade de um maior incentivo à formação continuada dos 103

104 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II professores, com ênfase no ensino-aprendizagem dos diversos gêneros textuais e com foco específico na modalidade oral. Paralelamente, é preciso também que, na formação inicial, se dê mais atenção a essa modalidade. Nas práticas observadas, foi possível perceber também que, ao tomar a oralidade como objeto de ensino, ambas as professoras discutiram com profundidade as especificidades dessa modalidade da língua, destacando a importância das mesmas para a interação e construção do sentido do texto. Ao mesmo tempo, elas fizeram dos momentos de estudo da oralidade ocasiões muito profícuas para que os alunos se apropriassem das particularidades da língua de modo geral e compreendessem como podem utilizar recursos linguístico-discursivos de modo a melhor construírem seus discursos. Notas * Laís Maria Álvares Rosal Botler é graduada em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE (2010), mestre em Educação pela UFPE (2013) e doutoranda em Romance e Estudos Latino-Americanos na Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel). Atualmente é professora de inglês e de português para estrangeiros em escolas da educação básica em Israel e vem se dedicando a pesquisas na área de literatura brasileira e latino-americana. laisrosal@gmail.com ** Lívia Suassuna é doutora em Linguística pela UNICAMP (2004) e professora da Universidade Federal de Pernambuco UFPE, onde atua no Centro de Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino e Programa de Pós-graduação em Educação. Além de diversos artigos em revistas especializadas, publicou dois livros sobre o ensino de português: Ensino de Língua Portuguesa - uma abordagem pragmática (Ed. Papirus) e Ensaios de Pedagogia da Língua Portuguesa (Ed. da UFPE). Atualmente, vem se dedicando ao tema da formação do professor de Português. livia.suassuna@ufpe.br 1 O projeto NURC Norma Urbana Culta foi desenvolvido em algumas universidades brasileiras e consistiu, inicialmente, num levantamento e caracterização da fala urbana culta do país. Os dados foram coletados na forma de entrevistas com sujeitos de variados traços sociais, as quais foram largamente utilizadas para a produção de uma gramática do português falado no Brasil. 2 O questionário aplicado contemplava as seguintes informações: Nome; Instituição em que trabalha; Séries em que leciona; Marque os gêneros com os quais você trabalha ou já trabalhou em sala de aula (Conto, Fábula, Lenda, Ficção científica, Relato oral de experiência vivida, Curriculo, Reportagem, Biografia, Texto de Opinião, Carta do leitor, Carta de Reclamação, Debate regrado, Discurso de defesa/acusação, Seminário, Exposição oral, Conferência, Verbete, Entrevista radiofônica, Entrevista escrita, Entrevista televisiva, Resumo, Relatório, Instruções de montagem, Receita, Regulamento, Regras de jogo, Instruções de uso, Outros); Com quais desses gêneros você pretende trabalhar? Referências ANDRÉ, Marli Eliza Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus,

105 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, BOTLER, Laís Maria Álvares Rosal. Gêneros orais e ensino de língua portuguesa: concepções e práticas. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, CAVALCANTE, Marianne; MARCUSCHI, Beth. Formas e observação da oralidade e da escrita em gêneros diversos. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; DIONÍSIO, Ângela Paiva (Orgs.). Fala e escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard; HALLER, Sylvie. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004, p FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C.V.O.; AQUINO, Zilda, G.O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, Reflexões sobre oralidade e escrita no ensino de língua portuguesa. In: ELIAS, Vanda Maria (Org.) Ensino da língua portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: Contexto, p GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In: (org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006, p HOFFNAGEL, Judith Chambliss. Entrevista: uma conversa controlada. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2010, p LIMA, Ana. BESERRA, Normanda. Sala de aula: espaço também da fala. In: LEAL, Telma Ferraz e GOIS, Siane (Orgs.). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012, p MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco falada. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora. O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003, p Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, MELO, Cristina Teixeira Vieira de; MARCUSCHI, Beth; CAVALCANTE, Marianne Bezerra. Esclarecendo o trabalho com a oralidade: uma proposta didática. In: LEAL, Telma Ferraz e GOIS, Siane (Orgs.). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012, p MESSIAS, Rozana Aparecida Lopes. A linguagem oral e o ensino de língua portuguesa. Ouro Preto: Caderno de Resumos do V Congresso de Ciências Humanas, Letras e Artes, Disponível em: 105

106 O tratamento das especificidades da modalidade oral da língua portuguesa no Ensino Fundamental II Acesso em 17/set MILANEZ, Wânia. Pedagogia do oral: condições e perspectivas para sua aplicação no português. Campinas: Sama, SCHNEUWLY, Bernard. Palavra e ficcionalização: um caminho para o ensino da linguagem oral. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004, p Recebido em: abril de Aprovado em: junho de

107 QUEIMADA DA CADEIA ALIMENTAR : UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR NA ÁREA DE CIÊNCIAS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL Rogério Antonio Krupek * Geize Aparecida Deon ** Adriane Froelich *** Resumo: O presente trabalho tem por finalidade apresentar uma proposta de atividade interdisciplinar envolvendo as disciplinas de Ciências e Educação Física do Ensino Fundamental. O tema trabalhado é a cadeia alimentar e a atividade prática envolve um jogo de queimada sobre este tema. O jogo foi organizado de modo a levar o aluno à compreensão da cadeia trófica através de um modo dinâmico e atraente. As atividades foram aplicadas para turmas do 7º ano do Ensino Fundamental em um colégio do município de União da Vitória, Paraná. Os resultados mostraram que os alunos apresentaram um interesse bastante grande pela atividade, com notável dificuldade inicial, entretanto, passando a compreender a brincadeira e, consequentemente, o processo de transferência de matéria/energia na cadeia alimentar. Palavras-chave: Cadeia alimentar. Ensino de Ciências. Interdisciplinaridade. "BURNT FOOD CHAIN" AN INTERDISCIPLINARY APPROACH IN THE AREA OF SCIENCE FOR ELEMENTARY EDUCATION Abstract: This paper aims to present a proposal for interdisciplinary activity involving the disciplines of Sciences and Physical Education of Elementary Education. The theme is worked the food chain and the practical activity involves a dodgeball game on this topic. The game was organized to bring the students to understand the trophic chain through a dynamic and engaging way. The activities were applied to classes of 7th grade of elementary school in a college of the municipality of União da Vitória, Paraná state. The results showed that the students had a very great interest in the activity, with remarkable initial difficulty, however, going to understand the game, and hence the process of transfer of matter/energy in the food chain. Keywords: Food chain. Teaching science. Interdisciplinarity. Introdução A interdisciplinaridade na educação significa a busca de novos conhecimentos que as disciplinas individuais não estão em condições de proporcionar. Neste sentido, a prática de ensino nas escolas deve ser entendida como totalizadora, que vai muito além das perspectivas das disciplinas particulares componentes do currículo escolar (GONZÁLEZ-GAUDIANO, 2008). Moraes (2002), a realidade em que vivemos é complexa e requer um pensamento abrangente e multidimensional. Que este pensamento seja capaz de compreender a complexidade do real e construir um conhecimento que leve em consideração essa mesma amplitude. 107

108 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental Conceitualmente, a interdisciplinaridade é apresentada como uma alternativa à abordagem disciplinar normalizadora, buscando correlacionar os diversos objetos de estudo, tanto na área de ensino como também na pesquisa. Para Thiesen, Independente da definição que cada autor assuma, a interdisciplinaridade está sempre situada no campo onde se pensa a possibilidade de superar a fragmentação das ciências e dos conhecimentos produzidos por elas e onde simultaneamente se exprime a resistência sobre um saber parcelado. (THIESEN, 2008, p. 547). Este mesmo autor destaca que no contexto educacional o desenvolvimento de atividades realmente interdisciplinares ainda são inexpressivas. A razão para esta limitação está diretamente ligada ao modelo disciplinar desconectado de formação de professores nas instituições de ensino superior. Tal processo esbarra ainda na estrutura fragmentária dos currículos escolares, na resistência dos educadores sobre a importância, e principalmente, dos limites de sua disciplina frente às diversas áreas do conhecimento e nas exigências da sociedade por um saber cada vez mais utilitário (THIESEN, 2008). As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental têm como finalidade a organização do currículo escolar. Uma das diretrizes tratade propostas pedagógicas capazes de criar condições e possibilidades de interdisciplinaridade do sistema seriado ou por ciclos, do currículo escolar e da relação da escola/sociedade como objeto de planejamento e avaliação constante da escola e de sua proposta pedagógica (BRASIL, 1998; BONAMINO; MARTÍNEZ, 2002). Dentre as disciplinas presentes no currículo do Ensino Fundamental II, a disciplina de Ciências envolve conteúdos que podem ser trabalhados conjuntamente com diversas outras áreas, como por exemplo, a Matemática através da estatística; a História a partir da História da Ciência; Geografia, com a distribuição de populações e comunidades; Português, trabalhando com a origem de nomes científicos. Segundo Santana (2007) aprender Ciências no Ensino Fundamental torna-se menos significativo devido à falta de integração entre as várias disciplinas existentes no currículo escolar, e até mesmo da falta de relação entre o próprio conteúdo ministrado. Não se deve deixar de levar em consideração que esta forma de trabalhar os conteúdos depende de vários fatores, que vão desde a natureza da 108

109 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental disciplina e as características dos alunos até a formação do professor e as próprias condições físicas onde ocorra o processo de ensino-aprendizado. Essa fragmentação dos conteúdos, sem uma interligação bem definida, leva a uma dificuldade, por parte dos alunos, de sintetizar e dar coerência ao conjunto como um todo, sendo quase impossível a visualização dos processos naturais de maneira integrada e interdisciplinar (SANTANA et al. 2007). Há muito tempo a disciplina de Ciências tem sido tratada, por parte de educadores, professores e cientistas como sendo atraente aos alunos devido ao seu caráter prático e inovador. Entretanto, o que se vê em sala de aula não condiz muito com tal descrição. A realidade é de salas de aula lotadas, professores desmotivados e falta de condições para desenvolver atividades diferenciadas. Um exemplo típico de prazer visto nos alunos quando desenvolvendo alguma atividade contida no conteúdo programático de alguma disciplina está nas aulas de Educação Física. O simples fato de sair de dentro das quatro paredes de uma sala de aula já torna qualquer atividade escolar excitante para qualquer aluno. As aulas de cunho prático contrastam com a teoria tipicamente trabalhada nas aulas de Ciências do Ensino Fundamental e contribui, em parte, para a desmotivação e desinteresse dos alunos pelos conteúdos. Tendo a disciplina de Ciências como foco principal o conhecimento de fenômenos, estruturas e mecanismos de funcionamento dos constituintes vivos como resultado da investigação da própria Natureza, a praticidade de algumas atividades pode tornar o entendimento, por parte dos alunos, muito mais fácil e estimulante. Portanto, para Santana (2007) o ensino de Ciências necessita de alternativas metodológicas que levem os professores a verificar o conhecimento fragmentado dos alunos, buscando apresentar-lhes uma visão geral da Ciência de modo que eles possam vislumbrar este conhecimento adquirido. A Ecologia é um exemplo típico, dentro da disciplina de Ciências, de um tema interdisciplinar, pois engloba as mais diversas áreas da Biologia, bem de várias outras disciplinas (por exexmplo Geografia, Química, Matemática). Neste caso, entretanto, o mesmo problema, caracterizado pela falta de integração entre áreas de conhecimento, é responsável pelas dificuldades observadas nos alunos no ensino de Ciências. Para Krasilchik (1996) o conteúdo de Ecologia, normalmente é apresentado de modo dividido, sem relação entre eles, o que dificulta a 109

110 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental compreensão dos fatos e conceitos teóricos. Segundo a mesma autora, cabe ao professor mostrar relações entre estes conceitos formando um todo conectado. As dificuldades, neste caso, podem estar relacionadas com os diferentes meios de comunicação entre professor-aluno, na compreensão de códigos, valores e das próprias ideias entre as partes e até mesmo, em alguns casos, na falta de tempo para ouvir os alunos e seus pensamentos (KRASILCHIK, 1996). Outro fator complicador é a própria dificuldade dos professores em relacionar os conceitos de Ecologia com as informações atualizadas e em contínua mudança da área de Ciências, muito associado com a falta de preparo na formação destes profissionais (MOTOKANE, 2000). Para Paz et al. (2006) trabalhar conteúdos na área de Ciências e Biologia a partir da utilização de atividades lúdicas (por exemplo modelos e modelização didática, com trabalhado pelos autores) é uma tarefa extremamente ousada, pois são poucas as publicações nesta área, além de que os autores são de formação diversificada, o que configura um estudo multidisciplinar. Neste sentido, trazer os conteúdos teóricos apresentados nos livros didáticos para a prática vivencial dos alunos parece ser uma alternativa interessante na busca do entendimento destes assuntos. Assim sendo, o presente estudo aborda uma forma alternativa de trabalhar o tema Cadeia alimentar de modo dinâmico e participativo, fazendo com que os alunos vivenciem o processo. Este tipo de atividade pode propiciar, além de uma maior interação entre as disciplinas e os próprios alunos, uma forma de compreender o processo envolvido e não simplesmente fixar ou decorar o conteúdo para uma finalidade específica, normalmente a prova, mas facilitando a extrapolação do aprendizado ao mundo natural e ao seu próprio cotidiano. Cadeia alimentar: compreendendo as relações ecológicas Durante a primeira parte do século XX percebeu-se que os organismos podiam ser reunidos em uma unidade funcional, os quais compartilham relações alimentares e tolerância aos fatores físicos do ambiente. A essa relação se deu o nome de cadeia alimentar (RICKLEFS, 2003). Segundo este mesmo autor, a cadeia alimentar é a sequência de relações tróficas pelas quais a energia passa através do ecossistema. Essa energia é perdida em cada nível, por causa do trabalho realizado 110

111 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental pelo organismo, fazendo com que se observe uma pirâmide de energia onde cada nível trófico superior recebe e assimila uma quantidade energética menor do que o inferior. O termo trófico tem raiz grega e significa alimento. A cadeia alimentar possui níveis tróficos, sendo o primeiro nível constituído pelos produtores como as plantas e algas que são organismos autotróficos, ou seja, que produzem seu próprio alimento. Os próximos níveis tróficos da cadeia alimentar são formados pelos consumidores, que são heterótrofos que não produzem seu próprio alimento. Os consumidores podem ainda ser separados em consumidores primários, secundários, terciários de acordo com sua posição dentro da cadeia alimenta (ADOLFO et al., 2005). Essa sequência de seres vivos que serve de alimento a outro é chamada de cadeia alimentar (LINHARES; GEWANDSZNAJDER, 2008). A matéria morta e os dejetos constituem o recurso alimentar de um grupo de organismos denominados decompositores. Ele inclui uma vasta gama de bactérias e fungos, que promovem o processo de mineralização dos restos naturais animais e vegetais, cujos subprodutos são substâncias químicas que são liberadas no ar, no solo e na água, tornando-se aproveitáveis para outros seres vivos (POLLOCK, 1994). Para Odum (2004) a cadeia alimentar pode ser definida como uma contínua transferência de energia alimentar, que se inicia em uma fonte, a qual compreende os organismos fotossintetizantes, através deuma série de organismos consumidores com a repetição dos fenômenos de comer e sercomido. Segundo este autor, a cadeia alimentar pode ser considerada um processo no qual diferentes organismos vivos são devorados uns pelos outros ocasionando uma transferência de energia dentro do sistema, resultando na alimentação econsequente sobrevivência dos organismos. Normalmente, várias cadeias alimentares encontram-seinterligadas entre si, formando-se o que se conhece como teia alimentar (ODUM, 2004). Dentro do currículo escolar do Ensino Fundamental, o conteúdo de Ecologia, e particularmente a Cadeia Alimentar, é trabalhado no sexto e sétimo anos, embora seus conceitos já tenham sido apresentados aos alunos anteriormente no Ensino Fundamental I e continuem sendo utilizados ao longo dos demais anos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Neste sentido, este é um conteúdo que é vivenciado diariamente, sendo que a aprendizagem do mesmo deve ser entendido como um 111

112 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental processo mais complexo que a simples assimilação de conceitos (LINDENMEYER, 2013). Procedimentos Metodológicos Regras da queimada O jogo de queimada é amplamente difundido junto às crianças e bastante utilizado nas escolas em todo o Brasil. Pode ser conhecido com outras denominações como: Barra Bola, Bola Queimada, Cemitério, Mata-Mata, Mata- Soldado, Queimado, Caçador, Carimba e Baleado. O número de jogadores é variável e permite que muitas pessoas participem do jogo, sendo que quanto mais pessoas, melhor. Os materiais necessários são poucos, somente uma bola, preferencialmente de consistência não muito dura (p.ex. bola de vôlei) e um espaço plano (quadra poliesportiva é ideal) retangular e dividida em duas partes iguais (é importante que a divisão entre as duas partes seja bem visível e que exista espaço para os jogadores se movimentarem). As regras consistem em dividir os participantes em dois grupos iguais, cada um em um dos lados do campoe um dos jogadores de cada lado deverá ser colocado atrás da linha de fundo do campo adversário e oobjetivo de cada um é queimar osintegrantes do time adversário, acertando um a um com a bola até que não sobre ninguém. Na brincadeira do jogo de queimada não existe número estabelecido de participantes, as regras não são muito rígidas, porém o objetivo é o mesmo: eliminar a equipe oposta. Queimada da cadeia alimentar A atividade proposta e intitulada Queimada da cadeia alimentar foi desenvolvida durante o projeto Pibid Biologia da Universidade Estadual do Paraná, campus de União da Vitória e encontra-se descrita no livro Pibid Biologia atividades experimentais e didáticas (FORTES; WISSER, 2013). A atividade é simples e necessita apenas de materiais simples e de fácil aquisição. Para tanto, foram confeccionados crachás de cartolina e barbante para fixação, sendo que cada um dos crachás continha o nome de um animal, vegetal ou decompositor, representando cada nível tróficode uma cadeia alimentar qualquer. 112

113 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental A aplicação da atividade prática foi realizada durante as aulas de Educação Física, para alunos do sétimo ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Adiles Bordin, localizado no município de União da Vitoria/PR. Tal escolha foi devido a estes alunos já terem trabalhado com esse conteúdo, apresentando assim um conhecimento prévio sobre o tema abordado. Antes da atividade, entretanto, foi feita uma revisão com os alunos sobre o tema a ser trabalhado exemplificando com os níveis tróficos escolhidos para a atividade. Posteriormente a turma foi dividida em dois times, cada um com dez jogadores e dispostos conforme a organização tradicional da brincadeira de queimada: dois alunos de cada time ficavam ao fundo da quadra, representando, cada um deles, um tipo deorganismo decompositor (bactéria e fungo); e oito jogadores/alunos em cada time dentro da quadra e cada um deles representando: produtores (alface e cenoura e dente de leão), consumidores primários ou herbívoros (coelho e gafanhoto), consumidores secundários ou carnívoros (sapo e cobra) e consumidor terciário, também carnívoro (gavião). A disposição dos alunos na quadra de queimada está esquematizada na figura abaixo (Figura 1). Figura 1. Modelo esquemático contendo a disposição dos alunos na quadra, cada um deles com um crachá correspondente a um organismo vivo representando um nível trófico da cadeia alimentar. Cada aluno disposto na quadra de queimada, com seu respectivo crachá constando o nome do ser vivo participante da cadeia alimentar, obedece às seguintes regras, baseadas na sequencia lógica produtor-consumidor-decompositor 113

114 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental de uma cadeia alimentar: os alunos/participantes localizados dentro da quadra só poderiam queimar o jogador adversário cujo nível trófico estivesse abaixo do seu (ex. o coelho poderia queimar a alface; o gavião poderia queimar a cobra e assim por diante). Da mesma forma, os jogadores localizados no fundo da quadra, designados como decompositores poderiam queimar apenas seu grupo correspondente, sendo assim bactéria decompõe (principalmente) animais então poderiam queimar apenas os alunos com crachás de animais e fungo decompõe (principalmente) vegetais podendo o aluno com crachá de decompositor-fungo queimar apenas os alunos com crachás de produtores-vegetais. Cada vez em que ocorria a queima de um jogador o jogo era parado e o processo era discutido junto com a turma, com a finalidade de verificar se o processo trófico estava bem fixado e entendido pelos alunos. Por fim, vence o jogo a equipe que queimar primeiro todos os participantes da equipe adversária. Resultados e discussão O desenvolvimento de atividades lúdicas, assim como este jogo Queimada da Cadeia Alimentar, teve por finalidade reforçar os conteúdos trabalhados em sala de aula, propiciando, de forma divertida e prazerosa um complemento ao conhecimento teórico necessário para a formação do indivíduo como aluno e cidadão. Segundo Chagas, Entende-se que os jogos são uma importante estratégia para o processo de ensino e aprendizagem; o professor deve buscar metodologias que tornem o conteúdo atrativo aos alunos, buscando a participação efetiva dos mesmos, e o jogo pode representar uma dessas alternativas. (CHAGAS et al., 2012, p. 7). Nesse sentido, tal proposta pedagógica prevê a utilização de materiais didáticos simples, e que se encontram ao alcance do professor, sem este necessitar de muito tempo gasto na preparação do mesmo, facilitando a compreensão do conteúdo por parte dos alunos de uma forma motivante e divertida. Tal proposta permitiu ainda uma ação interdisciplinar (Ciências-Educação Física) tornando o processo ensino-aprendizagem mais entusiasmante e interativo. A aplicação da atividade contribuiu para a compreensão, não apenas da 114

115 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental sequência básica de uma cadeia alimentar, mas também dos processos e relações tróficas envolvidas neste tipo de interação ecológica. A participação e o interesse pelo jogo e pelas regras, as quais delimitam a estrutura trófica de uma relação ambiental, foram gerais. Os alunos passaram de um sistema jogar por jogar, típico deste tipo de atividade que prioriza unicamente a atividade física, para uma sistema pensar e jogar, onde a necessidade de relacionar, de modo mais rápido possível, o seu nível trófico ao nível logo abaixo na cadeia alimentar era fundamental para o sucesso da sua jogada e por fim da vitória no jogo.tais procedimentos instigam os alunos a pensar sobre o assunto trabalhado compreendendo as relações entre teoria e realidade concebendo o realismo científico sem identificá-lo com as formas mais ingênuas que acabam por propor as teorias científicas como imagens refletidas da realidade (BUNGE, 1974). Considerando que o tema Cadeia Alimentar no Ensino Fundamental normalmente é abordado como uma simples sequência de organismos onde um serve de alimento para o outro, é fácil obter dos alunos conceituações baseadas em nomes de organismos ligados por setas, que dificilmente são compreendidos como uma sequência complexa de transferência energética. Esta sequencia linear que é repassada aos alunos, pode gerar erros conceituais, como o entendimento de que os organismos maiores se alimentam dos organismos menores, o que nem sempre é correto (p.ex. uma águia pode se alimentar de uma cobra ou um lobo, muito maior do que ela). Segundo Pechliye e Trivelato (2005) para os professores de Ciências: Ensinar conceitos é tentar fazer com que o aluno aprenda e portanto aplique parte do conhecimento construído pela humanidade ao longo da história, em sua área específica. (PECHLIYE; TRIVELATO, 2005, p. 10). Neste sentido, a utilização de diferentes mecanismos de aprendizagem é fundamental. Além de serem muito mais dinâmicos e atrativos aos alunos, as atividades práticas e lúdicas tendem a aproximar a realidade dos alunos (neste caso, todos apresentam contato direto com o ambiente natural preservado, comum à região) àquela dos conteúdos trabalhados. Além disso, a praticidade por si só está mais próxima da condição em que se encontra o ambiente natural, e no caso deste jogo em particular (Queimada da cadeia alimentar) ainda mais, pois os participantes 115

116 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental passam a ser membros efetivos do processo ecológico ao qual estão estudando, obtendo assim uma visão de dentro e não apenas uma vista externa de um expectador. Neste sentido, a utilização de organismos conhecidos dos alunos (por exemplo animais e plantas da região) favorece o aprendizado, tornando a experiência muito mais criativa. É certo que tal criação exige do professor certa segurança e domínio do assunto que extrapola os conteúdos e exemplos trazidos nos livros didáticos. Durante a explicação realizada em sala os alunos não demonstraram muito interesse, provavelmente por que a atividade não apresentava nada de novo do que os alunos estavam acostumados durante os dias normais em sala de aula. Desta forma, no decorrer da atividade prática na quadra (informações obtidas a partir de observação direta) os alunos inicialmente sentiram dificuldade em compreender os níveis tróficos de uma cadeia alimentar, mas com o passar do tempo e a participação dos alunos, todos conseguiram compreender o assunto trabalhado. Prova disto é que os participantes demonstraram bastante interesse pelo jogo, sendo que no final da atividade prática já sabiam identificar cada nível, os próprios alunos passaram a corrigir seus colegas quando estes estavam errados. Este resultado demonstra que a participação ativa dos alunos os incentiva a buscar, por si mesmos, a compreensão e entendimento do assunto trabalhado. O conteúdo livresco que leva o aluno a somente decorar os conceitos é deixado de lado e incentiva-se a aplicabilidade do que foi estudado em sala de aula. Neste sentido, Ramos e Rosa (2008) destacam que: A experimentação desperta um forte interesse entre alunos de diversos níveis de escolarização (...), afinal de contas, é admirável aprender Ciências vendo-a em ação. Desse modo, atividades experimentais bem planejadas e executadas, que não se destinem somente para demonstrar aos alunos leis e teorias, mas que se dediquem também a propiciar uma situação de investigação constituem momentos extremamente ricos no processo de ensinoaprendizagem. Não tem mais sentido pensar em aprender Ciências através de aulas meramente descritivas, ligadas à memorização, sem relação com a prática diária do aluno. (RAMOS; ROSA, 2008, p. 323). Sendo assim, atividades como esta tem como principal intuito, auxiliar no processo de formação de indivíduos que saibam criticar, argumentar, opinar, 116

117 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental comparar e tomar decisões, com base naquilo que foi repassado e discutido pelo professor e alunos em sala de aula. Considerações Finais Tem-se para a maioria dos alunos um conceito equivocado sobre o quão difícil é a Ciência, normalmente em decorrência da grande quantidade de nomes a serem gravados. Normalmente isso acaba causando confusão ao entendimento do aluno e dificultando sua aprendizagem. Através de atividades práticas, como a Queimada, um jogo popularmente conhecido entre os alunos, aplicar alguns conceitos torna-se muito mais agradável, como no caso da cadeia alimentar. Durante a aplicação desta atividade, foi possível ao aluno compreender que cada organismo na natureza, desde um decompositor, passando pelos produtores, até um consumidor terciário, tem o seu papel dentro do ecossistema e este tem a sua devida importância. Portanto, associando os níveis tróficos aprendidos, a compreensão do fluxo unidirecional de matéria e da ciclagem da matéria de um ecossistema fica muito mais fácil entender como a natureza está organizada e como se apresenta o seu funcionamento. Através desta metodologia foi possível realizar uma atividade interdisciplinar entre as disciplinas de Ciências e Educação Física, de modo que os alunospuderam, de uma maneira pratica e lúdica, aprender/compreender o processo e os conceitos da cadeia alimentar. Notas * Rogério Antonio Krupek é doutor em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/União da Vitória. É editor da revista Luminária, tem experiência na área de Biologia Vegetal, Botânica de Criptógamos e Ecologia, com ênfase em Ecologia de Ecossistemas. rogeriokrupek@yahoo.com.br ** Geize Aparecida Deon é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Biologia Evolutiva da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde integra o laboratório Chromosome Biology: Structure & Function, desenvolvendo pesquisas principalmente na área de Citogenética e Genética de Peixes neotropicais. *** Adriane Froelich possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/Campus União da Vitória. 117

118 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental Referências ADOLFO, A.; CROZETTA, M.; LAGO, S. Biologia: volume único: Ensino Médio. São Paulo: IBEP, BONAMINO, A. & MARTÍNEZ, S.A. Diretrizes e parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental: a participação das instâncias políticas do estado. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p , BUNGE, M. Teoria e realidade. São Paulo: Perspectiva, CHAGAS, A.F.S., ANIC, C.C., DE ANDRADE, E.S. FIRMINO, M.F. Ensinar cadeia trófica através do jogo didático: montando a cadeia alimentar. Uma proposta lúdica para o ensino da cadeia trófica VII CONNEPI, IFTO, Palmas, Tocantins, BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer CEB n. 4/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília, DF: MEC/CNE, FORTES, F., WISSER, T. Z. Pibid Biologia atividades experimentais e didáticas. União da Vitória: Kaygangue, GONZÁLEZ-GAUDIANO, E. Interdisciplinaridade e educação ambiental: explorando novos territórios epistêmicos. pg In SATO, M. & CARVALHO, I. (org.) Educação ambiental - pesquisa e desafios, Porto Alegre: Artmed, KRASILCHIK, M. Prática de ensino de biologia. São Paulo: Harbra, LINDENMEYER, C. M. (Re)construção de conhecimentos sobre cadeia alimentar: trabalhando a partir das ideias dos alunos na educação em jovens e adultos. Dissertação de Mestrado. Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, LINHARES, S. & GEWANDSZNAJDER, F. Biologia, São Paulo: Ática, MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. São Paulo: Papirus, MOTOKANE, M. T. Ensino de Ecologia: As diferentes práticas dos professores. Dissertação de Mestrado em Educação. FEUSP, São Paulo, ODUM, E.P. Fundamentos da ecologia. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, PAZ, A. M. da; ABEGG, I.; FILHO, J. de P. A. e OLIVEIRA, V. L. B. de. Modelos e Modelizações no Ensino: Um Estudo da Cadeia Alimentar. Revista Ensaio, v. 8, n. 2, 118

119 Queimada da cadeia alimentar : uma proposta interdisciplinar na área de ciências para o Ensino Fundamental pg , PECHLIYE, M. M. & TRIVELATO, S. L. F. Sobre o que os professores de Ecologiarefletem quando falam de suas práticas. In: Ensaio: pesquisa em educação emciências. Belo Horizonte, MG: FaE, Faculdade de Educação, UFMG, UniversidadeFederal de Minas Gerais, v.7, n.2, p.01-16, dez POLLOCK, S. Ecologia. São Paulo: Globo, RAMOS, L.B.C.; ROSA, P.R.S. O ensino de ciências: fatores intrínsecos e extrínsecos que limitam a realização de atividades experimentais pelo professor dos anos iniciais do ensino fundamental. Investigações em Ensino de Ciências. v.13, n.3, p , RICKLEFS, R.E. A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, SANTANA, A.C.D., SANTOS, D.P.N. & ABÍLIO, F.J.P. O ensino de Ciências na Educação Infantil e Ensino Fundamental: projeto de monitoria no curso de pedagogia da UFPB. X Encontro de Iniciação à Docência, UFPB, pg. 1-5, THIESEN, J.S. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, v. 13 n. 39 pg , Recebido em: dezembro de Aprovado em: junho de

120 RÁDIO NOVELA: EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM PARA VOZ CÊNICA Bene Martins * Mailson de Moraes Soares ** Resumo: Neste texto versaremos sobre pesquisa realizada no Projeto Resgate da Rádio Novela, desenvolvido por Walter Bandeira, na Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA). Refletiremos a partir dos estudos desenvolvidos sobre o trato vocal para estudantes e profissionais do Teatro. Para tanto, traremos à tona informações acerca da construção da voz cênica num contexto histórico, a respeito da percepção da voz como entidade poética e ainda contribuições que as descobertas feitas na experiência radiofônica podem trazer ao ator. Palavra-chave: Oralidade. Voz cênica. Rádio novela. Interpretação teatral. RADIO NOVEL: EXPERIENCES OF APPRENTICESHIP FOR CENIC VOICE Abstract: In this text we will talk about the research done within the Project Rescue of Radio Novel, developed by Walter Bandeira at Theatre and Dance School in the Federal University of Pará, Brasil (ETDUFPA). We will reflect about the studies developed there which are connected with vocal tract among students and professionals of theatre. Therefore, we will talk about information regarding the construction of the scenic voice in the historical context, the perception of voice as a poetic entity and the contributions of findings based on radiophonic experience and how they can benefit the actor. Keywords: Orality. Voice cenic. Radio novel. Theatric interpretation. RÁDIO NOVELA: EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM PARA VOZ CÊNICA As experiências criativas do dizer e ouvir trazem em si a certeza de que há um compartilhar da imaginação e da memória que nos torna mais humanos na nossa humana capacidade da linguagem. Se aqui me detenho na linguagem verbal, quero incorporá-la, ou seja, lembrar que não há dizer sem corpo e nem ouvir descarnado. Reivindico então para o ator, a ventura e o privilégio de ter no corpo seu ofício criativo. O corpo fala na contação de histórias, no teatro, na leitura em voz alta e no rádio, dizendo e ouvindo (SPRITZER, 2007). O Projeto de Extensão Resgate da Rádio Novela, dersenvolvido na Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), efetuou experiências de trabalho com a voz por meio de leitura exercitada em diversas modalidades interpretativas e regravação de antigos textos radiofônicos. Projeto coordenado pela professora Iara Regina Souza 1 e desenvolvido pelo professor, ator e radialista Walter 120

121 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica Bandeira 2. O principal objetivo era o de contribuir para a formação do ator, no que se refere ao trato vocal e à utilização apropriada da voz projetada em cena. Outro objetivo era/é o de repassar experiências exercitadas e gravadas para estudantes, professores e profissionais da voz, com vistas a dar continuidade ao projeto. A diversidade teórica e prática de estudos sobre a voz é campo vasto para pesquisas. Neste texto, registramos algumas possibilidades comprovadas no resultado parcial do projeto, com a gravação da antiga rádio novela: Ouça meu filho. A princípio, pensar sobre a voz no teatro significa constatar que, desde os gregos, o elemento vocal ocupa lugar de destaque no processo de preparação dos atores. Grandes nomes do teatro dedicaram-se ao estudo da voz em cena: Antonin Artaud, Eugênio Barba, Jean-Jacques Roubine, Jerzy Grotowski, Meyerhold, Stanislavski, Eugênio Kusnet, entre outros. Esses estudiosos contribuíram para pesquisas voltadas ao trabalho com a voz em cena e, constataram a pluralidade da voz, os diversos usos que pode ter no campo cênico. Assim, amparados por tais referências teóricas e exercícios diários, os professores e participantes perceberam o alcance que este elemento fônico atinge, pois em diálogo indispensável com o corpo, com o trato das emoções, com os jogos teatrais, com a diversidade de textos dramáticos que podem ser encenados, a utilização da voz deve estar a serviço da criação interpretativa e da estética de uma montagem teatral. Após breve contextualização do trabalho desenvolvido no Projeto Resgate da Rádio Novela, afirmamos que, consoante com vieses contemporâneos da pesquisa vocal em teatro, a metodologia, não restrita apenas à compreensão do aparelho fonador e de seus recursos técnicos, das tradições teatrais no uso vocal e de suas manifestações expressivas, manteve a busca de procedimentos da construção de uma voz cênica ligada à inegável poética da voz. Esta é um dos elementos singulares e constitutivo da formação do sujeito que a emprega. O modo de pensá-la e dizê-la, é uma forma de reagir, comunicar e construir uma ideia sobre si e sobre os demais. Paul Zumthor (2010) afirma que: A voz tem todo um lugar simbólico: ela tem o poder de subverter e de romper a clausura do corpo. Ela se identifica com o sopro e com 121

122 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica seus diversos simbolismos. A voz é uma materialidade do corpo e da palavra. Se a caligrafia humana especifica a corporeidade de uma palavra escrita é a voz que faz esse papel na palavra falada. A voz, como impressão digital, como elemento singular de cada indivíduo, é um paradoxo, já que constitui um acontecimento do mundo sonoro, do mundo corporal, visual e táctil. (ZUMTHOR, 2010, p. 13). Para se compreender a complexidade e riqueza simbólica da voz, como característica pessoal, devemos lembar que a projeção de vozes traz consigo a história do indivíduo a qual pertence e materializa-se como elemento distintivo do ser, já que por meio dela a maioria das pessoas se fazem presença no mundo. Portanto, esse entendimento é fundamental para a formação de jovens atores, estudantes de teatro, e interessados na pesquisa da voz cênica. O tratamento dado à voz em cena está dentro de um processo de profundas mudanças ocorridas nos modos de expressão a partir do final do século XIX, daí o desenvolvimento do trabalho vocal na formação do ator brasileiro contemporâneo estabelecer-se como tarefa instigante e indispensável a ser cumprida. As necessidades vocais implicam acionar novas habilidades e treinamentos. Tendo em vista esse percurso, elencaremos dados resultantes das experiências desenvolvidas no Projeto citado, buscaremos refletir, à luz de diversos autores, sobre as contribuições que esses resultados podem fornecer àqueles que pretendem dar novos sentidos à voz no contexto da linguagem teatral. Ondas sonoras: vozes radiofônicas no ar Inúmeras metodologias podem ser adotadas em um processo de criação artística. No projeto em voga, a palavra era: experimentação! Palavra cara ao professor e maestro da voz Walter Bandeira. Homem de teatro, ser inventivo, irreverente, perspicaz, ator, cantor, radialista, formado na vida, nos palcos e com larga experiência em rádio e televisão, professor de inúmeros profissionais do audiovisual paraense; imprimiu, no trabalho vocal, sua marca, a da liberdade de criação para os participantes. Era expert sem ser engessado, um propositor e provocador que, apesar das propostas claras de trabalho, incentivava os atores que se dedicassem ao treino vocal, e se descobrissem detentores de sua própria voz, 122

123 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica sujeitos daquilo que diziam. Assim, enunciavam tons de vozes diversas, a partir do domínio e da clareza da voz projetada para outrem. Considerando a formação de jovens atores e outros com certa experiência nos palcos paraenses, o trabalho da Rádio Novela consistia, fundamentalmente, numa investigação de subtextos, para entender como esses subtextos afetariam o dizerteatral. Texto e subtexto compreendidos como falas carregadas de sentido, a voz do intérprete, o jogo dos atores em cena, e as variadas maneiras de interpretação de um texto que implica diretamente nas (re)leituras que os espectadores/ouvintes farão. Nessa metodologia, compreendia-se o texto dramático como pretexto, elemento que fornece infindáveis possibilidades de adentramentos em seus subterrâneos, aquilo que Walter Bandeira denominou sub-sub, ou seja, as intenções, silêncios, tensões, sugestões escondidas nas entrelinhas do enredo. Sutilezas extraídas, a partir de mergulhos investigativos nos modos de dizer. Exercícios indicadores de novas conexões e relações experimentadas pelo ator na composição de seus personagens, e vivenciadas pelo espectador/ouvinte que o escuta. O professor propunha que, durante as leituras do texto, fossem alterados subtextos, imprimindo assim, mais densidade ao que diziam, consequentemente, provocando novas sensações, as quais assinalavam novos sabores para si e para os ouvintes. A alteração, repentina ou planejada de subtextos, surpreendia aos atores em um contínuo jogo do dizer e de descobertas e surpresas de um diálogo que poderia ser comparado a uma conversa do cotidiano, quando não sabemos o que o outro nos comunicará. Assim, as falas das personagens ditas pelos atores, tinham suas entonações desenhadas de acordo com o subtexto criado, e carregavam camadas de intenções, de modo a afetar o ouvinte. Dessa maneira, a intenção da personagem podia ser agradar alguém, mas seu subtexto seria agradar para conseguir algo em troca, sua entonação/interpretação devia dar conta dessa sutileza, por assim dizer. Ou, a intenção da personagem poderia ser agradar alguém, mas seu subtexto é agradar para conseguir algo em troca e, logo em seguida o matar, a interpretação devia dar conta desse jogo de intenções. O ator deve dar conta de passar a mensagem ao ouvinte, usando apenas a voz, naturalmente, em consonância com as reações do 123

124 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica corpo, ora mais tenso, ora mais relaxado, para que o dizer convença o ouvinte. O dizer radiofônico marca presença, o encontro entre o ator e o ouvinte através da voz. É a voz-corpo do ator que alça a condição de presença e ousa ser uma performance, um acontecimento no presente da transmissão. E a escuta do ouvinte, o deixa perpassarse pela voz que é ouvida, estabelece a sua presença presumida na fala do ator. Ainda que não visual, a performance radiofônica se institui presença no momento do acontecimento da voz. (SPRITZER, 2007, p. 2). Desse modo, o ouvinte deveria entender e conectar-se, via suas próprias experiências, àquilo que é ouvido. No caso do exemplo mencionado acima, a ameaça de morte como subtexto, deve estar clara na intenção de fala, ainda que velada, pelo fingimento da personagem. Não esquecendo que esta seria a intenção final da personagem, porque antes, ele agrada a alguém para ganhar algo em troca, e só depois o deseja matar. É possível, que este exemplo, caracterize o desafio que era para os atores esta sobreposição de subtextos, ou sub-sub, pois no ato de dizer, agrega-se ao subtexto: corpo, memória, respiração, ritmo, volume, clareza, experiências pessoais do ator, os quais, devidamente trabalhados, juntam-se para a construção de uma camada sonora, conceito trabalhado por (LEHMANN, 2007) - citado livremente - ao afirmar que, na contemporaneidade há, no trabalho vocal, a valorização de aspectos sonoros não verbais. A junção de uma série de elementos: respirações, ressonâncias, multiplicidade de vozes, e até imperfeições vocais são admitidas e mesmo desejadas. Aspectos verbais e não verbais que estabelecem comunicações plurais, polifônicas e polissêmicas. Ao que Artaud (2006) complementa: Sei muito bem que também as palavras têm possibilidades de sonorização, modos diversos de se projetarem no espaço, que chamamos de entonações. E, aliás, haveria muito a dizer sobre o valor concreto da entonação no teatro, sobre a faculdade que têm as palavras de criar, também elas, uma música segundo o modo como são pronunciadas, independentemente de seu sentido concreto, e que pode até ir contra esse sentido - de criar sob a linguagem uma corrente subterrânea de impressões, de correspondências, de analogias [...] (ARTAUD, 2006, p ). 124

125 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica Ao concordar com Artaud, sobre o alcance da entonação da palavra bendita e plena de sentidos para uma comunicação eficiente, em se tratando da interpretação de textos radiofônicos, lembramos que há que se observarem pontos essenciais, bem trabalhados por Walter Bandeira. A saber: a) a voz deve dar conta de um processo imagético; é pela escuta que os ouvintes idealizarão os personagens; é por meio da voz que se desenhará em suas mentes a figura, cenário e situação presentes no texto dramático gravado; b) não estando num palco e tendo o trabalho de interpretação concentrado na voz, os atores radiofônicos devem ter economia em seus gestos porque, normalmente, os espaços de gravação não permitem movimentação, isto por sua vez, exige muito dos atores de teatro acostumados com larga movimentação em cena; c) deve-se entender que falar, também implica um movimento físico, um processo orgânico complexo, do qual o ator deve ter consciência e domínio; d) o dizer teatral não comporta a dicotomia entre corpo e voz, o que se diz, diz-se com o corpo todo; e) e as emoções pessoais dos artistas, provavelmente, de alguma forma afetarão seu desempenho (se o ator está triste, muito cansado ou eufórico, isso talvez, transpareça, ainda que ele não queira em sua interpretação; f) suas experiências pessoais serão matérias para construir suas leituras do texto dramático, seja ele de que natureza for). Para alcançar os pontos mencionados acima, a primeira etapa proposta por Walter Bandeira, eram exercícios de relaxamento corporal e aquecimento vocal; o professor insistia, sempre, que o ator jamais deveria realizar seu trabalho tenso, estressado, ansioso; antes, deveria buscar um estado de relaxamento físico, para executar suas atividades com leveza e com prazer. Para o professor, falar com domínio técnico, deveria ser um ato de prazer, uma descoberta pessoal, a partir de estudo apurado. A etapa seguinte era a leitura do texto, todos sentados em volta de uma mesa, deveriam ler silenciosamente o texto para, em seguida, termos uma leitura em voz alta, cada um emitindo a fala de seu personagem. Sem palco, sem plateia, com gestual contido e interpretação concentrada na voz, os atores liam as cenas para, logo após, discutirem os efeitos alcançados com a leitura. Todos tinham total liberdade para falar do desempenho do outro e do seu, além de expor suas interpretações das falas e das outras personagens. Após diversas leituras, gravava- 125

126 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica se o texto, para primeira audição e, depois, havia uma discussão entre atores, professor e técnico de som sobre o material gravado: falhas técnicas, problemas de dicção dos atores, subtextos que deveriam ser alterados ou que não ficaram tão claros etc. Esse processo de leitura, gravação e audição do texto gravado, repetia-se inúmeras vezes. Quando Walter Bandeira tomava a questão da necessidade de uma formação vocal aprofundada e apropriava-se da rádio novela, como estratégia para essa realização, num exercício contínuo de gravar e ouvir-se, realizava parte de uma formação do trabalho técnico do ator, sem perder de vista o ser humano que está por trás da voz que fala, pois, o ensino não se desvincula da vida. Em um processo como este, em que o ato do dizer se instaura como arte, o elemento sonoro é o vetor principal para a criação, como afirma Spritzer: Deste modo, falar passa a ser base do personagem e também a manifestação da sua existência radiofônica. Da mesma forma, o som, o efeito sonoro, quando trabalhado no exercício de criação das cenas, é o propulsor da ação sonora e na audição realimenta o personagem e a cena. (SPRITZER, 2007 p. 2). Spritzer (2007) reitera que tal prática proporciona ganho significativo para formação dos atores. A possibilidade de ouvir-se, aprender ouvindo-se; perceber o quanto o exercício da escuta, tanto no trabalho radiofônico (aqui leia-se também trabalho do ator), quanto numa dimensão mais ampla, é fundamental para os profissionais da voz. A escuta no exercício radiofônico torna-se também corpo, uma vez que é contraponto da voz. Uma escuta criativa e ativa, seja na parceria da contracenação, entre os atores, seja na interlocução com o ouvinte. Contracenar no rádio, mostra-se uma ação de escuta sensível com todos os sentidos. (SPRITZER, 2007 p. 2). A conquista do ouvir-se, de corpo inteiro mergulhado na projeção vocal, como exercício formador, foi oportunizada no estudo vocal mediado por Walter Bandeira, e possibilitado pelo trabalho feito com um único texto dramático para rádio, intitulado Ouça meu filho, selecionado dentre tantos lidos. Tratava-se de uma dramaturgia para rádio novela da qual, infelizmente, não conseguimos acesso à versão original, 126

127 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica assim, não temos como saber sua autoria e data de publicação, mas podemos inferir pela linguagem do texto que tenha sido produzido entre as décadas de quarenta e cinquenta, do século XX. Sua trama gira em torno do personagem Alfredo, jovem sonhador que, se vê obrigado a um casamento de conveniência, para satisfazer a vontade dos pais e, sucumbindo à chantagem de seu Tio Marcos, embora apaixonado pela irmã de criação Davina, o jovem casa-se com Berta. Mas, infeliz e descobrindo a armação dos pais, o rapaz mergulha em tristeza e no vício da bebida; abandona Berta e, tempos depois, encontra o amor de sua vida, Davina. A primeira parte da trama passa-se em ambiente rural: fazendas e um pequeno vilarejo; já, o segundo momento da história, quando Alfredo reencontra seu amor, passa-se em contexto urbano. O texto radiofônico Ouça meu filho foi lido, discutido, gravado e escutado incontáveis vezes, durante o período de um ano (2008), resultou na experiência de análise criteriosa das personagens, da trama e situações peculiares envoltas num processo de interpretação radiofônica. A familiaridade com a dramaturgia selecionada ocorreu devido à leitura exaustiva e as inúmeras gravações refeitas, prática fundamental para a compreensão do processo. Apesar de o texto não estar decorado - esta era uma das condições do projeto podemos afirmar que, em função da convivência com os atores, o texto dramático tornara-se parte deles. Os atores imprimiram o texto em seus corpos. Eis o resultado das exaustivas repetições, as quais, após praticadas, são assimiladas ao modo de ser do praticante. Texto e corpos em ondas uníssonas Nesse entendimento, texto em corpo seria a condição para o ator dizer com propriedade aquilo que, exaustivamente, memorizou ou que está lendo com domínio e sensibilidade, pois, as palavras, como expressão instantânea do pensamento, a voz como instrumento primordial e comum a todas as civilizações, as palavras em corpo, é nessa espécie de simbiose que os atores dão vida ao texto dramático. Este se materializa em cena, estando o ator fisicamente presente ou não. O texto existe, mas se torna som, quando deixa de ser apenas matéria do escrito e torna-se produto dizível. Estão aí expressos, agindo em consonância dois elementos: o verbal e o 127

128 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica sonoro. No caso do Projeto Resgate da Rádio Novela, bem salientava Walter Bandeira, o ator é o encarregado de transformar uma informação escrita, possível de ser captada pela visão, em uma informação sonora, que será recebida pela audição, e isto implica criterioso processo de criação. A transposição da linguagem escrita do texto dramático para a linguagem falada do texto espetacular, aqui radiofônico, revela parte da natureza polissêmica da comunicação teatral. Portanto, o ator, com seu trabalho, não transmite ao espectador somente ou fielmente aquilo que foi escrito pelo autor, mas imprime sua marca, perpassada de estados de emoção, situações, ênfases, silêncios, suspenses que agregam significados outros ao texto dramático, gerando, muitas vezes, novos significados a um texto já bastante conhecido. Assim, sobrepondo à camada verbal a sonora, o ator torna-se criador e/ou potencializador da palavra. Quanto aos resultados do projeto, podemos destacar, ainda, que os atores adquiriam visão ampliada de toda a trama dramatúrgica, visto que houve revezamento no estudo e na interpretação de todas as personagens. Tais trocas de papeis proporcionavam outros pontos de vista sobre cada personagem e trama, além de apurado senso crítico e estético de todo o texto, bem como, o entendimento sobre a produção de uma rádio novela, condições de suma importância para a gravação final do texto radiofônico Ouça meu Filho. Assim, descrita parte das atividades e descobertas realizadas no Projeto Resgate da Rádio Novela, podemos afirmar que, o exercício para se alcançar uma técnica vocal apropriada, a um ator radiofônico, é o processo de gravações sucessivas e audição das mesmas. Desde que, tal experiência seja acompanhada das devidas orientações de um profissional da voz. Ressaltamos, ainda, que a experiência radiofônica não circunscreve seus ganhos e benfeitorias àqueles que trabalharem somente no rádio. Todo ator que passar por um estudo como este, levará para os mais diversos ambientes de trabalho cênico e, por que não, para seu dia a dia, os aprimoramentos vocais apreendidos. O que foi confirmado pelos participantes, todos destacaram os benefícios que esta experiência lhes legou: o trato com o texto dramático, o olhar ampliado sobre diversos aspectos textuais e extratextuais que, antes, não eram observados, o uso da voz numa interpretação 128

129 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica mais segura e a qualidade vocal melhorada. Gravações encerradas, ressoam ainda hoje, duas perguntas que Walter Bandeira fazia: qual é o som que produz o sentido que você quer? Vamos imaginar isso, então? Estas indagações refletem bem a maneira como Walter ensinava, fazia com que o ator percebesse a sonoridade produzida e avaliasse se, com essa sonoridade, realmente dizia o que pretendia dizer, e se não, o induzia a procurar os ajustes necessários para encontrar o som que, em relação com o texto, produzisse o sentido desejado. Fazia o ator escutar sua própria voz, perceber como a emitia, identificar falhas e entender como era sua voz, e que voz desejava ou precisava ter. O ator então percebia algo evidente: o jogo com as qualidades do som, pausas, inflexões, ênfases estabelecidas, gradualmente, estabeleciam uma relação entre som e sentido. Esta construção de sentidos deve estar clara para o efeito eficaz do ato de comunicar. Segundo Derrida (1994): O que acontece de fato na comunicação? Fenômenos sensíveis (audíveis ou visíveis etc.) são animados pelos atos de um sujeito que lhes dá sentido e cuja intenção um outro sujeito deve simultaneamente compreender. [...] Mas essa comunicação só se torna possível se o ouvinte também compreende a intenção daquele que fala como uma pessoa que não emite simplesmente sons, mas que lhe fala, que com sons, realiza simultaneamente certos atos conferindo-lhes o sentido, atos que ela quer tornar manifestos, ou cujo sentido ela quer comunicar. (DERRIDA, 1994, p. 46). Finalizamos com a citação de Derrida, porque conforme destacado nas experiências do projeto, ele reforça a importância de se estabelecer uma boa comunicação, seja o falante/emissor, ator ou não. Assim, o ato de comunicar, em sua maior parte, está sob a competência do dizer, seja na magia da cena no palco ou em ondas sonoras de um rádio, tem seu território construído sob efeito dos sentidos que a voz carrega e/ou potencializa. Enfatizamos, também, que a voz ocupa seu espaço e realiza, por meio de si e do verbo, grande parte da existência humana. Instaurando, por meio do dizer e ouvir, as realidades que conhecemos ou que intentamos conhecer. Desse modo, as palavras, por meio da voz corpo do ator, permanecem a encantar e nos conferir humanidade. A palavra, quando fruto do dizer, é pássaro viajante, lançado à alma do outro, se aninha e se reproduz. Ou apenas pousa, 129

130 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica momentaneamente, para descansar. Palavras que, contadas, ditas, transmitidas, por meio de um velho rádio amigo ou moderno equipamento sonoro, nos alegram e nos avivam, num perene encantamento humano que tem sua força resguardada na voz que bem diz. Assim, com a sensação crivada no corpo e em todos os sentidos, planamos à espera de vozes outras, benditas vozes! Notas * Benedita Afonso Martins (Bene Martins) é doutora em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós doutoranda em Estudos de Teatro, na Universidade de Lisboa, Portugal, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Programa de Pos- Graduação em Artes da UFPA (PPGARTES). Coordena o projeto de pesquisa Memória da dramaturgia amazônica: construção de acervo dramatúrgico. behne03@yahoo.com.br; behneafonso@gmail.com ** Mailson de Moraes Soares é graduado em Letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA), atore cenógrafo formado pela Escola de Teatro e Dança da UFPA, diretor teatral, dramaturgo e bolsista PIBIC do Projeto Memória e construção do acrevo dramatúrgico da Amazônia. 1 Iara Regina Souza é professora permanente da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETD-UFPA), de Ensino Básico Técnico e Tecnológico. Doutoranda do programa de Estudos Culturais da Universidade de Aveiro/Minho, Portugal. Mestra em Artes pelo Instituto de Ciências das Artes UFPA, especialista em iluminação e designer de interiores pela faculdade Castelo Branco/RJ e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em iluminação. 2 Walter Bandeira foi um destacado artista paraense. Cantor, locutor, pintor, ator, professor, bacharel em Filosofia e poliglota, surgiu no cenário cultural paraense na década de 60. Começou cantando por volta de 1967/68 e acompanhou o início da carreira de cantoras do primeiro time da MPB, como Fafá de Belém, Jane Duboc e Leila Pinheiro. Walter Bandeira ficou conhecido como a grande voz do Pará. Pela versatilidade de seu talento, tornou-se um dos mais requisitados e prestigiados locutores paraenses, ganhando grande destaque no mercado publicitário e audiovisual. Foi professor de voz e dicção da Escola de Arte e Dança da Universidade Federal do Pará (UFPA). Faleceu em Belém, no dia 2 de junho de 2009 aos 67 anos de idade. Referências ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. São Paulo: Martins Fontes, DERRIDA, Jacques. A voz e o fenômeno: introdução ao problema do signo na fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, SCHAEFFER, Pierre. Traité des objets musicaux. Paris: Seuil,

131 Radio novela: experiências de aprendizagem para voz cênica SPRITZER, Mirna. Dizer e ouvir. In: IV Reunião Científica da ABRACE, 2007, Belo Horizonte. Memória Abrace Digital, ZUMTHOR, Paul. Introdução à Poesia Oral. Belo Horizonte: Editora UFMG, Recebido em: junho de Aprovado em: setembro de

132 AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CURSO DE LETRAS-PORTUGUÊS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA DA UFSC Josias Ricardo Hack * Daniela Aparecida de Albuquerque ** Resumo: O artigo apresenta o resultado de um estudo sobre o fenômeno da afetividade nas interlocuções entre tutores presenciais, tutores a distância e alunos do Curso de Letras Português na modalidade a distância da UFSC. A metodologia empreendida foi o estudo de caso, realizado sob a perspectiva sócio-histórica, com natureza qualitativa. Os resultados sugerem que o objeto investigado afetividade é considerado, pela ampla maioria dos participantes do estudo, como sendo fundamental para o processo de ensino e aprendizagem no Curso. O AVEA (Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem) é o meio mais utilizado na construção de relações afetivas via conversação entre tutores a distância e alunos. No caso dos tutores de polo, tanto o AVEA quanto os encontros face a face são tidos como os principais canais de comunicação entre educador e estudante para o estabelecimento de relações educativas com afetividade. Palavras-chave: Afetividade. Educação a Distância. Tutores. Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem. AFFECTIVITY IN DISTANCE EDUCATION: A GRADUATION DISTANCE COURSESTUDY CASEAT UFSC Abstract: This article presents a research about affectivity among the interaction of these subjects (in-person tutors, distance tutors and students) from a distance Course of Letras - Português, at UFSC. The methodology approach was a study of case, carried out under a socialhistorical perspective, with a quality nature. The results suggest that the investigated object - affectivity - is considered fundamental to the teaching-learning process in the environment of the investigated Course. The generated data revealed that affectivity was considered fundamental to the teaching and learning process in the observed environment. The results showed that the VLE (Virtual Learning Environment) is the most used task to establish conversations between distance tutors and students. In the case of in-person tutors, both tools the VLE as the live meetings are taken as the main channels used in affective communication between tutors and students. Keywords: Affectivity. Distance Education. Tutors. Virtual Learning Environment. Introdução A Educação a Distância (EAD) é uma modalidade de ensino em expansão em diversos países do mundo. Consistindo-se em uma opção diferenciada de estudos, possui características que lhe são peculiares. Por exemplo, em cursos online as aulas acontecem mediadas, em sua maioria, por meio de Ambientes Virtuais de Ensino e Aprendizagem (AVEA). Desta forma, é necessário o desenvolvimento de algumas características por parte do aluno, tais como: autonomia, disciplina quanto aos 132

133 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC momentos de aprendizagem e à realização de atividades, conhecimentos básicos de informática, uso da internet etc. (MOORE e KEARSLEY, 2007; PETERS, 2001; BELLONI, 1999). Assim, a EAD que à primeira vista pareceria operar como facilitadora do processo educativo, uma vez que democratizaria o acesso ao Ensino Superior, pode, por outro lado, afetar o estímulo à continuidade dos estudos. Isto se deve, dentre outros fatores, a uma maior dificuldade na interação interpessoal. Logo, o sentimento de identificação do aluno a um ambiente ou grupo tendem a ser mais difíceis de alcançar na EAD, pois as relações interpessoais não ocorrem tão espontaneamente quanto no ensino presencial (PETERS, 2001). Refletindo acerca do papel da afetividade na EAD e focalizando uma dada realidade, o Curso de Letras-Português na modalidade a distância da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC Brasil), empreendemos um estudo de caso que visava investigar a relevância deste fenômeno para a prática educativa no contexto pesquisado. Os sujeitos investigados foram os profissionais que atuavam à época com as tutorias presenciais e a distância. 1 Aportes teóricos Nesta seção explana-se acerca da definição adotada para o fenômeno da afetividade, sua importância para o processo de ensino e aprendizagem e para a constituição intersubjetiva. Contextualiza-se também, o objeto dentro do ambiente EAD, levando em consideração, principalmente, os estudos de Moore e Kearsley (2007) e Peters (2001). 1.1 Educação e afetividade Como o ato educativo é um ato eminentemente dialógico, ele requer respeito e entrega. Os interactantes apenas conseguirão, verdadeiramente, alcançar-se mutuamente se houver um movimento recíproco de busca por compreender o outro, por fundir-se com ele, enxergando o mundo, também, com base em seu sistema de valores (BAKTHIN, 1997, p. 45). Por isso entendemos que a afetividade é essencial à Educação. Aqui, nos baseamos em Freire (1996) para definir afetividade como um estado da psique que atravessa o existir do indivíduo quando 133

134 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC ele passa a constituir-se social e historicamente, através tanto de sua presença no mundo tida como evento original e singular quanto na inter-relação com os outros que se fazem presentes à sua volta. Assim sendo, as emoções, os sentimentos de afinidade, empatia, apreensão, dentre outros; além do estabelecimento de limites claros e de relacionamentos honestos nos quais as pessoas se assumam como diferentes e desconhecedoras de determinados assuntos, concebem-se, à luz da teoria freiriana, como exemplos de demonstração de afetividade. Logo, entendemos que o afeto entre educador e aluno, em seu sentido amplo, de constituição intersubjetiva, tende a contribuir para que o processo de ensino e aprendizagem se torne significativo. Sentindo-se confortável para questionar, considerar, expressar-se livremente, o estudante percebe-se como coautor de seu aprendizado. Concebendo-se como importante para si próprio e para aqueles que o cercam, seu desenvolvimento como ser humano sóciohistórico-cultural transcende o contexto educativo, reverberando, também, nas demais esferas da vida (FREIRE, 1996; VYGOTSKY, 1993). Dessa forma, as relações vão se construindo ao mesmo tempo em que os seres vão se constituindo mediante os diversos encontros e diálogos estabelecidos com a alteridade. A interação entre os pares promove a partilha tanto dos pensamentos, conhecimentos, alegrias, medos etc. quanto uma aproximação mais ativa de sujeitos que podem vir a dividir um mesmo ambiente. Enfim, parece-nos que a afetividade se faz imprescindível ao processo educativo que almeja a construção do conhecimento como resultado do diálogo constante entre educador e educando em um contato livre de preconceitos ou dogmatismos (VYGOTSKY, 1993). Afinal, uma vez que as experiências afetivas e os conhecimentos racionais fazem parte do desenvolvimento cognitivo do estudante, um processo educacional que valoriza os vínculos emocionais irá auxiliá-lo em seu desenvolvimento pleno. Contudo, sabemos que a afetividade no contexto educativo não é uma questão unânime. Alguns educadores tendem a ignorá-la, uma vez que é passível de ser confundida com relações sem profissionalismo, tendenciosas. No entanto, uma educação com bases afetivas não visa a abstrair a ética nem tampouco subestimar o pensamento lógico. O educador pode importar-se verdadeiramente com seus alunos, 134

135 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC com a sua realidade, uma vez que: a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade (FREIRE, 1996, p. 89). 1.2 Afetividade na EAD Ao considerarmos a afetividade dentro do contexto da EAD, percebemos que a tarefa de promovê-la pode ser mais eficaz quando os envolvidos no processo estão abertos a experimentar novos meios de condução de práticas educativas. Peters (2001, p. 107) explica que a postura do educador tem muita influência na EAD, tanto que precisa transcender à mera exposição de conteúdos científicos. Contudo, conhecer melhor os fatos acerca do ambiente dos estudantes demanda inclinação para relacionar-se com o outro, além de que a postura crítica, curiosa e afetiva do educador, permite aos alunos que se assumam enquanto sujeitos sócio-históricos-culturais do ato de conhecer (FREIRE, 1996). A comunicação entre educador e aluno permite, então, que vínculos afetivos sejam estabelecidos em uma relação na qual as diferenças são respeitadas e as vozes de todos recebem a devida atenção. Consequentemente, os alunos tendem a apreciar mais o processo de aprendizagem, encontrando significação nele, pois alunos que aprendem geralmente apreciam o aprendizado; alunos que apreciam o aprendizado aprendem! Caso contrário, é muito mais provável que desistam do curso ou não façam outro curso. Apreciação é um sinal de grande motivação [...] (MOORE e KEARSLEY, 2007, p. 176). Embora a afetividade seja um ato de compreensão e abertura, faz-se importante não descurar que a prática educativa requeira a formação científica e a clareza adequadas. O educador, qualquer que seja a modalidade, precisa estar em constante preparo para exercer seu papel de mediador do conhecimento. A sua curiosidade precisa ser transformadora, pois [...] a prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje. (FREIRE, 1996, p. 90). Assim, tornar a prática educativa um espaço no qual as relações interpessoais aconteçam via mídia, de modo a aproximar os indivíduos, promovendo diálogos edificadores, requer muita destreza, responsabilidade e entrega por parte do educador, pois 135

136 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC As pessoas são naturalmente mais cautelosas a distância, especialmente quando não conseguem ver os outros participantes, e isso ocorre com mais ênfase na comunicação assíncrona do que na síncrona. Por essa razão, seja qual for a tecnologia de comunicação usada, a participação poderá não ocorrer, a não ser que seja bem planejada e os instrutores tenham treinamento para facilitá-la. (MOORE; KEARSLEY, 2007, p. 129). Ademais, o educador da EAD precisa possibilitar que seus alunos interajam entre si, sintam-se à vontade para perguntar, considerar e criticar. A tarefa, contudo, exige dedicação. O aluno precisa sentir-se parte de um grupo. Identificar-se com os indivíduos que visam aos mesmos objetivos que os seus, dividindo um mesmo AVEA, é um exercício de afetividade. Conquanto espaço e tempo sejam descontínuos, há pessoas atrás das palavras e conteúdos. Pensando na importância das relações afetivas dentro do contexto educacional e, em especial, nas interações entre tutores e alunos, empreendemos uma pesquisa que visava investigar a importância deste fenômeno para o processo educativo na EAD. Assim, na seção a seguir apresentaremos os procedimentos metodológicos, a identificação dos sujeitos investigados e as ações empreendidas em nosso estudo. 2 O estudo de caso do curso de Letras-Português da UFSC Para a aplicação e desenvolvimento da pesquisa que originou o presente artigo, optou-se pela perspectiva qualitativa de cunho sócio-histórico. A técnica adotada foi o estudo de caso explanatório e descritivo (BAUER e GASKELL, 2007; FREITAS, 2003; YIN, 2001). A pesquisa qualitativa e o estudo de caso foram escolhidos por se tratarem das abordagens metodológicas mais convergentes à investigação do objeto de estudo: a possibilidade do estabelecimento de relações afetivas equilibradas no contexto educativo do Curso de Letras-Português na modalidade a distância da UFSC. Para o recolhimento dos dados foram elaboradas perguntas norteadoras, realizadas na forma de questionário via aos tutores presenciais e a distância do curso analisado. O roteiro inicial contemplava perguntas comuns aos tutores presenciais e a distância que buscavam clarificar sua compreensão sobre: - A importância do fenômeno da afetividade para o processo educativo; - Os vínculos afetivos entre tutores e alunos no AVEA, bem como a relação 136

137 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC existente entre esses vínculos e o rendimento do aluno no Curso; - As demonstrações de afetividade consideradas positivas e as consideradas negativas, para o processo de ensino e aprendizagem; - A realização do feedback aos alunos; A maneira como os tutores se comunicavam com os estudantes via AVEA (e no caso específico dos tutores presenciais, também nos encontros presenciais das disciplinas); O estímulo à relação entre tutor e aluno, aluno e aluno no AVEA (no caso específico dos tutores presenciais, também nos encontros presenciais das disciplinas). Do total de 29 tutores que atuavam no curso no período de desenvolvimento do estudo (julho a setembro de 2013), 25 tutores (86%) responderam ao questionário. Para a identificação dos tutores pesquisados, adotou-se a seguinte codificação para os tutores que atuam nos polos de apoio presencial: TP1 (tutor presencial 1), TP2 (tutor presencial 2) e assim sucessivamente. Quanto aos tutores a distância, que atuavam na UFSC, seguimos o mesmo princípio, mas as siglas sofreram alteração: TD1 (tutor a distância 1), TD2 (tutor a distância 2) etc. A ordem numérica em ambos os casos foi estabelecida de acordo com a data de entrega dos questionários. A interpretação das considerações feitas pelos tutores está agrupada conforme os tópicos temáticos. Assim sendo, a primeira subseção contempla as considerações tecidas quanto às primeiras duas perguntas, a segunda subseção trata das terceira e quarta indagações e a última subseção traz o corpus obtido através das perguntas finais. 2.1 Importância da afetividade para o processo educativo na EAD A primeira parte do questionário visava provocar uma reflexão acerca da afetividade no contexto pesquisado. As respostas obtidas apresentaram informações, fatos e impressões que cada sujeito-respondente se dispôs a compartilhar. Nelas, a maioria dos tutores (23) expôs que o estabelecimento de laços afetivos auxilia no desenvolvimento cognitivo do aluno, uma vez contribui com o sentimento de pertencimento ao grupo. Considerando-se, nos depoimentos, o aluno de forma mais ampla que a sua condição atual de estudante e valorizando-se como conhecimento, também, os aspectos emocionais (VYGOTSKY, 1993; ROGERS, 1975). 137

138 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC Já os outros dois tutores não consideraram a afetividade como fator imprescindível para o processo de ensino e aprendizagem ou para promover a motivação do estudante em prosseguir seus estudos, embora não deneguem a sua importância. O quadro abaixo traz uma visão geral das respostas obtidas: Quadro 1: Importância da Afetividade para o processo educativo na EAD Opiniões Tutores % Muito importante Pouco importante Total Fonte: os autores. Convém salientar que as relações interpessoais foram ressaltadas em alguns dos depoimentos (05), como sendo um aspecto inerente à ação educativa e, por conseguinte, intimamente relacionado à afetividade. O que nos leva a inferir que dentro do contexto analisado os atos de aprender e de criar são tomados de compromissos éticos, estéticos, afetivos, científicos e interativos entre educador e educando, tal qual defende Freire (1996). Nesses depoimentos foram ressaltados que a distância física/emocional entre tutores e alunos pode atrapalhar o aprendizado, bem como que a empatia entre os partícipes (docentes e alunos) favorece o processo educativo (TP4, TD5). Proporcionando ao aluno que este se sinta acolhido e parte de um grupo, uma vez que os indivíduos são considerados além da disciplina (TP6, TD7, TD12). Pensamentos estes, convergentes aos de Freire (1996), Vygotsky (1993) e Rogers (1975) que concebem os sujeitos como seres históricos e sociais, moldados através de suas relações com os outros. Alguns tutores expuseram que a afetividade e o dialogismo auxiliam no desenvolvimento cognitivo do aluno, estando (ou devendo estar) implicado um no outro. Os vínculos afetivos, por contribuírem para o sentimento de pertencimento ao grupo, e o diálogo, por possibilitar maiores interações, esclarecimentos e conhecimentos aprofundados sobre os conteúdos e tarefas, aproximam os sujeitos, fortalecendo, assim, os vínculos entre tutores-alunos e quebrando a frieza que a EAD pode, à primeira vista, transmitir, como podemos ver nos trechos a seguir. TP6: A afetividade é muito importante no processo de ensino aprendizagem, 138

139 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC pois o aluno vai sentir-se protegido e acolhido [...]. Outra ponte importante, além da afetividade, é o dialogismo, ambos andam juntos. O diálogo deve estar presente nas atividades a distância ou presenciais, o professor deve sempre conversar com o seu aluno, dando devolutivas ao mesmo, que acrescentem em seu conhecimento. O diálogo engrandece as atividades práticas, porque trabalhando com a oralidade e argumentos, a aula se torna muito mais valiosa. TP11: Afetividade e dialogismo precisam andar juntos no processo de ensino e aprendizagem. O diálogo tem um papel muito importante na EAD. Apesar de ser, na maioria das vezes, virtual, é bastante produtivo, os questionamentos são mais pontuais. É através dele que os alunos, principalmente, se sentirão inseridos no Curso e na Instituição, pois o diálogo com professores e tutores quebra a impessoalidade que a tecnologia, a princípio, representa. TP12:Pode-se dizer que a afetividade e o dialogismo têm a mesma interação, pois se temos afetividade o diálogo anda junto, porque estamos em constante comunicação uns com os outros. Assim, as trocas de opiniões, experiências, bem como os laços criados, a sensação de pertencimento e a empatia com o meio e os sujeitos são algumas ações que demonstram afetividade através do dialogismo também. TD13: Eu acredito que não é possível negar a importância desses fenômenos para o processo de ensino e aprendizagem, são facilitadores deste processo. [...] O dialogismo, ao que me parece, é quase inerente ao aprendizado, ao diálogo. Não consigo imaginar (e não é uma colocação retórica) o aprendizado sem dialogismo [...]. Quando alguém media conceitos, seja nos escrevendo, nos dando um feedback, está praticando o dialogismo. O que, neste ponto, já me parece avançar sobre a fronteira da afetividade. Parece-me que essas duas coisas andam bem unidas. Ao longo das explanações acerca da importância da afetividade na EAD, pôdese constatar haver clareza e conhecimento quanto à natureza e relevância dos fenômenos pesquisados. Em todas as respostas, tanto o diálogo quanto outros elementos tais como a empatia, ética, respeito, interação, bom senso, compreensão, conflitos etc., se fizeram presentes nas reflexões dos participantes. As relações interpessoais foram ressaltadas como sendo um aspecto inerente à ação educativa e, por conseguinte, intimamente relacionado à afetividade. 2.2 Relacionamentos interpessoais na EAD A segunda parte do questionário contemplava perguntas mais direcionadas ao cotidiano do Curso observado, instigando os tutores a refletirem acerca dos relacionamentos interpessoais vivenciados na EAD. Em um primeiro momento, a pergunta dirigida aos respondentes versava sobre o relacionamento entre os tutores presenciais e a distância. Alguns (06) disseram que os vínculos entre tutores são importantes. Outros (05) não expressaram a sua opinião 139

140 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC sobre o assunto. A maioria dos tutores (14), contudo, declarou que o contato entre tutores depende da disposição de ambos, tendendo à formalidade, e tratando, quase exclusivamente, de questões sobre o Curso, a disciplina, dificuldades ou problemas com determinados alunos. O quadro abaixo traz os resultados: Quadro 2: Relações interpessoais entre tutor a distância e tutor presencial Opiniões Tutores % Importante e acontece Importante, mas tende à formalidade Não opinaram Total Fonte: os autores. Ainda, 03 tutores consideraram diversos fatores que podem contribuir ou não para gerar empatia entre os pares. Dentre eles, as afinidades e as diferenças existentes entre os sujeitos. Além disso, 02 tutores salientaram que, os vínculos afetivos decorrem dos encontros presenciais e ressaltam a necessidade destes: TD1: No meu caso, o vínculo afetivo entre tutor presencial e tutor a distância no AVEA é uma decorrência dos encontros presenciais capacitações de tutores e visita ao polo. TP2: Há ainda certa distância entre esses dois pontos. Talvez se tivéssemos mais cursos de formação (pelo menos duas vezes ao ano) para conhecermos melhor os tutores pessoalmente, para depois, virtualmente, a relação ficaria mais afetiva. Outro assunto pesquisado acerca das interações interpessoais no ambiente do Curso analisado foi o contato existente entre tutor e aluno. Segundo manifestou-se a maioria dos respondentes (13), estes tendem a ser mais facilmente estabelecidos entre tutores presenciais e alunos. Dentre os fatores que podem contribuir para o estreitamento dos vínculos afetivos, está a possibilidade da interação face a face, bem como o fato de o tutor de polo poder acompanhar seus alunos durante os quatro anos do Curso. Ressalta-se, porém, que ainda que o ambiente seja mais propício à construção de vínculos, a postura e a intenção dos pares, tutor presencial e aluno, são fundamentais, assim como destacou um dos tutores de polo: Entre tutores presenciais e alunos é muito mais fácil criar laços, já que nos encontramos pelo menos duas vezes por semana (TP11). Os tutores a distância, contudo, demonstraram enfrentar maiores desafios para aproximarem-se dos estudantes, o que depende tanto da disposição do tutor quanto da 140

141 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC vontade do aluno. O contato faz-se, predominantemente, por meio das mensagens escritas via AVEA. O pouco tempo que o tutor a distância tem para conhecer melhor os educandos, período geralmente condizente à duração da disciplina (cerca de um trimestre), também foi destacado. O quadro a seguir ilustra as respostas: Quadro 3: Relações Interpessoais entre tutores-alunos Opiniões Tutores % Acontece mais entre tutores polo e alunos Difícil, demandando mais atitudes do tutora distância Total Fonte: os autores. O questionário abordava, ainda, os vínculos entre os estudantes dentro do AVEA e nos encontros presenciais da disciplina. Nesse aspecto, 02 tutores expuseram que há pouca interação através do AVEA. Para outros tutores (04), no entanto, o contato entre os alunos é referido como mais assíduo, transcendendo ao AVEA. Nos encontros presenciais das disciplinas, de acordo com os depoimentos, os vínculos afetivos e as afinidades são mais fáceis de serem estabelecidos, pela interação dar-se em tempo real e ser face a face. Acontecendo, especialmente, em pequenos grupos de estudo: A afetividade entre aluno-aluno acontece até mesmo por afinidade, agora eles já se conhecem e se ajudam, conforme as necessidades de cada um (TP1). Como outra estratégia de socializaçãodos alunos, além dos grupos de estudo defendidos por Rogers (1975), 06tutores citaram o uso das redes sociais como sendo mais eficientes no contexto observado do que o AVEA. A página do Curso no facebook, para eles, tem permitido momentos de integração mais descontraídos e informais. O que, consequentemente, aproxima os indivíduos e reverbera no processo educativo. Pode-se dizer que, de acordo com as respostas obtidas, a relação entre os alunos demonstra-se ainda incipiente. Enquanto cerca de um terço dos tutores que responderam ao questionário disse existir interação entre estudantes nos encontros presenciais das disciplinas e no AVEA, os outros dois terços fizeram alusão de que tais contatos não existem ou são restritos e limitados, muitas vezes, devido às características do próprio AVEA: Quadro 4: Relações Interpessoais entre aluno-aluno Opiniões Tutores % Acontece/significativa Não acontece/pouco significativa

142 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC Não sabem/não opinaram Total Fonte: os autores. Os tutores presenciais, majoritariamente (09), disseram que há intercâmbio entre os estudantes. Os tutores que afirmam o contrário, ou que veem essa interação como pouco substancial são, em sua grande maioria (09), tutores a distância. Os dados gerados, portanto, reiteram que os momentos presenciais são importantes para a aproximação dos alunos com seus colegas de curso. Por outro lado, sugerem que o AVEA precisa tornar-se um espaço que permita uma interação mais ampla e diferenciada entre os sujeitos. As mídias sociais como o facebook, mencionado em alguns questionários, podem complementar algumas das lacunas apresentadas pelo AVEA. Afinal, esse tipo de socialização pode trazer para o espaço acadêmico as aspirações dos alunos em um dado contexto da atualidade. A interação com os outros estudantes, tutores e com as disciplinas pode, então, utilizar-se dos diversos recursos que fazem parte do cotidiano dos aprendentes, uma vez que tais conversações não são dissociadas do conjunto das experiências e vivências dos alunos (KNOWLES et. al., 1998). Buscou-se ainda saber como os tutores se comunicavam com os estudantes e quais são as principais características das interações escritas (via AVEA) e das que acontecem face a face. Os quadros 5 e 6, a seguir, ilustram os meios mais utilizados pelos tutores presenciais e a distância para estabelecerem contato com os alunos. Quadro 5: Ferramentas comunicativas utilizadas pelos tutores a distância Ferramentas % Mensagens via AVEA 32 Fórum 29 Chat 15 Videoconferência 15 Videoaula/ 07 Skype/Facebook 02 Fonte: os autores. Quadro 6: Ferramentas comunicativas utilizadas pelos tutores presenciais Ferramentas % Mensagens via AVEA 29 Interações face a face Facebook

143 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC Telefone 09 Fórum, Skype, SMS e videoconferência 05 MSN, chat 02 Fonte: os autores. Os quadros acima refletem as particularidades do processo comunicacional instituído entre tutores presenciais e alunos e tutores a distância e alunos. Embora para todos os tutores as mensagens via AVEA sejam o principal meio utilizado na interação com os estudantes, ambos tendem a optar também por outras ferramentas. Em se tratando dos tutores presenciais, a possibilidade da interação pessoal, pelo que podemos inferir, faz com que a escolha por determinadas mídias seja menos formal, mais personalizada e contemple outros recursos externos ao AVEA, tais como: , facebook, telefone etc. Quanto aos tutores a distância, as videoaulas, videoconferências, fóruns, chats, trabalhos em equipes e a ação do próprio educador são canais que os permitem lançar indagações e temas que instiguem o envolvimento dos estudantes tanto com os conteúdos quanto nas relações entre tutor-aluno, aluno-aluno, levando-os à reflexão e à ação ou, pelo menos, buscando incitá-los a essas práticas: TD1: Sabendo que o ensino somente se efetiva com o contágio afeto e o diálogo, cabe ao mediador do processo de ensino-aprendizagem inventar modos de afeto (isto é, orientar sua fala/escrita para a singularidade de cada aluno, possibilitando assim que ele mais que entenda, se interesse e busque aprender sobre determinado assunto, inclusive em outras fontes). [...] Penso que para que se estimule essa relação seria muito interessante que, nós, tutores, criássemos o hábito de postar novidades pertinentes, curiosidades, perguntas. Desse modo, creio, os alunos também se contagiariam, frequentariam mais o fórum e, sendo otimista, buscariam coisas interessantes para compartilhar. TD2: Penso que a melhor forma de estimular a participação é o debate, ou seja, de promover as relações entre os alunos é dando a máxima atenção possível a qualquer comentário ou manifestação, especial no ambiente do fórum, que é acessível a todos. Por mais que muitas vezes o comentário não seja pertinente, cabe ao tutor fazer as ponderações necessárias e integrar o aluno no circuito. TD4: A relação é estimulada através do contato pelas mensagens e pelos fóruns, lançando questionamentos e propondo atividades que levem a uma atuação conjunta dos alunos. Pode ser através da formação de grupos ou mesmo através da construção de uma discussão conjunta no próprio fórum. TD9: Em geral, como tutor, o que procuro fazer é estimular essa comunicação de acordo com o andamento do livro-texto que todos possuem. Assim, o aluno 143

144 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC vai sendo estimulado a refletir sobre questões concernentes àquilo que é apresentado a ele, conforme o cronograma da disciplina, fazendo isso, eu penso que ele se sinta mais acompanhado e, consequentemente, estará mais seguro para elaborar alguma questão em caso de dúvidas. TD10: [...] Acredito que as videoconferências e videoaulas também funcionam para estimular o contato, uma vez que os alunos têm a chance de nos visualizar, nos ouvir de fato, o que se diferencia do contato via escrita, como se dá no AVEA. Em suma, os tutores em geral, conforme apurado nas respostas, valem-se de, pelo menos, duas ou mais ferramentas para o intercâmbio com o educando, dependendo do momento, da necessidade, da urgência ou do tipo de interação pretendida pelo estudante. A atenção dispensada pelos tutores, conforme pode ser observado, visa facilitar o processo de ensino e aprendizagem (Rogers, 1975),sendo guiada conforme as necessidades educacionais vão surgindo, isto é, levam-se em consideração as questões e problemas que se apresentam naquele dado momento (KNOWLES et. al., 1998). 2.3 Aspectos que se destacam na afetividade entre tutores e alunos Com o intuito de conhecer a opinião dos tutores acerca dos aspectos afetivos, concebendo-os como complexos (FREIRE, 1996), os participantes da pesquisa foram incitados a discutir essa temática e a refletirem sobre as interações interpessoais proximais entre tutores e alunos. Considerando-se tanto as características benéficas da construção de vínculos afetivos quanto àquelas que podem vir a ser prejudiciais ao processo de ensino e aprendizagem. Dentre as relações citadas como positivas, as mais comentadas foram o estímulo à aprendizagem do conteúdo, o interesse, a interação, a empatia, o cuidado, a amizade, a cobrança etc. Conceitos estes, presentes em todos os depoimentos. Sendo que para 02 respondentes todas as relações entre tutores e alunos são edificantes, sem haver quaisquer pontos negativos. No entanto, para um terço dos participantes do estudo (08), algumas manifestações, tais como a proximidade excessiva transcendente ao processo educativo, as opiniões pessoais acerca das características dos alunos, a disponibilidade demasiada do tutor, podem vir a atrapalhar o desenvolvimento do estudante ou deixá-lo em uma zona de conforto nociva ao desenvolvimento de características fundamentais ao aluno da EAD como, por exemplo, a autonomia. O 144

145 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC quadro abaixo ilustra os dados obtidos: Quadro 7: Repercussão das Manifestações de Afetividade Opiniões Tutores % Sempre Positivas 02 8 Podem ser Negativas Ambas (positiva e negativa), dependendo do contexto Total Fonte: os autores. Outro assunto recorrente nos questionários foi a importância do feedback para o processo educativo. A rapidez em responder as indagações dos alunos, a comunicação precisa e a honestidade na interação foram algumas das atitudes evidenciadas: TP1: Considero importante dar um retorno imediato e existe um combinado entre nós tutoras presenciais: qualquer mensagem enviada deve ser automaticamente encaminhada à outra tutora, assim, poderemos estar cientes de tudo o que acontece. Quando as mensagens são enviadas a nós, sempre damos um retorno, nem que seja apenas para dar um ok, mas nunca deixamos alunos sem um retorno. [...] Para o nosso trabalho ter um bom resultado é imprescindível ter uma comunicação clara, objetiva, eficaz e até delicada nas mensagens escritas e também no contato pessoal com o aluno, assim evitaremos conflitos. TP3: O feedback é feito quando damos a nota de participação dos alunos. Colocamos nossos comentários junto com ela. Quando o professor fecha a média da disciplina, enviamos um parabenizando-os pelo desempenho geral da turma, caso precisem melhorar, colocamos isso na observação também. TD11: Procuro dar o feedback de maneira mais completa possível [...], ainda que de forma concisa, para responder à dúvida ou comentário do aluno. Gosto sempre de trazer exemplos que possam ilustrar a questão, acho que geralmente funciona. Procuro também, ao final de cada contato, encerrar com você compreendeu?, mais alguma questão? e estou à disposição. TP12: Procuro responder até sanar as dúvidas [dos alunos] e vou atrás de informações que possam ajudá-los de alguma forma, seja em suas dúvidas de atividades ou perguntas sobre o curso. [...] Quando temos aula presencial conversamos sobre tudo que acontece no curso, os pontos positivos e negativos, as dúvidas a respeito das atividades e outros. Enfim, observa-se haver uma atenção permanente quanto à forma do educador interatuar com os estudantes. Além disso, todos os tutores cuidam para que o conteúdo seja disponibilizado com rapidez, acuidade e voltado às necessidades dos alunos. Em outras palavras, o processo educacional é construído, pelo que pudemos constatar ao longo das respostas aos questionários, por meio de diálogos que visam alcançar o outro. Para isso, as manifestações de afetividade são observadas como influentes na 145

146 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC formação do estudante. Além disso, nota-se uma procura dos tutores em geral pelo equilíbrio nas relações estabelecidas, bem como a preocupação de instigar os alunos a buscarem por si próprios soluções e caminhos, por meio dos quais possam apropriar-se de novos conhecimentos e constituírem-se como indivíduos ativos e cidadãos conscientes. Considerações finais A aplicação do questionário com os tutores presenciais e a distância do Curso de Letras-Português na modalidade a distância da UFSC (Brasil) possibilitou-nos conhecer respostas variadas e reveladoras. Cada tutor, segundo suas concepções e experiências, expôs as suas práticas comunicativas, as relações interpessoais com os alunos e com os outros tutores, além do cotidiano das disciplinas, seus desafios e conquistas. Os depoimentos demonstraram que a comunicação afetiva na EAD, para a expressiva maioria dos tutores (23) é de suma importância, revelando-nos que o fenômeno da afetividade entre tutores-alunos dá-se através da relação de respeito, confiança, disposição mútua, carinho, limites claros etc. Ora focalizando o conteúdo, intentando aproximar-se no sujeito (aluno), ora focalizando o sujeito para trabalhar-se o conteúdo. Posição esta, convergente às teorias de Freire (1967, 1987, 1996), Rogers (1975) e Knowles et. al. (1998). As singularidades tanto dos indivíduos quanto das enunciações estabelecidas, observadas através dos dados gerados, ilustram a riqueza e a complexidade das relações humanas que acontecem no ambiente do Curso. Os respondentes, em geral, referiram-se à afetividade como sendo imprescindível para o processo de ensino e aprendizagem a distância, constituindo-se, igualmente, imprescindíveis para as relações e diálogos entre os pares (tutores-tutores; tutores-alunos; alunos-alunos). As asserções dos tutores também revelaram a importância do objeto pesquisado para o contato entre os indivíduos (tutores e alunos) tanto nos encontros presenciais das disciplinas quanto naqueles que ocorrem via AVEA. Nas respostas, foi possível identificar as principais ferramentas e meios empregados pelos tutores presenciais e a distância, conforme o momento e o ambiente utilizado para a promoção de conversações com os estudantes, tal qual defendem Peters (2001), bem como Moore e 146

147 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC Kearsley (2007). Dentre as similaridades de métodos e ferramentas preferidos por tutores presenciais e tutores a distância, os mais citados foram as mensagens via AVEA e os e- mails. Já as diferenças que se destacaram na comunicação entre os dois diferentes perfis de tutores e os alunos são referentes às interlocuções face a face com intenções diversas (de conteúdos a outras temáticas) e a utilização de mídias sociais, telefone, etc., para contatar os alunos. Quanto às relações interpessoais estabelecidas entre tutores e tutores, tutores e alunos, alunos e alunos os dados apurados forneceram-nos informações instigantes. Se, por um lado, o estabelecimento de uma comunicação afetiva é tido como essencial para o processo educativo, por outro lado, revela-se assimétrico no ambiente em questão. Enquanto as interlocuções e a empatia são mais facilmente estimuladas nas enunciações entre tutores e alunos, nos demais segmentos (entre tutor presencial e tutor a distância, bem como entre aluno e aluno), elas demonstraram-se incipientes, necessitando ser objeto de maior atenção e cuidado. Outra questão pesquisada abordava as demonstrações de afetividade que se tornam positivas e aquelas que operam negativamente no processo de ensino e aprendizagem na EAD. As mencionadas, reiteradamente, como edificantes foram: estimular o diálogo, demonstrar interesse, respeito às individualidades, buscar conhecer o sujeito com quem se interage, colocar-se à disposição, facilitar o contato e o aprendizado. Dentre as atitudes consideradas contraproducentes estavam a falta e o excesso de interesse, manifestação de opiniões pessoais irrelevantes, mecanicidade nas interações. O último dos objetivos propostos focalizava o feedback fornecido aos alunos quanto às suas dúvidas, considerações, tarefas, bem como os meios mais eficazes para fazê-lo. Os dados obtidos sugerem que cada tipo de tutor (presencial e a distância) utiliza-se das ferramentas que possui (mídias, tecnologias, diálogos presenciais) para instaurar tanto as conversações com os alunos quanto para fornecer-lhes os feedbacks que se façam necessários. Agilidade, acuidade e comprometimento em sanar as dúvidas foram conceitos presentes em todos os depoimentos. Enfim, podemos considerar que o estudo de caso empreendido na UFSC permitiu-nos perceber os tutores presenciais e os tutores a distância como 147

148 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC educadores sensíveis que vivenciam a afetividade e o dialogismo em suas ações educativas no cotidiano das disciplinas. Ou seja, educadores que mediante diálogos e embates se enriquecem e enriquecem o outrono encontro afetivo com a alteridade. Notas * Josias Ricardo Hack é professor associado e pesquisador na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), contador de histórias, comunicólogo e psicoterapeuta com formação em Gestalt-Terapia e Psicanálise. Mestre e Doutor em Comunicação Social, realizou dois estágios de pós-doutorado: 1) em 2011 no polo CETAC.MEDIA (Centro de Estudos das Tecnologias e Ciências da Comunicação) da Universidade de Aveiro, em Portugal; 2) em 2012 no ICAn (Institute for Cultural Analysis) da Nottingham Trent University, na Inglaterra. Membro da Ordem Nacional dos Psicanalistas e da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. professor.hack@hotmail.com ** Daniela Aparecida de Albuquerque é mestra em Linguística pelo Programa de Pós- Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina, possui graduação em Letras - Português e Inglês pela Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESC (2002), é especialista em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa pela mesma universidade (2004) e pesquisadora na área de Educação a Distância. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras e atualmente é analista em gestão pública na Secretaria de Desenvolvimento Regional de Rio do Sul. dnie-la@hotmail.com Referências BAKTHIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes, BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. Campinas, SP: Autores Associados, FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, FREITAS, Maria Teresa. A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana da construção do conhecimento. In: FREITAS, Maria Teresa, et al. (Org.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez,

149 Afetividade na educação a distância: um estudo de caso sobre o curso de letras-português na modalidade a distância da UFSC KNOWLES, Malcolm S.; HOLTON, Elwood F.; SWANSON, Richard A. The adult learner: the definitive classic in adult education and human resource development. Woburn: Butterworth-Heinemann, MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo: Cengage Learning, PETERS, Otto. Didática do ensino a distância. São Leopoldo: Unisinos, ROGERS, Carl R. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros,1975. VYGOTSKY, Lev. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, YIN, Robert, K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, Recebido em: abril de Aprovado em: dezembro de

150 REVISÃO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA DE 1998 A 2016: UM ESTUDO SOBRE MÉTODOS E PROCEDIMENTOS UTILIZADOS EM PESQUISAS SOBRE FAZ DE CONTA, REPRESENTAÇÕES E CULTURA Geiva Carolina Calsa * Rosana Lopes Romero ** RESUMO: Com o objetivo de investigar a produção acadêmica acerca do faz de conta e das representações e cultura como parte do processo de pesquisa para o Mestrado em Educação, realizamos um levantamento de trabalhos nos respectivos bancos científicos: BDTD, SCIELO Brasil e CAPES/Cnpq. Após os descartes, restaram 15 trabalhos que foram divididos em dois grupos. Os resultados apontaram que as pesquisas encontradas acerca da temática, apresentam como etapa principal a observação. Concluiu-se que, a partir do levantamento realizado, abre-se um caminho para metodologias e possibilidades acerca da temática brincadeira de faz de conta, relacionada especificamente a Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2010). Palavras-chave: Educação. Faz de conta. Representações. Cultura. REVIEW OF ACADEMIC PRODUCTION FROM 1998 TO 2016: A STUDY ABOUT METHODS AND PROCEDURES USED IN RESEARCH ON STORIES OF MAKE BELIEVE, REPRESENTATIONS AND CULTURE' Abstract: In this article, we present a research carried out in the scientific databases named BDTD, SCIELO Brasil e CAPES/Cnpq with the objective of grouping the academic production about stories of make believe, representations and culture, as part of the research process for the Master in Education. We selected 15 papers that were divided into two groups. The results pointed out that the works found in the databases present the observation as the main research stage. It was concluded that, from the survey carried out, a way is opened for methodologies and possibilities on the theme of play of account, specifically related to Theory of Social Representations. Keywords: Education. Stories of make believe. Representations. Culture. Introdução A sociedade ocidental contemporânea faz parte de um cenário globalizado e tecnológico, com ampla diversidade cultural que evidencia em suas relações o estabelecimento de uma complexidade peculiar frente a outros períodos da história da humanidade. Este contexto, denominado em alguns estudos de pós-moderno (HALL, 2000; SILVA, 2006) ou de modernidade líquida (BAUMAN, 2007), tem se mostrado uma fase na qual os seres humanos vêm tendo que lidar cada vez mais com o invisível, o intangível, o virtual. Frente a esta realidade, aumenta-se o uso do sentido da visão em detrimento da audição, do olfato, do paladar e principalmente do tato. O con-tato entre o ser, o 150

151 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura outro e o mundo acaba, por vezes, limitando-se a relações dos sujeitos com imagens visuais e virtuais que se configura em uma crescente idealização da realidade. Os jogos e brincadeiras, neste cenário hiper tecnológico também tiveram modificações, visto que as crianças brincam cada vez mais com jogos eletrônicos. Um exemplo a ser citado, refere-se ao jogo denominado Pokémon Go lançado em julho de 2016 e desenvolvido por meio de parceria entre a Niantic, a Nintendo e a The Pokémon Company. Consiste em um aplicativo para celulares e tablets com sistema android que usam como base a câmera e o GPS do aparelho para que o jogador possa andar pelas ruas e caçar criaturas animadas que parecem ter invadido o mundo real quando olhadas pela câmera do aparelho. Em matéria publicada no Jornal O Globo on line, constata-se um pico no setor de vendas de carregadores de baterias no período referente ao lançamento do jogo com o aumento em até 50% 1. O jogo é considerado febre do momento que se tornou fenômeno entre adultos infantis e crianças, como menciona Coutinho (2016) em crônica publicada na Folha de São Paulo on line 2. Sobre este assunto, Jarvis, Dodds e Brock (2011, p. 350) mencionam que o desenvolvimento contínuo da internet e o potencial para jogar on line [...] estão mudando de modo crescente a natureza da brincadeira e do lazer [...]. Embora haja modificações devido a diversos fatores, dentre eles a globalização e a tecnologia, os jogos e brincadeiras não se extinguem, visto que a ludicidade constitui elemento da natureza humana, conforme alude Bichara (2004) em seus estudos. Sobre as diversas variações que ocorrem no mundo, como as ambientais e culturais, por exemplo, a autora (2004, p. 1) menciona que estes fatores interferem no conteúdo e na forma de brincar, mas não na sua existência. Huizinga (2010, p.6), por outro lado, analisou o jogo sob um prisma cultural e o entendeu como função da própria cultura ao longo da história. Desde a préhistória, de acordo com o autor, o homem brincou e isto o impulsionou a novas descobertas como, por exemplo, a elaboração da linguagem para comunicação, do mito no intuito de buscar explicações de fenômenos desconhecidos, dos ritos de adoração aos deuses e os dos grandes teatros. Pautado nesta concepção, Huizinga (2010) defende que o ser humano, independente de idade e de momento histórico é um ser lúdico, denominado pelo autor de Homo Ludens. 151

152 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura Além de lúdico, o ser humano também é um ser simbólico capaz de sonhar, imaginar e jogar com a realidade (DIAS, 1997, p.46). De acordo com Piaget (1978) a simbolização diz respeito à evocação de algo que não está presente, ou seja, em uma realidade pensada na mente do indivíduo que lhe permite refletir, sentir e falar sobre este ausente. Desta forma, o ser humano cria em sua mente representações do mundo que lhe cerca. Jovchelovitch (2004) menciona, neste sentido, que não há correspondência direta entre o ser humano e o mundo, pois essa relação é sempre mediada pela representação. Tudo o que está em nossa volta, desde as pessoas, sentimentos, até os objetos, são representados por nós. A representação é, pois [...] uma estrutura de mediação entre o sujeito/outro, sujeito/objeto. (JOVCHELOVITCH, 2004, p. 22). Moscovici (2010/2012) refere-se em seus estudos às representações sociais, que são construídas, de acordo com o autor, não por um indivíduo solitário, mas também um conjunto de influências endógenas e exógenas que determinam cada representação elaborada, portanto, coletivamente. Na interface do lúdico, do simbólico e da representação, deparamo-nos com a brincadeira simbólica, que, embora possua diversos sinônimos (BOMTEMPO, 1997), é mais conhecido como faz de conta, definido por Piaget (1978) como jogo em que a criança serve-se do símbolo para evocar realidades, mesmo ausentes, de acordo com seus desejos e interesses pelo prazer de fazê-lo. Para o autor, a importância do jogo consiste em permitir que o mundo exterior seja assimilado ao eu. O fator prazer aparece, neste sentido, não por aprender certa conduta, mas por permitir que o eu realize-a com liberdade de assimilação. Não é para aprender a lavar-se ou a dormir que a criança assim joga. O que ela procura é simplesmente, utilizar com liberdade os seus poderes individuais, reproduzir suas ações pelo prazer de oferecêlas em espetáculo. (PIAGET, 1978, p. 158). Ao considerarmos os estudos acima, n os preocupamos, em pesquisas anteriores 3, em investigar o jogo de regras, o faz de conta, as representações e a cultura. Posteriormente, em Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) 4 averiguamos, por meio de relatos de crianças sobre suas brincadeiras, quais ancoragens e objetivações eram realizadas em seu faz de conta, por meio das representações 152

153 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura sociais expressas nas falas. A pesquisa foi qualitativa de caráter etnográfico e a coleta de dados ocorreu dentro de uma escola rural com base em entrevista semiestruturada. Esta experiência nos fez refletir sobre os métodos e procedimentos adequados para este tipo de pesquisa que envolve as crianças e suas culturas. Sobre isto, Redin (2009, p. 121) menciona que pesquisas em Sociologia da infância podem contribuir com desconstrução de um olhar psicologizado, bem como pedagogizado sobre as brincadeiras infantis ao passo que abre espaço para uma perspectiva de protagonismo infantil. De acordo com a autora (2009, p. 121), este olhar pode ser desconstruído em todas as instituições, tanto formais quanto informais, que cumprem alguma forma de regulação dos sujeitos. A partir das considerações acima, propomo-nos a responder, por meio deste trabalho, a seguinte problemática: Como a temática faz de conta, representações e cultura veem sendo trabalhadas em termos metodológicos e procedimentais na produção acadêmica dos últimos anos? Com o objetivo de analisar a organização dos procedimentos de coleta de dados presentes nas metodologias da produção acadêmica acerca do faz de conta, representações e cultura, realizamos um levantamento de teses, dissertações e artigos encontrados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), na Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para tanto, realizamos a combinação de vinte e quatro palavras-chave correspondentes a sinônimos da palavra faz de conta, presentes nos estudos de Edda Bomtempo (1997) com os termos representação, representações sociais, cultura e contexto. Após o lançamento das combinações obtivemos o total de 626 trabalhos sem contar com os repetidos. Descartamos os trabalhos por etapas, de acordo com critérios pré-estabelecidos. Primeiramente por títulos, por resumos, por leitura flutuante e por fim, de leitura integral. Restaram quinze trabalhos que foram subdivididos em dois grupos de acordo com a proximidade da temática deles. Os resultados apontaram que as pesquisas encontradas acerca da temática faz de conta, representações e cultura apresentam como etapa, principalmente a observação dos sujeitos em situações de brincadeira com e sem indução por meio 153

154 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura de brinquedos, dentro e fora de instituições formais, o que indicou diversidade de possibilidades para alcançar os objetivos propostos. Concluiu-se que a partir do levantamento realizado, abre-se um caminho para estudos, metodologias, rumos e possibilidades de pesquisa acerca da temática não encontrada: a brincadeira de faz de conta, relacionada especificamente a teoria das representações sociais, considerando por um lado, o rigor metodológico e por outro a escuta atenta dos protagonistas que são, neste caso, as crianças. 1 Método Utilizamos para este levantamento, os pressupostos da pesquisa bibliográfica mencionados por Severino (2007, p. 122) que a caracterizada a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc.. De acordo com Boni e Quaresma (2005), este tipo de pesquisa visa levantar os principais trabalhos realizados acerca do tema estudado. Para a realização deste levantamento bibliográfico, elencamos primeiramente os sites de pesquisa a serem utilizados como fonte, que correspondem a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), na Scientific Electronic Library on line (SCIELO Brasil) e no Banco de teses da CAPES/Cnpq, por serem considerados mais completos. Optamos por não estabelecer recorte temporal em nenhum dos bancos elegidos, visto que poderíamos abarcar trabalhos mais antigos que seriam de grande valia para o presente levantamento. Deste modo, os trabalhos datam de 1998 até o momento em que o levantamento foi realizado (2016). Ressaltamos também que detemo-nos à busca de trabalhos brasileiros. Posteriormente elencamos o total de vinte e quatro palavras-chave compostas pela combinação entre seis variações das denominações relativas à brincadeira em questão, de acordo com Bomtempo (1997, p. 57): faz de conta, brincadeira simbólica, jogo de papéis, jogo dramático, jogo imaginativo e jogo sociodramático e outras quatro palavras que correspondem a: representação, representações sociais, cultura e contexto. As vinte e quatro palavras-chave lançadas nos três bancos de dados foram: faz de conta e representação, faz de conta e representações sociais, faz de conta e cultura, faz de conta e contexto, brincadeira simbólica e representação, brincadeira 154

155 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura simbólica e representações sociais, brincadeira simbólica e cultura, brincadeira simbólica e contexto, jogo de papéis e representação, jogo de papéis e representações sociais, jogo de papéis e cultura, jogo de papéis e contexto, jogo dramático e representação, jogo dramático e representações sociais, jogo dramático e cultura, jogo dramático e contexto, jogo imaginativo e representação, jogo imaginativo e representações sociais, jogo imaginativo e cultura, jogo imaginativo e contexto, jogo sociodramático e representação, jogo imaginativo e representações sociais, jogo imaginativo e cultura e jogo imaginativo e contexto. A partir do lançamento destas palavras-chave nos três bancos (BDTD, SCIELO e CAPES), obtivemos respectivamente: 477, 53 e 186, somando o total bruto de 716. Deste total efetuamos a contagem e a subtração dos trabalhos repetidos: BDTD trabalhos (foram descartados 59 repetidos), SCIELO - 45 (foram descartados 8 trabalhos repetidos) e CAPES (foram descartados 23 trabalhos repetidos), totalizando 626 trabalhos. A partir dos trabalhos selecionados, definimos os critérios de descarte utilizados para todas as etapas. Foram descartados trabalhos que não abordaram especificamente a brincadeira de faz de conta e que não relacionavam o faz de conta a representações e/ou cultura e que focalizaram crianças com deficiência (por distanciar-se do foco do levantamento). Utilizamos a definição de cultura oferecida por Silva (2006, p. 17) que a define como: fundamentalmente, prática de significação. Para o autor, a cultura é feita [...] de formas de compreender o mundo social, de torná-lo inteligível. Neste sentido, o termo cultura foi entendido, como aquele que envolve todos os processos que nos fazem oferecer sentido a algo social, como por exemplo, elementos das brincadeiras, instrumentos desestruturados utilizados para brincar, brinquedos estruturados, entre outros. Após a definição dos critérios, iniciamos os descartes propriamente ditos, realizados em quatro etapas: 1ª - Por títulos: Após a leitura do título, houve a consulta do resumo em caso de dúvida. A partir da leitura dos 626 títulos, descartamos 582 que não atenderam aos critérios estabelecidos. Restaram 28 trabalhos da BDTD, 7 trabalhos do SCIELO e 9 trabalhos da CAPES, totalizando 44 trabalhos. 155

156 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura 2ª - Por resumos: Realizamos nesta etapa a leitura dos resumos dos trabalhos. Em caso de dúvida, recorríamos à introdução do trabalho. Descartamos nesta etapa 10 trabalhos. Levamos para a próxima etapa a quantidade de 34 trabalhos (BDTD-22, SCIELO-7 e CAPES-5). 3ª - Por leitura flutuante: A partir da leitura flutuante dos 34 trabalhos, construímos tabelas com os seguintes dados: a) palavra-chave, b) ano da defesa/publicação, c) autor/a/s, c) objetivo geral da pesquisa, d) referencial teórico utilizado, e) principais resultados obtidos. Isso permitiu que visualizássemos os trabalhos com maior clareza, para a efetivação do último descarte. Nesta etapa foram descartados 19 trabalhos que não corresponderam aos critérios elencados. Após o crivo das etapas descritas anteriormente, restaram 15 trabalhos (BDTD- 10, SCIELO- 4 e CAPES - 2), referentes a quatro artigos, sete dissertações e quatro teses. Realizamos a leitura destes trabalhos, a extração das principais informações e seu agrupamento em dois grupos: o primeiro engloba estudos realizados em instituições formais (escola, Centros de Educação Infantil, brinquedoteca escolar municipal, creche universitária, hospital, abrigo). Apenas um dos trabalhos deste grupo é bibliográfico, mas também se debruça sobre o contexto pedagógico institucionalizado. O segundo grupo compõe estudos realizados em contextos não institucionalizados (situações cotidianas dos sujeitos em seus próprios contextos de vida). Adiantamos que nenhum dos trabalhos relaciona diretamente o faz de conta à teoria das representações sociais. 2 Resultados e discussão Após as etapas de descarte realizadas no decorrer do levantamento de dados restaram quinze trabalhos, como mencionado anteriormente, que foram separados em dois grupos de acordo com a localização da coleta de dados (dentro de instituições ou não). O primeiro denomina-se grupo de estudos realizados em instituições formais e o segundo grupo de estudos realizados em contextos não institucionalizados conforme veremos a seguir. 2.1 Estudos realizados em instituições formais O primeiro grupo é composto por onze estudos, dos quais três são artigos, 156

157 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura seis são dissertações e dois são teses. Os trabalhos possuem em comum o fato de serem realizados em instituições formais, como escolas, centros de educação infantil (CMEI s e EMEI s), brinquedotecas, creche universitária, abrigo e hospital. Embora um dos estudos seja bibliográfico (QUEIROZ; MACIEL; BRANCO, 2006), também faz parte deste grupo por referir-se ao estudo de ações pedagógicas na Educação Infantil, ou seja, ambiente institucionalizado. Todos os trabalhos também investigam o brincar, interesse que se justifica por conta do tema constituirse direito presente nas leis brasileiras a todas as crianças, inclusive dentro das instituições. Este direito aparece primordialmente no artigo 16, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 2009, p. 25) que diz: O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: IV- brincar, praticar esportes e divertir-se. Também se ratifica nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN s) que preconizam como objetivo estabelecer parâmetros de qualidade dos serviços de Educação Infantil [...] (2006, p. 39). Reforçam as afirmações anteriores ao mencionarem, que de acordo com padrões de qualidade, as professoras e os professores devem alternar brincadeiras de livre escolha das crianças com aquelas propostas por ela ou ele (2006, p. 39). Além disso, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998, p. 28) trazem o brincar como um dos elementos fundamentais a esta etapa e menciona mais especificamente que as brincadeiras de faz de conta, os jogos de construção e aqueles que possuem regras, como os jogos de sociedade [...], jogos tradicionais, didáticos, corporais etc., propiciam a ampliação dos conhecimentos infantis por meio da atividade lúdica. As pesquisas realizadas a partir do brincar em diferentes instituições formais permitem, neste sentido, a escuta do sujeito que as vivencia. Este processo facilita a reflexão e modificação dos pontos não satisfatórios deste ambiente. Sobre isto, Leite (2008, p. 314) defende a presença lúdica principalmente na instituição escolar e alude que privilegiar a fala da criança e trazer à tona o que pensam e sentem é uma forma de auxiliar a escola em seu processo necessário de reformulação [...]. As pesquisas do primeiro grupo aparecem no quadro abaixo (quadro1), organizadas por data de publicação e logo após serão brevemente descritas com ênfase em seus objetivos gerais metodologias e resultados. 157

158 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura Quadro 1- Estudos em instituições Ano Autor/a Tipo de publicação Título 1998 Tania Mara Sperb e Luciane de Conti Artigo A dimensão metarepresentativa da brincadeira de faz-de-conta 2001 Tizuko Morchida Kishimoto Artigo Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis 2004 Adriana Emilia Heitmann Gonçalves Teixeira Fontes Tese Os níveis de compreensão interpessoal de Selman no 2006 Norma Lucia Neris de Queiroz, Diva Albuquerque Maciel e Ângela Uchôa Branco 2006 Ana Lucia da Silveira Barros 2006 Anamaria Rodrigues Resende de Souza 2009 Sônia Regina dos Santos Teixeira 2010 Ceciana Fonseca Veloso de Melo Artigo Dissertação Dissertação Tese Dissertação contexto do jogo simbólico Brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural construtivista Sequências explicativas produzidas pela criança de cinco anos de idade em atividade lúdica Abrigar... Brincar: um estudo sobre as vivências lúdicas entre educadoras e crianças de um abrigo A construção de significados nas brincadeiras de faz-de-conta por crianças de uma turma de Educação Infantil ribeirinha da Amazônia Narrativas infantis: estudo da criança no contexto de uma creche universitária 2011 Iara Feldmam Dissertação Relação entre aspectos evolutivos do jogo simbólico e da linguagem: um estudo com crianças de 5 anos 2013 Anízia Araújo Nunes Marques 2014 Nathalia Rodrigues Garcia- Schinzari Dissertação Dissertação A ludicidade e o simbolismo na infância: um estudo hermenêutico em uma brinquedoteca escolar do município de São Luís/MA Análise do brincar de faz de conta de crianças pré-escolares com câncer Fonte: Quadro organizado pela pesquisadora a partir de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Scientific Electronic Library on line (SCIELO Brasil) e Banco de teses da CAPES/Cnpq. O primeiro trabalho consiste no artigo A dimensão metarepresentativa da brincadeira de faz-de-conta, escrito por Tania Mara Sperb e Luciane de Conti (1998) que apresenta como objetivo investigar como as crianças iniciam o faz de conta e em como as relacionam com os termos mentais que empregam. Os dados foram coletados a partir da observação da brincadeira de faz de conta de quatorze tríades (grupos de três) de crianças dentro da sala de aula com brinquedos da escola. A pesquisadora convidava as crianças a brincarem naquele espaço (sala) e 158

159 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura elas escolhiam tanto seus parceiros para brincar, quanto os brinquedos. A coleta foi registrada por meio de filmagem. Os resultados apontam que as crianças manifestam a capacidade de metarepresentar por meio da brincadeira de faz de conta, o que permite o entendimento de sua própria mente e da mente dos outros por meio de uma teoria da mente. O segundo trabalho diz respeito ao artigo denominado Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis, escrito por Tizuko Morchida Kishimoto (2001) cujo objetivo foi diagnosticar, pela triangulação de informações de entrevista, observações e vídeos, as razões para escolha e uso de determinados brinquedos e materiais pedagógicos. A coleta ocorreu por meio de questionário estruturado acerca da rotina de brincadeiras/ e brinquedos das crianças (preenchido pelos professores), entrevistas semi-estruturadas com professores e coordenadores pedagógicos das 84 escolas de São Paulo-SP escolhidas por meio de sorteio. Observações, vídeos e fotografias das práticas pedagógicas das instituições também foram realizados. Dentre os principais resultados a autora constata que brinquedos designados ao estímulo de atividades simbólicas, de construção e socialização da criança, foram os menos encontrados, utilizados e citados nas EMEIs investigadas com relação a outros materiais destinados ao jogo educativo, artes gráficas, motricidade fina, manipulação, comunicação e Educação Física. O terceiro trabalho constitui-se na tese intitulada Os níveis de compreensão interpessoal de Selman no contexto do jogo simbólico (2004) de autoria de Adriana Emilia Heitmann Gonçalves Teixeira Fontes (2004). O principal objetivo deste estudo foi discutir a importância e a utilização do jogo simbólico como instrumento de observação e análise dos níveis de compreensão interpessoal advindos do simbolismo coletivo estabelecido entre as crianças durante a brincadeira simbólica. A metodologia utilizada foi o estudo de caso. Em uma das instituições (CMEIs e EMEIs), as quarenta e oito crianças (com idade entre 5 e 6 anos, de ambos os sexos, que frequentam a Educação Infantil) brincaram na casa do faz de conta, local específico para este tipo de brincadeiras, mobiliado com brinquedos que lembram uma casa real. Na segunda instituição as crianças brincaram em uma sala com brinquedos cedidos pela professora como uma caixa de fantasias, bonecas, banheira, panelinhas, entre outros. A pesquisadora apenas 159

160 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura explicou que eles poderiam brincar com todos os objetos e retirou-se por 20 min. enquanto o momento era filmado. De acordo com os resultados, as crianças com idade de seis anos apresentaram mais comportamentos ligados aos níveis 1 (não se interessa pelo ponto de vista do outro) e 2 (passa a considerar a perspectiva do outro). O próximo trabalho trata-se do artigo intitulado Brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural construtivista que tem por autoria Norma Lucia Neris de Queiroz, Diva Albuquerque Maciel e Ângela Uchôa Branco (2006). Seu O objetivo principal do artigo foi refletir sobre a brincadeira no contexto pedagógico, sobre o papel do professor no desenvolvimento e Educação Infantil. Por meio de uma pesquisa bibliográfica e a partir de referenciais acerca do faz de conta e brincadeiras, verificou-se que não se deve buscar um conceito único sobre o brincar, mas sim fomentar pesquisas que busquem contribuir com a formação dos professores, no sentido de estimular práticas cada vez mais ricas. O quinto trabalho diz respeito à dissertação Sequências explicativas produzidas pela criança de cinco anos de idade em atividade lúdica (2006) produzida por Ana Lucia da Silveira Barros (2006). O objetivo principal consistiu em examinar comunicação e a linguagem presentes no faz de conta. A coleta foi realizada a partir da oferta dos blocos de Lego (peças de encaixe) e de dois bonecos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, a Emília e o Visconde, escolhidos por facilitar o faz de conta. (Os participantes foram 6 (seis) crianças com idade entre 5 e 6 anos, que cursavam a pré-escola. Os brinquedos foram colocados diante dos participantes e o pesquisador apenas pediu para que as crianças brincassem livremente, interferindo o mínimo possível. Sua intervenção ocorria de acordo com a solicitação da criança ou questionamentos sobre a brincadeira. As brincadeiras foram filmadas e transcritas. Houve a constatação de que ao esclarecer por meio da fala elementos de sua brincadeira para o outro, a criança elabora sequências explicativas que permitem o desenvolvimento de competências para argumentar, explicar e justificar. O sexto trabalho constitui-se na dissertação intitulada Abrigar... Brincar: um estudo sobre as vivências lúdicas entre educadoras e crianças de um abrigo (2006) desenvolvido sob autoria de Anamaria Rodrigues Resende de Souza (2006). 160

161 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura O principal objetivo consistiu em conhecer como o brincar se apresenta em uma instituição abrigo em Uberlândia/MG e avaliar a apropriação desse recurso pelas educadoras. O estudo caracterizou-se como exploratório e de campo. Participaram do estudo, duas meninas de cinco e sete anos e seis meninos de dois de três anos, um de quatro, dois de cinco e um de seis, sete educadoras e uma coordenadora. Foram realizadas, em uma primeira fase, entrevistas semi-estruturadas com as educadoras e coordenadora, registradas por meio de filmagem e gravador, para posterior transcrição. As crianças foram filmadas em momentos de brincadeiras livres e/ou dirigidas pelas educadoras do abrigo. Também houve registro por meio do diário de campo. Em uma segunda fase, foram realizadas filmagens das crianças em situações de brincadeiras com a presença das educadoras, para análise desta dinâmica entre educadora e crianças e a entrevista reflexiva de caráter interventivo com as educadoras no intuito de promover a reflexão acerca das práticas que promoviam. Os resultados apontaram a presença no faz de conta de temas relativos ao cotidiano, às vivências e ao imaginário como cuidados com o bebê e boneca, construção de prédios, construção de armas. As educadoras não exploraram totalmente as possibilidades presentes nas brincadeiras das crianças. O próximo trabalho consiste na tese A construção de significados nas brincadeiras de faz-de-conta por crianças de uma turma de Educação Infantil ribeirinha da Amazônia desenvolvida por Sônia Regina dos Santos Teixeira (2009) com o objetivo de examinar as interações dialógicas durante o faz de conta de uma classe de Educação Infantil ribeirinha da Amazônia. Primeiramente a pesquisadora realizou a caracterização sociocultural das crianças que frequentavam a educação infantil localizada na Ilha do Combu (Belém/PA), também por meio de visitas as residências das crianças. Participaram dessa fase 13 alunos (11 meninas e 2 meninos) com idade entre 4 a 5 anos, a professora da turma, 13 adultos responsáveis pelas crianças e 18 crianças que brincaram com as crianças-alvo. Posteriormente efetivou a análise microgenética das brincadeiras de faz de conta que ocorreram no contexto da escola. Desta fase os sujeitos foram provenientes de três turmas da educação infantil dos referidos anos: 2004 (10 meninos e 8 meninas), 2005 (10 meninos e 6 meninas), 2006 (11 meninos e 6 meninas) com idade de 3 a 5 anos. Foram realizadas observações e filmagens das crianças em momentos de 161

162 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura brincadeiras simbólicas que ocorriam nas classes de educação infantil. Os recursos utilizados foram gravadores de áudio, de vídeo e diário de campo. Os resultados apontaram que as crianças expressam, por meio das brincadeiras significados ligados a uma subjetividade ribeirinha. Também se evidenciou que as brincadeiras mais frequentes na Ilha do Cambu foram as de faz de conta, seguido pelas brincadeiras de nadar no rio, empinar pipa e jogar bola. O primeiro tema mais frequente presente nas brincadeiras simbólicas foi as atividades cotidianas e o segundo as profissões (coletor de açaí, ajudante de coletor, vendedor, pescador e barqueiro). A dissertação intitulada Narrativas infantis: estudo da criança no contexto de uma creche universitária escrita por Ceciana Fonseca Veloso de Melo (2010) teve por objetivo analisar narrativas de crianças de 4 anos, de um agrupamento de creche universitária, que possui o Projeto Político Pedagógico come propostas próximas da pedagogia da participação. A coleta foi realizada por meio da observação participante: cinco crianças com idade de 4 anos em momentos rotineiros de brincadeiras livres e atividades dirigidas que ocorriam em diversos espaços da creche. Os recursos utilizados foram o diário de campo, gravações audiovisuais e fotografias. Os principais resultados evidenciam que as crianças expressam, por meio de narrativas, diversos conhecimentos que podem contribuir com as práticas pedagógicas participativas por meio da reciprocidade presente nas relações entre criança e criança e criança e adulto. Também se constata que, na análise geral dos relatórios com as descrições dos diversos momentos do brincar na creche observada, as brincadeiras de faz de conta predominaram. A dissertação denominada Relação entre aspectos evolutivos do jogo simbólico e da linguagem: um estudo com crianças de 5 anos, escrita por Iara Feldmam (2011) também faz parte do primeiro grupo. O objetivo geral foi investigar a relação entre o jogo simbólico coletivo e o desenvolvimento da linguagem em crianças de Educação Infantil a partir da perspectiva piagetiana. Os participantes foram quatro crianças com idade entre 5 e 6 anos de idade inseridos na Educação Infantil do município de Vitória. Entretanto, apenas uma das crianças foi focalizada para o estudo. Em primeiro momento houve a observação dos participantes em suas atividades escolares rotineiras no intuito de estabelecer os vínculos com a 162

163 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura pesquisadora. Em segundo momento, as crianças participaram de seis encontros que eram iniciados por meio de uma roda de conversa cuja temática era o estabelecimento dos limites de tempo e espaço para o jogo e o que seria brincar de faz de conta?. Após a conversa, os participantes eram filmados em sessões de vinte minutos brincando livremente em um ambiente no qual os objetos dispostos simularam uma casa com mesa, cadeira, sofá, fogão, fantasias, bonecas, entre outros. A cada sessão, novos objetos eram adicionados à casa, como arara de roupas, bonecas, embalagens vazias. Constatou-se que houve relação entre o jogo simbólico e da linguagem. O décimo trabalho consiste na dissertação denominada A ludicidade e o simbolismo na infância: um estudo hermenêutico em uma brinquedoteca escolar do município de São Luís/MA foi escrito por Anízia Araújo Nunes Marques (2013) e teve por objetivo compreender as expressões simbólicas nas atividades lúdicas de uma brinquedoteca escolar em São Luís-MA. Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada com a brinquedista, professora aposentada, e a especialista da Secretaria Municipal de Educação, responsável por montar e supervisionar as brinquedotecas. Participaram da pesquisa também quinze crianças,7 meninas e oito meninos com idade entre 5 e 6 anos, que foram observadas durante momentos lúdicos a partir de heurísticas, pensadas a partir de possibilidades simbólicas, distribuídas nos quatro cantos da brinquedoteca: faz de conta (promoção de um desfile de fantasias escolhidas pelas crianças), jogos e brinquedos (dinâmica de roda por meio da qual as crianças escolheram um brinquedo para levar para casa), leitura (escolha de um livro dentre seis opções para ser lido) e arte (desenho livre e desenho dirigido a partir da consigna: desenhe o tema Eu e a brinquedoteca ). Os recursos utilizados foram diário de campo e registros fotográficos. Os resultados apontam que por meio do simbólico privilegiado no espaço das brinquedotecas, a criança apropria-se e, ao mesmo tempo, expressa a realidade em que vive. A valorização desses espaços seria, portanto, condição para uma educação humanizadora. Por fim, o último trabalho pertencente ao primeiro grupo, remete-se à dissertação denominada Análise do brincar de faz de conta de crianças préescolares com câncer escrito por Nathalia Rodrigues Garcia-Schinzari (2014) com 163

164 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura o intuito de Analisar o brincar de faz de conta de crianças pré-escolares com câncer. Os dados foram coletados por meio da aplicação do ChIPPA (Avaliação do Faz de Conta Iniciado pela Criança) que oferece resultados quantitativos a respeito do jogo imitativo e do jogo simbólico a partir da exploração de brinquedos estruturados e não estruturados. Os sujeitos da pesquisa consistiram em 20 crianças com idade entre 4 a 7 anos que realizaram tratamento oncológico em hospital do interior de São Paulo de julho de 2012 a julho de O estudo descritivo exploratório contou com observações gerais e clínicas. Os recursos utilizados para a coleta foram filmagem e fotografia. Verificou-se, dentre os principais resultados que todas as crianças do estudo apresentaram iniciativa na brincadeira e que o faz de conta não é apenas uma forma de avaliação, mas também um meio terapêutico de tratamento que deve ser estimulado. 2.2 Estudos realizados em contextos não institucionalizados O segundo grupo é composto de quatro pesquisas, um artigo, uma dissertação e duas teses, que foram realizadas fora de contexto institucional formal, em espaços de lazer, comunidades indígenas e espaços abertos de diversas culturas. Estes estudos procuram compreender o brincar dos sujeitos para além das instituições formais, contemplando primordialmente a relação das crianças com seus pares, com a natureza, com o ambiente em que vivem e com a comunidade. Neste caso, o brincar é visto como parte de uma cultura que possui influência do mundo adulto e, ao mesmo tempo, é elaborada pelas crianças. Esta produção cultural aparece nos estudos de Florestan Fernandes (2004) acerca das Trocinhas do Bom Retiro, realizado em um bairro de São Paulo nos anos O estudioso (2004, p.247) evidenciou que nem tudo corresponde a coisas relativas ou provenientes da cultura dos adultos. Os próprios imaturos também elaboram, é óbvio, parte de seu patrimônio cultural. Neste sentido, as pesquisas realizadas em ambientes não institucionalizados contribuem para a compreensão da cultura infantil em si, com regras próprias, livre de tantas interferências adultas presentes principalmente em instituições formais. Os adultos, de acordo com Redin (2009), interferem ao tentar impor a socialização e 164

165 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura certa superação do egocentrismo a partir de concepções herdadas da psicologia comportamental. O autor (2009, p.118) menciona que ainda é corrente essa postura nas intervenções dos adultos durante as brincadeiras e nos momentos de interação das crianças. As pesquisas do segundo grupo aparecem no quadro 2, organizadas por data de publicação, bem como no quadro 1 também com a apresentação de breves sínteses descritivas dos estudos com ênfase nos objetivos, metodologias e resultados. Quadro 2- Estudos em contextos não institucionalizados Ano Autor/a Tipo de publicação Título 2005 Yumi Gosso Tese Pexe oxemoarai: brincadeiras infantis entre os índios Parakanã 2006 Yumi Gosso, Maria de Lima Salum e Morais e Emma Otta Artigo Pivôs utilizados nas brincadeiras de faz-de-conta de crianças brasileiras de cinco grupos culturais 2009 Vera Lucia Guerra Tese Temporada das brincadeiras 2012 Carine Monteiro de Queiroz Dissertação Brincadeiras no território indígena Kaimbé Fonte: Quadro organizado pela pesquisadora a partir de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Scientific Electronic Library on line (SCIELO Brasil) e Banco de teses da CAPES/Cnpq. O primeiro trabalho referente ao segundo eixo remete-se à tese intitulada Pexe oxemoarai: brincadeiras infantis entre os índios Parakanã escrita por Yumi Gosso (2005). O principal objetivo consiste em investigar a brincadeira das crianças indígenas Parakanã e descrevê-las dentro de seu contexto. Para coleta, houve a observação de 29 crianças, 16 meninas e 13 meninos, indígenas Parakanã com idade entre 4 a 12 anos. Utilizou-se o método sujeito focal para observação das brincadeiras das crianças. Outro recurso utilizado foi a MANOVA, que se refere à análise da influência do sexo e da idade sobre os tipos de brincadeiras (contingência física, social, construção, brincadeira turbulenta, teste de limites, simbólica e jogo de regras). Os resultados apontaram que a atividade mais frequente das crianças na aldeia foi a brincadeira, entretanto quem mais brincou foram os meninos, visto que as meninas se envolveram mais no trabalho. O faz de conta foi explorado com maior frequência pelas crianças menores e o jogo de regra pelas crianças maiores. O segundo trabalho consiste no artigo intitulado Pivôs utilizados nas 165

166 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura brincadeiras de faz-de-conta de crianças brasileiras de cinco grupos culturais, desenvolvido por Yumi Gosso, Maria de Lima Salum e Morais e Emma Otta (2006) e objetivou comparar os pivôs utilizados nas transformações simbólicas do faz de conta de crianças em cinco grupos culturais brasileiros. A pesquisa foi realizada com cinco grupos culturais brasileiros, sendo 41 meninas e 35 meninos com idade entre 4 a 6 anos. As crianças foram observadas durante o brincar livre em contexto não escolar. Os procedimentos utilizados para a coleta foi o método de observação sujeito focal, com registro das brincadeiras de faz de conta. Os dados foram registrados por escrito. Como resultado, as autoras apontam que os pivôs, ou seja, os elementos naturais e utensílios utilizados nas brincadeiras simbólicas expressam ao mesmo tempo a individualidade e a cultura de cada criança que brinca. O terceiro trabalho diz respeito à tese Temporada das brincadeiras elaborada por Vera Lucia Guerra (2009), que teve por objetivo investigar as relações entre o lúdico, os calendários, condições climáticas, elementos da flora e da fauna, festa e eventos sociais e religiosos, crenças, comércio e meios de comunicação. A metodologia utilizada foi qualitativa com base na etnografia, antropologia e história cultural. Além de estudar a literatura como fonte histórica, a pesquisadora também investigou recortes de jornais, matérias provenientes da mídia impressa ou não no intuito de verificar eventos que modificavam a rotina dos sujeitos da cidade, antes de sair à campo. A coleta dos dados ocorreu por meio de observações das brincadeiras livres de crianças que ocorreram em espaço de lazer da zona urbana de Maracaju- MS. Também foram realizadas entrevistas livres com as crianças e adultos de convivência delas a partir de registros realizados por meio de gravador de áudio, fotografias e diário de campo. Uma das constatações evidenciou a interferência do clima nas brincadeiras de amarelinha e malha. Ambas ocorreram em períodos com menor frequência de chuvas, por conta da durabilidade nos traçados feitos no chão com pedra ou pedaço de telha. O mesmo ocorreu com a brincadeira de construção de castelos, que se desmancham facilmente com chuva. Os resultados apontaram, de acordo com a autora, que, embora não seja possível organizar um calendário de brincadeiras, muitos fatores externos interferem na maneira de brincar e nas brincadeiras escolhidas em cada época do ano. 166

167 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura O último trabalho pertencente a este grupo diz respeito à dissertação escrita por Carine Monteiro de Queiroz (2012) intitulada Brincadeiras no território indígena Kaimbé que objetivou investigar como as crianças Kaimbé lidam com seu contexto cultural e com brincadeiras espontaneas em áreas abertas de Massacará. Para tanto, participaram da pesquisa crianças do território indígena de ambos os sexos com idade entre 2 e 12 anos envolvidas na condição de brincante em áreas abertas e coletivas. Os dados coletados por meio da observação naturalística foram registrados por meio de fotografias e de anotações cursivas. Constatou-se que as crianças compartilham engajam-se nas brincadeiras, principalmente em grupos mistos (meninos e meninas) e multietários (várias idades distintas). Os jogos mais citados foram respectivamente os jogos de regra sem bola, faz de conta, construção, jogos de regra sem bola e contingência social. Os registros também apontaram marcas de sazonalidade na escolha das brincadeiras. 2.3 A organização da coleta de dados presentes nas metodologias A partir da análise dos quadros e das descrições acima, constatamos que a maioria das pesquisas encontradas a partir da temática faz de conta, representações e cultura, exceto a de Queiroz, Maciel e Branco (2006) por ser bibliográfica contaram com a observação das brincadeiras como etapa de coleta, tanto dentro das instituições formais quanto fora delas. A observação, definida por Severino (2007, p. 125) como procedimento que permite acesso aos fenômenos estudados, aparece como momento primordial para compreensão da brincadeira e da cultura infantil. Esta constatação está de acordo com os estudos de Severino (2007), que se refere à observação como etapa imprescindível em qualquer tipo ou modalidade de pesquisa. Em algumas pesquisas (KISHIMOTO, 2001; MARQUES, 2013; SOUZA, 2006; GUERRA, 2009) a entrevista também foi utilizada como meio de complementar e explorar dados para além daqueles observados. Este instrumento foi utilizado majoritariamente com os adultos, ou seja, profissionais das instituições, pais dos participantes e em apenas uma pesquisa com as crianças (GUERRA, 2009). Evidenciamos também que a contribuição da etnografia se faz presente principalmente nas pesquisas do segundo grupo (GOSSO, 2005; GOSSO, MORAIS, 167

168 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura OTTA, 2006; GUERRA, 2009; QUEIROZ, 2012), cujos objetivos voltam-se para a compreensão das brincadeiras dentro do cotidiano dos sujeitos e fora das instituições formais. A etnografia, enquanto tipo de pesquisa que contribui com a compreensão do dia-a-dia de um grupo, como se fosse um mergulho no microssocial, olhado com uma lente de aumento (SEVERINO, 2007, p.119), aparece como método que se adéqua a este tipo de objetivo, pois permite a observação prolongada do sujeito em seu ambiente natural (BUSSAB; SANTOS, 2009, p. 107). As pesquisas do primeiro grupo, ainda que em alguns casos apresentem a interferência mínima do adulto, possuem cunho distinto, por contarem com interferências do espaço físico, brinquedos e até mesmo rotina e regras de instituições formais (SPERB; CONTI, 1998; KISHIMOTO, 2001; FONTES, 2004; BARROS, 2006; MELO, 2010; FELDMAM, 2011; MARQUES, 2013; GARCIA- SCHINZARI, 2014; SOUZA, 2006; TEIXEIRA, 2009). A diversidade de meios para coletar os dados foi maior em relação ao segundo grupo, como, por exemplo, na pesquisa realizada por Marques (2013) que empregou o uso de heurísticas distribuídas nos cantos da biblioteca com intenção de suscitar possibilidades simbólicas nos participantes. Nos estudos de Fontes (2004) e Feldmam (2011), as crianças brincaram em uma espécie de casa em miniatura que simulava uma casa real. Já a coleta de Barros (2006) efetivou-se por meio da oferta de blocos de Lego e dois bonecos das personagens de Emília e Visconde do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Garcia-Schinzari (2014) também utilizou brinquedos estruturados e não estruturados em sua pesquisa. Esta diversidade explica-se por conta da coerência necessária entre objetivos, método, materiais e locais escolhidos para a coleta de dados. Deste modo, verificamos que todas as pesquisas, de ambos os grupos, procuraram articulação do lógico com o real e do teórico com o empírico, imprescindível para o fazer científico (SEVERINO, 2007, p. 126). Entretanto, não há relação direta entre a teoria das representações sociais e a brincadeira de faz de conta, o que indica uma lacuna de pesquisa e também de organização metodológica, com possibilidades de novas articulações nesta temática. 168

169 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura Considerações finais Concluímos, a partir da análise das pesquisas encontradas acerca da temática faz de conta, representações e cultura, que os dados vêm sendo coletados principalmente por meio da observação dos sujeitos em situações de brincadeira com e sem indução por meio de brinquedos, dentro e fora de instituições formais, o que indicou diversidade de possibilidades para alcançar os objetivos propostos. Por outro lado, as observações foram utilizadas pela grande maioria dos estudos, com exceção do único trabalho bibliográfico encontrado (QUEIROZ; MACIEL; BRANCO, 2006) o que evidenciou unanimidade com relação a essa etapa nas pesquisas de campo. Essa unanimidade entre as pesquisas da temática supracitada pode ser entendida a partir dos estudos de Silva, Barbosa e Kramer (2008, p. 87) que definem a observação como aparato do olhar, tão necessário as pesquisas de campo, que acaba por modificar o objeto [...] pelo modo como o encaramos. Para as autoras (2008, p. 87), a observação orienta-se, neste sentido, rumo ao objeto de pesquisa, não de maneira neutra, mas a partir do lugar do pesquisador envolvendo sua subjetividade. Nesta lógica, compreender a subjetividade do pesquisador como parte transversal do processo de pesquisa, permite-nos enxergar cada metodologia, percurso e pesquisa como genuínas, ainda que trilhem caminhos parecidos. A partir dos resultados também é possível refletir sobre o local em que as pesquisas foram realizadas. Para tanto se faz necessário considerar que as instituições formais, possuem caráter diferenciado de locais abertos, pelas simples distinções de regras, espaços e pessoas presentes nele. Sobre isto Redin (2009) expõe que: As crianças, em certo momento, saem dos espaços familiares e passam para os espaços institucionalizados, que administram a infância. Nessa perspectiva, a cultura produzida ludicamente entre pares deixa de ser espontânea e passa a ser controlada, associada a concepções teóricas que conduzem o olhar, tanto de pesquisadores como de educadores de crianças pequenas. (REDIN, 2009, p. 115). Esta diferenciação precisa ser levada em conta no momento da articulação 169

170 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura teoria e prática e lógico e real (SEVERINO, 2007). Sobre esta articulação, abre-se, a partir do levantamento realizado, um caminho para estudos, metodologias, rumos e possibilidades de pesquisa acerca da temática não encontrada: a brincadeira de faz de conta, relacionada especificamente a teoria das representações sociais. Estudar esta relação possível e pensar em metodologias neste sentido consiste em contribuir com novos possíveis olhares e desbravar a partir de modos singulares de ver o mundo, sem abster-se do rigor metodológico, domínio e manuseio de métodos e técnicas específicos de cada ciência que sejam adequados aos objetos pesquisados (SEVERINO, 2007, p. 126). Sem abrir mão também do protagonismo infantil e da escuta atenta às próprias crianças. Notas * Geiva Carolina Calsa é doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e professora adjunta do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Formação de Conceitos, atuando principalmente nos seguintes temas: cultura, educação, representações sociais, ensinoaprendizagem, construtivismo e intervenção pedagógica. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura - GEPAC/UEM. gccalsa@hotmail.com ** Rosana Lopes romero é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá UEM, graduada em Pedagogia e ex-aluna do Programa de Iniciação Científica da mesma universidade. rosana_lopes_romero@hotmail.com 1 Informações disponíveis em < Acesso em dez Crônica disponível para assinantes e/ou cadastrados em < Acesso em dez Projeto de Iniciação Científica apresentado nas comunicações da XIV Semana da Educação Pedagogia 50 anos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras à Universidade Estadual de Londrina e Projeto de Iniciação Científica publicado nos anais do XX Encontro Anual de Iniciação Científica na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) (2011). 4 Para a obtenção do título de Licenciatura Plena em Pedagogia (2012). Referências BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, BICHARA, Ilka Dias. Um estudo etológico da brincadeira de faz-de-conta em crianças de três a sete anos f. Tese (Doutorado em Psicologia). 170

171 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura Universidade de São Paulo, São Paulo. BOMTEMPO, Edda. A brincadeira de faz-de-conta: lugar do simbolismo, da representação, do imaginário. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1997, p BONI, V.; QUARESMA, S.J.. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Revista Eletrônica dos Pós-graduandos em Sociologia Política da UFSC, Florianópolis, v.2, n.1, p.68-80, jan-jul, BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC; SEF, v. 1. Disponível em: < Acesso em 21 ago BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) - Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 2006, v. 2. BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, DIAS, Marina Célia Moraes. Metáfora e pensamento: considerações sobre a importância do jogo na aquisição do conhecimento e implicações para a educação pré-escolar. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1997, p FERNANDES, Florestan. As Trocinhas do Bom Retiro: Contribuição ao Estudo Folclórico e Sociológico da Cultura e dos Grupos Infantis. Revista Pro-Posições, Campinas, v.15, n.1, p , jan-abr, HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectivas, 2010, p JARVIS, P.; DODDS, S.; BROCK, A. E agora, como fica a brincadeira? In: JARVIS, P.; DODDS, S.; BROCK, A. Brincar: aprendizagem para vida. Porto Alegre: Penso, 2011, p JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Rio de Janeiro: Vozes, Psicologia social, saber, comunidade e cultura. Revista Psicologia e Sociedade, p.20-31, mai/ago, Disponível em: < Acesso em 05 de jan

172 Revisão da produção acadêmica de 1998 a 2016: um estudo sobre métodos e procedimentos utilizados em pesquisas sobre Faz de conta, Representações e Cultura KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Bruner e a brincadeira. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1997, p LEITE, Maria Isabel. Espaços de narrativa: onde o eu e o outro marcam encontro. In: CRUZ, Helena Vieira. A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008, p MOSCOVICI, Serge. A Psicanálise, sua imagem e seu público. Rio de Janeiro: Vozes, Representações Sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes, PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Guanabara REDIN, Marita Martins. Crianças e suas culturas singulares. In: MÜLLER, Fernanda; CARVALHO, Ana Maria Almeida. Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com Willian Corsaro. São Paulo: Cortez, p SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007, p SILVA, Tomaz Tadeu. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte: Autêntica, SILVA, Juliana Pereira da; BARBOSA, Silvia Neli Falcão; Kramer, Sonia. Questões teórico-metodológicas da pesquisa com crianças. In: CRUZ, Helena Vieira. A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008, p WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p Recebido em: novembro de Aprovado em: dezembro de

173 O PAPEL DA ARTE E DAS LETRAS NUMA SOCIEDADE EM DESENCANTO: REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO PÓS-MODERNA Antônio Luciano Pontes * Demóstenes Dantas Vieira ** Luan Talles de Araújo Brito *** Resumo: Este trabalho, de análise bibliográfica, visa investigar as contribuições da arte e da educação na construção de paradigmas sociais ligados à noção de pós-modernidade. Com relação à fonte teórica, ressaltamos as considerações de Bauman (1999), Gadoti (2003), Pourtois e Desmet (1999), Touraine (1993), Marcuse (2000) dentre outros. Propomos uma reflexão sobre a construção de uma educação em ruptura com a tendência bancária, industrial, individualista e materialista que predominou na educação e sociedade moderna. Propomos uma análise sobre as necessidades educacionais do século XXI, refletindo sobre as contribuições da educação e da arte para a construção da pós-modernidade que apresenta a pedagogia e a à democratização da arte como instrumentos na construção da sensibilidade, percepção e criticidade indispensáveis às transformações sociais. Palavras-chave: Educação. Arte. Pós-modernidade. THE ROLE OF ART AND OF THE LETTERS IN A SOCIETY IN DISENCHANTMENT: REFLECTIONS ON POST-MODERN EDUCATION Abstract: This work of literature review aims to investigate the contributions of art and education in the construction of new social paradigms of post modernism. Regarding the theoretical source used in this research is worth mentioning the findings of studies Bauman (1999), Gadoti (2003), Pourtois e Desmet (1999), Touraine (1993), Marcuse (2000) and other authors here, are deemed essential to this work. Taking into account the "values" force of modernity, it is an analysis of educational needs for the XXI century, reflecting on the possibilities of paradigmatic change and the contributions of education and art for the destruction of the values of modern society and construction sensitive aspects essential to the new company, which although still maintaining many features of modernity is perceived subtly subject to changes that urge, especially of pedagogical changes, and the need to promote accessibility to art, which, therefore, presents to education as a tool in the construction of sensitivity, awareness and criticality necessary social changes. Keywords: Education. Art. Post-modernity. Introdução A escola do século XXI ainda apresenta inúmeros reflexos dos valores modernos e industriais adotados desde sua origem. Tendo o capitalismo industrial como característica extremamente marcante e a exaltação do homem como operador de máquinas, a instituição escolar, baseada no tecnicismo, o instigou à competitividade, ao individualismo e ao materialismo. A sensibilidade humana, por sua vez, foi deixada em segundo plano. A educação formal, surgida para atender às 173

174 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna necessidades do novo sistema econômico, deu prioridade à formação de profissionais técnicos especializados no manuseio de máquinas em detrimento da formação dos valores humanos, ou seja, suplantou o desenvolvimento de um profissional que se reconhecesse no outro como individuo e sujeito, como ser humano. Apesar de já se perceber a necessidade de transformações conceituais na educação devido à transição da modernidade para a pós-modernidade 1, percebe-se que os traços daquela continuam ainda muito presentes na sociedade e nas instituições de ensino. Considerando o quadro social apresentado, este trabalho adota como objetivo promover a reflexão sobre a necessidade vigente do resgate dos aspectos sensíveis indispensáveis à vida social, além de refletir sobre as contribuições da arte e da escola para a construção de novos paradigmas educacionais. Nesse sentido, a proposta aqui apresentada suscita a formação do sujeito pós-moderno de forma inter/transdisciplinar, pensando aqui a construção de um paradigma educacional centrado na Teoria da Complexidade que, por sua vez, suscita a relação existente entre os diversos saberes e sua indissociabilidade (MORIN, 2007). À vista disso, discutiremos a necessidade de conciliação da formação humana e da formação técnico-científica que podem proporcionar a efetivação do ideal moderno de totalidade, por sua vez, vinculado a um projeto de modernidade inacabado, centrado na razão e na autonomia do sujeito. Vale então ressaltar a relevância deste trabalho no meio científico, no tocante que visa proporcionar a reflexão sobre as vigentes transformações paradigmáticas e o resgate do saber metafísico desenraizado pelo sistema capitalista industrial. Urge, portanto, esta necessidade: de um espelho onde o eu, o outro, a sociedade e os paradigmas que a regem se confrontem. Para isso, apresenta-se esse trabalho, de forma que suscite, principalmente, entre os educadores, a necessidade de mudanças ideológicas, metodológicas e conteudistas em prol da revalorização do ser e da construção dos novos paradigmas que sutilmente surgem na pósmodernidade. 174

175 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna A educação na Pós-Modernidade: a quebra dos antigos paradigmas A educação de uma determinada sociedade está intimamente relacionada ao complexo de sua formação econômica, política e, principalmente, cultural. Por não viver em um gueto, a instituição escolar sofre inúmeros problemas na consolidação de seus objetivos, visto que a formação cultural da sociedade moderna e da família se encontra bastante conflituosa. É notório que a família é o principal responsável pela inserção afetivo-social do indivíduo e, que essa inserção é, em parte, o inicio de um longo percurso de construção afetiva e moral, do qual a escola é parte integrante. Em seu lar a criança experimenta o primeiro contato social de sua vida, convivendo com sua família. Pode-se então inferir que dois aspectos se complementam na formação sensível e moral do caráter do indivíduo: a participação da família e a atuação da escola. Colige-se então que essa parceria é fundamental para a formação, inserção e bem-estar do educando na sociedade. No momento em que a escola se depara com valores violentos e individualistas presentes na sociedade, diversas vezes perceptíveis no ambiente familiar, a construção humanista torna-se um grande problema, visto que, nesse caso, a instituição deverá promover não só a construção dos valores afetivos, mas também a desconstrução de um habitus 2 agressivo. Assim, é necessário ter consciência que educar envolve preparação, dedicação, cooperação, cumplicidade e, principalmente, compromisso de todos os responsáveis pelo processo, que é dinâmico e está sempre em evolução. Compreender as dificuldades enfrentadas pelas famílias na educação de seus filhos e compreender o contexto no qual o indivíduo está inserido possibilita entender determinados comportamentos do alunado. Silva e Maturano (2002, p. 228) afirmam que, ao serem expostos à violência por longos períodos, os indivíduos tendem a comportarem-se de forma agressiva e, quando são criados em condições negligentes, tornam-se pouco tolerantes a frustração, com pouca motivação para seguirem as normas sociais e relativamente imunes a remorso. A violência e o individualismo, características marcantes na modernidade e também na família, tornam-se fortes empecilhos na inserção do individuo na escola e, principalmente na sociedade. 175

176 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna Pode-se ainda inferir que é de suma importância a autoavaliação escolar e promover a reflexão sobre os valores modernos não só na família, mas também na própria instituição escolar. A escola, enquanto instituição surgida com a revolução industrial, é marcada por um forte sistema de valores herdados da modernidade. A competitividade, o individualismo, a mensuração quantitativa da aprendizagem, o positivismo, a forte ordem organizacional, o relacionamento eu-outro, professoraluno, extremamente neutro e, principalmente a exaltação metodológica tecnicista, são frutos de um conjunto de paradigmas modernos dos quais a instituição escolar tornou-se reflexo. Nessa perspectiva, vale refletir sobre as reais funções da escola na contemporaneidade e quais os caminhos a serem percorridos na desconstrução desses valores e na construção do ser humano, ou seja, dos aspectos sensíveis, solidários e sociais que se julgam indispensáveis à formação humana e da convivência social. Quanto ao papel da escola, Prais (1996) descreve que se deve perceber [...] como função social e política da escola, não só a transformação e a socialização e crítica da herança cultural acumulada, mas também a produção de um novo saber a fim de preparar o indivíduo para a vida da totalidade social. (PRAIS, 1996, p. 58). É necessário compreender a importância da construção desse novo saber que ultrapassa os limites da socialização e da crítica à herança cultural. Para tal, a escola necessita entender o contexto do individuo, para que dessa forma possa diagnosticar os problemas de comportamento e socialização enfrentados pelo mesmo na escola e na comunidade, a fim de proporcionar a inserção totalitária dos educandos na sociedade, capaz não só de um posicionamento crítico, mas de interagir dinamicamente ante as transformações que a sociedade o faz enfrentar. Então, compreender a relação família e comunidade é de suma importância para compreender de que forma as mesmas influenciam a educação. A relação desta com aquela é indiscutível. A família e a escola demonstram-se parte integrante da comunidade e ao mesmo tempo em que é influenciada por ela, é também agente modificador da mesma. Rousseau (1982) já afirmava que o indivíduo nasce bom e a sociedade o corrompe. Dessa forma, é notório e pertinente salientar a importância do meio na construção ética, moral e educacional do individuo. Da mesma forma o individuo no complexo transformado pela sociedade torna-se também seu agente 176

177 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna transformador, tendo em vista que o mesmo é parte integrante dessa sociedade. Por conseguinte, vive-se um momento histórico onde a constituição familiar tem-se modificado e as relações familiares de autoridade, afeto e responsabilidade também se têm alterado mediante as próprias transformações sociais. Percebe-se que na modernidade o eu sobrepõe-se ao coletivo, os valores metafísicos são destronados em prol da exaltação de sentimentos individualistas e materiais. Pensando esse individualismo ditado pela modernidade, numa perspectiva sociocultural, enfatiza-se que: Por modernidade, eu entendo o efêmero, o contingente, a metade da arte cuja outra metade é eterna e imutável. O pintor (ou romancista ou filósofo) da vida moderna é aquele que concentra sua visão e energia na sua moda, sua moral, suas emoções, no instante que passa e (em) todas as sugestões de eternidade que contém. (BERMAN, 1986, p. 130). Sua moda, sua moral sua visão, sem sugestões de eternidade, caracteriza o individualismo. Nada na modernidade é eterno, tudo é efêmero, inclusive a moral, a ética, os valores etc. A criança, o adulto e até a escola sofre essa influência, tendo em vista que os indivíduos inspirados e muitas vezes condicionados pelo presente momento buscam satisfação momentânea e rápida, seja esse prazer material ou emocional. Vale ainda ressaltar que a modernidade é um período repleto de transformações internas e de falta de identidade. O individuo (criança ou adolescente) sofre as transformações familiares desse período e ao mesmo tempo busca uma identidade em outros. Esses, por sua vez, não podem lhe atribuir um caráter de segurança, tendo em vista que a própria sociedade está em constante mudança de valores e ídolos. Urge, então, a necessidade de reflexão sobre os princípios educacionais herdados da industrialização, para que dessa forma a instituição escolar possa ter subsídios para promover as transformações sociais. A educação da modernidade é parte do processo moderno, por isso deve também ser reconstruída, pois as ideologias econômicas e culturais não mais devem ter domínio escolar, assim como também o individualismo e o materialismo. Sobre os princípios da educação moderna, escreve-se: 177

178 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna A pedagogia dos tempos modernos teve como principio moral a energia, o voluntarismo, o trabalho e o controle de si. Nessa concepção da educação, como socialização, a criança deve ser disciplinada por meio de estimulo com recompensas ou da repressão com castigos. Deve dominar-se, aprender as regras da vida em sociedade e o pensamento racional. A personalidade individual deve ser ocultada atrás da moral do dever, e todo particularismo é refreado. (POUR- TOIS; DESMET, 1999, p. 36). Em harmonia com tais pensamentos, Touraine (apud POURTOIS; DESMET, 1999, p. 14) afirma que o drama da modernidade é que ela se desenvolveu lutando contra a metade de si mesma, dando caça ao sujeito em nome da ciência. Nesse contexto, Pourtois e Desmet (1999, p. 23) afirmam que a educação seria uma disciplina que liberta o individuo da visão estreita e irracional que lhe impõe a família e suas paixões e, abre ao conhecimento racional. Assim, a apologia à razão é feita em detrimento da construção dos valores sensíveis indispensáveis ao ser humano, desencadeando na morte da subjetividade e do sujeito em prol da construção e produção científica e industrial. Confrontando-se com a modernidade, a pós-modernidade apresenta-se então como uma nova possibilidade de compreensão do complexo humano sociohistórico, afetivo, filosófico, crítico etc. portanto, o mundo pós-moderno propõe a conciliação do saber racional e sensível, do objetivismo cientifico com o subjetivismo humanista. Devemos entender o pós-moderno como condição da cultura contemporânea. Em 1979, em obra intitulada La Condition Postmoderne, Jean-François Lyotard apresenta a problemática da legitimização do saber na cultura contemporânea, segundo o qual o pós-moderno, enquanto condição da cultura nesta era [pósindustrial caracteriza-se exatamente pela incredulidade perante o metadescurso filosófico-metafísico, com suas pretensões atemporais e universalizantes. Conforme escreve Bauman (1999), a dúvida que se tem evidenciado em relação ao conhecimento, e que se apresenta mais evidente na condição pósmoderna, é aquela que [...] desafia o direito de a ciência validar e invalidar, legitimar e deslegitimar em suma, de traçar a linha divisória entre conhecimento e ignorância. (BAUMAN, 1999, p. 257). Nesse sentido, a pós-modernidade ou condição pós-moderna nos faz encarar a ciência como mais uma forma de conhecimento, o que traz à baila inúmeros 178

179 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna saberes descontínuos suplantados pela modernidade no que se refere à sua relevância como forma de conhecimento, tais como a arte, a metafísica, a religião, o mito, a magia, etc. Por conseguinte, a condição pós-moderna lava-nos ao demônio da improcedência da certeza, que traz junto com ele a dúvida e a incerteza com relação ao projeto de modernidade que teve na ciência sua maior representatividade (CHEVITARESE, 2001, p.14). Conforme escreve Harvey (1992): Embora o termo moderno tenha uma história bem mais antiga, o que Habermas chama de projeto da modernidade entrou em foco durante o século XVIII. Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica interna destas. A ideia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida diária. (HARVEY, 1992, p. 23). Conforme pode-se perceber a modernidade nos trouxe o ideal de autonomia e liberdade, embora tenham se tornado um projeto inacabado. A construção de uma nova sociedade dar-se mediante um processo dialético contínuo de reflexões, considerações e mudanças. Conscientes disso, aqueles envolvidos atuantemente nesse processo, como os educadores, devem estar conscientes do poder da educação, da arte e da tecnologia nesse novo tempo. Pode-se então coligir que urgem reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem que se orientam para a pós-modernidade, não como uma ruptura do moderno, mas como uma possibilidade de ressignificação dos saberes e ideais legados pela modernidade. À vista disso, a educação pós-moderna, se assim pudermos denominá-la, traz consigo: Uma concepção humanista, no sentido de que em seu centro está a criança, com seus interesses e suas motivações profundas; Uma concepção experimental, pois seu motor fundamental é a procura experimental; Uma concepção behaviorista, pois não rejeita de forma alguma o ensino programado, que permite a criança realizar um trabalho autônomo; Uma concepção institucional, pois incita as crianças a tomar decisões que lhe dizem respeito ou que se referem ao seu meio no discurso de conselhos de classe; Uma concepção marxista, na medida em que faz entrar na escola os componentes sociais e econômicos a lutar a favor de uma escola popular. (POURTOIS; DESMET, 1999, p. 45, grifos nossos). 179

180 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna Quando o sistema de ensino compreender e assumir categoricamente seu papel político-social, confrontando as correntes pedagógicas acima citadas, de modo, a perceber suas relações, as mudanças sociais tornar-se-ão frutos desse processo. A criança enquanto ser afetivo, social e cultural no centro do processo, a necessidade da experienciação, o planejamento behaviorista, a ascensão da institucionalização na formação participativa dos educandos na escola e, principalmente, da formação critica e da conscientização da sociedade de classes, que, gerará a consciência da participação dos mesmos (ativa ou passiva) na luta de classes, proporcionará a formação de uma sociedade liberta. Assim, pode-se inferir da educação pós-moderna que O novo modelo pedagógico [...] deverá ser um sistema complexo que leve em conta as dimensões afetiva, cognitiva, social e ética do individuo, assim como os conflitos inerentes aos desafios culturais. (POURTOIS; DESMET, 1999, p. 39). Nessa perspectiva, crer-se nas transformações sociais e nas contribuições que a arte e a instituição escolar podem oferecer. Sutilmente, já se pode percebêlas, entretanto o percurso pós-moderno acaba de ser iniciado e apesar de alguns não crerem nisso, toda a complexa estrutura moderna está enfrentando a necessidade de revalorização metafísica, desconstrução e reconstrução de valores políticos, econômicos e, principalmente, humanos. Sob essa ótica a educação pósmoderna tende a destronar o tecnicismo, não colocando no seu lugar o humanismo utópico, mas a união das dimensões afetivas e científicas. Assim, Pourtois e Desmet (1999, p. 39) afirmam que a escola não será apenas uma organização regida por lógicas profissionais, financeiras, ou administrativas; centrar-se-á também no aluno. Centrar-se no aluno, não só numa perspectiva administrativa, mas num âmbito cultural, social, político e econômico. É orientar-se segundo suas escolhas e também por suas necessidades. Sobre essa orientação afirma-se: É essa orientação ao mesmo tempo racional e subjetiva que desejaríamos ver assumida pela pedagogia pós-moderna, verá a difusão e articulação dos conhecimentos, trabalhará as opiniões, as atitudes e a personalidade, entrará no mundo dos valores em vez de restringir-se as áreas de utilidade. Em outros termos, insistirá sobre a defesa do sujeito. [...] O ensino terá por principio não somente preparará para o emprego e transmitir a cultura escolar, mas 180

181 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna precisará preocupar-se, também, com a personalidade de cada estudante. (POURTOIS; DESMET, 1999, p. 39). Portanto, a pós-modernidade propõe a conciliação do saber racional com os aspectos sensíveis, da objetividade com a subjetividade, da razão com a emoção, colocando no centro do processo de transformação o ser humano no complexo de sua estrutura psíquica, física, cognitiva e afetiva. A arte como ponte de integração na construção de conhecimentos sociais e valores humanos Torna-se pertinente atribuir à educação pós-moderna um caráter humanista. Construir, além de um cidadão técnico-profissional, a crítica humanista à sociedade, de forma que os indivíduos possam compreender a complexidade social na qual estão inseridos. Deve-se pensar e dar a devida atenção à impertinência das defesas individualistas de um princípio organizador para as sociedades humanas amplas e complexas. Nesse sentido, propõe-se uma educação que resgate o humano, que trabalhe o interior das pessoas, pois é certo que: No interior de cada um de nós, de cada grupo social e de cada sociedade vive a ambivalência e a ambiguidade. Todos/as nós somos responsáveis e, por isso, podemos fazer algo para recriar, resgatar e revalorizar a sensibilidade social, redescobrir o desejo do reconhecimento recíproco. Desejo que nos faz desejar a felicidade alheia como parte integrante de nossa felicidade, por isso que faz o desejo de solidariedade se tornar uma necessidade vital. (ASSMANN; SUNG, 2000, p. 205). A educação tem que agir como um investigador social, tentando conhecer as realidades sociais dos educandos e visando compreender os problemas de aprendizagem dos mesmos e buscar soluções. É importante salientar a necessidade de trazer a família à escola e de proporcionar o acesso e a reflexão sobre os valores humanos. Vale enfatizar ainda que a escola deve abraçar este objetivo, de lutar por uma educação dialógica, humanista e participativa. Isso pode até parecer utopia, mas a sensibilidade é indispensável, principalmente à escola. Certo prisioneiro de campo de concentração da segunda guerra mundial traz forte reflexão sobre a situação atual da educação: 181

182 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna A resposta talvez possa a ser encontrada numa mensagem deixada por um prisioneiro de campo de concentração nazista na qual, depois de viver todos os horrores da Guerra crianças envenenadas por médicos diplomados; recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas; mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades ele pede aos professores que ajudem seus alunos a tornarem-se humanos, simplesmente humanos. E termina: ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas. (GADOTTI, 2003, p. 13). A ideia de que os maiores latrocínios da humanidade foram realizados pelos países desenvolvidos, ditos de educação de primeiro mundo, educação de qualidade, traz um forte sentimento reflexivo e, até mesmo, de horror. Qual o verdadeiro sentido da educação? Educar para quê? Diante dessas interrogações, a carta do ex-prisioneiro supracitado torna-se de grande relevância, pois traz uma resposta: ensinar para a humanização. Tendo consciência disso, eis que surge um questionamento: quais os caminhos para a construção da humanidade? Para responder tal pergunta, poder-se-á ter em mente não só a educação, mas, também, a arte, pois se acredita que a esta é um poderoso instrumento para concretização desse objetivo. A arte enquanto manifestação do conhecimento, que expressa o estado do espírito humano no decorrer do tempo e do espaço proporciona o entendimento do próprio ser. Sobre a natureza da arte, afirma-se que: A obra de arte provem do espírito e existe para o espírito... É um meio através do qual o homem exterioriza aquilo que ele é... Através dos objetos exteriores, o homem (na arte) procura encontrar-se a si próprio... O autor da obra de arte procura exprimir a consciência que possui de si. Esta é uma poderosa exigência que advém do caráter racional do homem, origem e razão da arte. (HEGEL apud SUASSUNA, 2004, p. 32). Pode-se então atribuir um grande poder reflexivo à arte, que proporciona ao homem expressar as angústias e anseios de seu espírito. Através dela pode expressar seus desejos, suas verdades, transparecer-se para o mundo e acima de tudo transformar-se. Pois além de proporcionar o desenvolvimento da criticidade possibilita a intensificação dos valores sensíveis indispensáveis ao ser. Dessa forma, compreende-se que a arte assume um papel político, pois liberta, transforma, 182

183 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna humaniza. Sobre isso Almeida (2001, p. 18) afirma que [...] as artes deveriam servir a interesses políticos e sociais; para discutir questões como diversidade cultural e formas de exclusão social e, desse modo, contribuir para a construção de sentimentos de tolerância, respeito, e compaixão entre as pessoas. Assim, pode-se inferir que a arte constitui um dos instrumentos a serem valorizados na construção do ser humano total, crítico, responsável e, acima de tudo, sensível, pois crer-se que esses aspectos são de suma importância à formação individual e para a vida em sociedade. Isso pode até parecer idealista, mas é um idealismo necessário, educar para sensibilizar. A educação enquanto reprodutora de conhecimentos é vã. Pede-se que a escola seja agente influenciador na sociedade moderna, que combata o preconceito, racismo, violência etc., a iniciar dentro dos seus domínios físicos e psicológicos; que os professores possam ver seus alunos como seres humanos e não como objetos e que esse sentimento seja recíproco; que a escola assuma o seu papel social, levando em consideração a totalidade humana, de modo que possa subsidiar a formação de paradigmas sociais baseados nos princípios da solidariedade. A estetização política e a politização da arte: as aspirações para a pósmodernidade A arte enquanto manifestação do conhecimento é extremamente poderosa, até mesmo para fins persuasivos. Conscientes desse poder muitos ditadores se utilizavam da mesma para ludibriar toda uma sociedade. A estética artística pode transformar até o mais horrendo dos tiranos num ditoso governante, se assim o mesmo almejar, utilizando-se do poder da obra de arte. Assim como ocorre no currículo, muitas vezes, consolidador das desigualdades sociais, a arte também pode ser utilizada nessa perspectiva. Entretanto o que, aqui, se propõe é que a arte pode assumir um papel ímpar na construção da nova sociedade. É certo que a arte pode promover e liberar a percepção indispensável a uma sociedade liberta e libertadora, porém, atribuí-la um caráter político é muito idealista, tendo em vista a sua relação com os processos de (re)produção técnica, cujo desenvolvimento só pode ser compreendido a partir das noções de hegemonia e ideologias dominantes Por certo, 183

184 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna [...] o conceito de arte política é monstruoso e a arte por si nunca poderia cumprir essa transformação, podendo, entretanto, liberar a percepção e a sensibilidade necessitadas para a transformação. E, uma vez mudança social houvesse ocorrido, a arte, forma da imaginação, poderia guiar a construção da nova sociedade. E, à medida que os valores estéticos são os valores não agressivos por excelência, a arte como tecnologia e como técnica também viria a implicar a emergência de uma nova racionalidade na construção de uma sociedade livre, isto é, a emergência de novos modos e de novas metas do próprio progresso técnico. (MARCUSE, 2000, p. 265). Ora, a arte por si só não pode transformar a sociedade, entretanto pode ser instrumento na sua construção. Crê-se que a arte, somada à educação, pode proporcionar a percepção e a sensibilidade necessárias às transformações sociais, não só numa perspectiva cultural, mas, também, político-econômica. A arte enquanto ferramenta liberta e libertadora é uma das faces paradigmáticas aspiradas para a pós-modernidade. Diante disso, vale salientar que a emergência das transformações paradigmáticas surge numa perspectiva extremamente dualista: cognitiva, relacionada à apreensão do conhecimento cientifico e, afetiva, relacionada ao desenvolvimento dos aspectos sensíveis. Vale também ressaltar que o processo de destruição e construção paradigmática é um processo lento e demorado. Pode-se inferir, portanto, que a educação é uma das bifurcações mais influenciadas com os paradigmas pós-modernos, como se pode perceber nas concepções pedagógicas humanistas já vigentes nas teorias e formação continuada, entretanto, ainda há muito a ser consolidado. Vale, porém, salientar, que a educação juntamente com a arte pode e hão de exercer papel fundamental na construção de uma nova sociedade, por sua vez, liberta e libertadora. Considerações finais Acredita-se que a instituição escolar é reflexo da sociedade na qual está inserida e por esse motivo reflete os valores culturais dessa comunidade ao mesmo tempo em que pode ser agente transformador da mesma. Portanto, pode-se inferir que a escola surgida com e para a industrialização traz consigo os valores da 184

185 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna estrutura social, econômica e cultural que perpassa os interesses do capital. Embora a modernidade tenha trazido um ideal de autonomia e de formação total do indivíduo com uma promessa construída a partir do conhecimento científico, ela se constituiu como um projeto, de certa forma, inacabado, pois a industrialização, o capital e o processo de individualização romperam os seus ideais. Por esse motivo, a pós-modernidade, entendida aqui como processo de reconstrução do moderno, como condição da nossa cultura, traz à tona a necessidade de repensarmos a crise do conhecimento e a formação do sujeito com foco nas diversas dimensões de sua formação: técnica, científica, artística, espiritual etc. Nessa perspectiva, a instituição escolar, parte integrante da sociedade, tornase de suma importância na construção dos novos paradigmas sociais, podendo ser promotora da reflexão e democratização de saberes artísticos, científicos e metafísicos necessários a construção de uma nova sociedade. Nesse sentido, os valores metafísicos, sensíveis e humanos, até certo ponto, suplantados pela razão moderna, devem ocupar espaço significativo nos processos formativos, ampliando as possibilidades oferecidas pela ciência. Não se faz aqui uma apologia utópica ao espírito desvinculando-o do conhecimento cientifico, o que se propõe é que a educação do século XXI seja direcionada à conciliação dos aspectos sensíveis com o cientificismo. Torna-se pertinente ainda salientar que a educação e a arte, sozinhas, não podem transformar uma sociedade, entretanto, crer-se que as mesmas podem desempenhar um papel de suma importância na formação das competências críticas e, sobretudo, da percepção e sensibilidade indispensáveis à sua transformação. Notas * Antônio Luciano Pontes é doutor em Linguística pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), mestre em Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Docente do curso de Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), assim como do Programa de Pós-Graduação em Letras PPGL e do Mestrado Profissionalizante de Letras (PROFLETRAS) oferecidos pela mesma instituição. pontes321@hotmail.com ** Demóstenes Dantas Vieira é doutorando em Letras pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), mestre em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), especialista em Literatura e Ensino pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), onde também atua 185

186 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna como professor permanente de Língua Portuguesa e Literatura. demostenes.vieira@ifrn.edu.br *** Luan Talles de Araújo Brito é mestre e doutorando em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). luantalles_tdb@hotmail.com 1 Da-se o nome de pós-modernidade ao que muitos teóricos em especial Touraine (1993), ou Giddens (1994) preferem chamar de reconstrução da modernidade, pois, de acordo com eles a critica à modernidade não deve ser realizada em oposição (antimoderna ou pósmoderna), mas, ao contrário, a uma redescoberta da modernidade em todas as suas dimensões; para eles, preferencialmente, essas mudanças paradigmáticas devem ser vistas como uma fase de reconstrução da própria modernidade, chamada pelos mesmos de nova modernidade. 2 O conceito de habitus aqui mencionado diz respeito a um engendramento que proporciona a compreensão da interiorização das estruturas sociais nas quais o indivíduo está inserido. Segundo Bourdieu (1994, p. 60), o habitus pode ser compreendido como disposições duráveis e inconscientes, tendo em vista a sua relação com estruturas historicizadas. Referências ALMEIDA, Célia Maria de. Concepções e práticas artísticas na escola. In: FERREIRA, Sueli. (Org.) O ensino das artes: construindo caminhos. Campinas: Papírus, ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança. Rio de Janeiro. PetrópoIis: Vozes, BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (Org). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, CHEVITARESE, L. As Razões da Pós-modernidade. In: Anais da I SAF-PUC. Rio de Janeiro: Booklink, DUARTE JR, J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar, GADOTTI, Moacir, Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Unesp, HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola,

187 O papel da arte e das letras numa sociedade em desencanto: reflexões sobre a educação pós-moderna LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: Olympio Editora MARCUSE, Hebert. A arte na sociedade unidimensional. Tradução de Lais Mourão e L. Costa Lima In: Teoria da cultura de massa. (Org.) Luiz Costa Lima. São Paulo: Paz e Terra, MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, PRAIS, M. L. M. Conselhos universitários na universidade pública. Campinas: Papírus, POURTOIS, Jean-Pierre; DESMET, Huguette. A educação pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Nova Cultural, SILVA, Alessandra Turini Bolsoni; MARTURANO, Edna Maria. Práticas educativas e problemas de comportamento: uma análise à luz das habilidades sociais. Estud. psicol. Natal, n. 2, Disponível em: < Acesso em 20 Jan SUSSUNA, Ariano. Iniciação a estética. São Paulo: José Olympio, TOURAINE, A. Production de la societé. Paris: Le Seuil, Recebido em: junho de Aprovado em: setembro de

188 LA ENSEÑANZA DE LA COMPETENCIA SOCIOLINGÜÍSTICA EN EL ÚLTIMO CURSO DE EDUCACIÓN PRIMARIA: ANÁLISIS DE MATERIALES Francisco José Rodríguez Muñoz * Resumen: A partir de una selección de cinco libros de texto correspondientes al último curso de educación primaria, este trabajo trata de fundamentar una primera sospecha según la cual existiría un bajo grado de representación de las competencias sociolingüísticas en los manuales que se emplean frecuentemente en el área de Lengua. En consecuencia, se reivindica prestar una mayor atención a la enseñanza-aprendizaje de las variedades y la variación del español al acabar la etapa de primaria, sin que ello implique restarle importancia a la didáctica de las competencias lingüísticas, regidas por el principio de corrección. Palabras clave: Competencias sociolingüísticas. Variación lingüística. Educación primaria. TEACHING SOCIOLINGUISTIC COMPETENCE AT THE END OF PRIMARY SCHOOL: ANALYSIS OF MATERIALS Abstract: From a selection of five textbooks belonging to the last year of primary school, this paper tries to support an initial assumption according to which there would be a low degree of representation of sociolinguistic competences in the manuals frequently used in the area of Language. Consequently, a greater attention must be paid to teaching-learning of varieties and variation of Spanish at the end of primary school, without underestimating the didactics of linguistic competences, governed by the principle of correction. Keywords: Sociolinguistic competences. Linguistic variation. Primary school. Introducción Cuándo podemos sostener que un alumno, como usuario de la lengua, es comunicativamente competente? Si acudimos al Marco común europeo de referencia para las lenguas (MCER) (CONSEJO DE EUROPA, 2002), es posible dar una respuesta integradora. Las competencias comunicativas, como muestra la Figura 1, se ordenan en dicho documento en tres bloques: 1) lingüísticas, 2) sociolingüísticas, 3) pragmáticas. El primer grupo competencial se associa al principio de corrección en los distintos niveles lingüísticos: ortográfico, ortoépico, fonológico, léxico, semántico y 188

189 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales gramatical. Si nos atenemos al criterio de corrección lingüística, es inevitable que, al tratar de las competencias lingüísticas, prime el carácter normativo. Como afirma Gutiérrez (2008) en su discurso de ingreso en la Real Academia Española, la normatividad es una constante en las artes gramaticales de todas las épocas. Así, Quintiliano (apud GUTIÉRREZ, 2008, p. 23), en sus Instituciones oratorias, concibe la parte metódica como recte loquendi scientia, y la ortográfica, como recte scribendi scientia; es decir, los objetivos de la gramática son hablar y escribir correctamente. En la tradición lingüística el concepto de competencia lingüística ha sido identificado con el de competencia gramatical propuesto por Chomsky (2004), que se puede definir como [...] la capacidad de una persona para producir enunciados gramaticales en una lengua, es decir, enunciados que respeten las reglas de la gramática de dicha lengua en todos sus niveles (vocabulario, formación de palabras y oraciones, pronunciación y semántica). Se define como el conocimiento implícito que un hablante posee sobre su propia lengua, el cual le permite no sólo codificar mensajes que respeten las reglas de la gramática, sino también comprenderlos y emitir juicios sobre su gramaticalidad. (MARTÍN et al., 2008). No menos significativo resulta, a nuestro juicio, aplicar convenientemente el principio de adecuación en los diferentes eventos comunicativos. Esta consideración nos conduce, inevitablemente, a las competencias sociolingüísticas y, por ende, a la enseñanza-aprendizaje de las variedades y la variación del español. Desde este punto de vista, entendemos que esta competencia se refiere [...] a la capacidad de una persona para producir y entender adecuadamente expresiones lingüísticas en diferentes contextos de uso, en los que se dan factores variables tales como la situación de los participantes y la relación que hay entre ellos, sus intenciones comunicativas, el evento comunicativo en el que están participando y las normas y convenciones de interacción que lo regulan. (MARTÍN et al., 2008). De acuerdo con Coseriu (1999), existen diferencias diatópicas (geográficas o geolectales), diastráticas (sociales o sociolectales) y diafásicas (estilísticas, contextuales o funcionales). En este sentido, aunque durante la educación primaria se haga hincapié en las competencias lingüísticas y en el principio de corrección, 189

190 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales pensamos que el alumnado de los últimos cursos ya está preparado para aproximarse a las competencias de tipo sociolingüístico y recibir una formación mínima que, entre otros aspectos, le permita: 1) reconocer y respetar las principales variedades dialectales (geolectos) y sus particularidades lingüísticas más destacadas (fonéticas, gramaticales y léxicas), 2) reflexionar sobre los usos lingüísticos de determinados grupos sociales (sociolectos), por ejemplo, a propósito del léxico juvenil, 3) preferir un registro u otro en función del grado de formalidad que requiera la situación comunicativa, 4) atender a las diferencias dependientes del medio o el canal de comunicación (variación diamésica): oral, escrito o mixto, 5) distinguir el vocabulario estándar del técnico o especializado (tecnolectos o variación diatécnica). Podríamos completar los tipos de variación señalados anteriormente con los cambios que experimenta la lengua a través del tiempo (variación diacrónica o histórica), en situaciones espaciales más concretas, como aquellas en las que entran en contacto dos lenguas o hablas fronterizas, por ejemplo, el portugués y el español (portuñol), el español y el inglés (espanglish) o el Singlish (lengua criolla usada en Singapur que se basa en el inglés). Asimismo, conviene aclarar que determinadas variaciones el lenguaje de los jóvenes, por un lado, y el de especialidad, por otro no se asocian únicamente a un tipo, sino que en ellas confluyen vários; tanto la jerga de los jóvenes como la que se emplea en las profesiones son consecuencia de las características sociolectales de los usuarios (edad, oficio), pero también del contexto en el que la utilizan (es decir, del uso), pues fuera de este no son operativas. En la Figura 1 se esquematizan los distintos tipos de variación señalados. 190

191 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales Figura 1: Tipos de variación lingüística Variación diatópica = geográfica o espacial geolectos (dialectos, subdialectos, hablas) Variación diafásica = estilística, contextual o funcional registros (formal, informal) / medio (oral, escrito, mixto = variación diamésica) Variación diastrática = social sociolectos variables o factores sociales: nivel de instrucción (alto, medio, bajo), edad (generación = variación diageneracional), sexo (hombre, mujer = variación diasexual), procedencia (rural, urbana) Variación diatécnica / Jerga juvenil = variación diastrático-diafásica = variaciones especiales (tecnolectos, lenguas técnicas o de espacialidad / lenguaje juvenil) jergas (profesional / juvenil) Variación diacrónica = histórica o temporal Variación diaintegrativa = tipo especial de variación geográfica o espacial lenguas en contacto, hablas de frontera, pidginizaciones y criollizaciones En un tercer bloque, el MCER contempla una serie de componentes que agrupa en torno a tres niveles funcional, discursivo y organizativo, los cuales se incluyen bajo el marbete de competencias pragmáticas. Las categorías asociadas a este conjunto son, entre otras, las macrofunciones (o secuencias textuales), las microfunciones (funciones, en la terminología del Plan curricular del Instituto Cervantes [INSTITUTO CERVANTES, 2006] o exponentes funcionales), la coherencia, la cohesión y, en especial, las máximas conversacionales (cantidad, cualidad, manera y pertinencia), de cuyo cumplimiento depende el principio de cooperación formulado por Grice (1989). Volviendo a las competencias sociolingüísticas, que son el objeto de este trabajo, suponemos que, como las pragmáticas, recibirán un tratamiento muy superficial en los libros de texto de sexto de primaria. No obstante, estimamos que, sin arrebatarles el papel protagonista a las competencias lingüísticas, sería deseable incorporar algunos elementos didácticos relacionados con las variedades y la variación del español. Así pues, el objetivo general del presente estudio será 191

192 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales reivindicar una mayor atención a la enseñanza de las competencias sociolingüísticas en la etapa de educación primaria. Materiales Los libros que examinamos para este trabajo se escogieron de acuerdo con un criterio temporal y otro espacial: en primer lugar, todos ellos fueron publicados en el año 2009; en segundo lugar, pertenecen a cinco de las editoriales más comercializadas o difundidas en el entorno geográfico de la Comunidad Andaluza. En concreto, las editoriales que manejamos fueron las siguientes: 1) Guadiel/Grupo Edebé (GARRIDO, 2009), 2) Vicens Vives (GONZÁLEZ et al., 2009), 3) Edelvives (ARAYA; GARCÍA, 2009), 4) Ediciones SM (ORO et al., 2009), y 5) Grazalema/Santillana (ROMO, 2009). Análisis de los libros de texto De los libros de texto correspondientes al último curso de educación primaria que han sido consultados, solo dos incluyen entre sus páginas contenidos y actividades referentes a las variedades y la variación del español. De donde se sigue que tales manuales prestan una atención muy escasa a la enseñanza-aprendizaje de las competencias sociolingüísticas. El libro de la editorial Guadiel/Grupo Edebé (GARRIDO, 2009) dedica dos páginas a la variación diatópica (o geográfica). Los contenidos que se exponen son los siguientes: Expansión del castellano o español. Variedades del español americano: seseo (pronunciación), voseo (gramática), auto, lindo y pararse, en vez de coche, bonito y ponerse de pie respectivamente (léxico). Variedades del español europeo: fragmento de un cuento popular recogido en Utrera (Sevilla) (aspectos fonéticos: rotacismo /l/-/r/, pérdida de las consonantes implosivas, apócopes), texto extraído de las Coplas canarias, de Manuel Haro Manzano (aspectos léxicos). En cuanto a las actividades, se proponen las siguientes: Explicación de significados: románica, hablantes, modalidades ypronunciación. Se pregunta explícitamente por la variación de la lengua según la zona donde 192

193 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales se habla y, en particular, sobre los usos gramaticales, la pronunciación y el vocabulario. Identificación de ideas en el texto introductorio. Reflexión acerca de las voces que debe recoger un diccionario para todos los hispanohablantes. Coloquio sobre las variantes del castellano : crees que es importante respetar y cuidar las diversas variantes del castellano o español? (GARRIDO, 2009, p ). El segundo libro de texto que atiende a la variación es el de la editorial Grazalema/Santillana (ROMO, 2009). En él, sin embargo, se tratan parcialmente las variaciones diafásica (estilística, contextual o funcional) y diastrática (social o sociolectal) de la lengua, a las que se les dedica poco más de una página. Los contenidos se refieren a los coloquialismos y los vulgarismos: Se explica que, mientras el uso de coloquialismos está condicionado por la espontaneidad en la expresión oral y el alto grado de confianza con los interlocutores, el vulgarismo es una palabra o expresión incorrecta, cuyo uso hay que evitar (ROMO, 2009, p. 214). A propósito de estas nociones, no podemos pasar por alto que la relación existente entre el uso de coloquialismos y los registros (o niveles de habla) a los que nos adecuamos (variación diafásica) no debe confundirse con la que se establece entre un bajo nivel cultural o de instrucción (variación diastrática) y el uso de vulgarismos (nivel de lengua). En la misma página en la que se disponen las explicaciones teóricas se plantean las siguientes actividades: 1) Observa y explica en qué situación es inadecuado el coloquialismo mola y por qué. Ahora, piensa y escribe qué podría haber dicho el joven en la segunda escena. En la primera, un amigo pregunta a otro: Te gusta mi bici?. Y responde: Cómo mola!. En la segunda, formal y con un interlocutor desconocido, este afirma: Le entrego este trofeo. A lo que el joven contesta: Cómo mola!. 2) Explica el significado de las expresiones coloquiales destacadas: a toda pastilla, de gorra, a palo seco y me toca apechugar. 3) Busca los vulgarismos y corrígelos: dentrífico, esparatrapo, mondarinas, almóndigas, medecina. 4) Escribe una oración con la palabra correcta en cada pareja: ventidós / veintidós; abuja / aguja; vagamundo / vagabundo; haiga / haya; adelante / alante. 5) Di cuál de estas oraciones es incorrecta y explica por qué: Me se olvidó llamarte ayer / Se me olvidó llamarte ayer. (ROMO, 2009, p. 214). 193

194 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales Un poco más adelante, se añaden los siguientes ejercicios: 4) Explica en qué situaciones y con qué personas podrías utilizar expresiones coloquiales como estas: Eso me mola!, Lo pasaremos guay!, Siempre vas de gorra!, Qué cara tienes! 5) Escribe una oración con la forma correcta de cada palabra: croquetas / cocretas; dentrífico / dentífrico. Ahora, di qué nombre reciben las formas que no has copiado. (ROMO, 2009, p. 218). Si nos centramos en las actividades que, exclusivamente a través del concepto de coloquialismo, abordan la variación diafásica (1 y 2, p. 214; y 4, p. 218), solo dos actividades (1, p. 214; y 4, p. 218) instan al alumno a que se ponga en situación y valore el grado de adecuación de las expresiones coloquiales formuladas. A pesar de que la actividad restante (2, p. 214) guarda relación con la variación diafásica, el objetivo es conocer el significado de cuatro locuciones de carácter coloquial. Y, en este sentido, debemos establecer un puente hacia la competencia semántica, que ya situamos en el marco de las competencias lingüísticas. Una mayor atención recibe la variación diastrática, afrontada tan solo a partir de vulgarismos. En este caso, son cuatro las actividades (3, 4 y 5, p. 214; y 5, p. 218) en las que se pretende que el alumno sea capaz de detectar distintos tipos de incorrecciones, atribuibles a usuarios con un nivel cultural o de instrucción bajo, a saber, metátesis fonética de vibrantes ( dentrífico, cocretas), etimología popular ( esparatrapo, mondarinas, vagamundo), metacismo ( almóndiga), asimilación fonética progresiva ( medecina), disimilación fonética regresiva por desvelarización y bilabialización ( abuja), monoptongación ( ventidós), síncopa ( alante), epéntesis ( haiga) e inversión pronominal ( me se). Conviene subrayar que las incorrecciones fonéticas, léxicas y gramaticales anteriores remiten nuevamente a las competencias lingüísticas, presididas por el principio de corrección. Algunas de ellas, incluso, se recogen en el Diccionario de la lengua española (REAL ACADEMIA ESPAÑOLA; ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2014); es el caso de vagamundo (vagabundo) o de almóndiga (albóndiga), que aparecen acompañadas de la marca estilística vulg. (vulgarismo), como ocurre en las entradas de murciégalo (murciélago), también 194

195 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales vulgar en el español actual, o asín (así). Se trata, pues, de vulgarismos que se encuentran más extendidos que otros en el uso. Consideraciones finales A continuación sintetizamos las principales conclusiones a las que hemos llegado a partir del análisis de cinco manuales de la materia de Lengua Castellana correspondientes al sexto curso de educación primaria: 1. En esta exploración partimos del supuesto de que los libros de texto utilizados en el último curso de educación primaria prestan muy poca atención a la enseñanza-aprendizaje de las competencias sociolingüísticas y, más particularmente, a los contenidos y actividades tocantes a las variedades y la variación del español. No solo validamos esta hipótesis, sino que, además, comprobamos que el espacio que tres de los cinco manuales de sexto de primaria (Vicens Vives, Edelvives y Ediciones SM) dedican a tales cuestiones es nulo. 2. Solo en el libro de texto de la editorial Guadiel/Grupo Edebé se presentan contenidos y actividades concernientes a las variedades dialectales, que ocupan dos páginas. El manual de Grazalema/Santillana, por su parte, muestra interés por los coloquialismos y el principio de adecuación, vinculados a la variación diafásica, así como por los vulgarismos, que se asocian a la variación diastrática de la lengua (usuario con nivel de instrucción bajo). 3. No obstante, al tratar de la variación diafásica, una de las actividades propuestas conecta con la competencia semántica. Asimismo, cuando el objetivo es corregir vulgarismos, al aproximarnos a la variación diastrática, es imposible no entrar de pleno en el terreno de las competencias lingüísticas, que están regidas por el principio de corrección idiomática. Por consiguiente, si es poca la atención que se le presta a la variación en los manuales examinados, debemos relativizarla aún más a partir de esta consideración. En síntesis, con este trabajo hemos querido reivindicar un mayor número de propuestas didácticas encaminadas a la enseñanza-aprendizaje de las 195

196 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales competencias sociolingüísticas en el último curso de educación primaria concretamente, en los libros de texto que suelen emplearse para enseñar lengua española, pues no podemos olvidar que se trata de la antesala de los estudios secundarios. Con todo, esta demanda no es incompatible con la enseñanzaaprendizaje de las llamadas competencias lingüísticas ni debe ir en detrimento suyo, ya que, también en nuestra opinión, su conocimiento es fundamental en este nivel educativo. Notas * Francisco J. Rodríguez Muñoz, Universidad de Almería, España, Departamento de Educación, Doctor en Lingüística. Sus principales líneas de investigación son la educación lingüística y la lingüística clínica, como prueban sus recientes publicaciones: Evaluación pragmática de niños con síndrome de Asperger (LINCOM, 2013) o Fundamentos para el análisis de las habilidades comunicativas orales del alumnado de Educación Infantil (LINCOM, 2016). Sus artículos han aparecido en revistas internacionales como RLA, RESLA, Pragmatics (IPrA), Sintagma, Signos, Onomázein, etc. Ha colaborado en diversos proyectos de investigación, entre los que destacan ALCERES-Análisis lingüísticocomunicativo de las enfermedades raras en España, Ampliación y adaptación del corpus PERLA de datos clínicos en el marco del proyecto internacional Childes/Talkbank: perfiles pragmáticos y propuestas de intervención o La lectura en la era digital: nuevas prácticas lectoras, cultura participativa y espacios de afinidad. frodriguez@ual.es Referencias ARAYA, Claudia Andrea; GARCÍA, Manuel. Lengua 6. Proyecto Mundo Agua. Zaragoza: Edelvives, CHOMSKY, Noam. Estructuras sintácticas. México/Madrid: Siglo XXI, CONSEJO DE EUROPA. Marco común europeo de referencia para las lenguas: aprendizaje, enseñanza, evaluación. Madrid: Instituto Cervantes, Ministerio de Educación, Cultura y Deporte, Anaya, COSERIU, Eugenio. Lecciones de lingüística general. Madrid: Gredos, GARRIDO, Antonio (Org.). Lengua 6. Sevilla: Guadiel/Grupo Edebé, GONZÁLEZ, Margarita et al. Lengua 6. Lengua Castellana y Literatura. Barcelona: Vicens Vives, GRICE, H. Paul. Studies in the way of words. Cambridge, MA: Harvard University Press, GUTIÉRREZ, Salvador. Del arte gramatical a la competencia comunicativa. 196

197 La enseñanza de la competencia sociolingüística en el último curso de educación primaria: análisis de materiales Madrid: Real Academia Española, INSTITUTO CERVANTES. Plan curricular del Instituto Cervantes. Niveles de referencia para el español. Madrid: Instituto Cervantes, Biblioteca Nueva, MARTÍN, Ernesto et al. Diccionario de términos clave de ELE. Madrid: SGEL, ORO, Begoña et al. Lengua 6 Primaria. Timonel. Madrid: Ediciones SM, REAL ACADEMIA ESPAÑOLA; ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA. Diccionario de la lengua española. Madrid: Espasa, ROMO, Leonor (Org.). Lengua 6. Sevilla: Grazalema/Santillana, Recibida en: septiembre de Aprobado en: diciembre de

198 APOPHRADES EM BELCHIOR: A POSSIBILIDADE DO MOVIMENTO REVISIONÁRIO Leandro Moreira da Luz * Valker Antônio Correia ** Maria Izabel Rodrigues Tognato *** Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre os textos belchiorianos e os textos midiáticos que apresentam o tema desaparecimento/aparecimento do cantor Belchior. Ao apurar os sentidos sobre a exposição midiática deste tema, notamos que, além das expectativas, repercussões e desejos propagados pela mídia, parece haver também um movimento revisionário, conforme proposto por Bloom (1973), remetendo ao contexto atual do poeta por meio de um passado ao qual este se relaciona, não para homenagear, contradizer ou continuar, mas para representá-lo. Movimento este denominado pelo autor, sob a ótica da Angústia da Influência, de apophrades ou o retorno dos mortos. Palavras-chave: Belchior. Influência. Apophrades. APOPHRADES IN BELCHIOR: THE POSSIBILITIY OF AN REVISIONARY MOVEMENT Abstract: This paper aims to analyze the relationship between the belchiorian texts and the media texts that present the theme disappearance/appearance of Belchior. By clearing the way for the media exposure of this theme "disappearance/appearance", we notice that, beyond the expectations, repercussions and desires propagated by the media, there is also seems to be a revisionary movement, as proposed by Bloom (1973), referring to the poet s current context through a past which he is related to, not to honor, contradict or continue, but to represent it. This movement is denominated by Harold Bloom, from the perspective of "The Anxiety of Influence", as apophrades or "the return of the dead people". Keywords: Belchior. Influence. Apophrades. Introdução Por onde anda 1 Belchior? Ninguém sabe ninguém viu! Este foi o mistério lançado pela dupla de apresentadores Patrícia Poeta e Tadeu Schimidt no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão na noite de domingo do dia 23 de agosto de 2009 quando noticiaram o desaparecimento do músico cearense 2, gerando possivelmente, por um lado, uma expectativa negativa. Por outro lado, o desaparecimento do cantor desencadeou também repercussões afirmativas: falas desconfiadas, novas investidas de jornalistas, desdobramentos noticiosos em jornais e revistas e até respostas bem humoradas nas mídias Diário do Pará 3, Gazeta do Sul 4, Portale del Gruppo AdnKronos 5, entre outros meios de comunicação nacionais e internacionais, demonstrando o prestígio do poeta/cantor Belchior dentro e fora do 198

199 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário país (SCHOENHERR, 2012). Desse modo, o tema desaparecimento foi propagado com o provável intuito de gerar expectativas/desejos no público sobre uma notícia a ser revelada. Este desejo pueril, recorrente e repetitivo, inventado e/ou propagado pelos enunciadores supracitados, de desvendar/compreender o fato noticiado ficou à mostra durante algum tempo na mídia e, finalizou-se, em querela ao que se passa despercebido aos olhares dos apressados e dos indiferentes, abocando na entrevista e notícia, em 30 de agosto de 2009 pelo mesmo programa televisivo, do aparecimento e estadia do cantor no Uruguai. Esta saga, ou melhor, esta divina tragédia humana onde nada é eterno, foi parodiada da canção Divina Comédia Humana de Belchior pela grande mídia 6 como nos seguintes excertos: [...] Eu quero gozar no seu céu/ pode ser no seu inferno/ Viver a divina comédia humana/ onde nada é eterno [...], que pressupunha que a vida do cantor derrapara no trevo a 100 por hora como em Paralelas: Dentro do carro sobre o trevo/ a cem por hora, ó meu amor/ Só tens agora os carinhos do motor [...], esbarrou na dificuldade de entrevistar este autor que, como em sua poesia, demonstrou preferir andar sozinho : Saia do meu caminho/ Eu prefiro andar sozinho/ Deixe que eu decida a minha vida [...] 7, na obviedade da declaração de não se sentir uma celebridade por ser apenas um rapaz latino americano: Eu sou apenas um rapaz latino americano/ sem dinheiro no banco/ sem parentes importantes/ e vindo do interior [...] 8 quando este foi perguntado por onde andava: Se você vier perguntar por onde andei/ no tempo em que você sonhava [...], como em Palo Seco. Destarte, é entre estes dialogismos do parágrafo anterior, isto é, entre os diálogos dos textos belchiorianos e do contexto atual de Belchior que surge a problemática central deste trabalho, o fato de que parece haver um movimento revisionário 2 o qual remete ao contexto atual do poeta/cantor Belchior por meio de uma leitura de um passado ao qual este se relaciona, não para homenagear, contradizer ou continuar, mas para representá-lo. Por isso, pautamos nossa proposta de análise nos estudos de Bloom (1995) e sua obra A angústia da Influência a partir da apreciação dos textos e contextos. 199

200 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Neste ínterim, o que se pretende na produção deste artigo é analisar a relação intertextual entre as obras belchiorianas e seu contexto atual de desaparecimento/aparecimento na hipótese de haver o movimento revisionário apophrades, observando os diversos dialogismos presentes na produção de sua obra e nos meandros do processo de composição musical do autor. Assim, este trabalho estabelece relações de intertextualidades e dialogismos entre diferentes obras belchiorianas e textos midiáticos, questionando a intenção dos jornalistas na produção destes textos. 1 Apophrades em Belchior? Ao apurar os sentidos sobre a exposição midiática do desaparecimento/aparecimento do cantor Belchior, notamos que além das expectativas, repercussões e desejos fabricados e/ou propagados pela mídia parece haver um movimento revisionário 9 que remete aos noticiários e o contexto atual do poeta/cantor pela leitura de um passado ao qual possa estar relacionado. O contexto atual de desaparecimento/aparecimento do cantor dialoga com suas obras anteriores, não para homenagear, contradizer ou continuar, mas para representá-las, o que, por sua vez, nos remete a um dos movimentos revisionários de Harold Bloom, sob a ótica da Angústia da Influência: apophrades ou o retorno dos mortos, movimento este no qual o poeta/poema novo alcança um estilo que captura e estranhamente tem prioridade sobre os percursores (BLOOM, 1991, p. 183). Bloom estabelece seis tipos de diálogos possíveis com a tradição literária sob a ótica da angústia da influência: clinamem (ou desapropriação ): um desvio de um poeta sobre um percursor; tessera (ou complementação e antítese ): a complementação do precursor na obra do novo poeta; kenosis (ou repetição e descontinuidade.): quando o poeta tardio isola-se de tudo para afastar a influência do precursor; demonização (ou contra-sublime ): um sublime desviante ou até mesmo contrário ao que o precursor propôs; askesis (ou purgação ): uma espécie de ascese pessoal que permite ao novo poeta interpretar o poeta anterior; e, por fim, apophrades (ou retorno dos mortos ) uma figura literária complexa, em que o antecedente pode ser retomado pelo consequente, ou vice versa, uma metalepse (BLOOM, 1995). 200

201 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Nas palavras de Nitrini (2000, p. 155), no movimento revisionário apophrades: os poetas mortos voltam, mas voltam com as cores e as vozes dos poetas posteriores [...] e, desse modo, temos o efeito estranho de que o que foi escrito anteriormente é creditado a um momento posterior ao da obra 10. Neste ínterim, de início, apresentamos o diálogo entre o tema desaparecimento e a música Caso Comum de Trânsito, lançada em 1977 pela Poligram, conforme apresenta este excerto: [...] Pela geografia, aprendi que há no mundo um lugar onde um jovem como eu pode amar e ser feliz Procurei passagem: avião, navio não havia linha para aquele país E aquele poeta, moreno e latino, que, em versos de sangue, a vida e o amor escreveu Onde é que ele anda? Ninguém sabe dele! Fez uma viagem? Não, desapareceu. (BELCHIOR, 1977). O diálogo entre essa canção e os vários textos midiáticos referentes ao tema desaparecimento do cantor remete à verificação de que as diferentes vozes deslocam o sujeito/herói da obra do poeta do papel de centro, transformando-o num sujeito histórico e ideológico a partir das várias vozes sociais que dele se apropriam num ponto de intersecção de muitos diálogos, cruzamento de vozes de linguagem socialmente diversificadas (BARROS, 2003, p. 4) e, neste caso, têm-se a impressão de que o texto posterior é imitado pelo texto anterior. Ademais, o mistério lançado pelos apresentadores do programa da grande mídia brasileira na noite de domingo de 23 de agosto de 2009 junto às várias outras veiculações sobre o assunto desaparecimento/aparecimento de Belchior: Diário do Pará, Gazeta do Sul, Portale del Gruppo AdnKronos, entre outras mídias nacionais e internacionais, dialoga com textos anteriores do autor, fazendo parecer que estes imitam o poeta efebo ao escrever o seu texto, como podemos ver, explicitamente, em Caso Comum de Trânsito e, também, como nos sinaliza Harold Bloom em A Angústia da Influência: Empédocles declarou que nossa psique volta para o fogo de onde veio. Mas o nosso daemon, de uma só vez a nossa culpa e nossa 201

202 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário divindade sempre potencial, não veio a nós a partir do fogo, mas a partir de nossos precursores. Não roubado, mas herdado no momento da morte pelo efebo [...] (BLOOM, 1995, p. 139). Em outras palavras, os textos precursores influenciam a produção dos textos posteriores a ponto de que o elemento roubado tenha de ser devolvido. No texto sobre o desaparecimento do cantor: A divina tragédia de Belchior de Marcelo Bortoloti (2013) publicado na Revista Época 11, além da paródia que remete à obra belchioriana de 1978: Divina Comédia Humana, que, por sua vez, dialoga com a obra Divina Comédia de Dante Alighieri e Comédia Humana, de Honoré de Balzac, o que representa uma mise-en-abîme 12, percebemos a insinuação de que a vida do cantor derrapara no trevo a 100 por hora a partir do namoro com a produtora cultural Edna Assunção de Araújo, como na música Paralelas de 1977: Dentro do carro / Sobre o trevo / A cem por hora, ó meu amor / Só tens agora o carinho do motor. Além disso, verificamos a produção de uma justificativa para o desaparecimento do cantor em sua própria poesia, Comentários a Respeito de John de 1979, ao dizer que a felicidade é uma arma quente, conforme podemos constatar no fragmento abaixo: Saia do meu caminho Eu prefiro andar sozinho Deixe que eu decida a minha vida Não preciso que me digam De que lado nasce o sol Porque bate lá meu coração Sonho e escrevo em letras grandes de novo Pelos muros do país João, o tempo andou mexendo com a gente sim John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente [...] (BELCHIOR, 1979). Esta influência dos textos belchiorianos precursores pode ser entendida como a soma de relações de contato de qualquer espécie, que se pode estabelecer entre um emissor e um receptor em que a análise do intertexto deve levar em consideração a sociabilidade da escritura literária, cuja individualidade se realiza até certo ponto no cruzamento particular de escrituras prévias (NITRINI, 2000, p. 127 e 165). Logo, pressupomos um contato literário entre o escritor efebo e precursor, quando o primeiro lembra-se do texto original (BLOOM, 1995). 202

203 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Em contraponto aos demais veículos citados, o colunista Guilherme de Paula em outro texto que alude ao estudo em tela: Belchior escuta estrelas do portal da Revista Fórum 13 destaca a frase: ouve-se um grande lamento dos empresários que cercam o cantor: não podem surfar na onda da peculiaridade e capitalizar o exotismo das atitudes do músico pressupondo/sugerindo uma possível identificação de um exotismo na conduta do cantor pelos empresários. Nesse texto, há um diálogo entre o título dessa mesma matéria e a canção Divina Comédia Humana, como podemos constatar no seguinte trecho: Ora direis ouvir estrelas / certo perdeste o censo / eu vos direi, no entanto / Enquanto houver espaço / corpo e tempo e algum modo de dizer não / eu canto ; o qual dialoga com o poeta parnasiano Olavo Bilac, no Canto XIII de Via Láctea (novamente, mise-en-abîme), quando o eu-lírico dá ouvidos às estrelas (SILVA e ABRÃO, 2012). Entretanto, o que Guilherme de Paula chama de exotismo em sua coluna pode ser visto como uma negação de toda futilidade de uma arte (música, poesia, dança, cinema) que se volta para fins meramente lucrativos. Nesse sentido, Bosi ressalta que: Ou quererá a poesia, ingênua, concorrer com a indústria & comércio, acabando afinal por ceder-lhes as suas graças e gracinhas sonoras e gráficas para que as desfrutem propagandas gratificantes? A arte terá passado de marginal e alcoviteira ou inglória colaboracionista? Na verdade, a resistência também cresceu junto com a má positividade do sistema. (BOSI, 2000, p. 165). Desse modo, inferimos uma possível resposta à questão Crise ou jogada de marketing trazida no texto Onde Andará Belchior? Ninguém sabe, ninguém viu! Do Diário do Pará 14 como uma hipótese plausível de não ser uma coisa nem outra, ou seja, nem crise e nem jogada de marketing, pois [...] o artista é precisamente aquele que sabe situar sua atividade fora da vida cotidiana, aquele que não se limita a participar da vida (prática, social, política, moral, religiosa) e a compreendê-la apenas do seu interior, mas aquele que também a ama do exterior (BAKHTIN, 1997, p. 204). Quanto ao aparecimento do cantor, na entrevista cedida pelo cantor ao Fantástico 15 em uma Cabana na cidade de San Gregorio de Polanco do Uruguai em agosto de 2009, podemos notar que o questionamento da repórter Sônia Bridi [...] 203

204 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário por onde você tem andado? ao cantor Belchior remete à canção A Palo Seco: Se você vier me perguntar por onde andei / No tempo em que você sonhava, e entre as respostas de Belchior este, também, apropria-se de seu próprio repertório para responder o porquê de estar no Uruguai: Você sabe que eu tenho uma ligação muito grande com a América Latina, eu sou apenas um rapaz latino americano [...] citando a canção Apenas um rapaz latino americano. Ou seja, apontando uma vez mais o diálogo entre o contexto aparecimento/desaparecimento de Belchior e suas canções anteriores. Nessa mesma toada, a canção Tudo outra vez do álbum Era uma vez um homem e o seu tempo/medo de avião evidencia outros possíveis dialogismos referentes ao contexto supracitado, como no excerto a seguir: Há tempo, muito tempo que estou longe de casa E nessas ilhas cheias de distâncias Meu blusão de couro se estragou Ouvi dizer no papo da rapaziada que aquele amigo que embarcou comigo cheio de esperança e fé, já se mandou Sentado a beira do caminho pra pedir carona tenho falado a mulher companheira Quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil E o cara que transava a noite no Danúbio Azul me disse que faz sol na América do Sul E nossas irmãs nos esperam no coração do Brasil Minha rede branca, meu cachorro ligeiro Sertão, olha o concorde que vem vindo do estrangeiro O fim do termo saudade como charme brasileiro De alguém sozinho a cismar [...] Nessa canção, observamos a possibilidade do movimento revisionário supracitado registrando a recuperação do desejo e a esperança de viver um outro tempo num misto de otimismo e nostalgia, como no poema Canção do Exílio de Murilo Mendes, traduzindo as imagens do despojamento, provocado pelo exílio e o sentimento de perda (SILVA, 2006, p.123). Nas possibilidades de diálogo entre as canções do acervo belchioriano com mais de 300 composições gravadas por ele e por outros intérpretes como Cazuza, Elis Regina, Erasmo Carlos, Fagner, Jair Rodrigues, Ney Matogrosso, entre outros; em poesias que fazem referência a Caetano Veloso, Edgar Alan Poe, Drummond, Fernando Pessoa, Gonçalves Dias, João Cabral de Melo Neto, Machado de Assis, 204

205 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Olavo Bilac, além de outros, evidenciamos temas que apresentam contradições, ambiguidades e sentimentos humanos, despertando polêmicas, reflexões e análises e discussões ligadas à sociedade brasileira (CARLOS, 2007), em letras que parecem evidenciar o intertexto com o tema midiático aparecimento/desaparecimento. Nas canções Antes do Fim: Não tome cuidado / Não tome cuidado comigo / Que eu não sou perigoso / Viver é que o grande perigo ; Sujeito de Sorte: Tenho sangrado demais / Tenho chorado pra cachorro / Ano passado em morri, mas este ano eu não morro ; Como o Diabo Gosta: E a única forma de se ter norma é nenhuma regra ter / é nunca fazer nada que o mestre mandar / Sempre desobedecer / Nunca reverenciar ; Coração Selvagem: Não quero o que a cabeça pensa / Eu quero o que a alma deseja ; Monólogo das Grandezas do Brasil: Ta faltando emprego neste lugar / Eu não tenho sossego eu quero trabalhar / Já pensei em passar a fronteira ; e Baihuno: Já que o tempo fez-te a graça de visitares o Norte / Manda notícia de mim ; notamos, de uma forma ou de outra, a possibilidade de diálogos entre o tema midiático de 2009 desaparecimento/aparecimento com o intuito de se criar um movimento revisionário que alcança um estilo que captura e estranhamente tem prioridade sobre os percursores (BLOOM, 1991, p. 183). Estes textos oferecem bases para possíveis diálogos com o tema aparecimento/desaparecimento como ocorre com as mídias citadas anteriormente. Em suma, o cantor Belchior ainda se encontra afastado dos palcos, pois vivendo em Porto Alegre ao lado de sua namorada o cantor segue sem aparecer para o seu público. Alguns depoimentos evidenciam seu afastamento, como é o caso de Teti (cantora amiga do músico) ao dizer que: Faz muito tempo que ninguém vê o Belchior e essa situação atual dele deixa uma tristeza muito grande 16 e, também, o artista plástico Tota (pseudônimo de Antônio Pascoal Regis) ao afirmar que: O que está acontecendo agora, eu não sei de nada absolutamente. Essa decisão dele me pegou de surpresa, mas eu não acho estranho. Ele era muito especial. Podia muito bem querer esta vida de não mais cantar e de não ter gente atrás dele [...] 17. No plano literário, Belchior continua influenciando 18, pois podemos observar a influência de suas obras nos textos posteriores às principais obras do autor, 205

206 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário principalmente com os temas desaparecimento/aparecimento marcados pela não originalidade da composição de novos textos. No entanto, esta influência pode ser consciente ou inconsciente? Ou seja, os jornalistas pretendem mostrar uma erudição fingida aos leitores ou simplesmente trabalham em seu campo referencial natural? Essa questão é fundamental no contexto da problemática abordada em nosso artigo. Considerando que Bloom apresenta uma teoria que reflete sobre as relações entre obras artísticas, as quais envolvem obrigatoriamente um combate criativo no qual o criador posterior produz uma obra que responde ao seu antecessor, podemos inferir que quando o jornalista retoma o texto de Belchior para escrever suas matérias, não se opera o que Bloom classifica como angústia da influência ou como movimento revisionário, pois os textos jornalísticos demonstram a evidência de que os jornalistas não objetivaram entrar em embate com Belchior. Em outras palavras, ao trazer os textos de Belchior para dentro de suas matérias, estes profissionais parecem não acionar um revisionismo intelectual que envolve sentimento espantoso, torturante e arrebatador da presença de outros artistas numa obra que inicia (BLOOM, 1991, p. 57 e 58). Com isso, não seria possível a aplicação da teoria de Bloom ao fenômeno que a mídia veiculou como foi o caso do desaparecimento de Belchior. Por fim, na canção Até mais ver 19 (adaptação de poema de Sierguéi Iessiênin) constatamos que sua letra, também, dialoga com os temas desaparecimento/aparecimento de Belchior envolvendo um tom de conformismo, como no seguinte trecho: Até mais ver, até mais ver, meu camarada Contigo em mim e ainda em ti, vou indo em dois qualquer distância entre nós, tornada em nada só assinala um novo encontro pra depois So long sem gesto um bye ao léu Não diga sorte Não fale adeus que enruga o olhar mais compassivo se, sob o sol, nada mais velho e vil que a morte quem viu na vida novidade em estar vivo? (BELCHIOR, 1993). Enfim, retomando Bakhtin (1997), corroboramos a ideia de que o artista situase fora da atividade cotidiana não limitando-se às práticas, morais, religiosidades, políticas, sociais da vida, pois, o artista ama a vida, também, do exterior. 206

207 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Considerações finais A fabricação e/ou propagação midiática do desaparecimento/aparecimento de Belchior ensejou o público alvo das informações à identificação de valores meliorativos ou pejorativos, de acordo com os seus traços ideológicos que formam os corredores isotópicos balizadores das percepções da realidade. Tais identificações, por sua vez, geraram expectativas, repercussões, controvérsias e desejos sobre o desvendo deste mistério: desaparecimento/aparecimento. O suporte intertextual impulsionado pela influência dos textos belchiorianos anteriores a 2009, quando surgiu a polêmica do desaparecimento/aparecimento do cantor, trouxe à tona o movimento revisionário semelhante ao sinalizado em A Angústia da Influência como Apophrades ou o retorno dos mortos, o que tem como característica o efeito surpreendente de que o que foi escrito anteriormente é creditado a um momento posterior ao da obra. Nesse contexto, a citatologia empregada em temas que apresentam as contradições, ambiguidades e sentimentos humanos, despertaram controvérsias/polêmicas, reflexões, análises e discussões entre fãs, amigos e em jornalistas brasileiros e estrangeiros, os quais, influenciados, procuraram mostrar ou uma erudição fingida aos leitores ou simplesmente podem ter trabalhado em seu campo referencial natural quando construíram intertextos entre a obra do poeta e seu contexto. Por fim, a análise dos textos belchiorianos e suas relações com os textos atuais relativos ao tema aparecimento/desaparecimento de Belchior, evidenciou a influência destes primeiros sobre os segundos textos, dando a impressão ao leitor de que os textos posteriores são imitados pelos anteriores num movimento revisionário próximo ao denominado por Bloom como Apoprhades ou o retorno dos mortos, além de sinalizar a possibilidade de criação/composição de novos textos que podem apresentar a temática desaparecimento/aparecimento, de maneira implícita ou explícita, com base nos textos belchiorianos anteriores. Notas * Leandro Moreira da Luz é mestrando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/Campus de 207

208 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário Campo Mourão, graduado em Economia e pós-graduado em Gestão de Vendas Nacionais e Internacionais. Atualmente é professor do colegiado de Direito da Faculdade Integrado de Campo Mourão/PR e perito judicial nas comarcas de Campo Mourão e Mamborê. professorleandromoreira@gmail.com ** Valker Antônio Correia é graduado em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC (2014) e pós-graduando em Medicina do Esporte no Instituto de Ensino e Pesquisa HZM. Atualmente atua como médico na cidade de Curitiba/PR. valkinho_26@hotmail.com *** Maria Izabel Rodrigues Tognato possui pós-doutorado pela Université de Genève FAPSE (Faculdade de Psicologia e das Ciências da Educação), é doutora em Linguística Aplicada pelo Programa de Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem LAEL PUC/SP (2009) e mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina UEL. Atualmente é professora adjunta do Curso de Letras Anglo-Portuguesas e membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD), da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/Câmpus de Campo Mourão. belinhatog@yahoo.com.br 1 Quadro antigo do programa Vídeo Show da Rede Globo de Televisão, seu deslocamento para o Fantástico demonstra que Belchior é figura de prestígio no campo de bens simbólicos. 2 BELQUIOR/BELCHIOR Aparece Fantástico 30/08/09 Exclusivo Entrevista. NewsTL Disponível em: Acesso em setembro de ONDE ANDARÁ BELCHIOR? Ninguém sabe, ninguém viu! Diário do Pará. Belém do Pará, 26 ago Disponível em: Acesso em 21 de outubro de EBERT, Sancler. O autoexílio de Belchior. Gazeta do Sul. Santa Cruz do Sul, 26 ago Disponível em: Acesso em 21 de outubro de BRASILE: sparito il popolare musicista Belchior, è mistero. Portale del Gruppo AdnKronos. Roma, 26 ago Disponível em: Acesso em 21 de outubro de GLOBO, ÉPOCA. A divina tragédia de Belchior, disponível em: Acesso em 12 de julho de Como na canção Saia do Meu Caminho. 8 Em Apenas um Rapaz Latino Americano. 9 Optamos pelo termo revisionário em função do fato de que Bloom (1973) faz uso desse léxico. 10 No mesmo sentido, configura-se o sistema de influências de Borges, em seu ensaio sobre Kafka, mas com algumas pequenas diferenças com Bloom. O autor está mais preocupado em apresentar uma teoria poética que dê conta dos processos criativos dos autores do que em criar uma filosofia da literatura. 11 GLOBO, ÉPOCA. A divina tragédia de Belchior, disponível em: Acesso em 10 de outubro de 2015 às 20h

209 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário 12 Este termo costuma ser traduzido como narrativa do abismo, usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que contém outras narrativas dentro de si. 13 PORTAL FÓRUM Belchior escuta as estrelas, disponível em: Acesso em 28 de agosto de 2015 às 15h ONDE ANDARÁ BELCHIOR? Ninguém sabe, ninguém viu! Diário do Pará. Belém do Pará, 26 ago. Disponível em: Acesso em 21 de outubro de 2015 às 13h57min. 15 BELQUIOR/BELCHIOR Aparece Fantástico 30/08/09 Exclusivo Entrevista. Disponível em DESAPARECIMENTO+DE+BELCHIOR+ESTA+CERCADO+DE+MISTERIO.html. Acesso em agosto de JORNAL DE HOJE / VIDA E ARTE Parceiros repercutem o caso Belchior, disponível em: arceiros-repercutem-o-caso-belchior.shtml Acesso em 18 de novembro de 2015 às 16h RÁDIO VERDES MARES 810 Estilo de vida que Belchior escolheu intriga amigos e fãs, que torcem pelo retorno do músico cearence, em: Acesso em 18 de novembro de 2015 às 16h [...] a influência define-se como algo que existe na obra do autor que não poderia ter existido se ele não tivesse lido a obra de um autor que o precedeu (NITRINI, 2000, p. 130). 19 BELCHIOR, Antônio C. G. Baihuno. MoviePlay, LP produzido por Jorge Gambier. Referências ARAUJO, Renata L. André Gide e Georges Perec: os diálogos potenciais f. Dissertação. Universidade de São Paulo Departamento de Letras Modernas. São Paulo. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro, Forense Universitária, Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, BARROS, Diana L. P. Dialogismo, Polifonia e Enunciação. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz (Orgs). Dialogismo, polifonia e intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003, p BELCHIOR, Antônio C. G. Baihuno. MoviePlay, Site Oficial de Belchior. Disponível em: < Acesso em 25 de Setembro de BLIKSTEIN, Isidoro. Kaspar Hauser ou a Fabricação da Realidade. São Paulo: Cultrix,

210 Apophrades em Belchior: a possibilidade do movimento revisionário BLOOM, Harold. A angústia da Influência. Rio de Janeiro: Imago, BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cia das Letras, CARLOS, Josely T. Muito além de apenas um rapaz latino-americano vindo do interior: investimentos interdiscursivos das canções de Belchior f. Dissertação. Universidade Federal do Ceará Centro de Humanidades. Fortaleza. JUNIOR, Adalberto M. Manoel de Barros: o avesso invisível. Revista USP, São Paulo, n.59, p , jun./ago NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: história, teoria e crítica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, SCHOENHERR, Rafael. O Reconhecimento tele jornalístico de um artista popular em decadência: o caso do desaparecimento de cantor Belchior aos olhos (nostálgicos) do Fantástico. In: X Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 2012, Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Disponível em: < herr.pdf>. Acesso em 11 jul SILVA, Gustavo G.; ABRÃO, Daniel. Como faca o canto torto corta: negatividade e resistência na obra litero-musical de Belchior. Revista Philologus, Rio de Janeiro, n.54, p , SILVA, Gislene Maria. Era uma vez um homem e o seu tempo: aspectos éticos e estéticos na lírica de Belchior. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n.27, p , Recebido em: setembro de Aprovado em: novembro de

211 EXPANSÃO MULTICULTURAL E ARGUMENTAÇÃO COLABORATIVA NO VOLUNTARIADO EDUCATIVO: UMA EXPERIÊNCIA INVESTIGATIVA Marcela Moura Motta * Fernanda Coelho Liberali ** Resumo: O presente artigo tem por objetivo investigar de que modo as ações dos participantes do voluntariado educativo de uma escola da rede privada da cidade de São Paulo instigam expansão multicultural. O foco são atividades realizadas por esses participantes em um Centro da Criança e do Adolescente, juntamente aos alunos da rede pública de ensino. O artigo realiza um estudo pautado na Teoria Sócio-Histórico-Cultural, nos estudos da Argumentação e da multiculturalidade. Resulta na relação entre os sujeitos em constante ligação na produção de múltiplos significados, colaborando para a criação de sentidos e significados dos participantes. Trata-se de uma pesquisa crítica de colaboração, que tem como pressuposto não apenas observar e descrever contextos, mas interferir neles, compreendendo-os e transformando-os, em um movimento único. Embora os dados mostrem expansão multicultural na atividade do voluntariado educativo, os resultados indicam que a pesquisadora-participante poderia ter articulado melhor a argumentação e possibilitado que mais contradições ocorressem para a expansão multicultural. Palavras-chaves: Voluntariado educativo. Expansão Multicultural. Argumentação colaborativa. MULTICULTURAL EXPANSION AND COLLABORATIVE ARGUMENTATION IN VOLUNTARY EDUCATIONAL - AN EXPERIMENT INVESTIGATION Abstract: This article aims to investigate how the actions perpetrated by participants of an educational volunteer project designed by a private school of São Paulo City generate multicultural expansion. It focuses on the activities developed in a Centre for Kids and Adolescents, with public school students. The article is grounded on the Socio-Historical- Cultural Theory, the argumentative research and multicultural studies. It deals with the relationship among subjects in constant connection in the production of multiple meanings, collaborating to the creation of new senses and meanings. It is organized as a Critical Collaborative Research, which entails not only observing and describing contexts, but interfering on them, through understanding and transforming them. Although the data shows a multicultural expansion in the educational volunteer project activity, results of the analysis indicate that the researcher-participant could have used argumentation in a way to trigger more contradictions which would be essential for the multicultural expansion. Keywords: Educational voluntary. Multicultural expansion. Collaborative argumentation. Introdução O objetivo deste artigo é investigar de que modo as ações dos participantes do voluntariado educativo instigam a expansão multicultural. O estudo centra-se na análise da argumentação colaborativa, desenvolvida em atividades realizadas em um Centro da Criança e do Adolescente, por meio de uma das autoras. O artigo é um recorte da dissertação de mestrado realizado pela pesquisadora-participante, 211

212 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa Marcela Motta, orientada por Fernanda Liberali. Para este artigo, escolhemos concentrar a discussão em um dos aspectos centrais da pesquisa: a relação entre a expansão multicultural e a questão da argumentação colaborativa. O estudo focalizou as ações desenvolvidas com a pesquisadora-participante, os alunos de uma escola privada da zona oeste de São Paulo e os alunos que frequentavam o Centro da Criança e do Adolescente da rede pública de ensino. Entretanto, durante o período de coleta de dados, o contato com a rede pública foi interrompido. Assim, o centro da pesquisa recaiu em participantes focais: alunos da rede privada e Marcela Motta, aqui identificada como pesquisadora-participante. No Brasil, a desigualdade de renda assume uma hierarquia em relação aos espaços sociais, produzindo implicações de superioridade e inferioridade, podendo refletir no ambiente social. Estudar um grupo de alunos de diferente escolarização é importante para compreender a multiculturalidade desenvolvida na atividade do projeto do voluntariado educativo. Nesta pesquisa, o voluntariado educativo é visto como uma forma de reestruturar as relações entre grupos sociais diferentes em uma atividade que congrega os universos diversos adolescentes de classes socioculturais distintas. Assim abordamos uma questão: Como os participantes desenvolvem expansão multicultural em uma atividade de voluntariado educativo? Para entender como os participantes da pesquisa realizavam as atividades, apresentamos o Quadro 1, que ilustra as relações entre os sujeitos no projeto. Quadro 1: Relações entre os sujeitos no projeto voluntariado de robótica 212

213 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa O voluntariadono qual os alunos participavam aconteceu em um curso de robótica, ministrado por um instrutor em um Centro da Criança e do Adolescente (CCA). Esse voluntariadooferecia aos alunos da rede pública e privada a oportunidade de aprender robótica, trocando suas vivências e bagagem cultural, proporcionando a ambos os grupos um aprendizado multicultural. Os alunos tinham contatoapenas com o instrutor e a pesquisadoraparticipante, a qual era professora assistente dos alunos da rede privada. A proximidade e o convívio diário com esses alunos em sala de aula, mostraram que eles poderiam atuar colaborativamente dentro de um ambiente multicultural. Não havia relacionamento dos alunos com a coordenação responsável pelo Projeto Social da escola privada. Esse vínculo foirealizado pela pesquisadora-participante, uma vez que ela era a responsável pelo desenvolvimento desse voluntariado robótica na escola privada. Este artigo fundamenta-se na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural, cuja base possibilita a expansão multicultural no contexto do voluntariado educativo. Ademais, aborda a linguagem em uma perspectiva dialógico-enunciativa, aqui, estudada em seu aspecto argumentativo (LIBERALI, 2013). Os procedimentos metodológicos têm como base a Pesquisa Crítica de Colaboração (Magalhães ( ), aqui, centralizando a discussão de dois excertos a partir das categorias de análise enunciativa, discursiva e linguística (LIBERALI, 2013). A Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural como base para a argumentação colaborativa Como fundamentação teórica para este trabalho, discutiremos a Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASHC), com a contribuição de Vygotsky ( ) e Leontiev ( ). Nos anos 1980 e 1990, Yrjö Engeström deu continuidade a esses estudos, propiciando novas abordagens dos conceitos apresentados porseus antecessores. A TASHC é norteadora desteartigo para a compreensão do processo de criação e ressignificação dos sentidos e significados 1 dos participantes. Além disso, sua base se funda no materialismo histórico-dialético (MARX; ENGELS, /1999), que busca mostrar a evolução da sociedade ocidental, a 213

214 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa partir do momento em que os homens passaram a produzir seus meios de vida, fato que ocorreu após sua organização social e que determinou a diferença entre os seres humanos e outras espécies de animais. Nessa direção, com o aumento da população, os indivíduos iniciam um processo de trocas por meio da produção. Ainda, conforme Marx e Engels ( /1999), o que o ser humano produz e as ações que exerce no processo de produção vão determinar aquilo que ele é. Esses filósofos salientam que a realidade não é estática, mas está em constante transformação movida por suas próprias contradições 2. Então, essa produção característica dos seres humanos está em contínua alteração, visto que são seres dinâmicos e em mutabilidade frequente. O conceito de atividade, segundo a filosofia marxista, engloba três aspetos: atividade é orientada por um motivo, faz uso de instrumentos de mediação e produz algo como elemento da cultura que, nesse processo, objetiva o indivíduo e ao mesmo tempo subjetiva a atividade (MARX; ENGELS, /1999). Acredita-se, assim, que é na e pela atividade que o homem produz cultura. Nessa perspectiva, pode-se dizer que a atividade humana está relacionada com o processo de produção e com a historicidade dos sujeitos envolvidos nesse processo. Por esta se tratar de uma pesquisa com base na multiculturalidade, entendese que a realidade se transforma a todo instante e que os participantes entram em contradições, por meio da argumentação colaborativa, implicando novas possibilidades de ressignificações de sentidos. Marx e Engels ( /1999) explicitam que, embora se possa tentar compreender e definir o ser humano pela consciência, pela linguagem ou pela religião, o que realmente o caracteriza é a forma pela qual produz e reproduz suas condições de existência. Isso significa que o sujeito se transforma devido a seu local de vivência e ambientes em que transita. Vygotsky ( /1988) assumiu essa visão marxista para desenvolver uma teoria que relaciona desenvolvimento e aprendizagem. Seu conceito fundamental é o de mediação. A mediação, como pressuposto da relação Eu-Outro, é importante na perspectiva sócio-histórico-cultural porque é por meio dela que nos modificamos e transformamos a nós mesmos, o outro e o social. 214

215 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa Com base nessa teoria, cada participante segue uma divisão de trabalho preexistente e em desenvolvimento, seguindo regras e contribuindo para alcançar um objeto idealizado que se relaciona com a participação de cada um. A coletividade das atividades fica marcada pela importância da participação de todos os sujeitos envolvidos para o alcance de um resultado. O voluntariado educativo pode ser, então, entendido como uma atividade, quando se propõe aos participantes um espaço multicultural, no qual há sujeitos, comunidade, divisão de trabalho, objeto, regras e instrumentos. Quadro 2: A estrutura de um sistema de atividade Fonte: ENGESTRÖM (1987). Esta pesquisa enfoca como a linguagem transforma as ações dos participantes em um contexto de sujeitos sócio-histórico-culturais diferentes. Enfatiza questões do contexto escolar e considera que a linguagem proporciona transformações. Em outras palavras, a linguagem é considerada elemento constitutivo, ou seja, instrumento que possibilita ser sujeito ; isto é, por meio da linguagem, o sujeito, como um ser sociocultural, interage, dialeticamente, com o meio e com outros sujeitos e busca transformar o contexto no qual está inserido em um determinado momento histórico, considerando tanto seu passado como seu futuro. Nessa direção, a linguagem, em uma perspectiva dialógico-enunciativa, é estudada em seu aspecto argumentativo, como organizadora geradora do 215

216 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa compartilhar sentidos para a transformação do novo, contrariando a concepção da argumentação como um discurso de persuasão. A argumentação, nesta pesquisa, é apoiada em uma visão colaborativa, com a proposta de produção coletiva de significados compartilhados para a comunidade multicultural (LIBERALI, 2013). Num contexto multicultural, no qual se apresentam múltiplas formas de pensamentos, tratar a argumentação como persuasão é mantê-la em uma fronteira de distribuição desigual de poder. Não há chances de exposição e debates de ideias entre os participantes, pois não há a colaboração, sem a qual não existe a partilha de sentidos. É de suma importância relembrar Liberali e Magalhães (2009), que tratam a essência da colaboração como um ato que faz o sujeito assumir riscos ao compreender o compartilhamento de significados como um exercício de conflito, de partilha, de apropriação, de recusa, de aceitação, de confrontação e de combinação dos vários sentidos expostos pelo grupo e de criação-transformação. As contradições estão na base da concepção de colaboração aqui abordada. As contradições no sistema de atividade (ENGESTRÖM, 1999a) criam tensões e conflitos que, ao serem trabalhados, propiciam a produção de novos significados. Dessa forma, as contradições funcionam como fontes de movimentação e transformação colaborativa, isto é, como motores de inovações e descobertas. No voluntariado educativo, quando os participantes conversam sobre algum assunto, surgem contradições e pontos de vista diferentes e, assim, revela-se a possibilidade de transformação na atividade e nos participantes, sujeitos da atividade inseridos numa comunidade multicultural. De uma perspectiva dialógico-enunciativa, Liberali (2013) adota a argumentação colaborativa como fundamental na concepção da educação pautada numa visão multicultural, a qual compreende múltiplas formas de representação da realidade, de sentidos dessa realidade. Na visão da TASHC, o voluntariado educativo pressupõe a questão da multiculturalidade por apresentar várias atividades que se interligam num quadro, constituindo uma rede. Essas atividades, das quais os participantes fazem parte, são diversas, proporcionando a expansão da multiculturalidade. 216

217 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa Multiculturalidade, sentidos e significados para entender o contexto do voluntariado educativo Os conceitos de multiculturalidade, bem como os de sentido e significado, estes dois últimos centrais na obra de Vygotsky, são também essenciais para este trabalho, uma vez que é importante compreender de que maneira a multiculturalidade colabora para a criação de novos sentidos e significados pelos participantes. A multiculturalidade, nesta pesquisa, trata a relação entre os sujeitos em constante ligação na produção de múltiplos significados, colaborando para a criação de sentidos e significados nos participantes (LIBERALI, 2008). Em um ambiente multicultural se faz necessária a percepção de múltiplas formas de representação que conduzem a diversos modos de significar. Na perspectiva de Santos (2008), a diversidade pode ser cultural, epistemológica e ontológica, traduzindo-se em múltiplas concepções de ser e estar no mundo. Para o sociólogo, o próprio ato de conhecer é uma intervenção sobre o mundo, que nos coloca neste e aumenta sua heterogeneidade (SANTOS, 2008, p. 148). Diferentes modos de conhecer, então, terão consequências diferentes e efeitos diferentes sobre o mundo. Sendo assim, o autor propõe a ecologia de saberes, apontando a abertura de novos modos de conhecimento e o relacionamento entre eles. O contexto desse conhecimento provém de uma globalização hegemônica e uma contra-hegemônica, com relações de poder, de resistência, de dominação e de alternativas de hegemonia e de contra-hegemonia constitutivas dessa globalização. Trata-se de uma ecologia porque, segundo Santos (2010), baseia-se no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos e em suas interações sustentáveis, sem comprometer a sua autonomia. O voluntariado educativo apresenta-se como um espaço para observar a ecologia dos saberes, por ser um ambiente de pessoas provindas de diferentes meios sócio-históricos e que, segundo Santos (2008), é local onde se cruzam conhecimentos. Santos (2008) ainda afirma que a ecologia de saberes é a epistemologia da luta contra a injustiça cognitiva por se importar em ir além da distribuição equitativa do conhecimento científico; por não renunciar aos 217

218 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa conhecimentos científicos, mas também credibilizar os conhecimentos não científicos; por admitir os limites de qualquer tipo de conhecimento; por reconhecer os papéis dos conhecimentos na sustentação de práticas e na constituição dos sujeitos. Portanto, quem considera a ecologia de saberes precisa trabalhar de forma a reconhecer a presença da pluralidade de conhecimentos. Por meio da atividade do voluntariado educativo, é possível pressupor que todas as práticas de relações entre os sujeitos e entre eles e a natureza implicam mais de uma forma de saber. E essas maneiras de saber são expressas pela palavra, pela linguagem, que abre caminho para as contradições e ressignificações dos sujeitos. Liberali (2013) esclarece que a argumentação tem papel fundamental como suporte para o encontro de múltiplas culturas, pois é por meio da argumentação que os sujeitos têm acesso a posições distintas, que são aprofundadas por sustentações e bases de natureza diversa, as quais podem ser contestadas por visões contrárias. A argumentação colaborativa torna-se base necessária para o aparecimento de possibilidades de escolhas, pelos participantes da interação, na tomada de decisões sobre seus modos de viver, pois está permeada pelo discurso internamente persuasivo, que envolve a transformação ideológica da consciência individual (BAKHTIN, /1975/1998). O discurso internamente persuasivo compreende: [...] a interação máxima da palavra do outro com o contexto, a sua influência dialogizante recíproca ao desenvolvimento livre e criativo da palavra de outrem, às graduações das transmissões, ao jogo de fronteiras, aos pródromos longínquos da introdução pelo contexto da palavra alheia e as outras peculiaridades que expressam a mesma essência da palavra interiormente persuasiva. (BAKHTIN, /1975/1998, p. 146). De acordo com Liberali (2012), a voz internamente persuasiva cria sustentações para o pensamento autônomo e constitui a arena de tensão e de conflito com outros discursos internamente persuasivos. Para a autora, se não houver colaboração, a argumentação oferece aportes para a manutenção de desigualdades e de significados cristalizados, aproximando-se da ideia de persuasão e convencimento das perspectivas teóricas da retórica e da lógica, caracterizando-se 218

219 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa como um discurso autoritário, que não permite uma compreensão livre. Esse tipo de discurso força um entendimento incondicional; ele é apenas transmitido e o indivíduo o aceita ou o recusa por completo. Nessa linha, Magalhães (2010) aponta que a construção de um ambiente colaborativo não é uma tarefa fácil, pois os participantes envolvidos na atividade se constituem diferentemente por serem parte de contextos sócio-histórico-culturais diversos, com diferentes compreensões sobre o mundo e sobre si mesmos e que, consequentemente, divergem em suas escolhas sobre modos de agir. Segundo Magalhães e Oliveira (2011), a constituição do sujeito ocorre no processo interativo, de forma mútua. Para ambos colaboração precisa ser pensada na construção de um processo reflexivo-crítico, em que a organização da linguagem possibilite o foco nas contradições estabelecidas nas relações entre os participantes, motivadas por diferenças sócio-históricas (MAGALHÃES; OLIVEIRA, 2011, p. 111). Por isso, o trabalho colaborativo estará sempre focado nas contradições que se materializam nas relações humanas, pois é a partir da negociação dessas contradições que a colaboração também se materializará. A metodologia do trabalho Metodologicamente, este estudo está fundamentado pela Pesquisa Crítica de Colaboração, desenvolvida por Magalhães ( ), que tem como pressuposto interferir nos contextos possibilitando que todos sejam agentes de suas ações, por meio da colaboração e da contradição. A denominação crítica resulta da intenção de transformar os contextos nos quais a investigação se desenvolve; e o qualificador de colaboração pressupõe a participação ativa e conjunta dos participantes na negociação dos sentidos e significados mediada pela linguagem. Para a produção de dados, após autorização dos envolvidos e responsáveis, foram realizadas as seguintes atividades: gravações em áudio de dez aulas e uma entrevista. Como corpus deste artigo, selecionamos uma entrevista coletiva com os alunos da rede privada, um encontro com alunos das escolas privada e pública, na qual brincamos de um jogo de tabuleiros, denominada de aula 8. Essa aula foi escolhida por ter sido apontada pelos alunos da escola privada, na entrevista, como 219

220 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa um momento importante entre os alunos. Os sujeitos participantes foram os focais (pesquisadora-participante e 5 alunos da rede privada) e os não-focais (10 alunos da rede pública). Para a análise de dados, foram escolhidas as categorias de análise enunciativa, discursiva e linguística. Como pontua Liberali (2013), os aspectos enunciativos de análise estão focalizados no contexto do evento realizado, na dialética entre o local, o momento, os participantes, os objetivos e os conteúdos abordados e, também, seus modos de produção e realização. Portanto, para analisar as interações ocorridas nos encontros, os dados foram organizados e categorizados a partir dos objetivos da interação e dos papéis dos interlocutores (enunciadores) por meio dos conteúdos temáticos que foram trabalhados nas aulas. Os aspectos discursivos escolhidos para análise desta pesquisa são constituídos por mecanismos de plano organizacional que são: abertura, desenvolvimento e encerramento; organização temática, ou seja, se há ou não desenvolvimento ou pertinência e articulação, na qual envolve mecanismos utilizados para fazer perguntas. Essa forma de organizar discursivamente a interação cria multiplicidade de participação. A discussão de características linguísticas foi realizada a partir da abordagem de aspectos da materialidade do texto (LIBERALI, 2013). Os mecanismos de composição do discurso, aqui considerados são: mecanismos conversacionais, de coesão verbal, de conexão, de distribuição de vozes, de interrogação e de modalização. As categorias de interpretação estão relacionadas ao enfoque teórico discutido nas seções A Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural como base para a argumentação colaborativa e Multiculturalidade, sentidos e significados para entender o contexto do voluntariado educativo, a saber: multiculturalidade, sentidos e significados. Levando em conta uma pesquisa que envolve as relações coletivas entre pesquisadora-participante e alunos de espaços de culturas diferentes, a PCCol ocupa seu espaço para entender criticamente como se constrói a interação multicultural do contexto estudado. É importante constatar, então, quais são as necessidades da comunidade, a historicidade de cada um, já que cada ser humano está inserido em um contexto diferente e traz suas experiências vividas para formar 220

221 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa um sentido novo, que só poderá ser compreendido na medida em que se considerar o sujeito histórico-social. Discussão dos resultados: o voluntariado educativo em foco O voluntariado educativo, aqui exposto, trata da integração multicultural, a partir do qual participantes dialoguem, reconhecendo um ao outro, de acordo com a perspectiva enunciativa de Bakhtin (1979/1992), que enfatiza o caráter dialógico da palavra, configurando-a enquanto uma arena de luta pela significação; ou seja, a palavra se transforma por ser ouvida e empregada por outrem numa produção de interação social, a partir de pontos de vista de quem a emprega. Vygostky (1934/1987) afirma que a palavra evolui, que novos significados são produzidos, na medida em que os sujeitos externalizam e partilham seus sentidos. Para exemplificar a discussão dos dados, selecionamos três excertos, por se tratarem de encontros nos quais ocorreram momentos mais significativos de reflexão entre os participantes, discutindo sentidos e significados dos contextos vivenciados por eles no momento do jogo, bem como esclarecendo qual evento foi mais relevante para eles, durante os encontros. Esse teor é altamente pertinente para identificar o desenvolvimento da multiculturalidade pesquisada neste estudo. A cena de que esse excerto faz parte foi continuação de uma entrevista realizada pela pesquisadora-participante com os participantes focais. O propósito foi identificar um evento dramático que, segundo Vygotsky (1934, p. 121) relata, é um processo de significação produzido pelos sujeitos em suas relações sociais que pode ganhar dimensões sociopolíticas e afetivas, uma vez que em muitos momentos os indivíduos são convocados não somente a pensar, mas também a dar sua palavra, tomando decisões e expressando sua volição e isso implica escolhas, ganhos e perdas. O excerto se inicia com uma questão controversa solicitada por PP: M... então pra você o que você acha que foi mais marcante? uma atividade... um momento? um entrosamento? uma integração? que que cê/ acha que... pra/ você... foi mais marcante? (pesquisadora-participante) Aqui, a pesquisadora-participante empregou o advérbio então afetivamente, 221

222 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa revelando interesse pela resposta do aluno, e o adjetivo marcante, qualificando o tipo de atividade em que situava sua questão. M posicionou-se falando sobre o mais significativo para ele durante o projeto e exemplificou como isso aconteceu. o que mais marcou foi quando fizemos duplas...um do colégio e um do Centro pra/ gente falar sobre o projeto acho...porque acho que a gente aproximou um pouco o Centro do colégio naquela hora e é:: a gente também percebeu que a gente não tava/ fazendo muito nada até um pouco antes... (aluno M). Após M explicar o momento mais significativo, a pesquisadora-participante faz outra pergunta direcionando a resposta do aluno. tá... e lá... enquanto vocês estavam lá fora... teve alguma coisa que você achou interessante? conhecer um pouco a vida dos meninos? Cês/ chegaram a conversar? não? (pesquisadora-participante) Conforme Liberali (2013), os aspectos enunciativos são importantes para possibilitar a formação crítica argumentativa ao enunciador. Esse aspecto metodológico evidencia o contexto do evento realizado, a dialética entre os interlocutores e os conteúdos abordados. Seguindo a metodologia da PCCol, a pesquisadora-participante caracteriza os alunos, como sujeitos da pesquisa, conferindo-lhes a possibilidade de transformarem os contextos nos quais a investigação se desenvolve, além de proporcionar a participação ativa e conjunta dos participantes na negociação dos sentidos e significados mediados pela linguagem. O segundo excerto foi uma cena da aula 8, cujo objetivo era conversar sobre cidadania por meio de um jogo de tabuleiro. As iniciais com asterisco são os participantes focais. O excerto iniciou-se com o questionamento da pesquisadora-participante com relação à palavra (respeito) escolhida por duas duplas para eliminar outra palavra do jogo (humilhação). escolhe uma palavra com a sua dupla...respeito? e vocês acham o quê?...respeito também... por que que vocês acham que respeito vai tirar a pedra da humilhação? (as duplas escolheram as palavras sem ver qual a palavra que a outra dupla pegava). (pesquisadora-participante) 222

223 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa Ela fez um pedido de explicação e F* corroborou sua resposta, exemplificando o verbo humilhar. porque você humilha uma pessoa quando você não tem respeito por ela... quando você tira sarro dela...o tempo todo sem respeito... e isso não existiria... (Aluno F*) M*, por sua vez, entrelaçou sua voz à de F* colocando a palavra bullying como definidora do que é humilhar, desrespeitar. é o bullying.. (Aluno M*). A pesquisadora-participante solicitou o esclarecimento para o conceito de bullying. o bullying é uma forma de desrespeitar? é isso? o que que vocês acham? (pesquisadora-participante) Porém, a pesquisadora-participante fez uma pergunta de sim/não, seguida de um pedido de concordância, não sendo possível o desenvolvimento da resposta de F* ou M*. Houve um rompimento da possibilidade de apoio que revelasse interesse e consideração pelas colocações dos alunos. Isso pode ser evidenciado pela falta de perguntas que enfocam as contradições, com o objetivo de aprofundar os temas discutidos como promotores de novas compreensões (MAGALHÃES; OLIVEIRA, 2011). Conforme Magalhães (2011), a colaboração envolve, além de uma intencionalidade em agir e falar para ouvir o outro e ser ouvido, ações intencionais para assinalar contradições nas colocações feitas, quanto a sentidos e significados historicamente produzidos, entre os sistemas de atividade. Pode-se dizer, assim, que colaborar é um processo de construção com outros, em que os sujeitos trabalham juntos na compreensão e transformação de si mesmos, de outros e do mundo. Esse processo desencadeia a possibilidade de que múltiplas formas de pensar e agir venham à tona. Dessa forma, cria possibilidade de expansão multicultural. Segundo Liberali (2013) argumentação colaborativa torna-se base necessária para o aparecimento de possibilidades de escolhas, pelos participantes da pesquisa, na tomada de decisões sobre seus modos de viver. A pesquisadora-participante não 223

224 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa possibilitou que surgissem novos argumentos dos participantes, limitando, dessa forma a expansão multicultural na atividade. O entrelaçamento de vozes abre espaço para a criação colaborativa entre os sujeitos. Ao externalizarem seus pensamentos, por meio da linguagem, um age na fala do outro, entrelaçando suas vozes e entendendo as semelhanças, diferenças, complementaridades, entre outros, permitindo que todos possam ir além de seus próprios pensamentos. Isso está relacionado à afirmação de Engeström (1999a), ao explicar que a atividade é uma reorquestração da multiplicidade de vozes e pontos de vista de cada um de seus participantes. Apesar de a participante ter oferecido pouco espaço para diferentes vozes, durante o desenvolvimento da cena, TY deu continuidade ao processo de interação verbal, construindo seu discurso pela implicação do papel do colega. eu acho que é muita falta de respeito... (Aluno TY) Essas vozes, constituídas sócio-histórico-culturalmente (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1929/2010), estão envolvidas na colaboração, uma vez que elas são inseridas na fala entre o Eu-e-o-Outro, com abertura ao questionamento de si mesmo (LIBERALI; MAGALHÃES, 2009). Evidenciando a argumentação colaborativa, Liberali e Magalhães (2009), apontam a importância da colaboração como um ato que faz o sujeito assumir riscos ao compreender o compartilhamento de significados como um exercício de conflito, de partilha, de apropriação, de recusa, de aceitação, de confrontação e de combinação dos vários sentidos expostos pelo grupo e de criação-transformação. Isso comprova que para colaborar é necessária a contradição, o que permite a expansão multicultural pela diversidade de possibilidades que o processo gera. Ao questionar o que poderia ser humilhar, além do que já havia sido pontuado por TY, a pesquisadora-participante abriu espaço para que os outros alunos pudessem entrelaçar suas falas, trazendo seus sentidos à discussão. Ao fazer essa pergunta, a pesquisadora-participante construiu um contexto de colaboração (MAGALHÃES, 2010), no qual haveria espaço para o compartilhar. Abrir espaço para um contexto de colaboração é argumentar colaborativamente e, como Liberali (2013) ressalta, a argumentação é fundamental 224

225 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa na concepção de educação pautada numa visão multicultural, a qual compreende múltiplas formas de representação de sentidos da realidade. A argumentação colaborativatorna o debate significativo aos participantes e faz com que eles ajam de maneira a atingir uma transformação social (LIBERALI, 2013). Porém, é necessário que haja sujeitos articulando a argumentação nesse contexto multicultural. Infelizmente, esse processo de condução colaborativa realizado pela pesquisadoraparticipante foi tímido, pois não evidencia o princípio da argumentação colaborativa. O terceiro excerto é a continuidade do jogo ocorrido na aula 8. A cena de que foi extraído esse excerto aconteceu durante a discussão da terceira dupla para a finalização da jogada, em que uma das palavras deveria ser a ideal para a falta de estrutura da escola - envolvimento ou respeito. Uma dupla GD* e A escolhe a palavra envolvimento. vâmo/ lá... então ó::... a gente vai tirar a falta de estrutura da escola... heim...que palavra que cês/ vão usar? (Pesquisadora-participante) Falta de estrutura na escola era a pedra que ocupava uma das casas em que as duplas caíram. envolvimento... (Alunos GD* e A) envolvimento...e aí? a outra dupla pensou em? (Pesquisadora-participante) A outra dupla W e H escolhe a palavra respeito. :...respeito... (H e W) Então, a discussão se inicia: eu acho que é envolvimento, porque se as pessoas se envolvessem com a estrutura da escola não teria problemas... se o Governo se envolvesse mais com as escolas, elas teriam mais... elas seriam melhores e teriam mais recursos... (Aluno GD*) é vero (Aluna A) A, que é aluna da rede pública, concorda com o pensamento de GD*, aluno da escola privada. Por ser um local de sujeitos com origens sócio-históricas distintas, há uma multiplicidade de realidades e, conforme trata Liberali (2013), se nesse espaço há múltiplas possibilidades de representar e viver a realidade, então esse contexto é privilegiado para a reflexão de vivências que permite a construção de bases para escolhas de como ser no mundo. Nesse momento, W manifestou sua decisão com uso do verbo querer no 225

226 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa turno quero ficar com respeito e fez uma tentativa de explicação, a qual não foi bem sucedida, pois teve seu turno interrompido por H que, também, teve seu turno interrompido por A, que contra-argumentou em relação às respostas anteriores. Constata-se um jogo de palavras e discordâncias entre A, H e W. quero ficar com respeito... na sala de aula tem muita falta de educação com nóis/ mesmo... com [ (Aluno W) é...quando a professora tá explicando [ (Aluno H) tem nada a ver... tem nada a ver. cês/ tão/ explicando respeito... cês/ tem queexplicar por que essa palavra tem a ver com falta de estrutura na escola...(aluna A) então...respeito...(aluno H) falta de estrutura...(aluna A) então...estrutura é o quê? (Aluno H) então...o que que você acha que é estrutura? (Pesquisadora-participante) os professores da prefeitura tavam/ de greve e eles conseguiram que as salas...não tivessem mais 40 alunos dentro de uma sala de aula... (Aluna A) então...só muda isso...agora outra coisa muda? (Aluno W) agora...me fala uma coisa... W... isso que a A trouxe agora... que os professores conseguiram com que diminua o número de alunos... se diminuir o número de alunos dentro de uma sala... talvez os alunos (Pesquisadora-participante) aprendam mais. (Aluna A) O turno no qual W materializou seu pensamento, verbalizando-o, discordando e confrontando A por meio da colocação então...só muda isso...agora outra coisa muda?, indica que a historicidade de cada indivíduo o transforma para construir o modo como ele desenvolve sua perspectiva multicultural sobre fatos e expressões, como a discutida neste excerto (estrutura da escola). W frequenta a mesma escola que A e reside no mesmo bairro também; porém, ao se confrontarem, tornam possível a combinação dos vários sentidos expostos pelo grupo e da criaçãotransformação. Isso revela que colaborar não é aceitar o que o outro diz sem a existência da contradição (LIBERALI; MAGALHÃES, 2009). Desse modo é possível identificar que W adota um sentido diferente tendo em vista as colocações de A porque suas identidades refletem escolhas políticas e interações contínuas com outros sujeitos do espaço social. A pesquisadora-participante possibilitou, em alguns momentos, que os alunos pudessem ir além da simples distribuição equitativa do conhecimento científico, promovendo a produção ecológica de saberes com a participação dos sujeitos e seus diferentes saberes; a percepção da vontade de lutar contra a desorientação, 226

227 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa reconhecendo que não há caminhos absolutos nem verdades únicas, apenas permanentes processos de escolhas (SANTOS, 2008). Dessa maneira, como trata Liberali (2013), seria possível, por meio da argumentação e da contradição pontuadas no excerto, a produção coletiva de significados compartilhados para a comunidade multicultural. Essa é a visão da argumentação como articuladora da multiculturalidade. A característica humanizadora da metodologia da pesquisa crítica de colaboração abriu mais espaço para que os participantes fossem agentes de suas ações, por meio dos conflitos, contradições e capacidade de transformarem seus contextos, quando participam expondo seus pontos de vistas e contra-argumentando opiniões de seus pares. No caso desse excerto, há a presença de contradição. No entanto, os pontos de vista não são aprofundados com sustentações que permitem uma interação de vozes (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1929/2010) e uma compreensão aprofundada das razões para as escolhas multiculturais feitas por cada um dos participantes. Além disso, a pesquisadora-participante não os questiona para gerar sustentação ou apreciação das diversas formas de entender a realidade e de se posicionar frente a ela. De maneira semelhante, nesse momento, embora se realize uma apresentação das vozes discordantes dos diferentes participantes, o que aponta para um contexto de dessilenciamento, pouca expansão multicultural é realizada. Como não há sustentação ou aprofundamento de razões, exemplificações, descrições, explicações, os diferentes posicionamentos não se mobilizam para além da superfície de ideias diferentes, em uma expansão ampla e multicultural. Considerações Finais É preciso retomar a questão que nos angustia: Como os participantes desenvolvem a expansão da multiculturalidade em uma atividade do voluntariado educativo? Respondendo a pergunta, constata-se que há multiculturalidade presente nos espaços em que os alunos das escolas privada e pública se encontraram. Este é, por sua própria natureza, um ambiente híbrido, potencialmente compartilhador de 227

228 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa sentidos e significados; espaço fecundo em diferenças sócio-históricas-culturais, possibilitador do desenvolvimento da educação multicultural, pois é local em que os alunos podem conversar sobre suas vidas e experiências. No entanto, ao responderem a entrevista, os alunos da rede privada citaram somente um dos encontros como gerador de um evento dramático em que esse compartilhamento se tornou legítimo. Embora o conjunto dos dados da pesquisa mostre expansão multicultural na atividade do voluntariado educativo, fica evidente, por meio da entrevista na qual os alunos da rede privada foram questionados sobre eventos dramáticos e os excertos da aula 8 analisados, que a pesquisadora-participante poderia ter articulado melhor a argumentação e possibilitado que mais contradições ocorressem para a expansão da multiculturalidade. Isso revela o quanto é necessário assumir riscos ao compreender o compartilhamento de significados como um exercício de conflito, de partilha, de apropriação, de recusa, de aceitação, de confrontação e de combinação dos vários sentidos expostos pelo grupo (LIBERALI; MAGALHÃES, 2009). Ao final desta análise, é importante compreender que as ações da pesquisadora-participante precisam ser pautadas nas ações da argumentação colaborativa para que haja possibilidade de geração de uma expansão multicultural, com base na transformação proporcionada pelas reflexões. Agir pensando em expansão multicultural proporciona a oportunidade de construir significados sobre o assunto tratado, sob a perspectiva de Bakhtin (1979/1992), que enfatiza o caráter dialógico da palavra enquanto uma arena de luta pela significação. Isto é, a língua está em constante evolução na interação verbal social dos interlocutores e quando um sujeito fala, ele abre possibilidades de respostas. O ouvinte compreende e (re)avalia o enunciado a partir da sua ideologia, de seus valores. No momento em que os alunos constroem um sentido para falta de estrutura na escola, durante a aula na qual ocorreuum jogo de tabuleiros, abre-se espaço para a troca de experiências entre os participantes, alterando-se a totalidade existente. Mas, para que essa proposta seja realmente multiculturalmente expansiva, é necessário aprofundar o caráter das discussões por meio de questões que instiguem a sustentação e entrelaçamento das ideias. Nesta experiência investigativa, houve possibilidades para a pesquisadora- 228

229 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa participante refletir sobre como legitimar as múltiplas formas de crítica e contraargumentos, assegurar ampla participação de diferentes vozes e criar espaços seguros para permitir aos alunos falarem por si. E, para isso acontecer, é importante apresentar múltiplas formas de agir no mundo. Nessa direção, o estudo aponta para a importância das perguntas para expansão multicultural. Perguntar pressupõe interação; portanto, quando um professor pergunta, está, automaticamente, convidando o participante a uma postura ativa. Como Magalhães (2010) aponta, a construção de um ambiente colaborativo não é uma tarefa fácil. Contudo, é de fundamental importância que os pesquisadores críticocolaborativos se tornem também aprendizes envolvidos nas atividades e se sintam em processo de desenvolvimento nos contextos sócio-histórico-culturais diversos em que atuam. Dessa forma, poderão identificar as diferentes compreensões multiculturais sobre o mundo e sobre si mesmos e entender que trabalhar com escolhas multiculturais envolve discordâncias sobre modos de agir. Para um ambiente de expansão multicultural se realizar, é preciso que todos os participantes, principalmente os pesquisadores, se sintam realmente mobilizados a construir novas possibilidades de si. Notas * Marcela Moura Motta é pedagoga e mestre em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Atualmente é professora do Colégio Santa Cruz, São Paulo. Possui doze anos de experiência na área de Educação. mamamotta@hotmail.com ** Fernanda Coelho Liberali é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, no Departamento de Inglês e nos Programas de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) e em Educação e Formação de Professores (FORMEP). Possui pós-doutorado pela Universidade de Helsinki e pela Freie Universität Berlin. Atualmente, realiza estágio de pós-doutoramento na Rutgers University. É líder do GP/CNPq/PUC-SP Linguagem em Atividade no Contexto Escolar, representante brasileira do comitê internacional do Simpósio Internacional de Bilinguismo e Educação Bilíngue na América Latina (BILINGLATAM) e coordenadora geral do projeto nacional de extensão e pesquisa DIGIT-M-Ed Hiperconectando Brasil. liberali@uol.com.br 1 O sentido, para Vygotsky (1934/1987), é pessoal, trazido pelo sujeito a partir de suas experiências e história. Dessa forma, o sentido expressa a consciência, ou seja, a totalidade dos eventos psicológicos que a palavra desperta na consciência. Já, o significado, é um traço constitutivo da palavra; é a unidade da palavra com o pensamento. A palavra é generalização uma vez que o significado da palavra pode se modificar em sua natureza 229

230 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa interior, modifica-se também a relação pensamento e palavra. O significado da palavra evolui na medida em que os sujeitos entram em contato com novos sentidos e se desenvolvem. 2 De acordo com Engeström (1999a), as contradições não são apenas traços inevitáveis da atividade, mas sim a força motriz das mudanças e do desenvolvimento nos sistemas de atividade. Referências BAKHTIN, Mikhail ( /1975). O discurso no romance. In:. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, (1979) Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, ENGESTRÖM, Yrjö. Learning by expanding ten years after, 1999a. Disponível em: < Acesso em: 30 set Learning by expanding: an activity-theoretical approach to developmental research.helsinki: Orienta-Konsultit, LEONTIEV, Alexei Nikolaievich. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes, 1978a.. Activity and consciouness. In:. Philosophy in the URSS. Progress Publishers, Disponível em: < works/1977/leon1977.htm>. Acesso em: 28 jul LIBERALI, Fernanda. Argumentação em contexto escolar. Campinas: Pontes, Argumentation: tool and object in teacher education. In: MEDRADO, Betânia Passos; REICHMANN Carla Lynn (Orgs.). Projetos e práticas na formação de professores de língua Inglesa. João Pessoa, PB: Editora Universitária UFPB, v. 1, 2012, p LIBERALI, Fernanda; MAGALHÃES, Maria Cecilia Formação de professores e pesquisadores: argumentado e compartilhando significados. In: TELLES, João. A. (Org.) Formação inicial e continuada de professores de línguas: dimensões e ações na pesquisa e na prática. Campinas, SP: Pontes Editores, 2009, p MAGALHÃES, Maria Cecilia Vygotsky e a pesquisa de intervenção no contexto escolar: A pesquisa crítica de colaboração PCCOL. In: LIBERALI, Fernanda; MATEUS, Elaine; DAMIANOVIC, Maria Cristina (Org.). A teoria da atividade sócio- 230

231 Expansão multicultural e argumentação colaborativa no voluntariado educativo: uma experiência investigativa histórica-cultural e a escola recriando realidades sociais. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012, p Pesquisa crítica de colaboração: uma pesquisa de intervenção no contexto escolar. In: SILVA, Léa S. P.; LOPES, Jader Jane M. (Org.). Diálogos de pesquisas sobre crianças e infâncias. Rio de Janeiro: Editora da UFF, 2010, p MAGALHÃES, Maria Cecilia; OLIVEIRA, Wellington. Vygotsky e Bakhtin/Volochinov: dialogia e alteridade. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n.5, p , MARX, Karl; ENGELS, Friedrich ( ). A ideologia alemã. Edição Ridendo Castigat Mores. Rocket Edition, SANTOS, Boaventura S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, VYGOTSKY, Lev Semenovitch ( ) A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, Recebido em: março de Aprovado em: outubro de

232 O TEXTO DA CRIANÇA E A MISTURA DE VOZES NA SUA ESCRITURA: QUESTÕES DE ESTÉTICA, DE DIALOGISMO E DE POLIFONIA Fabiana Giovani * Moacir Lopes de Camargos ** Nathan Bastos de Souza *** RESUMO: Um dos objetivos das Ciências Humanas, a partir das contribuições bakhtinianas, é estudar o texto (enunciado) e seus contextos em relação com o ser humano. Ao conceber a linguagem como interação entre sujeitos, Bakhtin a afirma como constitutivamente dialógica. O conceito de dialogismo recobre o diálogo nem sempre harmonioso entre sujeitos e discursos. Ligado a isto, Bakhtin define os gêneros discursivos como tipos de enunciados relativamente estáveis, com três características, sendo elas: conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. É a partir da discussão do romance dostoievskiano que Bakhtin introduz o conceito de polifonia ao campo da linguagem. Ampliando a discussão, apoaremo-nos em autores que afirmam que todo o texto apresenta vozes às quais responde. Essa concepção polifônica do texto permite examinar a presença do outro (em oposição ao enunciador) discurso/interlocutor no interior do texto. Há também a dupla orientação do sujeito, que se move entre um mundo ético e um mundo estético. O primeiro é o mundo da vida, do acontecimento; o segundo é o mundo do acabamento e do distanciamento. Com tais premissas, analisaremos, via paradigma indiciário de Ginzburg, textos produzidos por alunos em alfabetização a partir de uma prática de linguagem contextualizada, focada na produção escrita de um gênero discursivo. Nosso foco será o acabamento estético dado ao texto e a presença da alteridade nos enunciados, via presença de outras vozes, textos/discursos. Palavras chave: Estética. Dialogismo. Polifonia. THE CHILD'S TEXT AND THE MIXTURE OF VOICES IN HIS WRITING: AESTHETIC, DIALOGISM AND POLYPHONY ISSUES Abstract: Considering the Bakhtinian contributions, one of the objectives of the Human Sciences is to study the text (the statement) and its contexts in relation to the human being. According to Bakhtin, to conceive language as interaction between subjects is to affirm it as constitutively dialogic. The concept of dialogism covers the not always harmonious dialogue between subjects and discourses. Linked to this, Bakhtin defines discursive genres as relatively stable types of utterances, with three characteristics: thematic content, style and compositional construction. It is from the discussion of the dostoevskian novel that Bakhtin introduces the concept of polyphony to the field of language. Expanding this discussion, we will rely on authors who claim that the whole text presents voices to which he responds. This polyphonic conception of the text allows one to examine the presence of the other (as opposed to the enunciator) speech/interlocutor within the text. There is also the double orientation of the subject, who moves between an ethical world and an aesthetic world. The first is the world of life, of the event; The second is the world of finishing and detachment. With such premises, we will analyze, using Ginzburg's index paradigm, texts produced by students who are learning to write from a contextualized language practice, focused on the written production of a discursive genre. Our focus will be the aesthetic finish given to the text and the presence of alterity in the statements, through the presence of other voices, texts/speeches. Keywords: Aesthetics. Dialogism. Polyphony. 232

233 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia Introdução A teoria bakhtiniana tem servido de pano de fundo para muitas investigações sobre contextos escolares. No nosso caso não é diferente: utilizamos as categorias de análises advindas desta teoria para estudar o acabamento estético dado pelo sujeito em cada enunciado seu produzido em um ambiente escolarizado. Ainda que a prática ora estudada parta de um ambiente não formal, ela aconteceu em uma escola 1. O norte do qual se parte é, segundo a teoria que nos respalda, o caráter semialheio da palavra. Assim, investigamos como a criança acaba o seu texto e como estão presentes nele as palavras compreendidas que se tornam várias vozes misturadas na escritura. A respeito do contexto da coleta de dados: Um grupo de cinco alunos de graduação da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) frequentava uma escola pública, na região da campanha gaúcha, durante o seu trabalho de iniciação à docência. Neste contexto, eram responsáveis por um projeto de letramento que envolvia os alfabetizandos do turno da tarde (1º ao 5º anos do ensino fundamental EF.) e suas professoras. Geralmente as atividades ocorriam em encontros de duas horas (2h.), em que se apresentava uma situação de produção que envolvia leitura e escrita. Ao final de cada encontro, o aluno era convidado a refletir com o gênero. No dia em que foram recolhidos os dados, a situação de comunicação foi a seguinte: o grupo encenou uma adaptação teatral do texto infantil de Ruth Rocha Borba, o gato. Nesta, uma gata sofria com uma senhora que lhe maltratava e resolveu fazer um suco da invisibilidade para poder passar despercebida pela mulher. No entanto, sua receita deu errado. As crianças foram convidadas (pela personagem) a dialogar com o gênero através da produção de uma receita que elas considerassem que fizesse efeito para a tal poção. Os textos que seguem foram produzidos por alunos do ensino fundamental (de várias séries), neste contexto em particular. Aporte teórico O objetivo das Ciências Humanas, a partir das contribuições bakhtinianas, é 233

234 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia estudar o texto (enunciado) e seus contextos em relação com o homem. Bakhtin (1992), ao conceber a linguagem como interação entre sujeitos a afirma como constitutivamente dialógica. O conceito de dialogismo recobre o diálogo nem sempre harmonioso entre sujeitos e discursos. Ligado a isto, Bakhtin (2003) define os gêneros discursivos como tipos de enunciados relativamente estáveis, com três características, sendo elas: conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. É a partir da discussão do romance dostoievskiano que Bakhtin (2013) introduz o conceito de polifonia ao campo da linguagem. Amorim (2004) amplia a discussão afirmando que todo o texto apresenta vozes às quais responde. Segundo a autora, esta concepção polifônica do texto permite examinar a presença do outro (em oposição ao enunciador) discurso/interlocutor no interior do texto. Em outros textos de Bakhtin (2010, 2011) é discutida a dupla orientação do sujeito, que se move entre um mundo ético e um mundo estético. O primeiro é o mundo da vida, do acontecimento; o segundo é o mundo do acabamento e do distanciamento. Metodologia de discussão Carlo Ginzburg (1989) busca, em seus estudos, elucidar como emergiu no século XIX, no âmbito das ciências humanas, um modelo epistemológico, por ele chamado de paradigma indiciário. Trata-se de um modelo voltado para análises qualitativas, cujas raízes se encontram na história de algumas práticas humanas como as de caça e de adivinhação. Adotar o paradigma indiciário pode ser muito produtivo em investigações concernentes à relação sujeito/linguagem. Assim, os dados da escrita inicial, por sua frequente singularidade, são indícios importantes do processo como um todo através do qual se vai continuamente constituindo e modificando a complexa relação entre o sujeito e a linguagem. A maior visibilidade de alguns aspectos do processo pode criar dados que contribuam de forma significativa para uma discussão mais profunda da relação sujeito/linguagem no interior da teoria linguística (ABAURRE et al., 1997). Uma reflexão fundada na adoção de um paradigma indiciário e voltada para a discussão do estatuto teórico dos comportamentos singulares pode vir a contribuir para uma melhor compreensão da relação que se instaura, a cada momento, do 234

235 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia processo de aprendizagem, entre as características eventualmente universais dos sujeitos e as diversas manifestações de sua singularidade (ABAURRE et al., 1997, p. 17). Sendo este um procedimento que tem como um dos princípios buscar indícios e olhar para tudo, até mesmo para dados considerados sem importância, além de reconhecer que estes podem fornecer a chave para compreensões e interpretações, foi a metodologia de pesquisa escolhida para procurar as marcas nos textos com relação à constituição de um projeto de dizer instaurado por crianças alfabetizadas a partir do diálogo com os gêneros do discurso. O que se apresenta na análise das produções textuais apresentadas aqui é a busca por pistas infinitesimais que, segundo Ginzburg (1989 p. 150), permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível. Ressaltamos, no entanto, que em se tratando de indícios, não há como estabelecer um grau de rigor. Como aponta o próprio autor: Este tipo de rigor é não só inatingível, mas também indesejável para as formas de saber mais ligadas à experiência cotidiana ou, mais precisamente, a todas as situações em que a unicidade e o caráter insubstituível dos dados são, aos olhos das pessoas envolvidas, decisivos. (Ginzburg, 1989 p. 178). Dessa forma, o que será apresentado na análise é uma das muitas possibilidades de indícios que poderiam ser encontrados nos textos e que fazer o que não significa negar a existência de outros, eles existem também, mas neste momento analisamos estes em particular. Análise e discussão A seguir apresentamos um recorte no corpus, nele, escolhemos quatro produções de alunos envolvidos na prática. 235

236 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia Texto 1: A autora é do quarto ano. Este sujeito prefere iniciar seu texto sem colocar um título, já inicia por enunciar os ingredientes que serão precisos para sua receita. Uma série de traços introduz cada novo ingrediente, segue-se números cardinais que indicam a quantidade de cada elemento. Alguns termos como pitada, colheres e litro comprovam o diálogo da criança com o gênero, já que são específicos dele. Além disto, é especificado pela criança qual o tamanho da colher que se deve utilizar 3 colheres (sopa) O uso de termos como punhado e pitadinha já inserem um pouco de subjetividade ao gênero, isto é, quebra-se, neste momento, a característica geral dele, que é de instruir ou ordenar ações (cf. DOLZ e SCHENEWLY, 2004). Os verbos que estão presentes no modo de preparo indicam uma lista de ações que devem ser feitas pelo leitor do gênero: coloca, mistura e leve. É interessante notar o uso do modo imperativo, imprescindível a uma receita. Inclusive, a autora indica um tempo de preparo, outro dado que indicia seu conhecimento do gênero. O enunciado rendimento: 2 xícaras nos permite afirmar que esta criança tem noção inclusive de que a receita irá render um certo número de porções. É possível afirmar que a autora já tem um conhecimento do gênero e isto pode se dar pelo diálogo dela com pessoas mais experientes, isto é, pode acontecer que alguém tenha ensinado algo sobre receitas a esta menina. O que é certo é que 236

237 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia há mais vozes aí, na tecitura da sua receita, já que as palavras provem do outro e ao utilizarmos elas em discurso esquecemos sua origem. Assim, ao colocar esta série de elementos que retiramos, via paradigma indiciário, do texto a menina dialoga com o gênero e coloca em discurso termos específicos do gênero. Texto 2: A autora é aluna do quinto ano. Neste texto podemos ver alguns indícios de um acabamento estético que comprovam a presença de algumas vozes que destoam daquela do sujeito autor. Vejamos quais pelos rastros que a autora deixa. A primeira questão é que a autora já inicia seu texto com um título, o que caracteriza o gênero instrutivo (cf a delimitação de capacidades de linguagem de DOLZ e SCHENEWLY, 2004). Os enunciados ingredientes e modo de preparo mostram que a criança já conhece, pelo menos, a estrutura do gênero, isto é, certamente já leu algum tipo de receita. A presença de uma série de números ordinais nos ingredientes dá a ideia de uma sequência, o que presume, de fato, a receita. Os números cardinais que se referem à quantidade de cada ingrediente indiciam também o uso de estruturas específicas do gênero. Ainda nos ingredientes, note-se o uso de unidades de medida próprias ao gênero: litro, pitadas, colheres, dedinho. No que se refere ao modo de preparo, observe-se uma série de marcadores de continuidade: primeiro, depois, e por fim, o uso dos 237

238 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia verbos no trecho bata e misture o resto. Certamente, o texto desta criança está atravessado por vozes que não são apenas a dela. Entram em diálogo aqui as vozes das personagens da peça encenada no início, a voz de algum familiar que costuma utilizar receitas, quem sabe alguma de programas de televisão que tem esta finalidade. Texto 3: O autor é aluno do quarto ano. No texto 3 o aluno dialoga com o texto também. Primeiramente, ele também coloca um título em sua receita: suco da invisibilidade. Depois disto ele lista uma série de ingredientes, naquele padrão verificado nos outros dois textos analisados, um número que chama um ingrediente. É interessante o uso das unidades dos ingredientes: enquanto o primeiro e quarto ingredientes aparecem como pimentas e bombons e o segundo e terceiro aparecem com unidades como o litro, o último aparece com a unidade grama. Construções como coloque primeiro, e depois coloque e mexa novamente dão uma ideia de continuidade ao enunciado e dão o tom do modo de preparo, que é uma sequência do uso dos ingredientes. Este menino também utiliza unidades de tempo que indicar quanto demora a ser feito o 238

239 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia suco. O enunciado e é só tomar dá acabamento ao texto, com ele, passa ao outro a palavra, ou seja, dirige ao outro uma contrapalavra. Tal enunciado acaba também estruturalmente o texto. A indicação de porções é característica importante também. Com isto podemos afirmar que os indícios comprovam a presença de mais vozes na tecitura do texto da criança, já que várias propriedades formais do texto são utilizadas, além de apresentar estilização no enunciado final e é só tomar que causa uma proximidade com o leitor. Assim, podemos afirmar que estas vozes estão aí em diálogo: a do aluno autor, a da gata que solicita ajuda para produzir uma receita eficaz (personagem da peça teatral), e a de outras que só podemos inferir sobre a existência, como a de familiares que usem receitas ou o próprio sujeito poder ter visto algum programa de televisão em que isso ocorre. Enfim, passemos ao último texto. No texto 4 (a seguir), há uma estilização que comprova a subjetividade do autor. O diálogo que ele faz com o texto já é diferente daquele que os outros textos travaram, ele amplifica a receita, já não é mais um suco, mas sim uma receita de bolo da invisibilidade. Ela serve para o enunciado gerador da escrita que solicitava uma receita eficaz para a invisibilidade. O menino, ao dialogar com o texto, se apropria da estrutura, da mesma maneira que os demais: apresenta um título bolo da invisibilidade, mostra uma lista de ingredientes mais sucinta que as anteriores analisadas ainda que não utilize o termo ingredientes para iniciá-la. A palavra preparo antecipa a série de ações que o leitor deve fazer. O verbo conjugado no imperativo, no enunciado presente nesta seção, comprova o seu diálogo com o gênero. O enunciado 3 Hora adverte o tempo de espera depois de misturar os ingredientes. A palavra rendimento indica quanto se espera da receita. O menino faz questão de ser sucinto. Além de mudar o caráter da receita, que seria um suco e ele transformou em bolo, ele é coerente com os ingredientes que se espera para uma receita de bolo. Isto indicia que ele dialoga com outras vozes, já que parece que uma criança com dez anos não saiba fazer um bolo sozinho, assim, ele possivelmente viu alguém preparando este alimento e dali depreendeu quais se utilizam e usa-os na sua receita. 239

240 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia Texto 4: De um aluno do quinto ano. Considerações finais Por fim, depois de feitas estas análises, podemos fazer algumas considerações finais a respeito do diálogo que travaram com o gênero estas crianças. O acabamento estético, conforme a teoria bakhtiniana, é o passar a palavra ao outro, o convocar ao diálogo, o impor a resposta. Assim, mesmo em um gênero instrutivo como a receita, os alunos que escreveram-no convocando o outro a produzir a receita, o que é o motivo do gênero. Não se pode afirmar, no entanto, quais vozes entram em diálogo nos enunciados dos sujeitos por um motivo: de acordo com Bakhtin (1992), há um processo paulatino de esquecimento das origens da palavra alheia. Isto é, entramos em um mundo cheio de palavras, estas são alheias. Nos constituímos na linguagem à medida que nos apropriamos e utilizamos estas palavras, dando ao outro contrapalavras. Desta maneira, o aluno dialoga com o gênero receita porque já ouviu alguém o falando na televisão, porque alguém utiliza o gênero em casa, porque a gata da peça teatral que serviu que pano de fundo e contexto para a produção disse algumas de suas características. São várias vozes e é impossível rastrear a origem delas. Nós compreendemos o mundo com estas palavras que são nossas porque as incorporamos ao nosso discurso, mas que foram e são ainda, mesmo que não saibamos mais quem as proferiu, do(s) outro(s). 240

241 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia Assim, acreditamos que os textos acima analisados podem ser ditos como polifônicos porque são a materialização do diálogo da criança com outras tantas vozes incontáveis com as quais dialogou. É claro que não extrapolamos a polifonia bakhtiniana; é certo que são menos vozes que o romance polifônico, esta é a aproximação ao conceito do autor e a sua atualização no estudo de outro gênero discursivo. Ainda que os gêneros de caráter instrutivo sejam mais fechados, verificamos que alguns sujeitos utilizaram livremente de estilização nos seus textos. O próprio uso de estruturas características do gênero ou a sua supressão dizem muito de estilo pessoal de cada um. Por exemplo, o fato de o último texto ser bem menos descritivo que os anteriores. Por fim, podemos afirmar que na tecitura do texto entram em diálogo esta multiplicidade de vozes que constituem o sujeito no mundo do outro. Daí que desde a alfabetização o aluno tenha garantias de construção de um projeto de dizer, a criança precisa ter estes espaços desde seus primeiros contatos com a língua escrita. Notas * Fabiana Giovani é doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita - UNESP, Araraquara/SP. Atualmente é professora da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA/Campus Bagé, RS). Na instituição, é coordenadora do subprojeto Letras/2013, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)/CAPES e é líder do grupo de pequisa GEBAP (Grupo de Estudos Bakhtinianos do Pampa). fabiunipampa@gmail.com ** Moacir Lopes de Camargos é doutor em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (2003). Possui pós-doutorado em Humanidades pela Universidade de Córdoba, Argentina (2008). É professor do Colegiado de Letras da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA/Campus Bagé, RS) e do Mestrado profissional em Ensino de Línguas da mesma universidade. l_moacir@hotmail.com *** Nathan Bastos de Souza é mestrando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos (PPGL/UFSCAR). É membro do Grupo de Estudos Bakhtinianos do Pampa (GEBAP/UNIPAMPA) e do Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGe/UFSCar). 1 Este texto encontra diálogo com outros que já produzimos. Para tanto, indicamos a leitura dos seguintes textos: Giovani (2010); Giovani e Souza (2014); Giovani; Bastos; Camargos (2015). Os resultados obtidos a partir do corpus analisado, aqui em recorte, serão discutidos em outros eventos acadêmicos. 241

242 O texto da criança e a mistura de vozes na sua escritura: questões de estética, de dialogismo e de polifonia Referências ABAURRE, M. B. et. al. (Org.). Cenas de aquisição da escrita. Campinas: Mercado de Letras, AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa editora, BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Ed. Hucitec, Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, GERALDI, J. W. (Org.). O texto em sala de aula. São Paulo: Ática, GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In. GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, GIOVANI, F. A ontogênese dos gêneros discursivos escritos na alfabetização. Tese (doutorado em Linguística e Língua Portuguesa). Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho. Faculdade de Ciências e Letras (UNESP). Araraquara: Brasil, GIOVANI, F. SOUZA, N.B. Bakhtin e a Educação: a ética, a estética e a cognição. São Carlos: Pedro & João Editores, GIOVANI, F.; BASTOS, N. S.; CAMARGOS, M. L. A alfabetização como construção de um projeto de dizer: o lugar do sujeito autor por meio da circularidade dos gêneros do discurso. In. NASCIMENTO, Lucas (Org.). Leitura e escrita: o ensino na Alemanha, no Brasil, da França e na Suécia. Alemanha: Novas Edições Acadêmicas, SCHENEWLY, B. DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, Enviado em: maio de Aprovado em: junho de

243 PARECERISTAS AD HOC 2016 Pareceristas ad hoc que contribuíram com a avaliação de manuscritos enviados para a Revista Educação e Linguagens em PARECERISTA INSTITUIÇÃO ESTADO/PAÍS Alessandro de Melo Universidade Estadual do Centro- Oeste - UNICENTRO Paraná Amparo Villa Cupolillo Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ Rio de Janeiro Ana Amélia Calazans da Rosa Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo São Paulo (Fapesp) Andréa Lúcia Sério Bertoldi Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/Campus de Curitiba II Panará Andreia Nakamura Bondezan Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE/Foz do Iguaçu Paraná Angelo Adriano Faria de Assis Universidade Federal de Viçosa - UFV Minas Gerais Antônia Alves Pereira Universidade Federal do Pará- UFPA Pará Benedita Afonso Martins Universidade Federal do Pará - UFPA Pará Eliana Merlin Barros Universidade Estadual do norte do Paraná - UENP Paraná Elódia Constantino Roman Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG Paraná Enio de Paula Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo São Paulo Érica Antunes Pereira Universidade de São Paulo - USP São Paulo Fabiana dos Anjos Pinto Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ Rio de Janeiro Fábio Borges Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR/Campus de Campo Paraná Mourão Felix Alexandre Antunes Soares Universidade Federal de Santa Maria UFSM Rio Grande do sul Flávia Zanutto Universidade Estadual de Maringá - UEM Paraná Francimar Teixeira Universidade Federal de Pernambuco UFPE Pernambuco Gabriela Domingues Coppola Universidade Paulista - UNIP São Paulo Gabriela Fiorin Rigotti Faculdades Integradas Maria Imaculada São Paulo Gabriela Sousa Rego Pimentel Universidade do Estado da Bahia - UNEB Bahia Glória Maria Monteiro de Carvalho Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP Pernambuco Gustavo Cunha de Araújo Universidade Federal do Tocantins Tocantins Hanna Cebel Danza Universidade de São Paulo - USP São Paulo Idalena Oliveira Chaves Universidade Federal de Viçosa - UFV Minas Gerais Luciana Figueiredo Lacanallo Arrais Universidade Estadual de Maringá - UEM Paraná Jane Kelly de Oliveira Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG Paraná 243

244 Maria da Penha Casado Alves Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Rio Grande do Norte Marco Antonio Morgado da Silva Universidade de São Paulo - USP São Paulo Michelle Fernandes Lima UNICENTRO/Irati Paraná Maria Angélica Olivo Francisco Lucas Universidade Estadual de Maringá - UEM Paraná Marisa Corrêa Silva Universidade Estadual de Maringá - UEM Paraná Maria Teresa Gonçalves Pereira Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ Rio de Janeiro Olga Alicia Gallardo Milanés Universidad de Holguín Cuba Paulo de Assis de Almeida Guerreiro Universidade do Estado da Bahia - UNEB Bahia Pedro Vilarinho Castelo Branco Universidade Federal do Piauí - UFPI Piauí Rosefran Adriano Gonçales Cibotto Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR/Campus de Campo Paraná Mourão Rosimeire Maria Orlando Universidade Federal de São Carlos - UFSCar São Paulo Rita de Cássia Aragão Matos Universidade Federal da Bahia - UFBA Bahia Samilo Takara Faculdade Maringá e Faculdade Integrado Paraná Sanimar Busse Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE Paraná Telma Adriana Pacifico Martineli Universidade Estadual de Maringá - UEM Paraná Vilma Aparecida Galhego Universidade de São Paulo - USP São Paulo Wagner Vonder Belinato Universidade Estadual de Maringá - UEM Paraná Xus de Miguel Vallejo Universidade de Barcelona - UB Espanha 244

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