Revista de Direito da ESA Barra

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2 Revista de Direito da ESA Barra Revista de Direito da ESA Barra 57ª SUBSEÇÃO BARRA DA TIJUCA - RJ ANO IV - NÚMERO 7 Janeiro / Junho de

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4 Revista de Direito da ESA Barra Conselho Editorial Coordenação-Geral Claudio Carneiro Célio Celli Edição Claudio Carneiro Jurema Carneiro de Oliveira Célio Celli Assitente de Edição Christiano Ricardo de O. Bezerra Conselho Editorial Ana Paula Canoza Caldeira - RJ Célio Celli - RJ Claudio Carneiro - RJ Cleyson de Moraes Mello - MG Hércules Pereira - RJ Luiz Annunziata Neto - RJ Polyana Vidal Duarte - MG Rafael Tomaz de Oliveira - SP Rogério Montai de Lima - RO Yuri Schneider - RS Colaboradores Christiano Ricardo de O. Bezerra Daniela Cavaliere 3

5 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ expediente Ordem dos Advogados do Brasil - Barra da Tijuca/RJ - 57ª subseção Presidente Cláudio Carneiro Vice-presidente Marcus Soares Secretário-Geral Ricardo Braga Secretário-Geral-Adjunto Célio Celli de Oliveira Lima Tesoureiro Christianne Bernardo Diretor da ESA Célio Celli Projeto Gráfico / Diagramação Instituto de Gestão Educacional Signorelli Carla Salgado Rosane Furtado Publicação Gratuita Periodicidade Semestral Formato Digital e Impresso Acesso 4

6 Revista de Direito da ESA Barra SUMÁRIO ConseLHO Editorial...3 EXPEDIENTE...4 SUMÁRIO...5 PALAVRA DO PRESIDENTE...9 por Claudio Carneiro APRESENTAÇÃO...11 por Célio Celli AÇÃO CIVIL PUBLICA COMO FORMA DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL...13 por Carla Sendon Amejeiras Veloso INTRODUÇÃO CONSIDERAÇÕES INICIAIS ORIGEM CONCEITO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO OBJETO ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO OS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO DADOS ATUAIS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO...25 CONSIDERAÇÕES FINAIS...26 REFERÊNCIAS...27 A AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL...29 por Ronaldo Figueiredo Brito por Jurandy Severo de Barros Júnior Breve Introito CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL O ACESSO DO ADVOGADO AO INQUÉRITO POLICIAL A AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL AS MUDANÇAS TRAZIDAS COM O ADVENTO DA LEI / CONCLUSÃO...40 REFERÊNCIAS

7 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 43 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: UMA COLA- BORAÇÃO AO CONCEITO DE VULNERÁVEL E REFLEXÕES SOBRE OS CRIMES SEXUAIS...43 por Luciano Filizola INTRODUÇÃO O ESTATUTO DO DEFICIENTE FÍSICO SEXUALIDADE E CONTROLE PENAL A PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE...50 CONCLUSÃO...54 REFERÊNCIAS O ABUSO DE DIREITO NA ESTABILIDADE GESTANTE, A INEXISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO EMPREGADOR, O ÓCIO REMUNERADO E O DESSERVIÇO NA BUSCA DAS MU- LHERES POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO...55 por Humberto Muzzio Almirão INTRODUÇÃO DO ADCT E DAS SÚMULAS SOBRE A ESTABILIDADE GESTANTE DA AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO E DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR DO ABUSO DE DIREITO DA PROTEÇÃO EXCESSIVA E DO DESSERVIÇO A BUSCA DAS MULHERES POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO...72 CONCLUSÃO...75 REFERÊNCIAS OS DIREITOS HUMANOS VIOLADOS PELO TRÁFICO DE PESSOAS...77 por Gleyce Anne Cardoso INTRODUÇÃO OS DIREITOS HUMANOS VIOLADOS PELO TRÁFICO DE PESSOAS INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO DE DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS CON- TRA O TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL...86 CONCLUSÃO...90 REFERÊNCIAS

8 Revista de Direito da ESA Barra O DESAFIO DO ADVOGADO NA MEDIAÇÃO À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL...93 por Márcia dos Santos Pimentel Nunes por Maria Cristina Ribeiro Dantas INTRODUÇÃO PRESTAÇÃO JURISDICIONAL JUSTA ORIGENS A FORMAÇÃO ADVERSARIAL DO ADVOGADO O ADVOGADO, A MEDIAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DA RE- PÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL O ADVOGADO, A MEDIAÇÃO E O NOVO CÓDIGO DE PRO- CESSO CIVIL LEI DE 16 DE MARÇO DE ESCOLAS CLÁSSICAS DA MEDIAÇÃO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS A TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE E O IMBRÓGLIO PROCEDIMENTAL PARA SUA ESTABILIZAÇÃO por Valéria Julião Silva Medina INTRODUÇÃO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS NO NOVO CPC DO RÉFÉRÉ FRANCÊS E BELGA E A ESTABILIZAÇÃO ITALIANA, FONTES DE INSPIRAÇÃO DO PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECE- DENTE E SEU IMBRÓGLIO PROCEDIMENTAL NO NOVO... CPC A PROPOSTA INTERPRETATIVA PARA EFETIVAÇÃO DA ES- TABILIZAÇÃO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE NO NOVO CPC E SUA(IN) APLICABILIDADE NO PROCESSO TRIBUTÁRIO..131 por Claudio Carneiro Introdução O Novo CPC e o incidente de desconsidera- ÇÃO da personalidade jurídica SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA

9 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 2.1 MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE POR TRANSFERÊN- CIA RESPONSABILIDADE OBJETIVA VERSUS SUBJETIVA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE OBRIGATORIEDADE DO NOME DO RESPONSÁVEL NA CDA CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS A RESPONSABILIDADE PELO FATO E VICIO DO PRODUTO NO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR Por Gilberto Magno Stanchi Filho SUMMARY INTRODUÇÃO VÍCIO E DEFEITOS DOS PRODUTOS E DOS SERVIÇOS NA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR A TRANSPARÊNCIA E HARMONIA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

10 Revista de Direito da ESA Barra PALAVRA DO PRESIDENTE Ao ser nomeado, no ano de 2013, Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB Barra, assumi o grande desafio de colocar a ESA Barra em uma posição de destaque no ensino jurídico do Rio de Janeiro. Trabalhamos muito e obtivemos grandes conquistas para a Advocacia da Região e lá desempenhamos nosso papel até dezembro de Orgulhamo-nos de ter desempenhado nossa tarefa com muito carinho e dedicação e uma das conquistas mencionadas foi a realização de mais um sonho, qual seja a criação da Revista de Direito da ESA Barra, hoje em sua 7ª edição. Apesar das dificuldades normais enfrentadas para a criação de um periódico, já no segundo ano da obra (2014) conseguimos o ISSQN e a qualificação pela CAPES. Daí em diante, a Revista na versão impressa e digital, alcançou rapidamente sucesso acadêmico em todo o Brasil, o que permitiu que diversos professores Doutores de todo o país compusessem o Conselho Editorial. Como dito, a Revista da ESA Barra se encontra agora na sétima edição e quis o destino que eu fosse eleito Presidente da OAB Barra para o triênio 2016/2018 e, dessa forma, poder 9

11 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ continuar a ver o nosso filho crescer e continuar ajudando nas suas edições. Agora, nossa missão é ainda maior, consequentemente o desafio também, pois à frente da Presidência da OAB Barra nossa tarefa é zelar pelos interesses de toda a advocacia da Região e isso vai muito além da área de ensino, como por exemplo, aprimorar áreas sensíveis como a Comissão de Assistência às Prerrogativas da Classe e questões junto ao Poder Judiciário. Enfim, com a mesma motivação que assumi a ESA Barra em 2013, tomei posse em janeiro de 2016 na Presidência da OAB Barra e espero continuar a gestão da Subseção com os mesmos resultados positivos alcançado em nossa Escola, e agora nomeio nosso competente amigo Célio Celli para a Direção da ESA Barra.. Claudio Carneiro Presidente da OAB Barra 10

12 Revista de Direito da ESA Barra APRESENTAÇÃO A Assumir a Escola Superior de Advocacia da Barra e dar continuidade ao excelente trabalho desenvolvido pelo então Diretor e atual Presidente desta Subseção, Professor Cláudio Carneiro foi um instigante desafio. Com singular maestria, o Diretor elevou o nome da ESA Barra a elevado patamar de reconhecimento, o que fez tornar a Escola uma referência nacional dentre as demais Subseções. Assim, foi com muito orgulho que recebi das mãos do Presidente a nobre missão de me confiar o esforço desenvolvido, sob o compromisso de tentar manter a qualidade e a seriedade apresentadas. Dessa forma, não poderia deixar de dispensar especial atenção à Revista de Direito da ESA Barra, totalmente voltada à comunidade acadêmico-científica. Com o total apoio do Presidente e da Equipe, efetuamos algumas alterações quanto à chamada de artigos, atuação dos pareceristas e na formatação, a começar pelo nome da Revista, agora sob a égide do Direito Contemporâneo, em que o objetivo é justamente unir a ciência à prática. Contem com a ESA Barra e que essa Revista continue a ser respeitada como importante instrumental aos profissionais da Região da 57ª Subseção. Célio Celli Diretor da ESA Barra 11

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14 Revista de Direito da ESA Barra AÇÃO CIVIL PUBLICA COMO FORMA DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL CIVIL ACTION PUBLISHES AS A FORM OF COMBATING WORK CONTEMPORARY SLAVE IN BRAZIL por Carla Sendon Amejeiras Veloso 1 RESUMO O presente trabalho elabora reflexões sobre a ação civil pública como mecanismo judicial de combate à escravidão contemporânea em nosso país. A análise terá como escopo a erradicação do trabalho escravo no Brasil. A abordagem se dará através do estudo da origem, competência, finalidade, objetivo, legitimidade, ajuizamento, bem como penalidades impostas e efeitos da coisa julgada desta ação judicial. A justificativa do tema se dá pela relevância social da questão que viola os Direitos Fundamentais dos indivíduos, e, pela relevância na demonstração da atuação do Ministério Público do Trabalho no combate a esta forma desumana de trabalho. A relevância do assunto também pode ser demonstrada, uma vez que para competirem com os preços internacionais de mercado constatamos tanto no âmbito urbano como rural a pratica criminosa de exploração de mão de obra. PALAVRAS-Chave: Ação Civil Pública. Escravidão. Direitos Humanos. Ministério Público. Erradicação. 1 Mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis UCP. 13

15 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ ABSTRACT This paper elaborates thoughts on the civil action and judicial mechanism to combat modern-day slavery in our country. The analysis will have scoped the eradication of slave labor in Brazil. The approach will be through the study of the origin, competence, purpose, goal, legitimacy, prosecution and penalties imposed and the effects of res judicata about this lawsuit. The justification of the topic is given to the social relevance of the issue which infringes the fundamental rights of individuals, and the importance in the statement of operations of the Ministry of Labor in combating this inhumane form of work. The relevance of the subject can also be demonstrated once to compete with the prices of international market prevails the practice of labor exploitation. Both in urban and rural areas. Keywords: Civil Action Public, Slavery, Human Rights, Public Prosecution, Eradication. 14

16 Revista de Direito da ESA Barra INTRODUÇÃO O presente artigo tem como finalidade demonstrar a atuação da ação civil pública como mecanismo jurisdicional de erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Para atingir esse objetivo opta-se por realizar pesquisas de caráter bibliográfico e científico. A Ação Civil Pública Trabalhista que iremos abordar terá como foco a erradicação do trabalho escravo contemporâneo, sendo a análise voltada para os direitos metaindividuais difusos, coletivos e individuais homogêneos. Vale asseverar, que o direito do trabalho surgiu, em sua concepção, como um direito da classe dos trabalhadores, sendo certo afirmar que as demandas iniciais possuíam caráter individual ou coletivo, através da representação sindical. Excetuando o direito sindical não havia outros mecanismos de tutela coletiva. Em nosso direito pátrio constata-se que a Lei 4.717/65 instituiu a ação popular significando grande avanço à tutela dos chamados direitos metaindividuais, ou seja, aqueles direitos que transcendem o indivíduo para alargar-se de forma a abranger, sempre em grupos, coletividades definidas ou não. Entretanto, considerando-se que a ação popular destina-se à defesa do patrimônio público e que a legitimidade para propô-la é do cidadão, que em regra é a parte hipossuficiente na relação de trabalho, na esfera trabalhista ela foi restringida ou quase anulada. 2 Desta sorte, cumpre asseverar, que a Ação Civil Pública, inserida através da Lei 7.347/85, e ampliada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Código de Defesa do Consumidor através da Lei 8.078/90, preencheu a lacuna na defesa dos interesses metaindividuais, com ampla aplicação no direito do trabalho. 2 O TRT da 10ª Região declarou, inclusive, a incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer da ação popular com finalidade de anular licitação de mão de obra temporária da Caixa Econômica Federal ante o argumento de que na Justiça do Trabalho tal questionamento deveria se dar via ação civil pública e não ação popular, que teria a Justiça Comum como competente para o seu julgamento (TRT 10ª Região, 1ª Turma, RO: ). 15

17 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Nas lições de Maurício Godinho Delgado: As ações metaindividuais não se dirigem, portanto, à tutela de qualquer tipo de pretensão, em face de qualquer tipo de interesse e direito, em decorrência de qualquer tipo de dano. É fundamental que haja certo nexo de massividade em torno do dano, do interesse, do direito e da pretensão objetivados. Tal nexo de massividade é encontrado nos chamados interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. 3 A escolha do tema se justifica por representar o trabalho análogo à escravidão uma ameaça à ordem interna Estatal, caracterizando-se frontal violação aos direitos humanos, sendo, necessária uma abordagem sobre este instrumento jurídico eficaz de proteção aos interesses metaindividuais. Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica e científica, opta-se por trabalhar com doutrinadores, teóricos e estudiosos que possam contribuir para a discussão de forma crítica com a expectativa de superar o senso comum sobre o fenômeno do combate à escravidão através da Ação Civil Pública, assim como análise de casos concretos. 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1 ORIGEM A Ação Civil Pública surge no ordenamento jurídico processual brasileiro através do advento da Lei Complementar número 40/1981 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), de forma restritiva, e, ampliada com a criação da Lei 7.347, de 24 de julho de O atual texto foi integrado pelas modificações inseridas pelas normas processuais da Lei 8.078/1990 que estabeleceu o Código de Defesa do Consumidor em nosso sistema jurídico. Vale aduzir, que as legislações pretéritas foram recepcionadas pela Carta da República de 1988 em seu artigo 129, inciso III, conferindo legitimação ativa ao Ministério Público, bem como utilizando-a como instrumento de cidadania, destinado à defesa de quaisquer interesses metaindividuais da sociedade. Um ano após a promulgação da referida carta, a lei n 7.853, de 24 de outubro 3 DELGADO, Maurício Godinho, Direito Coletivo do Trabalho, 4. ed. São Paulo, Ltr., 2011, p

18 Revista de Direito da ESA Barra de 1989, previu a tutela jurisdicional coletiva ou difusa para atender aos anseios dos portadores de deficiência, também o fez a lei n 7.912, de dezembro de 1989 que tratava de Ação Civil Pública por danos causados aos investidores no mercado de valores. Tornando-se assim precedentes preciosos para a tutela total dos direitos da coletividade. Contudo, foi somente com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990, que foram inseridos, em nosso ordenamento jurídico, os conceitos legais de interesses difusos e dos interesses coletivos que oportunamente serão abordados no decorrer deste trabalho. A Lei Complementar número 75/1993, em seu artigo 83, estabeleceu o cabimento na esfera trabalhista da Ação Civil Publica, verbis: 4 Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: I - (...) II- (...) III- promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Observa-se, portanto, que a Justiça do Trabalho, possui ampla competência para processar e julgar esta demanda, sendo relevante destacar que ela possui um papel fundamental na punibilidade das demandas que envolvem a escravidão contemporânea. 1.2 CONCEITO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO A Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei nº 7.347/85, é conceituada por Hely Lopes Meirelles como: (...) instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, protegendo os interesses difusos da sociedade. Não se presta a amparar direitos individuais, nem se destina à reparação de prejuízos causados por particulares pela conduta, comissiva ou omissiva, do réu visitado em 06/01/ MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado 17

19 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Gianpaolo Poggio Smanio aduz que a Ação Civil Pública é aquela que tem por objeto os interesses transindividuais ou metaindividuais. 6 Hugo Nigro Mazzini 7 justifica o uso da expressão Ação Civil Pública em contraposição à Ação Penal Pública que é competência exclusiva do Ministério Público. Sua designação é justificada tanto pela titularidade da ação, como pelo seu objeto que é a defesa de interesse público, ou seja, interesse difuso especificamente. Vale aduzir, que tanto a Lei n /85, como as Leis posteriores, e a própria Constituição, ao disciplinarem a ação civil pública, não a restringiram à iniciativa do Ministério Público. Ação civil pública passou a significar não só a ação ajuizada pelo Ministério Público, como a ação proposta por outros legitimados ativos pessoas jurídicas de direito público interno, associações e outras entidades desde que seu objeto fosse a tutela de interesses difusos ou coletivos (agora um enfoque subjetivo-objetivo, baseado na titularidade ativa e no objeto específico da prestação jurisdicional). O conceito de ação civil pública alcança hoje, portanto, mais que as ações de iniciativa ministerial; é útil, contudo, dar atenção especial a estas últimas, porque, ordinariamente, é o Ministério Público quem toma a iniciativa de sua propositura. Em se tratando das ações de que cuida o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n /90), em regra seu ajuizamento cabe aos órgãos do Ministério Público investidos nas funções de Curadoria de Menores (os quais, nas novas Leis Orgânicas do Ministério Público, certamente oficiarão perante os Juízes da Infância e da Juventude, sendo provável que venham a chamar-se os Curadores da Infância e da Juventude, cf. arts. 146 e 148, IV, do Estatuto). 8 Ibraim Rocha esclarece acerca da competência material ser da Justiça do Trabalho competente para apreciar as ações civis públicas para conciliação e julgamento ligadas aos interesses metaindividuais, envolvendo trabalhadores e empregadores, Administração Pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União decorrentes da relação de trabalho. 9 de Injunção e Habeas Data. São Paulo, Editora Malheiros, pág SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos, 3ª edição. São Paulo: Editora Atlas S.A, 1999 pág MAZZILLI, Hugro Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, p visitado em 06/01/ LOTTO, Luciana Aparecida. Ação Civil Pública Trabalhista contra o Trabalho Escravo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo. Ltr , pág

20 Revista de Direito da ESA Barra Assim, podemos afirmar que caso a ação civil pública tenha por objeto controvérsia decorrente de relação de trabalho, a competência para apreciação será da Justiça do Trabalho, por expressa previsão constitucional através do artigo 114, CRFB, inserido com a EC 45/ Por se tratar de competência em razão da matéria, temos que esta é absoluta. Desta forma, serão da competência da Justiça do Trabalho as Ações Civis Públicas que visem tutelar direitos metaindividuais trabalhistas. Insta mencionar que tais ações coletivas têm sido amplamente utilizadas na seara trabalhista, eis que nas relações de trabalho encontramos uma enorme quantidade de lesões em massa, principalmente em razão de ser o empregador, essencialmente, um ser coletivo, de modo que seus atos provocam consequências amplas, podendo lesar, ao mesmo tempo, diversos, milhares de trabalhadores. Nesse diapasão, vale exemplificar no campo de aplicabilidade da ação civil pública na Justiça do Trabalho os casos em que se visa tutelar o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador, o combate ao trabalho infantil e a regularização do trabalho do adolescente, o combate às discriminações nas relações de trabalho, ao trabalho escravo, às terceirizações ilícitas, cooperativas de trabalho fraudulentas, assédio moral, casos de greve e de lide simulada. Observa-se que na seara trabalhista, a importância da ação civil pública destaca-se ainda mais, tendo em vista a hipossuficiência do trabalhador, o qual, diante de ameaças de desemprego, não teria condições de bem tutelar seus direitos. Nesse mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo: Há, contudo, outros fatores inibidores da defesa de tais direitos, como ocorre, por exemplo, no Direito do Trabalho, em que, além da subordinação econômica e da hipossuficiência presumida do trabalhador, sofre este ameaças do desemprego e até mesmo as retaliações praticadas por empregadores inescrupulosos em represália pela busca de uma reparação perante o Poder Judiciário Trabalhista. Por essas e outras razões verificadas em cada caso concreto, a Ação civil pública trabalhista representa uma adequada forma de acesso do cidadão ao verdadeiro direito de ação, que, individualmente, vem, em muitos casos, tornando simples retórica o comando do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Por isso, é considerada essa ação como um instrumento ideológico de satisfação dos direitos e interesses fundamentais da sociedade moderna (2008, p. 89/90). Podemos concluir a temática do cabimento afirmando a extrema importância 19

21 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ da ação civil pública na seara trabalhista, eis que é nessa seara que mais encontramos lesões em massa e que, normalmente, atingem a própria saúde e integridade física dos trabalhadores. Por isso a necessidade de um instrumento célere e eficaz, capaz de conferir a tutela jurisdicional adequada aos direitos metaindividuais decorrentes de relação de trabalho. 1.3 OBJETO O artigo 3º da Lei 7.347/85 dispõe que a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o artigo 11 da mesma lei prevê que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. Saliente-se que foi com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o qual acrescentou o inciso IV ao artigo 1º da Lei 7.347/85, que a ação civil pública passou a constituir o meio apto para a tutela de qualquer outro interesse difuso ou coletivo. O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à ação civil pública, dispõe que, para a defesa dos direitos e interesses por ele protegidos, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela. Assim, como a lei não traz qualquer restrição, podemos afirmar que a ação civil pública pode ter por objeto um comando condenatório, declaratório, cautelar, mandamental, constitutivo positivo, constitutivo negativo, de liquidação, de execução ou qualquer outra espécie que seja necessária à tutela dos interesses metaindividuais em questão. Deste modo, a ação civil pública pode ser utilizada para se obter uma decisão cominando obrigação de fazer, não fazer ou pagar, sempre com cominação, ainda, de astreinte em caso de descumprimento da ordem judicial. O dano moral coletivo já encontra fundamento legal, conforme se depreende do artigo 6º, incisos VI e VII do Código de Defesa do Consumidor, sendo que, na esfera do direito do trabalho, temos tidos diversas condenações em dano moral coletivo. Neste mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo: A esfera do Direito do Trabalho é bastante propícia para eclosão do 20

22 Revista de Direito da ESA Barra dano moral, como vem ocorrendo com frequência e realmente reconhecem a doutrina e a jurisprudência, inclusive no ambiente laboral, em que são mais comuns as ofensas morais no sentido coletivo stricto sensu. No Direito do Trabalho não são raros os casos de ocorrência de danos morais coletivos, por exemplo, com relação ao meio ambiente do trabalho, ao trabalho análogo à condição de escravo, ao trabalho infantil, à discriminação de toda ordem (da mulher, do negro, do dirigente sindical, do trabalhador que ajuíza ação trabalhista, do deficiente físico etc.), por revista íntima, etc. (2008, p. 105). Quanto à possibilidade de se ter por objeto a reparação de direitos individuais homogêneos, tal tema será tratado mais adiante, no capítulo final do presente estudo. Por fim, insta salientar que a própria Lei 7.347/85, em seu artigo 12, autoriza a concessão de mandado liminar pelo juiz, com ou sem justificação prévia, a pedido da parte interessada ou até mesmo ex officio. Pela própria característica dos direitos metaindividuais, os pedidos de tutela de urgência são rotineiros, sendo que as tutelas de urgência pretendidas podem ser em relação ao próprio direito material vindicado (tutela antecipada) ou para proteção do processo (medida cautelar). 2 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO O Ministério Público do Trabalho, integrante do Ministério Público da União juntamente com o Ministério Público Federal, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, é um órgão essencial à justiça, atuando na defesa dos interesses públicos primários, sempre que tais interesses ou lesões/ameaças de lesões a estes decorram de relações de trabalho. Luís Antônio Camargo de Melo assim define o Ministério Público do Trabalho: Alçado à sua plenitude com a Magna Carta de 1988, como instituição comprometida com a democracia e justiça social, o Ministério Público do Trabalho, assim como os demais ramos do Ministério Público da União, atua de forma independente e imparcial na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, desvinculado dos interesses particulares e estatais. O tratamento conferido pelo art. 127 da Constituição Federal foi claro e preciso: instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (2012, p. 21). O Ministério Público do Trabalho, ao exercer suas atribuições constitucionalmente definidas, atua tanto na esfera judicial quanto na extrajudicial. No tocante à atuação extrajudicial, vide a Lei Complementar 75/93, artigo

23 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ A atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho vem crescendo mais a cada dia, sendo de suma importância, haja vista que tal modalidade de atuação, além de célere, tem se mostrado altamente eficaz na solução de diversos problemas. A eficácia de tal atuação deve-se especialmente ao fato de que o descumpridor da legislação protetiva do trabalhador envolve-se diretamente nas tratativas e acordos concernentes à regularização de sua conduta às determinações legais, que representam o mínimo de proteção à pessoa do trabalhador e a seus direitos coletivos. Cumpre ressaltar que na solução de litígios por meios extrajudiciais não há obrigatoriedade de ajuste de conduta, a adesão é espontânea. Não há a possibilidade de o Parquet trabalhista, de per si, obrigar ao cumprimento da legislação protetiva, o que significa que em caso de resistência, será acionado o Judiciário para a resolução da questão e imposição da observância da legislação. Exatamente por serem mais céleres e mais econômicos do que a atuação judicial, os meios extrajudiciais sempre preferem aos judiciais, de modo que, diante de uma situação em que seja necessária a intervenção do Ministério Público do Trabalho, deve este órgão, primeiramente, verificar a possibilidade de solução extrajudicial e, somente em não sendo esta eficaz, deverá o Parquet Laboral buscar a solução pela propositura da ação judicial cabível. Além das funções extrajudiciais básicas previstas no artigo supra, temos também o papel do Ministério Público do Trabalho como articulador social. Nos dizeres de Carlos Henrique Bezerra Leite (...) desponta no seio da instituição outra forma de atuação administrativa, que é a do Ministério Público do Trabalho como agente de articulação social. Nesse caso, o Parquet Laboral atua de forma imediata, orientando os interessados por meio de audiências públicas, palestras, workshops, reuniões setoriais etc., visando a defender, de forma mediata, o cumprimento efetivo da ordem jurídica (2011, p. 127). Na busca de ajuste de conduta de pessoa, seja física ou jurídica, que desrespeita a legislação protetiva do trabalhador, atua o Ministério Público do Trabalho, antes de acionamento do Judiciário, por meio de investigações levadas a cabo por inquérito civil, que pode resultar na propositura de assinatura de TAC Termo de Ajuste de Conduta, documento que, em caso de descumprimento, pode ser executado diretamente, pelo fato de ser título executivo extrajudicial. O TAC comporta obrigações de fazer e não fazer, multa e pagamento de dano moral, sendo que os valores referentes aos pagamentos em dinheiro podem ser revertidos diretamente em benefício da comunidade, pois há a possibilidade de 22

24 Revista de Direito da ESA Barra o procurador do trabalho direcionar o montante a instituições sem fins lucrativos que atuam na profissionalização de jovens ou adultos, em programas de proteção à criança e ao adolescente, no resgate de moradores de rua, com abrigo e ensino profissional, entre outros. Já judicialmente, a atuação do Ministério Público do Trabalho pode se dar na qualidade de parte ou de custos legis. O artigo 83 da Lei Complementar 75/93 trata de tais modalidades de atuação. Considerando que a legitimação exclusiva do Ministério Público ocorre única e exclusivamente para a propositura de ação penal e que a Justiça do Trabalho não possui competência criminal, verifica-se que a legitimação para atuação judicial do Ministério Público do Trabalho será sempre concorrente. Não obstante a ampla atuação em sede judicial, a realidade é que, atualmente, a Ação civil pública constitui o principal meio de ação do Ministério Público do Trabalho em âmbito judicial, haja vista que é o meio adequado a tutelar direitos transindividuais, podendo trazer em seu bojo pedido de cominação de obrigações de fazer, não fazer e pagar quantia. 2.1 OS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO O Ministério do Trabalho e Emprego, em sua atuação preventiva ou repressiva, ocupa-se da fiscalização das relações de trabalho, buscando o fiel cumprimento da legislação trabalhista, garantindo sua eficácia, especialmente por meio de reposições patrimoniais (art. 626, CLT). Esta postura da fiscalização, balizada por lei, denota a compreensão de que o descumprimento dos preceitos trabalhistas viola não apenas o direito específico e particularizado de cada trabalhador a desenvolver relações dignas de trabalho, mas também a própria ordem pública, que rechaça a figura dos trabalhos degradantes e forçados. Por essa razão é que ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA identifica, na relação de trabalho, um caráter ao mesmo tempo privado-público, na qual se considera não somente o interesse subjetivo das partes, mas também o interesse social do cumprimento da lei trabalhista. 10 O artigo 627, da CLT, dispõe sobre a atuação preventiva do Ministério do 10 SILVA, Antônio Álvares. Competência Penal Trabalhista. São Paulo: LTr, p

25 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Trabalho e Emprego, estabelecendo o critério da dupla visita, instrumento por meio do qual a fiscalização do trabalho instrui os responsáveis sobre o fiel cumprimento das normas trabalhistas. Segundo orientação celetista, a atuação repressiva da fiscalização do trabalho, com a aplicação de multa, deve ocorrer prioritariamente na segunda visita, mas desde que comprovado que os sujeitos contratantes não respeitaram as normas de proteção ao trabalho que foram esclarecidas, previamente, na primeira visita (art. 627, CLT). De toda forma, entende-se que o critério da dupla visita não se aplica às situações de trabalho forçado dada a necessidade urgente de seu combate, especialmente porque tal violação afronta um dos direitos mais inestimáveis do ser humano, a liberdade. Em todos os casos em que o auditor fiscal do trabalho concluir pela violação de normas trabalhistas, deverá lavrar auto de infração, imputando responsabilidade ao sujeito infrator, nos termos do art. 628, da CLT. Pode-se afirmar que o objetivo institucional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é promover o desenvolvimento da cidadania nas relações de trabalho, buscando a excelência na realização de suas ações, visando à justiça social. 11 Quanto à erradicação do trabalho forçado e degradante, o art. 12, II, do Regimento Interno do MTE/MG, enuncia que: À seção de fiscalização do trabalho compete: [...] II combater o trabalho escravo, infantil, e quaisquer outras formas degradantes. Para a concretização da missão institucional do Ministério do Trabalho e Emprego, especificamente com relação ao trabalho em condições análogas à de escravo, foi criado, repita-se em 1995, o GERTRAF Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, subordinado à Câmara de Políticas Sociais do Conselho de Governo e coordenado pelo próprio MTE. Trata-se de grupo móvel de fiscalização concebido para apurar denúncias e suspeitas de ocorrência de trabalho forçado e degradante. Com o mesmo desígnio combate e erradicação ao trabalho em condições análogas à de escravo foi instituído o GEFM, Grupo Especial de Fiscalização Móvel. 11 Missão institucional do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível no site gov.br Acesso em 22 de outubro de

26 Revista de Direito da ESA Barra 3 DADOS ATUAIS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO O trabalho escravo contemporâneo é uma realidade a qual milhares estão sujeitos ao redor do mundo. São homens, mulheres e crianças que mudam de trabalho, de cidade, de estado, e até mesmo de país, em busca de uma vida melhor, mas acabam encontrando apenas sofrimento e desilusão. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho OIT, atualmente, na América Latina e Caribe, diversos governos estão agindo seriamente contra o trabalho forçado. O Brasil tomou medidas fortes contra o trabalho forçado na agricultura e em acampamentos de trabalho afastados. O governo do Brasil assumiu oficialmente a existência de trabalho forçado perante a OIT em Desde então, tem combatido o problema com muita visibilidade. Um Plano Nacional de Ação contra o Trabalho Forçado foi implantado em março de Recentemente, vários outros governos latino americanos decidiram confrontar o trabalho forçado, especialmente em seus setores agrícolas. Bolívia, Peru e Paraguai deram passos importantes para desenvolver, juntamente com as organizações de trabalhadores e empregadores novas políticas para combater o trabalho forçado. Existem cerca de 1,3 milhões de trabalhadores forçados na América Latina e no Caribe, de um total de 12,3 milhões em todo o mundo; 75% dos trabalhadores forçados na América Latina são vítimas de coerção para exploração do trabalho, enquanto o restante das vítimas está ou em trabalho forçado pelo estado ou na exploração sexual comercial forçada; trabalhadores forçados, ou 20% do número total na região, foram traficados internamente ou através das fronteiras; O rendimento estimado derivado do tráfico para trabalho forçado na América Latina e Caribe é de US$ 1,3 bilhões. 12 A escravidão pode ser conceituada como recrutamento de terceiros, pela fraude ou coação com propósitos de exploração. É uma grave violação dos direitos humanos e deve ser combatida de forma sistêmica pelo Estado. A finalidade maior da escravidão contemporânea é o lucro, ou qualquer outro benefício, obtido por meio de alguma forma de exploração da vítima, mercantilizando sua força de trabalho, a integridade física e a principalmente a dignidade Acesso em 29 de outubro de

27 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Serão analisados, também, os instrumentos jurídico-institucionais do Ministério Público do Trabalho, tais como o termo de ajuste de conduta enquanto instrumento de atuação extrajudicial e a Ação Civil Pública que se mostra como mecanismo eficaz no combate ao trabalho escravo contemporâneo. 26

28 Revista de Direito da ESA Barra CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de todos os esforços verifica--se a existência, em pleno século XXI, de trabalho escravo contemporâneo em nosso território nacional e constatamos que mais de 125 anos após a abolição da escravatura, o Brasil ainda combate uma versão contemporânea de escravidão. A presente pesquisa assinala como o trabalho escravo é uma chaga social que perpassa a história da humanidade desde os primórdios até os dias atuais. A existência desta forma tão degradante de exploração humana suscita o desenvolvimento de ações correlacionadas tanto na esfera jurídica, como na social, que sejam capazes de combatê-lo em favor da promoção de um trabalho decente, digno, respeitado e louvável pelo todo social, vez que construtor da própria identidade humana. Sob o prisma jurídico, vale afirmar que escravizar é violar direitos fundamentais difusos da sociedade, infringindo princípio constitucional. Pode-se verificar que nosso país possui várias ferramentas de erradicação do trabalho escravo, tendo na esfera administrativa com o Plano de Erradicação do Trabalho Escravo, como na esfera judicial/extrajudicial com a ação civil pública, inquérito judicial e Termo de Ajuste de Conduta. Mister salientar, que a Ação Civil Pública será interposta após a abertura de Inquérito Civil, com a utilização do Termo de Ajuste de Conduta, ou seja, como último instrumento para combater os escravocratas contemporâneos, tanto no âmbito rural como urbano. Assim, na ousada proposta de enfrentar esse desafio, preza-se pela atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, cada ente dentro de suas respectivas prerrogativas, como um dos principais mecanismos jurídico-institucionais orientados à erradicação das modalidades de escravidão contemporânea, valendo destacar os Termos de Ajuste de Conduta e as Ações Civis Públicas. Devemos encerrar destacando que a Ação Civil Pública Trabalhista contra o trabalho escravo no Brasil é eficaz na medida de sua propositura, ou seja, não é ela, isoladamente, capaz de coibir tal prática ilegal, e sim mediante todo o complexo de normas constitucionais e infraconstitucionais, passando a ser mais eficaz na conscientização da classe trabalhadora acerca de seus direitos e maior na aplicação de penalidade aos infratores desta chaga nacional. 27

29 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ REFERÊNCIAS AUDI, Patricia. A escravidão não abolida. In. Velloso, Gabriel, FAVA, Marcos Neves (coord). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: Ltr BELTRAN, Ari Possidônio. Direito do Trabalho e direitos fundamentais. São Paulo. Ltr BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. A Ação Civil Pública e a Tutela dos Interesses Individuais Homogêneos dos Trabalhadores em Condições de Escravidão. In MANNRICH, Nelson. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, Ano 30 janeiro-março BITTAR, Eduardo C. B. ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de Filosofia do Direito. 11ª Ed. São Paulo, Atlas, BOBBIO. Noberto. A era dos Direitos. 21ª tiragem. Rio de Janeiro. Elsevir, 2004 FAVA, Marcos Neves. Ação civil pública trabalhista: teoria geral. São Paulo: Ltr FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; JUNIOR, Horário Antunes de Sant ana (Organizadores). Trabalho Escravo Contemporâneo: um debate transdiciplinar: Rio de Janeiro LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. 3. ed. São Paulo. LTr LOTTO, Luciana Aparecida. Ação Civil Pública Trabalhista contra o Trabalho Escravo no Brasil. 2. Ed. São Paulo. Ltr, MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007 PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos. In: NOCCHI, Andrea Saint Pastours; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Trabalho escravo contemporâneo. 2 ed. São Paulo: LTR, TEXTO-BASE CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. É para a liberdade que Cristo nos libertou (GI 5.1) Campanha da Fraternidade 2014 Fraternidade e Tráfico Humano. Brasília. SAKAMOTO, Leonardo. A reinvenção do trabalho escravo no Brasil contemporâneo. In: Tráfico de pessoas reflexões para a compreensão do trabalho escravo contemporâneo. NOGUEI- RAS, Christiane V; Novaes, Marina; BIGNAMI, Renato. Disponível em: blogdosakamoto. blogosfera.uol.com.br. Acesso: 13 de maio de VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves. Trabalho Escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. Colaboradores, São Paulo: LTr, Disponível em: < Acesso em 06 de janeiro de Disponível em: < Acesso em 06 de janeiro de Disponível em: < Acesso em 06 de janeiro de

30 Revista de Direito da ESA Barra A AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL WIDE DEFENSE IN POLICE SURVEY RESUMO por Ronaldo Figueiredo Brito 13 por Jurandy Severo de Barros Júnior 14 O presente trabalho pretende estudar a aplicação do instituto da ampla defesa no inquérito policial, com o objetivo de demonstrar os seus efeitos positivos, tanto para o investigado, como para a Autoridade Policial. O texto faz uma análise da ampliação da defesa na fase investigatória preliminar, a fim de garantir a preservação dos direitos constitucionais do acusado. Através de pesquisas bibliográficas, o artigo discorre a respeito da busca pela efetividade da defesa, trazendo a ideia do Delegado de Polícia, ser o primeiro garantidor da legalidade a ter contato com o investigado. Dessa forma, pretende-se aqui provocar uma discussão crítica sobre a matéria no cenário da doutrina constitucional. PALAVRAS-Chave: Inquérito Policial. Princípio da Ampla Defesa. Acesso do Advogado. 13 Mestre em Direito na linha de pesquisa Hermenêutica e Direitos Fundamentais pela UNIPAC; Especialista em Direito Público pela Gama Filho; Especialista em penal e processo penal; possui graduação em Direito; Atualmente na coordenação de Direito da Universidade Estácio de Sá, campus Ilha do Governador; professor de penal e processo penal da Universidade Estácio de Sá; professor da pós graduação em ciência penais modalidade presencial e a distância (EAD) da UNESA; Professor de Direito Penal e Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Augusto Motta; Parecerista revista Guia do Estudante de Cursos Superiores; Advogado Criminalista. 14 Bacharel em Direito. 29

31 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ ABSTRACT This paper aims to study the application of the legal defense institute in the police investigation, in order to demonstrate its positive effects, both for the investigation as to the Police Authority. The text analyzes the expansion of defense in the preliminary investigation stage in order to ensure the preservation of constitutional rights of the accused. Through bibliographical research, the article talks about the search for effective defense, bringing the idea of the Chief of Police, be the first guarantor of legality to have contact with the investigation. Thus, it is intended here lead a critical discussion on the matter in the setting of constitutional doctrine. Keywords: Police inquiry. Large defense of principle. Lawyer access. 30

32 Revista de Direito da ESA Barra Breve Introito Este artigo tem por finalidade abordar a aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório no Inquérito Policial. Insta salientar, que o Inquérito Policial é um procedimento administrativo, inquisitório, preparatório, dispensável, que visa apurar indícios de autoria e materialidade de um crime. Apesar de dispensável à propositura da ação penal, é importante frisar, que atualmente, a grande maioria das ações penais se funda em tais inquéritos. Dessa forma, é necessário que tenhamos um inquérito transparente e confiável, e isso se torna viável com a participação do advogado no curso da investigação criminal. Apesar de garantido pela Constituição em seu artigo 5, incisos LXIII e LV, pela Lei 8906/94, artigo 7, inciso XIV e ainda pela Súmula n 14 do Supremo Tribunal Federal, ainda é grande o número de autores que afirmam não haver ampla defesa no inquérito policial. Abordaremos as mudanças trazidas com o advento da Lei /16, que alterou o artigo 7 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EOAB, Lei 8906/94 e sua aplicabilidade na fase preliminar da investigação criminal. Sendo assim, o referido artigo visa destacar a importância do inquérito policial, a aplicação das garantias constitucionais já citadas anteriormente, e quais as mudanças relevantes para o tema, com a alteração do artigo 7 do EOAB. A metodologia aplicada no presente artigo pauta-se em pesquisas bibliográficas, através de livros e artigos que tratem do tema abordado, buscando aprofundar o conhecimento, e corroborar para elaboração do presente artigo científico. 31

33 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 1 CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL Segundo Renato Brasileiro de Lima, 15 trata-se de um procedimento administrativo inquisitório e preparatório, a cargo da polícia judiciária, que consiste em um conjunto de diligências que visam apurar a autoria e materialidade de um crime, bem como identificar provas, a fim de possibilitar a posterior persecução penal pelo Ministério Público. Tem natureza instrumental, pois visa esclarecer os fatos relatados na notitia criminis ou outra peça de informação. Do seu caráter instrumental, destacamos sua dupla função, quais sejam: a. Preservadora: a prévia existência de um inquérito policial, evita a instauração de um processo penal infundado, resguardando a liberdade do inocente e evitando gastos desnecessários para o Estado. b. Preparatória: fornecer elementos suficientes de autoria e materialidade de um crime, bem como acautelar provas que poderiam desaparecer com o decurso do tempo. Por tratar-se de procedimento de natureza administrativa, não podemos compará-lo com um processo judicial, nem com processo administrativo, pois dele não resulta a imposição direta de nenhuma sanção. Dessa forma, diante da presença de elementos convincentes de autoria e materialidade, e das circunstâncias de um crime, o então suspeito ou investigado, passará a ser indiciado. E a partir do indiciamento, dá-se início ao regular processo criminal, com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Por final, diz-se o inquérito policial, dispensável, isto porque, de acordo com os artigos 27, e 46 1, 18 todos do Código de Processo Penal, pode o Ministério Público intentar a ação penal sem o inquérito policial. Bastando para tal, ter os elementos necessários para a propositura da ação, que são os indícios de autoria e materialidade BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. 17 O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15(quinze) dias. 18 Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informação ou a representação. 19 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p

34 Revista de Direito da ESA Barra Nesse último ponto, é importante salientar, que apesar de, o próprio Código de Processo Penal, nos dispositivos legais acima citados, deixar claro o caráter dispensável do inquérito policial, como também o fazem nos livros, autores como Renato Brasileiro de Lima, 20 Paulo Rangel, 21 dentre outros, é preciso destacar a importância do inquérito policial, que na prática, dá início a quase todos os processos penais. Segundo Francisco Sannini Neto, 22 na prática quase a totalidade dos processos são iniciados com base neste procedimento investigativo de polícia judiciária. Mais do que isso, a investigação preliminar é um direito fundamental do indivíduo, sendo a Autoridade Policial o primeiro garantidor dos seus direitos constitucionais. 2 O ACESSO DO ADVOGADO AO INQUÉRITO POLICIAL Dentre as características do inquérito policial, destacamos nesse ponto, a de procedimento sigiloso. Por óbvio, a investigação criminal é dotada de sigilo, pois se faz necessário para elucidação dos fatos. Muitas vezes, a divulgação prévia de diligências a serem realizadas no curso da investigação, acaba por frustrar a descoberta da autoria, e também a comprovação da materialidade de um crime. Portanto, importante se faz o elemento surpresa na maioria das apurações, sendo essencial à efetividade das investigações. 23 Nessa toada, o artigo 20 do Código de Processo Penal, traz a seguinte redação: A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade, o que vem corroborar com o caráter imprescindível do sigilo das informações no curso da investigação policial, porém esse sigilo não atinge a autoridade judiciária e nem tampouco o Ministério Público. Cabe ressaltar, que se de um lado, a norma processual penal assegura que o 20 BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 2. Ed. Salvador: JusPodivm, RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23. Ed. São Paulo: Atlas, NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em : contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-2. Acesso em 04/03/16, p BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p

35 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ inquérito é sigiloso, do outro lado, o Estatuto da OAB, Lei 8906/94 em seu artigo 7, XIV, 24 garante o acesso do advogado ao inquérito policial. Ainda, a Constituição Federal, em seu artigo 5, LXIII, 25 assegura ao preso a assistência de um advogado, e se a Constituição garante, tal assistência necessariamente passa pelo acesso do advogado aos autos do inquérito policial. Nesse sentido, qual direito prevalecerá: o da autoridade policial em manter o sigilo nas investigações policiais, ou do advogado em ter o acesso aos autos do inquérito policial findo ou em andamento? A controvérsia teve fim, com a edição da Súmula vinculante n 14 do Supremo Tribunal Federal, que trouxe em sua redação: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados (grifo nosso) em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Isso quer dizer, que o defensor somente terá acesso às diligências que já foram realizadas, e trazidas para dentro do inquérito. A contrário senso, aquelas provas que não estejam documentadas, estão sob a égide do sigilo, dessa forma, em se tratando de diligências que ainda não foram realizadas ou estejam em andamento, não há que se falar em acesso ao advogado, pois comprometeria a eficácia de tal investigação. Abordaremos mais a frente às mudanças trazidas com o advento da Lei /16 que alterou o artigo 7 do Estatuto da OAB, e sua aplicabilidade no acesso ao inquérito policial. 24 Examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. 25 O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. 34

36 Revista de Direito da ESA Barra 3 A AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL É comum na doutrina, 26 a afirmação de que não existe ampla defesa e contraditório 27 no inquérito policial, isso se faz por diversos motivos. O mais comum, é o fato do inquérito ser um procedimento (grifo nosso), e assim sendo, não se aplicam a ele as garantias constitucionais do devido processo legal, pois estas estariam ligadas aos processos judiciais e administrativos. Nesse ponto, data vênia, discordar dessa visão reducionista acerca da investigação criminal, 28 pois a própria Constituição Federal, no artigo 5, inciso LV traz a seguinte redação:...aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes... Ainda, não podemos nos prender as terminologias usadas pelo legislador, pois não é a primeira vez que ele se equivoca, então quando ele fala em processo administrativo, podemos utilizar uma interpretação extensiva, e entender procedimento administrativo. 29 De igual forma, quando ele fala em acusados em geral, podemos entender indiciados em geral, abrangendo o indiciamento e qualquer imputação determinada (como a notícia crime), pois são imputações em sentido amplo. Insta salientar, que a confusão criada pelo legislador acerca dos termos processo e procedimento, já aconteceu quando ele, ao tratar Do Processo Comum, Do Processo Sumário, queria dizer procedimento. 30 Porquanto isso não pode ser impedimento para aplicação do artigo 5, LV, CRFB, ao inquérito policial. Cabe ressaltar, a própria autodefesa exercida pelo investigado no interrogatório policial, quando este o faz de forma positiva, dando a sua versão dos fatos e indicando provas a seu favor, ou de forma negativa, valendo-se do seu direito de silêncio. 31 Diante do exposto, podemos dizer que a ampla defesa está amparada no 26 BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em: contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-2. Acesso em 04/03/16, p.2 29 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em : contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-3. Acesso em 04/03/16, p LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p

37 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ artigo supracitado, alcançando a proteção, a ser exercida com todos os meios a ela inerentes, devendo ser aplicada ao inquérito policial. O direito de defesa é um direito de contraditar, replicar, e surge quando ao investigado é imputada uma conduta criminosa ou se tem indícios de ter sido ele o autor de tal fato. Então, quando no curso de uma investigação criminal, as provas até então colhidas, apontam para um sujeito, passando este a ser o principal suspeito da conduta delituosa, a autoridade policial deverá comunicá-lo, e o chamar para ser interrogado. E aí, surge para o suspeito o direito de se contrapor àquela acusação, e para isso poderíamos invocar mais uma vez o artigo 5, LV, da Constituição Federal, onde diz: (...) e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. de modo que o sujeito passivo, alvo da investigação policial, se encaixa perfeitamente na condição de acusados em geral, sendo certo que a imputação e o indiciamento, são espécies de acusação em sentido amplo AS MUDANÇAS TRAZIDAS COM O ADVENTO DA LEI /16 Antes de adentrarmos nas alterações promovidas pela Lei /16, que alterou o artigo 7 da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8906/94), mister se faz algumas considerações. O artigo 7 do Estatuto da OAB trata em seus incisos, acerca dos direitos do advogado, e vamos aqui, nos ater aos incisos que tem relação direta com o nosso tema, ou seja, com o inquérito policial. Antes da alteração promovida pela lei /16, dizia o artigo 7, XIV: São direitos do advogado: XIV- examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. 32 NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em: contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-3. Acesso em 04/03/16, p.3. 36

38 Revista de Direito da ESA Barra Nesse ponto, não tínhamos muitos problemas, pois conforme abordado anteriormente, o acesso do advogado ao inquérito policial, já se fazia possível por força da Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal e o próprio artigo 5, LV da Constituição Federal, e se dava de forma tranquila em sede policial. Com a alteração, o inciso XIV passou a ter a seguinte redação: examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital (grifo nosso); Aqui, as alterações feitas não alteram substancialmente a garantia do advogado em sede policial. Dizem respeito a outras instituições, aumentando a abrangência da norma a qualquer instituição que conduza investigação, Ministério Público, por exemplo, e ainda, de qualquer natureza, ou seja, não se limitou a seara criminal, mais abrangeu outras, como fiscal, administrativa entre outras. 33 Por fim, trouxe a nova redação em meios físico ou digital. A alteração não nos traz nenhuma novidade, apenas pretendeu adequar os meios ao cenário atual, acompanhando os avanços tecnológicos. A inovação mais polêmica se dá acerca da inclusão no artigo 7 do Estatuto da Ordem dos Advogados, do inciso XXI, que traz em sua redação o seguinte texto: assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração. A pergunta que se faz, após a leitura do referido inciso é: Podemos dizer que com a redação trazida pela lei /16, acabou com o caráter inquisitório da investigação criminal? De certo que não, pois o que diferencia o caráter inquisitório da investigação criminal é o fato do acúmulo de funções, ou seja, a autoridade policial preside o inquérito, determina investigações, decide a colheita de provas, interroga o acusado, e se presentes os elementos de autoria e materialidade, indicia o acusado, tudo ao longo da investigação. 34 Na verdade, a presença do advogado nos atos investigatórios, vem fortalecer 33 BARBOSA, Ruchester Marreiros. Lei /16 exige mais do que o advogado na investigação criminal. Disponível em : Acesso em 03/03/16, p LOPES JR, Aury. Lei /2016 não acabou com o caráter inquisitório da investigação. Disponível em: Acesso em 03/03/16, p.2. 37

39 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ as provas produzidas em sede policial, trazendo maior transparência e consequentemente maior confiabilidade, pois uma vez estando o investigado na presença do seu defensor, não há que se falar em juízo, de violação de seus direitos no interrogatório por exemplo, garantindo assim uma maior lisura na investigação criminal. Suponhamos que um investigado, devidamente acompanhado de seu defensor, ao ser interrogado pelo Delegado de Polícia, acaba confessando ser ele o autor de um crime de homicídio, inclusive indica espontaneamente o local onde escondeu a arma usada no homicídio. Entendo que esta prova, dificilmente será contestada pela defesa no curso do processo penal. Diferente seria, se tal confissão se desse sem a presença de seu defensor, pois a defesa poderia suscitar dúvidas a respeito da produção dessas provas. A defesa na investigação criminal, mais do que um direito do advogado, é uma garantia do acusado, 35 e fortalece o princípio da isonomia na investigação criminal, pois o Ministério Público pode acompanhar todas as fases do inquérito policial, e agora o advogado terá mais acesso ao inquérito, podendo influenciar no resultado final das investigações. 36 Outra importante analise, é quanto à parte final do artigo supracitado, onde o legislador trouxe o tema de nulidade, senão vejamos: (...) sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração. Até então, prevalecia o entendimento de que possíveis nulidades presentes no inquérito policial, não obstam a posterior persecução penal, 37 visto que, como já abordado anteriormente, ser o inquérito dispensável, podendo o parquet, iniciar a ação penal com ou sem ele. Agora, com tal alteração no texto, a lei foi expressa ao estabelecer que diante da negativa ao advogado, em assistir o seu cliente investigado durante depoimento ou interrogatório, gera nulidade absoluta desses atos, bem como dos demais elementos deles decorrentes. Adotou aqui o legislador, a teoria dos frutos da árvore envenenada ou prova ilícita por derivação, que na lição de Renato Brasileiro de 35 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas,2013, p NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em: contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-3. Acesso em 04/03/16, p NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em: contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-3. Acesso em 04/03/16, p.3. 38

40 Revista de Direito da ESA Barra Lima, 38 são os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a ele se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Ressalte-se que o texto legal não se detém apenas aos elementos probatórios, contaminando, outrossim, os elementos investigatórios. 39 Utilizando o mesmo exemplo anterior, se o advogado não puder acompanhar o investigado durante o interrogatório, todos os atos ali praticados seriam nulos, então a confissão seria absolutamente nula não podendo ser utilizada como elemento de prova, de igual forma, a arma também não poderia ser utilizada como elemento de prova, uma vez que derivou de um ato nulo. Dessa forma, se no caso acima, os únicos elementos de prova em desfavor do investigado são esses, o seu indiciamento deve ser anulado, e não pode o Ministério Público, se valer dessas provas para subsidiar a ação penal. Ressalte-se que o texto não torna obrigatória a presença do advogado em todos os atos praticados no curso da investigação criminal, mas se restringe as oitivas do investigado, de modo que só haverá nulidade, diante do cerceamento dessa prerrogativa do advogado pela autoridade policial. 40 Na lavratura de um auto de prisão em flagrante (APF), por exemplo, o preso poderá ser interrogado mesmo sem a presença de um defensor, desde que não possua advogado constituído para o ato. Cumpre ao Delegado de Polícia, como primeiro garantidor da legalidade, informar ao preso sobre suas garantias constitucionais, inclusive sobre o direito ao assessoramento de um advogado, dito isso, procederá na formalização do APF. Por último, analisaremos a alínea a, do inciso XXI, artigo 7, da Lei /16, que traz em seu texto: (...) podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: apresentar razões ou quesitos; Aqui, o legislador trouxe a possibilidade de a defesa apresentar razões e indicar quesitos nas eventuais perícias que venham a ser realizada no curso da investigação. O Código de Processo Penal, em seu artigo 14, já previa tal possibilidade, 38 BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em: contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-3. Acesso em 04/03/16, p NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Disponível em: contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-2. Acesso em 04/03/16, p.3. 39

41 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ quando em seu texto diz: O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade., portanto não se trata de nenhuma inovação legislativa, mas vem corroborar com a efetividade da defesa, visto que cada vez mais, se consolida a ideia do Delegado de Polícia, ser o primeiro garantidor da legalidade a ter contato com o investigado, e como tal, necessário se faz a garantia da participação da defesa e sua efetividade. Dessa forma, se bem utilizada pelo advogado, será um instrumento importante de defesa, uma vez que será possível fazer uma defesa escrita no final da investigação, porém há de se ressaltar, que nem a autoridade policial e nem o membro do Ministério Público, podem arquivar os autos da investigação instaurada, cabendo ao Juiz tal decisão. 41 Concluindo, as alterações trazidas com a publicação da Lei /16 em 12 de janeiro de 2016, não acabaram com o caráter inquisitório do Inquérito Policial, porém trouxeram uma ampliação da defesa na fase investigatória, objetivando a garantia dos direitos constitucionais do acusado, e garantindo um inquérito justo, transparente e isento, trazendo assim, segurança jurídica aos atos praticados no curso da investigação criminal. CONCLUSÃO Este artigo tratou da ampla defesa no inquérito policial, e para maior compreensão do tema, abordamos de forma breve o conceito de inquérito policial e a importância da aplicação das garantias constitucionais em sede policial. Verificou-se que para a maioria dos doutrinadores, o inquérito policial é tratado como mero procedimento administrativo, inquisitivo e dispensável. Importante ressaltar que é possível a propositura da ação penal pelo Ministério Público sem o inquérito policial, mas destacamos que a realidade é que a maioria das persecuções penais é oriunda do inquérito policial. 41 LOPES JR, Aury. Lei /2016 não acabou com o caráter inquisitório da investigação. Disponível em: Acesso em 03/03/16, p.4. 40

42 Revista de Direito da ESA Barra Portanto, ressaltou-se a importância desse procedimento, como principal instrumento para elucidação de crimes, com objetivo de identificar a autoria e buscar materialidades do crime, afim de que se tenha a verdade dos fatos. Superada a parte conceitual do inquérito policial, passamos a abordar a possibilidade do acesso do advogado ao mesmo em sede policial. Vimos que por força dos artigos 5, LXIII, CRFB, 7, XIV Lei 8906/94 e Súmula Vinculante n 14 do Supremo Tribunal Federal, o advogado tem garantia de acesso ao inquérito, porém somente àquelas diligências/documentos já relatados, ou seja, já trazidos para o bojo do inquérito policial. Após, abordamos a ampla defesa no inquérito, e vimos que para alguns doutrinadores, não há que se falar ampla defesa no inquérito, pois este é um procedimento, e a ampla defesa um princípio processual, portanto incompatíveis. E outros entendendo ser possível a aplicação desse princípio no inquérito, utilizando uma interpretação extensiva ao artigo 5, LV, CRFB e também se valendo da própria autodefesa exercida pelo investigado. Por último, ressaltou-se as mudanças trazidas pela Lei /16, que alterou o artigo 7 da Lei 8906/94(EOAB), fortalecendo a participação da defesa em fase de investigação, trazendo assim maior transparência e credibilidade, fortalecendo o inquérito policial. Concluiu-se que, as alterações trazidas com o advento da referida lei, ampliaram a possibilidade da ampla defesa na fase investigatória, garantindo os direitos constitucionais do acusado, e possibilitando um inquérito justo, isento, possibilitando a segurança jurídica dos atos praticados no curso da investigação criminal. 41

43 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ REFERÊNCIAS BARBOSA, Ruchester Marreiros. Lei /16 exige mais do que o advogado na investigação criminal. Disponível em: -advogado-investigacao-criminal. Acesso em 03/03/16. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, BRASIL. Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil: Lei nº , de 12 de janeiro de Disponível em: L13245.htm. Acesso em 05/06/16. BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 2. ed. Salvador: JusPodivm, LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed São Paulo: ed. Saraiva, Lei /2016 não acabou com o caráter inquisitório da investigação. Disponível em: Acesso em 03/03/16. NETO, Francisco Sannini. Lei /2016: contraditório e ampla defesa na investigação criminal? Disponível em lei contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-2. Acesso em 04/03/16. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas,

44 Revista de Direito da ESA Barra O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: UMA COLABORAÇÃO AO CONCEITO DE VULNERÁVEL E REFLEXÕES SOBRE OS CRIMES SEXUAIS THE STATUS OF THE PERSON WITH DISABILITY: A COLLABORATION TO THE CONCEPT OF VULNERABLE AND REFLECTIONS ON SEX CRIMES por Luciano Filizola 42 RESUMO Com as modificações sofridas pelo Código Penal nos crimes sexuais pela lei /2009, houve uma mudança de paradigma na definição das condutas praticadas contra menores de 14 anos sendo que antes se presumia a violência e, com a nova redação, passam a ser definidos como vulneráveis. O presente artigo visa definir melhor esse conceito, considerando o tratamento dado a uma parcela de vulneráveis pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que não mais os trata como incapazes e refletir como isso pode repercutir na esfera criminal. PALAVRAS-Chaves: Pessoa com deficiência. Presunção de vulnerabilidade. Crimes sexuais. 42 Mestre em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes. Advogado Criminalista. Professor de Direito Penal e Criminologia da graduação e pós-graduação da Universidade Estácio de Sá. 43

45 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ ABSTRACT With the modifications suffered by the Penal Code on sexual offences by law 12,015/2009, there has been a paradigm shift in the definition of the conduct committed against minors of 14 years, of which before was presumed violence and with the new wording are defined as vulnerable. This article aims to better define this concept considering the treatment given to a portion of vulnerable by the Status of disabled person, which no longer treats them as incapable and to reflect how it can resonate in the criminal sphere. Key Words: Person With Disability. Presumption Of Vulnerability. Sex Crimes. 44

46 Revista de Direito da ESA Barra INTRODUÇÃO Certo é que já nos bancos das Faculdades de Direito aprendemos que a lei é abstrata e que são criadas para dirimir os conflitos que surgem no seio da sociedade. Com o tempo e a experiência percebemos que muitas vezes a lei é mais vaga que abstrata e que esses conflitos estão em constante mutação, ganhando maior ou menor relevância à medida que a sociedade evolui, mas que nem sempre as leis se atualizam no mesmo ritmo, por questões mais políticas do que jurídicas. Diante disso é forçoso o estudo atento dessas tentativas de atualização bem como suas negligências, pois se exige uma incessante construção legislativa para lidar com os novos reclames, não estando eximida a necessidade de se retirar do ordenamento as sucatas jurídicas que já não se coadunam com uma nova realidade. Se por um lado flagramos essa inércia por parte do legislador, pois revogar leis é muito menos ilustre do que criá-las, por outro notamos uma tendência legiferante em temas que ressoam melhor nos ouvidos do grande público, dando notoriedade aos envolvidos, principalmente quando relacionadas às classes menos favorecidas, vitimizadas, categorias mais vulneráveis da sociedade como a criança, a mulher, o idoso e, atualmente, o deficiente físico. Mas, se tais estatutos visam garantir vários Direitos aos seus tutelados, outros dispositivos obscuros cerceiam garantias, incrementando a sanha punitiva em nome do medo e de interpretações obtusas, como nos casos dos crimes sexuais. Em razão da omissão legislativa na esfera criminal cria-se espaço para interpretações estranhas à realidade sociais quanto à capacidade do suposto vulnerável em consentir, em se relacionar, num controle punitivo da sexualidade, tema que passaremos a transcorrer. 45

47 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 1 O ESTATUTO DO DEFICIENTE FÍSICO No dia 2 de janeiro do ano de 2016 entrou em vigor a lei /2015, já denominada Estatuto do Deficiente, a qual visa atender algumas demandas pela categoria, como a proibição de cobranças especiais para deficientes em instituições de ensino privado, garantia de ao menos uma vaga para deficiente, mesmo em estacionamentos menores, acessibilidade de ao menos 10 % dos dormitórios de hotéis e pousadas e o acesso ao fundo de garantia para a compra de próteses. Todavia, grande parte do Estatuto é formada por normas programáticas e ações afirmativas, assim como em outros modelos protetivos, como o ECA e o Estatuto do Idoso, cuja eficácia torna-se duvidosa pela ausência de coercitividade que imponha, principalmente ao Estado, o dever de cumprir as novas exigências, como o direito à moradia, tratamento, mudanças arquitetônicas de acessibilidade e muitas outras. E ainda que se louve toda e qualquer medida que tenha por fim a melhora da qualidade de vida de quem quer que seja, deficiente ou não, já não são raros os modelos simbólicos que pecam por sua redundância, correndo o risco de caírem no demagógico, como o art. 5º da referida lei que atesta que todo deficiente será protegido de toda forma de negligência, exploração, tortura, violência, crueldade, opressão e tratamento degradante. Porém, é cabível o questionamento, apenas os deficientes gozam de tais direitos? Já não estariam todos os indivíduos resguardados pela nossa Carta Maior contra qualquer tipo de violência e abusos? A lei também não faz distinção sobre as espécies de deficiências, podendo ser física, mental, intelectual ou sensorial. Porém, é sobre a deficiência mental o principal foco do presente trabalho. Tanto o Direito Civil, como o Direito Penal, sempre tratou o deficiente mental, dependendo do grau dessa deficiência, plenamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, no caso do primeiro, ou de responder criminalmente pelos seus atos, afastando sua culpabilidade no caso do segundo. Todavia, o art. 114 do Estatuto revogou os incisos do art. 4º do Código Civil, mantendo como civilmente incapaz apenas o menor de 16 anos, enquanto que no art. 6º do referido Estatuto afirma-se que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa. Como o dispositivo não faz distinção, logicamente, a norma inclui os deficientes mentais, reafirmando sua plena capacidade. Tais alterações, é claro, não possuem o condão de modificar os critérios de imputabilidade do Direito Penal, inclusive pela sua natureza taxativa que não 46

48 Revista de Direito da ESA Barra admite qualquer espécie de analogia. De qualquer forma, a definição da plena incapacidade do indivíduo a fim de afastar sua culpabilidade depende de laudo médico, afastando, assim, qualquer espécie de presunção. 2 SEXUALIDADE E CONTROLE PENAL Porém, o principal ponto de análise se refere à definição do deficiente mental como vulnerável, inclusive para aferição de sua posição passiva nos crimes sexuais. Para tanto, é importante realizar uma breve reflexão sobre a sexualidade, cujo complexo significado foi tão bem investigado por Foucault que desmistificou o discurso moralista e hipócrita da sociedade ocidental que sempre tentou manter o controle médico, religioso e jurídico sobre os significados oriundos dessa sexualidade que, em verdade, consiste no conjunto dos efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por certos dispositivos pertencentes a uma tecnologia política complexa. 43 Diversamente da cultura oriental (Japão, Índia e China) e Romana que sempre desenvolveram sua sexualidade como ars erotica, cuja verdade era retirada do próprio prazer, de práticas desvinculadas de conceitos preestabelecidos do que seria permitido ou proibido, relacionando-se apenas a ideia de prazer, a cultura europeia desenvolveu uma espécie de ciência sexual baseada não na busca do prazer, mas através da confissão, ferramenta cultivada desde as práticas inquisitoriais ou voluntariamente junto aos padres, pela medicina, nos divãs dos psicanalistas ou nos processos judiciais, num ritual em que se instaura uma relação de poder, pois a confissão busca o perdão de um crime, de um pecado, sendo construído um discurso contaminado pelo sentimento de culpa. A confissão, o exame de consciência, toda uma insistência sobre os segredos e a importância da carne não foram somente um meio de proibir o sexo ou de afastá-lo o mais possível da consciência; foi uma forma de colocar a sexualidade no centro da existência e de ligar a salvação ao domínio de seus movimentos obscuros. O sexo foi aquilo que, nas sociedades cristãs, era preciso examinar, vigiar, confessar, transformar em discurso. 44 E sem dúvida essa construção passa a ser modelo de controle, principalmente com a modernidade, em que o diferente, a anormalidade são sintomas de periculosidade, exigindo uma intervenção prevencionista, pedagógica, fazendo com 43 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Gral, 1984, p FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, P

49 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ que a racionalidade, a cientificidade e a neutralidade atinentes à modernidade demarquem os discursos dominantes, deslocando do religioso para o médico a capacidade de apontar, na sexualidade, o certo e o errado, o normal e o patológico. 45 A idéia do sexo reprimido, portanto, não é somente objeto de teoria... Dizer que o sexo não é reprimido, ou melhor, dizer que entre o sexo e o poder a relação não é de repressão, corre o risco de ser apenas um paradoxo estéril... Seria ir de encontro a toda a economia, a todos os interesses discursivos que a sustentam. 46 Somado a isso o ser em sociedade historicamente falando sempre reagiu ao medo do identificável e à angustia do desconhecido presente nas intempéries, no místico e no estranho, o inimigo, o qual pode estar, muitas das vezes, muito próximo. Como assevera Delume em sua brilhante obra o distante, a novidade e a alteridade provocam medo. Mas temia-se do mesmo modo o próximo, isto é, o vizinho... convinha vigiar o outro e manter-se em estado de alerta constante em relação a ele. 47 E no que se refere à realidade brasileira, talvez isso possa ter se dado de forma ainda mais acentuada pela prática identificada por Darcy Ribeiro como cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade, dando-se uma jovem índia como esposa, gerando-se laços com todos os membros do grupo. O cunhadismo foi uma das formas que possibilitou a miscigenação própria de nosso país, criando relações íntimas imediatas com estranhos (inclusive com cunhados e cunhadas), gerando uma convivência formada pela presença do outro, na desconfiança, na suspeita, pois esta convivência não foi desenvolvida por afinidades, pelo contrário, mas forçando uma união com o diferente. E esse estranho que representa a ameaça, o inimigo que espreita pode ser o desconhecido ou nosso vizinho, dependendo apenas dos signos identificados, atendendo a certos estereótipos de aparência ou de conduta que possam indicar o risco e permitir a suspeita, o que sempre esteve presente na figura das bruxas durante a inquisição com suas práticas pagãs, os adoradores do demônio, os comunistas, os traficantes de drogas com feições latinas, os terroristas morenos com ascendência árabe e, modernamente, os pedófilos e criminosos sexuais. 45 PEDRINHA, Roberta Duboc. Sexualidade, controle social e práticas punitivas: do signo sacro religioso ao modelo científico médico higienista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Gral, 1984, p DELUME, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, P

50 Revista de Direito da ESA Barra Na virada do milênio criou-se uma verdadeira histeria quanto aos casos de pedofilia, admitindo-se uma verdadeira caça às bruxas no melhor estilo do santo ofício instaurado no medievo com direito à valorização da denúncia entre vizinhos que se satisfazem investigando a vida alheia e violações à presunção de inocência, estas muito incentivadas pelos meios de comunicação. Cumpre lembrar que todas as sociedades produzem indivíduos diferentes, com sexualidades diferentes, portanto, produzem estranhos. Estes estranhos consistem em pessoas que não se coadunam ao universo hermético da sexualidade imposta. E certamente uma das maiores ameaças presentes em cada ser humano é a de vir a se tornar um estranho, violador do juízo axiológico imposto. 48 Resta claro que não se está despindo a gravidade dos abusos perpetrados contra crianças que têm a vida e a inocência sacrificadas por atos de violência, as quais se encontram totalmente amparadas pela nossa Constituição e pelo ECA. A discussão maior se refere à definição dessa violência. Qual a abrangência da sexualidade? Ela é um dado ôntico ou algo construído por valores culturais de uma dada sociedade? Ela se encontra presente no jovem ou em um deficiente mental? Quais seriam os limites dessa relação com um adulto ou com alguém não portador dessa deficiência? São questões por demais complexas cujo enfrentamento não caberia no presente trabalho, mas é possível se refletir sobre alguns pontos. A moral como objeto de proteção e controle punitivo sempre esteve mais ou menos presente na sociedade conforme a intensidade da concepção tomista, religiosa, do Estado, como se observa, no caso de Portugal e Brasil no Livro V das Ordenações Filipinas que criminalizava e punia com a morte a sodomia (coito anal), a pederastia, a relação sexual com animal, mouro, judeu, ascendente ou descendente, assim como no já revogado art. 240 do atual Código Penal que até 2005 ainda criminalizava o adultério, embora haja permanências em vigor que corroboram essa tendência como os crimes de bigamia no art. 235, a manutenção de casa de prostituição no art. 229 e o ato obsceno previsto no art. 233, todos do CP. Embora não seja o tema do presente trabalho, vale ressaltar a crítica que recai sobre tais figuras típicas por violarem o princípio da legalidade numa perspectiva material, uma vez que agridem o princípio da lesividade, também chamada de ofensividade, considerando que num modelo democrático e garantista só é possível se definir como crime condutas que efetivamente lesionem ou coloquem em sério perigo um bem jurídico constitucionalmente relevante. 48 PEDRINHA, Roberta Duboc. Sexualidade, controle social e práticas punitivas: do signo sacro religioso ao modelo científico médico higienista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, P

51 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ E nesse diapasão o legislador perdeu uma grande oportunidade de atualizar e limitar mais a intervenção punitiva nesses assuntos na ocasião da lei /2009 que modificou vários dispositivos do capítulo correspondente aos crimes sexuais, principalmente na parte referente aos chamados incapazes. 3 A PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE O antigo art. 224 do Código Penal presumia a violência nos casos em que o agente praticava qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos ou com deficiência mental. Na época já existiam vários entendimentos no sentido de que essa presunção seria relativa, ou seja, sendo admissível a prova em contrário, devendo se analisar o caso concreto, podendo ser afastada essa presunção toda vez que fosse verificada que a vítima, já teria condições de entender o ato e de consentir conforme a realidade social em que ela vivia ou se, por exemplo, já tivera outras experiências sexuais no passado. Porém, tal dispositivo foi revogado dando lugar ao art. 217-A, criando-se uma nova figura delitiva denominada estupro de vulnerável, a qual passou a definir uma pena de 8 a 15 anos para todo aquele que venha a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso contra todos os menores de 14 anos, incapazes pela deficiência mental ou que, por qualquer circunstância, não podiam oferecer resistência, como aqueles que estão enfermos ou em coma. Com esse modelo, vários autores e julgados passaram a entender que não mais havia presunção a ser feita, tendo em vista que a lei trouxera um novo conceito absoluto a ser seguido: o de vulnerável. Nesse sentido Rogerio Greco afirma que o tipo não está presumindo nada, ou seja, está tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de 14 anos Também vem sendo esse o entendimento dos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos 49 GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal: Parte Especial, Vol. 3. Niterói, RJ: Impetus, P

52 Revista de Direito da ESA Barra crimes cometidos antes da vigência da Lei , a obstar a pretensa relativização da violência presumida. (HC , Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em , DJe de ) E também para o STJ está mantido o entendimento no sentido de que se mostra indiferente a condição da vítima para caracterização da violência presumida, a qual se constitui com a mera constatação da idade da vítima à época dos fatos. De fato, a lei reconheceu, de forma objetiva, que pessoas menores de 14 (quatorze) anos não seriam suficientemente desenvolvidas para decidir sobre seus atos sexuais. (REVISÃO CRIMINAL Nº GO ( ) RELATORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA) Em sentido oposto, Nucci observa a necessidade de se relativizar tal conceito em razão das óbvias evoluções sociais quanto às práticas e experiências sexuais vividas pelos jovens cada vez mais cedo, não cabendo ao Direito Penal intervir quando não se verificar lesão à dignidade da vítima em razão do consentimento do ato, demonstrando como o legislador, na área penal, continua retrógrado e incapaz de acompanhar as mudanças de comportamento reais na sociedade brasileira. 50 Também opinando pela presunção relativa, alguns Tribunais Estaduais vêm se posicionando: TJ-RS - Apelação Crime ACR RS (TJ-RS) Data de publicação: 22/01/2013 Ementa: APELAÇÃO. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXU- AL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO RELATIVA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DO RÉU COM BASE NO ART. 397, INC. III, DO CPP. INCONFORMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Caso em que, não obstante a vítima possuísse menos de 14 anos de idade na data dos fatos, revelam os elementos colhidos aos autos a sua evidente maturidade sexual e a liberdade de escolha, razão pela qual, sob os auspícios do princípio da razoabilidade, de assento constitucional, impõe-se a flexibilização do rigor legal, afastando-se a tipicidade da conduta do réu. 50 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, P

53 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ TJ-MG - Embargos de Declaração-Cr ED MG (TJ-MG) Data de publicação: 06/03/2015 Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ESTUPRO DE VUL- NERÁVEL - PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA - RELATIVIDADE - CONJUNÇÃO CARNAL CONSENTIDA - CASAL DE NAMO- RADOS - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - PRÉ-QUESTIONAMENTO - INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. - Se o acórdão embargado faz expressa menção que a vulnerabilidade contida no artigo 217-A, assim como a presunção de que tratava a alínea a do art. 224, ambos do Código Penal, hoje revogado, é relativa, não se mostra omisso o julgado para se sujeitar a qualquer declaração. Passando para a análise dos deficientes mentais, o já mencionado art. 6º do Estatuto, ao afirmar a capacidade do deficiente, inclui de forma expressa o direito ao casamento, união estável e ao exercício de direitos sexuais e reprodutivos. Assim, nesses termos, como conjugar tal capacidade à definição de vulnerável pelo direito penal, presumindo como criminoso qualquer ato libidinoso praticado com o deficiente, mesmo com o seu consentimento? É certo que o art. 217-A, 1º do CP só define o estupro de vulnerável no caso de deficiente mental quando atestado que a vítima não possuía o necessário discernimento para a prática do ato ou quando não podia oferecer resistência. Isso quer dizer que o deficiente mental, dependendo do grau de seu discernimento, é capaz de ter uma vida sexual e afetiva normal, mesmo com um parceiro que não possua qualquer deficiência, reforçando a relatividade de sua vulnerabilidade. Conforme bem questionado por Bitencourt, proibindo e criminalizando pesadamente qualquer contato carnal do cidadão com pessoas portadoras de enfermidade ou deficiência mental, estarão elas, por via indireta, proibidas ou impedidas de exercer, livremente, o direto fundamental à sexualidade? Estariam condenadas ao onanismo? 51 Ocorre que tal perspectiva acaba amparando o necessário entendimento de que a definição de vulnerável é mera presunção e como ferramenta de limitação do poder punitivo do Estado, nesse caso, deve ser entendida como relativa. O próprio Estatuto faz uma grande confusão sobre o tema, no parágrafo único de seu art. 5º, ao definir como vulnerável para efeitos da lei a criança, o adolescente, a mulher e o idoso com deficiência. Então, o homem que não é idoso com deficiência não é vulnerável? Esse, então, é um conceito relativo e não uni- 51 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Vol. 4. São Paulo: Saraiva,

54 Revista de Direito da ESA Barra versal e que deve ser interpretado segundo aquilo a que a norma se destina, que seria proteger a dignidade humana, a qual passa a ser ameaçada quando o uso indiscriminado do Direito Penal coloca em risco outros princípios relevantes como o da autonomia da vontade, do pluralismo e da intimidade. Considerando que o bem jurídico tutelado nos crimes sexuais é a dignidade sexual, que é um bem disponível, constituído, no caso do estupro de vulnerável, do elemento normativo ato libidinoso cujo significado depende da valoração do intérprete segundo os costumes sociais, forçosa é a análise do caso concreto para constatar se há vulnerabilidade ou não, se o sujeito passivo era incapaz de compreender o fato ou não, inclusive se menor de 14 anos. Importante frisar que esse ato libidinoso não precisa ter conotação sexual, pois basta a satisfação da libido, o que pode se dar num beijo, com um abraço ou carícias que, quando consentidos, fazem parte do processo normal e necessário do desenvolvimento do indivíduo e sua segurança afetiva, sendo criança, adolescente ou deficiente. Outro conceito questionável é o do próprio ato libidinoso, um elemento normativo que deve ser interpretado pelos costumes, mas que, ainda assim, precisa de arestas em respeito à legalidade e máxima taxatividade. Assim, esta libido deveria ser analisada apenas de forma objetiva, apenas de forma subjetiva, ou ambas são necessárias? Uma conduta não reprovada pelos costumes como uma carícia nos pés, mas por alguém que tem grande prazer lascivo com isso, configuraria a tipicidade? E uma conduta reprovável, mas sem a busca consciente desse prazer, como um beijo nos lábios entre mãe e filho se adequaria ao crime? Imaginem numa posição absoluta em que dois deficientes encontram-se namorando e se beijando. Neste caso, ambos deveriam ser separados e submetidos à medida de segurança, pois estariam se estuprando mutuamente? E o mesmo ocorreria com dois adolescentes de 13 anos, os quais seriam autores e vítimas do ato infracional análogo ao estupro de vulnerável e ambos sofreriam medidas sócio educativas por praticarem um ato normal e saudável de namoro? Nada mais absurdo! 53

55 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ CONCLUSÃO Assim, concluímos que o único modelo compatível com um Direito sensível às mudanças sociais e às mazelas ocasionadas por sua intervenção arbitrária refere-se a um conceito relativo de vulnerabilidade, tanto na definição do deficiente mental como do menor de 14 anos enquanto sujeitos passivos nos crimes sexuais praticados sem violência ou grave ameaça, presumindo, sim, a capacidade de consentimento, pois o contrário é que deverá ser provado, conforme o paradigma adotado pela atual legislação, pelo hodierno sistema acusatório e pela indubitável necessidade humana por afeto e respeito à sua dignidade. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Vol. 4. São Paulo: Saraiva,2015. DELUME, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Gral, FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal: Parte Especial, v. 3. Niterói, RJ: Impetus, NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, PEDRINHA, Roberta Duboc. Sexualidade, controle social e práticas punitivas: do signo sacro religioso ao modelo científico médico higienista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,

56 Revista de Direito da ESA Barra O Abuso de Direito Na Estabilidade Gestante, A Inexistência de Comunicação Ao Empregador, O Ócio Remunerado e O Desserviço na Busca das Mulheres Por Melhores Condições de Trabalho The Abuse of Rights in Pregnant Stability, The Lack Of Communication to the EmplOYER, The Paid Leisure and The Disservice to women s search for better working conditions por Humberto Muzzio Almirão 52 Resumo Este artigo visa expor a questão das mulheres que descobrem estarem grávidas após a conclusão do seu contrato de trabalho e optam por não comunicar a seu ex-empregador, não reivindicando a estabilidade gestante e a reintegração de emprego, ajuizando reclamação trabalhista após o fim do período previsto da estabilidade, para requerer exclusivamente a indenização substitutiva aos salários, mas sem ter trabalhado. Estas mulheres agem com abuso de direito e com má-fé e não podem ter seus pleitos julgados de forma favorável pela Justiça do Trabalho. A Teoria da Responsabilidade Objetiva não deve ser observada em situações como esta, pois não há ato ilícito do Empregador, mas sim da Trabalhadora, nos termos 52 Formado pela UNESA RJ em 2007, pós-graduado em LLM Dir. Corporativo pelo Ibmec RJ, em 2011, sócio do Muzzio Almirão Sociedade de Advogados e Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB RJ (Subseção Barra da Tijuca) atuando como advogado e consultor jurídico. 55

57 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ do artigo 187 do Código Civil. Conceder o direito às empregadas de má-fé é um desserviço às demais que agem de boa-fé, prejudicando a busca das mulheres por melhores condições de trabalho. PALAVRAS Chaves: Demissão de mulheres. Descoberta da gravidez após o encerramento do contrato de trabalho. Não comunicação ao ex-empregador. Reclamação trabalhista após o término da estabilidade gestante. Abuso de direito e má-fé. abstract This article aims to expose the issue of women who discover they are pregnant after the conclusion of his employment contract and choose not to communicate his former employer, not claiming the pregnant stability and reintegration of employment, filing a suit labor complaint after the end of the period of stability, to require only the substitutive compensation to wages, but without having worked. These women act with abuse of rights and with bad faith and can not have their claims considered favorably by the Labor Court. The theory of objective liability should not be observed in situations like this because there is no tort of the employer, but of the worker, in accordance with Article 187 of the Civil Code. Grant the right to bad faith workers is a disservice to others who act in good faith, hampering the women s search for better working conditions. KeywORDS: The dismissal of women. Discovery of pregnancy after the termination of the employment contract. No communication to the former employer. Labor demand after the end of stability of the pregnant. Abuse of right and Bad faith. 56

58 Revista de Direito da ESA Barra INTRODUÇÃO A Súmula 244, I, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), estabelece que O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, b do ADCT). Enquanto que o inciso I, da Súmula 396 do mesmo TST estabelece que Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego. Com a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), iniciado a partir da decisão no Recurso Extraordinário nº de 2011, que ampliou o entendimento de que a cobertura de proteção à maternidade visa proteger tanto a mãe como o nascituro, independente do prazo do contrato de emprego, e obser- 53 E M E N T A: SERVIDORA PÚBLICA GESTANTE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT/88, ART. 10, II, b ) CONVENÇÃO OIT Nº 103/1952 INCORPORAÇÃO FORMAL AO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (DECRETO Nº /66) - PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO ÓRGÃO PÚBLICO COMPETENTE RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O acesso da servidora pública e da trabalhadora gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes. - As gestantes quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, b ), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103 / Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico- -administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes (STF, RE , Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22/11/2011 e DJE em 07/12/

59 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ vando as súmulas indicadas, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e demais Tribunais Regionais do Trabalho, alicerçados na Teoria da Responsabilidade Objetiva do Empregador reconhecem que a Empregada possui direito público subjetivo à estabilidade provisória de emprego, independente da prévia comunicação ao Tomador de Serviços. Baseando-se nisso e ampliando ainda mais seu alcance, observando a combinação das súmulas indicadas com a prescrição bienal disposta no artigo 11, I, da CLT, criou-se uma nova modalidade de Reclamação Trabalhista, que vem sendo chancelada pela Justiça do Trabalho: a de Obreiras que após sua dispensa e desligamento dos quadros de funcionários do Empregador, descobrem estarem grávidas, mas optam por não comunicarem o fato aos seus ex-empregadores, mantendo-se silentes, ajuizando ação trabalhista dentro do prazo prescricional, mas após encerrado o período de estabilidade gestante, requerendo tão somente a indenização substitutiva equivalente aos salários decorrentes da estabilidade provisória de emprego. Abaixo ementa de acórdão recente do TST: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. GES- TANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DESNECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO AO EMPREGADOR. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de possível contrariedade ao art. 10, II, b, do ADCT, e Súmula 244, I, do TST, deve ser determinado o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTAN- TE. ART. 10, II, b, DO ADCT. DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO. EXIGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO EMPREGA- DOR. DESNECESSIDADE. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou-se no sentido de que o desconhecimento da gravidez pelo empregador não o exime da responsabilidade pela indenização resultante da estabilidade assegurada à empregada gestante dispensada sem justo motivo (Súmula 244, I, do TST). O fato gerador do direito à estabilidade provisória da empregada gestante surge com a concepção na vigência do contrato de trabalho e projeta-se até cinco meses após o parto, sem prejuízo dos salários, por força do que estabelecem os artigos 7º, XVIII, da Constituição Federal e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Referidos dispositivos legais não condicionaram a proteção à empregada gestante à ciência, pelo empregador, de seu estado gravídico, motivo pelo qual o desconhecimento da gravidez, tanto pelo empregador como pela empregada, no momento da dispensa imotivada, não constitui condição obstativa ao reconhecimento do direito postulado. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: ; Data de Julgamento: 11/03/2015, Data de Publicação: DEJT 13/03/2015) 58

60 Revista de Direito da ESA Barra Com isso, a maioria dos Juízes e Tribunais Regionais do Trabalho, repetindo automaticamente as súmulas do Tribunal Superior e o disposto na Teoria da Responsabilidade Objetiva, julgam as demandas de forma favorável às trabalhadoras, obrigando Empregadores a pagarem salários, que podem alcançar de 14 meses a 16 meses, sem a Obreira ter despendido um único dia de labor durante este período. Sem perceber a Justiça do Trabalho criou a figura do Ócio Remunerado, em total contrassenso aos princípios que a regem, chancelando a Má-Fé na relação de emprego, permitindo que trabalhadoras mintam e escondam de seus empregadores informações relevantes e pertinentes ao Contrato de Trabalho. A manutenção desta forma de julgar, embora justificada pelo argumento de proteção ao nascituro e as mulheres e pela busca por melhores condições de trabalho, na verdade gerará o efeito inverso, aumentando a desigualdade. O objetivo deste Artigo não é se insurgir contra a Estabilidade Gestante, eis ser esta um direito social de extrema relevância e que proporciona às mulheres promover os cuidados necessários, nos primeiros meses de vida, das crianças que se tornarão os futuros cidadãos da nossa sociedade. Não se discutirá aqui o Tomador de Serviços que deliberadamente desrespeita a garantia de emprego, dispensando empregada conhecidamente grávida ou que sequer aceita sua reintegração. Eis que neste caso deve o mesmo ser punido, diante de seus atos ilícitos, e obrigado a custear os salários da Trabalhadora, pelos seus atos preconceituosos. O que se almeja é discutir e demonstrar que como qualquer direito, o da Estabilidade Gestante precisa estar alicerçado na Boa-Fé, sob pena de se criar instituto deformado e gerar injustiças. Empregadores, de boa-fé, que dispensam mulheres que nem mesmo sabiam que estavam grávidas e que ao descobrirem, após encerrado o contrato de trabalho, optam propositalmente por não buscarem a garantia de reintegração de emprego, vindo à Justiça requerer a indenização substitutiva depois de esgotado o período da estabilidade não podem ser obrigados a custear os meses desta estabilidade, tais quais àqueles que propositalmente desrespeitam a proteção à maternidade. 59

61 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 1 DO ADCT E DAS SÚMULAS SOBRE A ESTABILIDADE GESTANTE A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, I, determina como direito social do trabalhador, a proteção contra a despedida arbitrária, sem justa causa. E desde a promulgação da CF/1988 se aguarda uma lei complementar para regulamentar os casos de dispensa sem justa causa, restando determinado nos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), artigo 10, inciso II, b, a vedação de dispensa arbitrária ou sem justa causa de empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto. Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto; O referido artigo criou o instituto da Estabilidade Provisória de Emprego à Gestante, protegendo as empregadas grávidas da dispensa arbitrária e sem justa causa. E na omissão do Poder Legislativo em criar legislação complementar, o Tribunal Superior do Trabalho, promovendo interpretação do referido artigo, criou as Súmulas 244 e 396: 244. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em ) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, b do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. 60

62 Revista de Direito da ESA Barra 396. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE REINTEGRA- ÇÃO. CONCESSÃO DO SALÁRIO RELATIVO AO PERÍODO DE ESTABILIDADE JÁ EXAURIDO. INEXISTÊNCIA DE JULGAMEN- TO EXTRA PETITA (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 106 e 116 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e I - Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego. (ex-oj nº 116 da SBDI-1 - inserida em ) II - Não há nulidade por julgamento extra petita da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT. (ex-oj nº 106 da SBDI-1 - inserida em ) As referidas súmulas estão em constante modificação e aperfeiçoamento, sendo a mais recente alteração ocorrida em 2012, no inciso III, da Súmula 244. É exatamente em razão desta necessidade de aperfeiçoamento que se apresenta a referida crítica à interpretação combinada das Súmulas 244, I, com 396, I, do TST. Pois ao determinar no inciso I, da Súmula 244, que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade e no inciso I, da Súmula 396, que exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, permitiu-se que Empregadas Gestantes, que não sabiam que estavam grávidas no momento da dispensa, não comuniquem tal fato a seus ex-empregadores e optem por somente ajuizar reclamação trabalhista após encerrado o período da estabilidade, obstando a reintegração e obrigando empregadores a pagarem salários sem a contraprestação do labor. 2 Da Ausência de Ato Ilícito e da Responsabilidade do Empregador A Jurisprudência dos Tribunais, Superior e Regionais, do Trabalho vem majoritariamente reconhecendo ser o Empregador responsável pela indenização substitutiva equivalente ao período integral da estabilidade gestante, baseando-se, principalmente, na Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva do Empregador. 61

63 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. GES- TANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DESNECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO AO EMPREGADOR. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de possível contrariedade ao art. 10, II, b, do ADCT, e Súmula 244, I, do TST, deve ser determinado o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ESTA- BILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. ART. 10, II, b, DO ADCT. DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO. EXIGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO EMPREGADOR. DESNECESSIDADE. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou-se no sentido de que o desconhecimento da gravidez pelo empregador não o exime da responsabilidade pela indenização resultante da estabilidade assegurada à empregada gestante dispensada sem justo motivo (Súmula 244, I, do TST). O fato gerador do direito à estabilidade provisória da empregada gestante surge com a concepção na vigência do contrato de trabalho e projeta-se até cinco meses após o parto, sem prejuízo dos salários, por força do que estabelecem os artigos 7º, XVIII, da Constituição Federal e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Referidos dispositivos legais não condicionaram a proteção à empregada gestante à ciência, pelo empregador, de seu estado gravídico, motivo pelo qual o desconhecimento da gravidez, tanto pelo empregador como pela empregada, no momento da dispensa imotivada, não constitui condição obstativa ao reconhecimento do direito postulado. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: ; Data de Julgamento: 11/03/2015, Data de Publicação: DEJT 13/03/2015) GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO AO EMPREGADOR. 1. Trata-se de ação sujeita ao procedimento sumaríssimo, somente podendo ser admitido o recurso de revista por violação direta à Constituição Federal ou contrariedade à Súmula desta Corte, conforme dispõe o artigo 896, 6º, da CLT. 2. É irrelevante para configuração da estabilidade provisória o conhecimento do empregador sobre o estado gestacional da obreira quando do rompimento do vínculo empregatício, pois o artigo 10, II, b, do ADCT, ao conferir estabilidade provisória, exige para o seu implemento apenas a confirmação de sua condição de gestante. Neste diapasão, conclui-se que a questão aqui tratada é de responsabilidade objetiva, assumindo o empregador o ônus decorrente da dispensa da empregada gestante sem justa causa, ainda que não saiba de seu estado. Basta a ocorrência do estado gravídico para nascer o direito em comento, não havendo, portanto, de se falar em outros requisitos para o exercício desse direito, como, in casu, em que foi negado em virtude da demora no ajuizamento da ação (Súmula nº 244). Igualmente, esta Corte Superior, por meio da SBDI-1, vem firmando posicionamento no sentido de que não afasta o direito à estabilidade provisória, o fato de a gravidez não ser de conhecimento da própria empregada à época de sua dispensa. Suficiente, para tal fim, o fato objetivo da gravidez, bem como a 62

64 Revista de Direito da ESA Barra comprovação de sua ocorrência na vigência do contrato de trabalho, hipótese dos autos. Precedentes. 3. Recurso de revista que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: , Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 26/11/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: DJ 28/11/2008.) ESTABILIDADE GESTACIONAL. AUSÊNCIA DE COMUNICA- ÇÃO AO EMPREGADOR. SÚMULA Nº 244 DO TST. Esta C. Corte adota a teoria da responsabilidade objetiva, considerando que a garantia constitucional tem como escopo a proteção da maternidade e do nascituro, independentemente da confirmação ou comprovação da gravidez perante o empregador. A Súmula nº 244 desta Corte já pacificou o entendimento de que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade provisória da gestante. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: , Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 12/08/2009, 6ª Turma, Data de Publicação: 21/08/2009) Do Vínculo de emprego. Sem razão. Face à arguição de fato impeditivo do direito da Recorrida, cabia aos Recorrentes, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, inciso II, do CPC, a prova de que a relação mantida entre as partes era outra que não a relação de emprego, encargo do qual, no entanto, não se desvencilharam a contento. Observa-se que a testemunha dos Réus, Sra. Edna Rosa de Souza, não laborou juntamente com a Autora, não tendo, pois, seu testemunho, no que concerne à não eventualidade, o condão de corroborar a tese defensiva. Por outro lado, a testemunha da Reclamante não só confirmou o trabalho efetuado de maneira sistemática - ao afirmar que via a Reclamante laborando na casa dos Reclamados por volta de três a quatro vezes por semana -, como ainda que a relação, ao contrário do sustentado pelos Reclamados, findou-se após janeiro de 2013, já que a Sra. Camila Ferreiro Lopes da Silva, como se vê, somente veio a laborar na residência vizinha a partir de março de Presentes, assim, os requisitos do artigo 1º da Lei 5.859/1972, que exige a prestação de serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família no âmbito residencial destas. Da estabilidade gestante. Cumpre ressaltar, de início, que de acordo com a norma contida no artigo 4-A, da Lei 5.859/72, é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto, o que afasta qualquer argumento no sentido de não aplicar a garantia constitucional à empregada gestante doméstica. O direito à estabilidade decorre do fato objetivo - a gravidez - independentemente do fator subjetivo do conhecimento do empregador ou da trabalhadora sobre o fato, ao tempo da despedida. É que a expressão desde a confirmação da gravidez, contida no artigo 10, II, b, do ADCT da CF/88, quer significar que a estabilidade inicia-se com a concepção, porquanto o objetivo constitucional é a proteção do feto, que não poderia ser 63

65 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ relegada ao fato da comunicação do estado gravídico, muitas vezes desconhecido pela própria empregada, por inúmeros motivos. Nossa jurisprudência adotou a teoria objetiva, onde a empregada fará jus à estabilidade desde que esteja de fato grávida, independentemente de ter, ou não, dado ciência de tal fato ao empregador, Súmula 244, I do C. TST. No presente caso, verifica-se do documento de fls. 17, que a Recorrida realmente engravidou em data anterior a de sua dispensa. Inclusive, destaca-se, que referido documento, datado de 23/03/2013, atesta que a obreira estava grávida de 8 semanas. Logo, considerando que a dispensa ocorreu em 18/04/13 (data reconhecida na Origem e mantida nesta Instância Revisora), conclui-se que a Autora encontrava-se grávida quando do despedimento. Nada há para ser reformado. Do dano moral. O dano moral exige prova cabal e convincente da violação à imagem, à honra, à liberdade, ao nome etc., ou seja, ao patrimônio ideal do trabalhador. O artigo 186 do Código Civil estabelece quatro pressupostos para a caracterização da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão, culpa ou dolo, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. Na hipótese, apesar de lamentáveis, os fatos narrados não indicam nenhuma violação imaterial a que a Autora tivesse sido submetida, capaz de fundamentar a indenização debatida. A condenação ao pagamento das verbas devidas à Recorrida é suficiente à reparação dos danos causados. No entanto, não há como se extrair dos mesmos fatos a presunção de violação de ordem moral. Dou provimento. (TRT SP, RO SP A28, Relator MARTA CASADEI MOMEZZO, julgamento 26/08/2014, 10ª TURMA, publicação 04/09/2014. ESTABILIDADE GESTANTE. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO AO EMPREGADOR. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA TEORIA OBJETIVA. O termo confirmação, constante na letra b do art. 10, II, do ADCT, não foi utilizado com o sentido de comunicação ao empregador. Consoante a lição de Nei Frederico Cano Martins: o termo confirmação, no dispositivo constitucional em exame, não tem o sentido de aviso que deva ser feito pela empregada ao empregador. Marca apenas o início, em termos objetivos, da aquisição do direito ao emprego, isso porque a confirmação de um fato pode ser feita para a própria pessoa, enquanto a comunicação é sempre feita para os outros. Logo, a eventual ausência de comunicação da gravidez ao empregador não impede os direitos assegurados na Constituição. O objetivo da norma em foco foi o de proteger a maternidade, especialmente a pessoa que vai nascer, razão porque, na doutrina e na jurisprudência, prevalece a teoria objetiva, pouco importando que o empregador não tenha conhecimento da gravidez entendimento consagrado pelo TST na Súmula nº 244. Recurso não provido. (TRT-15 - RO: SP /2011, Relator: LORIVAL FERREIRA DOS SANTOS, Data de Publicação: 19/08/2011) 64

66 Revista de Direito da ESA Barra Verifica-se que os julgados condenando o Empregador a indenizar a Empregada, baseiam-se na responsabilidade objetiva do empregador, em razão do ônus do seu empreendimento. Necessário de maneira resumida, conceituar que a responsabilidade civil é: a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. 54 A mesma poderá ser classificada como subjetiva, quando o elemento do dolo precisa estar presente, ou objetiva, em que o agente responde independente da analise de sua culpabilidade para o ato ilícito. Ou seja, a Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva estabelece que a obrigação de indenizar seja independente do dolo, não sendo este analisado. Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa. 55 Entretanto, elemento essencial para a responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, é a existência de Ato Ilícito, restando este definido nos artigos 186 e 187, do Código Civil: Art Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Ao se observar tais critérios, percebe-se que o Empregador que dispensa Empregada, sem que ambos tenham conhecimento do estado gravídico, não cometeu ato ilícito. E mais, ao assinarem o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, a dispensa se consuma como ato jurídico perfeito. No momento da rescisão do contrato e diante da inexistência de qualquer indício de gravidez, o Tomador de Serviços concluiu a dispensa, baseada em conduta de boa-fé estruturada na Teoria da Aparência. Ora, o artigo 10, II, b, do ADCT, determina que haja a confirmação da gravidez, devendo, de maneira razoável, ocorrer durante o vínculo empregatício, para surgir o direito à estabilidade provisória da gestante. 54 RODRIGUES, Silvio, in DIREITO CIVIL 4, Responsabilidade Civil, 2003, Saraiva, 20ª ed., p.6 55 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010, p

67 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Desta maneira, se nem a Trabalhadora no momento da dispensa, tinha qualquer confirmação de gravidez ou qualquer suspeita, o elemento da confirmação não existe. Por esta razão, não se pode imputar ao Empregador um fato ao qual não deu causa, eis que não houve dispensa arbitrária com o objetivo de obstar direito da gestante. Conforme ensina o Professor Sergio Pinto Martins: Desconhecendo a empregada a sua gravidez quando da dispensa, menos ainda teria condições de saber o empregador. O empregador não tem como ser responsabilizado se a empregada não avisa que está grávida. Na data da dispensa não havia qualquer óbice à dispensa da trabalhadora, pois naquele momento não estava comprovada a gravidez ou era impossível constatá-la. 56 De igual forma, a Eterna Mestre Alice Monteiro de Barros: Outra será a situação se à época da dispensa sequer a empregada sabia da sua gestação. Neste caso, entendemos que não lhe assiste razão à estabilidade provisória, salvo norma coletiva mais favorável. (...) Se à época em que o empregador a dispensou, ainda que sem justa causa, exercendo um direito potestativo, sequer a empregada tinha ciência da gravidez, entendemos que o ato jurídico alusivo à resilição se tornou perfeito e acabado, não se podendo atribuir responsabilidade ao empregador. É que a garantia de emprego em exame surge com a confirmação da gravidez, isto é, ratificação junto à própria empregada, o que ainda não havia ocorrido quando ela foi dispensada. 57 Ou seja, diante da inexistência de conhecimento do estado gravídico, por qualquer uma das partes, não há ato ilícito praticado pelo Empregador a fim de gerar qualquer responsabilidade de indenizar. Contudo, a Obreira que após sua dispensa, descobre a gravidez e escolhe não procurar e não comunicar tal fato a seu ex-empregador, aguardando o decurso de todo o período da estabilidade para ajuizar reclamação trabalhista, obstando sua reintegração, esta sim, nos termos do artigo 187 do Código Civil, comete ato ilícito. A Empregada tinha o direito à estabilidade no momento em que descobre a gravidez, mas ao buscar exercê-lo, somente, após exaurido o período da estabilidade, impedindo a reintegração e focando tão somente na indenização substitutiva, excede manifestamente os limites impostos. 56 MARTINS, Sergio Pinto, in Comentários às Súmulas do TST, 15ª edição, Ed. Atlas S.A., São Paulo, 2015, p. 145) 57 BARROS, Alice Monteiro, in Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, Ed. LTr, São Paulo, 2007, p. 1084/

68 Revista de Direito da ESA Barra Isso porque ao pleitear o direito o faz de maneira subvertida, objetivando tão somente o recebimento dos salários, sem a contraprestação do trabalho, uma vez que a garantia é de emprego, sendo o salário consequência deste labor. A Empregada neste caso não é a vítima do ato ilícito do Empregador, mas sim o agente do ato, que deliberada e dolosamente, postergou a informação da gravidez, com o único intento de ganhar indenização substitutiva, equivalente ao salário, sem precisar trabalhar. Com isso, não se pode imputar ao Tomador de Serviços a responsabilidade pelas verbas, eis que agiu de boa-fé. Diferente da Obreira que agiu de má-fé, não visando o direito em si, mas sim e exclusivamente a vantagem monetária decorrente deste direito. 3 DO ABUSO DE DIREITO A Empregada Gestante que atua com esta conduta de má-fé age de forma ilícita, nos termos do artigo 187 do Código Civil e em notável e reprovável abuso de direito, reduzindo a garantia constitucional de emprego a um mero ócio remunerado. Ao manter-se em silêncio a trabalhadora age, conscientemente, para deturpar a lei, visando enriquecer às expensas do Empregador, sem oferecer a contraprestação adequada. Sem sombra de dúvida que a gravidez deve ser protegida por lei, bem como, a mulher gestante e o nascituro. Porém, o direito não pode ser subvertido e a lei não pode ser vergada, a fim de permitir à trabalhadora o benefício dos salários, sem a mesma ter demonstrado qualquer interesse no trabalho ou na proteção à sua suposta estabilidade. A Empregada com tais atos ofende o binômio Trabalho x Salário, atitude que não pode ser prestigiada pela Justiça do Trabalho. A Obreira não objetiva o retorno ao labor, para o desenvolvimento saudável e útil do seu ofício, mas tão somente a vantagem salarial que advém do labor. A Gestante que age desta forma escolhe não trabalhar, escolhe não comunicar, escolhe não buscar a reintegração, escolhe aguardar, eis que vislumbra possibilidade de receber seus salários sem precisar despender seu tempo no desenvolvimento de atividades ao empregador, em atitude deliberada, lesiva e de má-fé. Este ato é contrário ao que preconiza o artigo 422, do Código Civil (Contratos 67

69 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ em Geral), que dispõe que: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Mister salientar que a gravidez não é considerada doença incapacitante, razão pela qual Empregada que descobre estar grávida, pouco tempo após a baixa de sua CTPS, poderia de forma digna e em tempo hábil ter continuado a trabalhar, após pedido de reintegração. Com isso, o ato da Trabalhadora impede que o Empregador promova a reintegração, tolhendo-lhe o direito de se beneficiar da força de trabalho da Obreira em troca do salário, sendo obrigado a, literalmente, pagar 14 meses de salários, sem esta ter cumprido um só dia sequer. Neste caso ainda o prejuízo do Empregador é duplo, eis que custeia os salários sem receber a contraprestação da força de trabalho da Obreira e, ainda, fica impedido de compensar os meses da Licença Maternidade, permitido pela Lei /2003, visto que a Empregada não está mais relacionada em sua Folha de Pagamento. Assim, o ato da Obreira gera desequilíbrio na relação contratual com o Tomador de Serviços, sendo isso vedado pelo artigo 478 do Código Civil. Aliás a Dra. Teresa Negreiros ensina que justo é o contrato cujas prestações de um e de outro contratante, supondo-se interdependentes, guardam entre si um nível razoável de proporcionalidade. Uma vez demonstrada a exagerada ou excessiva discrepância entre as obrigações assumidas por cada contratante, fica configurada a injustiça daquele ajuste, exatamente na medida em que configurada está a inexistência de paridade. 58 Desta maneira é dever moral da Obreira comunicar a gravidez ao seu Tomador de Serviços. Até mesmo porque o objetivo da Súmula 396, TST, é resguardar empregada demitida por empregador ciente da gravidez ou que, em razão do tempo do processo, viu ser ultrapassado o período de reintegração. Ou seja, o objetivo da Súmula não é salvaguardar empregada que, propositalmente, escolhe buscar o Judiciário somente após o término do período da estabilidade. A conduta da Obreira é ilícita e reprovável, não sendo atitude comum do homem médio. Age de forma torpe e com dolo, visando à benesse monetária do ócio remunerado, eis que se prestasse o dever de informar atitude esperada nas condutas de boa-fé seria obrigada a retornar ao trabalho, o que obviamente não é o que deseja uma Litigante que age assim. 58 NEGREIROS, Teresa, in TEORIA DOS CONTRATOS: NOVOS PARADIGMAS, 2ª edição, Ed. Renova, São Paulo, 2002, p. 169 e RT

70 Revista de Direito da ESA Barra Corroborando com o afirmado, segue doutrina do Professor e Mestre Célio Pereira de Oliveira Neto: Findo o contrato, a partir do momento em que a empregada toma ciência de seu estado gravídico, parece bastante razoável, pois, ter o empregador a expectativa de ser informado a respeito. A ausência desse comportamento por parte da detentora do direito faz valer mais o caráter patrimonialista do que o viés social da medida, desfigurando o direito, e fazendo com que essa atitude omissiva, formalmente lícita, converta-se em comportamento contrário à boafé objetiva. Nesse diapasão, em sentido diametralmente oposto ao que se esperaria de um contratante cujo comportamento é leal, ético e correto, violando deveres anexos da boa fé-objetiva. (...) Nesse cenário é de se avaliar com os olhos voltados à função social do contrato - que pressupõe confiança recíproca dos contratantes - se a informação como dever anexo da boa-fé objetiva deve ser usada em prol de um contrato justo, permitindo-se ao empregador a ciência do estado gravídico de sua empregada, e não somente quando dos pleitos indenizatórios na Justiça do Trabalho, com mero escopo patrimonial. 59 Com isso, o ato da Obreira é calçado na trapaça, restando evidente o abuso de direito, não podendo a mesma se beneficiar da própria torpeza. A Obreira, ainda, com esta atitude deforma a proteção ao nascituro originada dos entendimentos do STF, que culminaram nas mudanças da Súmula 244, do TST. Pois, se o objetivo é garantir o emprego, para que a mulher possa trabalhar e deste ofício receber salários e prover seu sustento e do nascituro, ao agir de maneira diversa, afasta o critério alimentar da verba, renunciando a ela. Afinal, se a mulher resolve arriscar seu sustento e o do nascituro, não buscando o emprego no qual possuía estabilidade, é porque não vislumbrou neste qualquer benefício alimentar atrelado. E mais, com certeza obteve seu sustento de outra maneira, pois do contrário não iria aguardar tanto tempo para buscar o Judiciário. Corroborando com o afirmado, segue jurisprudência, com grifos acrescidos: EMENTA ESTABILIDADE GESTANTE. Não faz jus a empregada à estabilidade gestante quando não é comprovado nos autos, com a necessária certeza, o início da gravidez na vigência do contrato. 59 NETO, Célio Pereira O., in REFLEXÕES SOBRE OS INCISOS I E II DA SÚMULA 244 DO TST À LUZ DAS CLÁUSULAS GERAIS, Revista APLICAÇÃO DA TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES NO DIREITO DO TRABALHO, ed. LT-R, Rio de Janeiro, 2015, p. 56/70 e Reclamação Trabalhista nº

71 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ VOTO (...) Assim, não há como deixar de reconhecer que, tal como alegou a ré, o comportamento da reclamante, de aguardar o decurso de quase toda a gestação para postular a reintegração que sabia que não seria possível, configura indiscutível abuso de direito. Com efeito, a Constituição Federal garante à empregada gestante o direito ao trabalho e não aos salários sem a devida contraprestação por parte do trabalhador. Ao deixar transcorrer todo o período da gestação para, só então, ajuizar a presente reclamação, a reclamante deixou mais do que evidente a sua intenção de receber salários sem trabalhar, o que inviabilizou o binômio trabalho x salário, atitude que não pode ser prestigiada pelo Judiciário. (...) Conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe provimento, a fim de julgar improcedente o pedido (PROCESSO nº (RO), 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, REDATORA DESIGNADA: ANGELA FIORENCIO SOARES DA CUNHA, Data de publicação: 18/02/2016) EMENTA: GESTANTE. GARANTIA DE EMPREGO. RENÚNCIA. Na hipótese dos autos em que a autora, segundo o contexto probatório produzido, deliberadamente omitiu ao conhecimento do empregador, no momento em que efetivada a dispensa, bem como no momento do acerto rescisório perante o Sindicato da categoria profissional, a condição gestacional, além de recusar a proposta de retorno ao trabalho pelo tempo correspondente ao do período de garantia de emprego, é de ser ratificada a sentença que reconheceu a renúncia da autora ao direito assegurado em lei. Inaplicável, ao caso, a Tese Jurídica Prevalecente de n. 2, deste Eg. Tribunal. (TRT-3 (MG) - RO: , Relator: PAULO CHA- VES CORRÊA FILHO, Julgado em 26/08/2015, Data de Publicação: 08/09/2015) GESTANTE. GARANTIA PROVISÓRIA. DIREITO AO EMPRE- GO. SUBSTITUIÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL PELA INDENIZAÇÃO FINANCEIRA. ABUSO DO DIREITO. O direito à estabilidade provisória da gestante, que se inicia desde o fato da concepção e termina cinco meses após o parto, nos termos da alínea b, do inciso II, do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não é uma garantia exclusiva dela, mas, sobretudo, trata-se de uma medida cujo objetivo é assegurar o bem-estar do nascituro. O que a legislação garante é o direito ao emprego, e não o direito à indenização, que só deve ser deferida nos casos em que a reintegração foi desaconselhável ou nos casos em que o período da estabilidade se exaurir no curso da ação. No caso, a matéria fática dos autos autoriza a ilação de que a reclamante pretendeu pura e simplesmente a substituição da garantia constitucional pela inde- 70

72 Revista de Direito da ESA Barra nização financeira, com recebimento de valores sem a respectiva prestação do labor em prol da reclamada, em evidente abuso do direito, o que conduz ao enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico. O fato de não haver notícia nos autos de que a reclamante tenha procurado a reclamada para informá-la sobre a gravidez e pleitear a reintegração ao emprego, aliado ao fato de que a reclamante não pretendeu na inicial o retorno ao trabalho, somente vindo a fazê-lo praticamente ao término do período estabilitário, leva à conclusão inarredável de que prevalece a total inércia da empregada em relação ao seu direito de reintegração. (TRT da 3.ª Região (MG); Processo: RO; Data de Publicação: 25/03/2015; Disponibilização: 24/03/2015, DEJT/ TRT3/Cad.Jud, Página 184; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Juiz Convocado Ricardo Marcelo Silva; Revisor: Desembargadora Mônica Sette Lopes) ESTABILIDADE GESTANTE ABUSO DE DIREITO A regra contida no art. 10o, alínea b do ADCT deve ser interpretada em consonância com os demais princípios insertos na Carta Magna, resultando lícita a conclusão e no sentido de que a estabilidade visa garantir o nascituro, limitando o exercício do jus variandi do empregador em relação à dispensa arbitraria da empregada gestante a partir do momento em que se confirma a gravidez. Entretanto, dúvidas não restam e no sentido de que a obreira, no momento da demissão, não tinha ciência de que estava grávida, operando verdadeiro abuso de direito, ao deixar transcorrer a quase totalidade da gestação para buscar o direito previsto no art. 10, a do ADCT. (TRT/SP RS Ac. 2aT Rel. Odette Silveira Moraes DOE 28/07/2009). RECURSO DE REVISTA. GARANTIA DE EMPREGO. GESTAN- TE. DEMORA INJUSTIFICADA NO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ABUSO DE DIREITO. Impende considerar-se que a interpretação da norma em exame - artigo 10, II, do ADCT - não pode dissociar-se da realidade em que se insere, nem do componente de razoabilidade com o qual deve ser aplicada. Com efeito, restou consignado nos autos que a demora da reclamante em interpor a reclamação, configurou-se em abuso de direito no exercício da demanda. Significaria, na prática, condenar a empregadora, sem que lhe tenha sido oportunizado o cumprimento de sua obrigação, ante deliberada delonga da reclamante. Recurso de revista não conhecido. (TST - RR: , Relator: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, Data de Julgamento: 24/10/2007, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 18/04/2008.) grifos nossos. RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE DA GESTANTE - AJUI- ZAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA APÓS O EXAU- RIMENTO DO PERÍODO ESTABILITÁRIO. Impende considerar-se que a interpretação da norma em exame - artigo 10, II, do ADCT - não pode dissociar-se da realidade em que se insere, nem do componente 71

73 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ de razoabilidade com o qual deve ser aplicada. Com efeito, restou consignado nos autos que a demora da reclamante em interpor a reclamação, quando já decorrido o período estabilitário, configurouse em abuso de direito no exercício da demanda, pretendendo o pagamento da indenização correspondente ao período da estabilidade provisória após exaurido o período estabilitário, ou seja, após a perda do direito que ora pleiteia. Significaria, na prática, condenar o empregador, sem que lhe tenha sido oportunizado o cumprimento de sua obrigação, ante deliberada delonga da reclamante. Recurso de revista conhecido e desprovido. (TST - RR: , Relator: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 18/06/2008, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 01/08/2008) Portanto, reconhecer como válida a atitude de tal obreira é pactuar com o ilícito, com o imoral e com a má-fé. É dar aval aos atos movidos pela cultura da Lei de Gerson, 60 a lei da vantagem indiscriminada, em detrimento às atitudes de boa-fé. Assim, resta demonstrado que tais atos podem e devem ser considerados como abuso de direito, devendo a Justiça do Trabalho julgar improcedentes tais pleitos, pois do contrário estará chancelando a má-fé e deturpação de direitos. 4 DA PROTEÇÃO EXCESSIVA E DO DESSERVIÇO A BUSCA DAS MULHERES POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO As interpretações das súmulas 244 e 396, do TST, não podem privilegiar atitude torpe de Trabalhadora, eis que garantir à Obreira de Má-Fé o direito à indenização substitutiva, equivalente ao período da estabilidade, é transmitir mensagem à Sociedade e ao Mercado de Trabalho de que não há limites para a extensão do direito a estabilidade provisória gestante, mesmo quando as grávidas agirem em conduta lesiva, dolosa e desprovida de boa-fé. É admitir que a Gestante pode deturpar as garantias legais e jurisprudenciais, e, propositalmente, esperar para ajuizar ação visando tão somente a pecúnia. A Justiça do Trabalho não pode pactuar com atitudes como estas, principalmente por ser a Justiça que visa garantir e promover a isonomia nas relações de trabalho A Lei da Vantagem ou Lei de Gérson é um princípio em que determinada pessoa ou empresa brasileira deve obter vantagens de forma indiscriminada, sem se importar com questões éticas ou morais. A Lei de Gérson acabou sendo usada para exprimir traços bastante característicos e pouco lisonjeiros do caráter nacional, que passa a ser interpretado como caráter da população, associados à disseminação da corrupção e ao desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens. (Wikipedia, a Enciclopédia Livre) 72

74 Revista de Direito da ESA Barra Não se pode ignorar que as mulheres ainda ganham salários menores do que os homens61 e ainda são vítimas de preconceito, sendo que um dos fatores que contribuem para esta discriminação é a insegurança jurídica relativa às gestantes. Assim, concordar com as Obreiras que escolhem não trabalhar é transmitir mensagem aos Empregadores que admitir mulheres sempre é mais arriscado do que homens, resultando em desserviço à luta destas por melhores e isonômicas condições de trabalho. Atuar em favor de tais Obreiras fere, inclusive, o disposto no artigo 7º, XX, da CF/88, que estabelece a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. Ora, tais decisões favoráveis a Obreiras de Má-Fé, além de não gerarem incentivo algum, depreciam a imagem das demais trabalhadoras de boa-fé perante os Tomadores de Serviço, criando mais desigualdade, eis que os(as) empresários(as) irão optar por contratar homens, preterindo as mulheres. Ressalta-se que as Micro e Pequenas Empresas representam 99% do total de empresas no Brasil, segundo as últimas pesquisas do SEBRAE,62 gerando mais de 15 milhões de empregos formais. Tais empresas, diferentemente das de grande porte e por terem contabilidade e tributação simplificada, alicerçada na Lei Complementar nº 123/2006,63 não possuem planejamentos financeiros ou receitas exorbitantes que lhe permitam fazer provisões para cada mulher que eventualmente demitam. Aliás, imaginar que um Empregador deva provisionar 14 meses de salários para cada mulher que dispense, eis que deve estar preparado para atos de má-fé das ex-empregadas, é deveras excessivo e absurdo sobre o ponto de vista econômico e do Direito. Não devem os empregadores partir da premissa que trabalhadores agirão de má-fé e que a Justiça do Trabalho lhes dará cobertura. Isto não é razoável com os princípios de um Estado Democrático de Direito. Novamente, não se está aqui a se defender a inexistência do direito à estabilidade gestante. Mas o exemplo que se apresenta neste artigo é diferente dos casos de mulheres que são dispensadas arbitrariamente por empregadores que têm ciência da gravidez, mas que ainda não se conscientizaram da necessária proteção à maternidade. 61 Diferença salarial entre homens e mulheres ainda persiste: 62 Micro e pequenas empresas são 99% do total no país, mostra pesquisa: economia/pme/noticia/2012/02/micro-e-pequenas-empresas-sao-99-do-total-no-pais-mostra -pesquisa.html 63 Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. 73

75 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ A Trabalhadora dispensada que opta maliciosamente por esperar não é a vítima de ato ilícito do empregador, mas é sim a própria agente do ato ilícito, que deliberada e dolosamente, posterga a informação da gravidez, com o único intento de escapar da reintegração de emprego e da obrigação de trabalhar, a fim de ganhar salário sem precisar fazer esforço. Desta forma, a proteção em demasia e indiscriminada, sem observância do princípio da boa-fé, não resultará em melhoria das condições no mercado de trabalho para mulheres, mas em efeito inverso, razão pela qual não deve ser reconhecido qualquer direito a Obreiras que agem com esta conduta. Por fim, destaca-se que países que tem direito semelhante, tais como Chile, Argentina, França, dentre outros, é obrigatório à empregada comunicar o fato ao empregador. Aliás, na Alemanha, que possui tempo de estabilidade muito superior ao do Brasil 3 anos de garantia de emprego a Empregada é obrigada a apresentar documento médico por escrito ( Schwangerschaftsattest - Certidão de Gravidez, em tradução livre), confirmando a gravidez, a fim de receber os benefícios remuneratórios que serão pagos em parte pelo Empregador e outra parte pelo Estado. Portanto, não é abusivo que mulheres, ao descobrirem estarem grávidas sejam obrigadas a comunicar o fato aos seus empregadores, a fim de lhes ser garantido o direito a estabilidade gestante, principalmente, nos casos em que tiver ocorrido a rescisão do contrato de trabalho sem que nenhuma das partes tivesse conhecimento da gravidez. 74

76 Revista de Direito da ESA Barra CONCLUSÃO O Direito é uma ciência humana em constante evolução e aperfeiçoamento, razão pela qual verificado o abuso e a desproporcionalidade de algum instituto, é razoável a correção e adequação, a fim de evitar injustiças. Imputar responsabilidades e condenações aos empregadores de boa-fé tal qual os de má-fé não parecer justo e nem razoável. Principalmente quando estes não têm conhecimento sobre o estado gravídico de ex-empregada, porque esta preferiu esconder a informação após o término do contrato de trabalho. A mulher gestante precisa ser protegida pela legislação, mas não pode tergiversar direito, visando receber apenas a vantagem pecuniária decorrente deste. Lembremos que a estabilidade visa a garantia de emprego, a fim de que a Gestante não seja vítima de preconceito, e possa desenvolver seu ofício durante a gestação, recebendo o salário decorrente de sua força de trabalho. Com isso aceitar que em casos como este a Obreira possa, simplesmente, optar por não divulgar a informação para o ex-empregador e, após o período da estabilidade gestante, ir à Justiça pleitear a indenização, para poder ganhar salário sem precisar trabalhar, é aceitar que alguém possa agir de má-fé e se beneficiar de sua própria torpeza. Assim, devem as súmulas e as interpretações jurídicas sobre o tema ser modificadas e adequadas, para impedir que mulheres grávidas, aproveitando-se de sua condição e agindo em abuso de direito e má-fé, deturpem o direito da estabilidade gestante, substituindo-o por mera moeda de troca, sem demonstrarem nenhum interesse pelo labor edificante. 75

77 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro, in Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, Ed. LTr, São Paulo, CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010 Gravidez e Direitos da Mãe na Alemanha, disponível em < wordpress.com/2014/09/21/gravidez-e-direitos-de-mae-na-alemanha/>, acesso em 30 de out MARTINS, Sergio Pinto, in Comentários às Súmulas do TST, 15ª edição, Ed. Atlas S.A., São Paulo, 2015., in Direito do Trabalho, 32ª edição, Ed. Atlas S.A., São Paulo, 2016 NEGREIROS, Teresa, in Teoria Dos Contratos: Novos Paradigmas, 2ª edição, Ed. Renova, São Paulo, NETO, Célio Pereira O., in reflexões sobre os incisos i e ii da súmula 244 do tst à luz das cláusulas gerais, revista aplicação da teoria do diálogo das fontes no direito do trabalho, ed. LT-R, Rio de Janeiro, RODRIGUES, Silvio, in DIREITO CIVIL 4, responsabilidade civil, Saraiva, 20ed., Viver Na AleMANHA, disponível em < ptindex.htm>, acesso em 30 de out VOLPATO, Luana Figueiró Silva, in Reflexões a Respeito da Orientação Jurisprudencial 399, da SDI-1 e o Prazo Prescricional Para Ingresso Judicial da Gestante Versus a Boa-Fé Objetiva Nas Relações de Trabalho, XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, da Universidade de Santa Cruz do Sul/ RS,

78 Revista de Direito da ESA Barra OS DIREITOS HUMANOS VIOLADOS PELO TRÁFICO DE PESSOAS HUMAN RIGHTS VIOLATED BY HUMAN TRAFFICKING RESUMO por Gleyce Anne Cardoso 64 O presente artigo tem como objetivo analisar os Direitos Humanos violados pelo tráfico de pessoas. A relevância acadêmica e social do tema se justifica por ser o tráfico de pessoas tema de crescente preocupação mundial. Principalmente na última década, a prática do tráfico de pessoas ganhou destaque nos noticiários e campanhas de conscientização, englobando discussões sobre Direitos Humanos e escravidão contemporânea, superando o senso comum sobre o assunto e destacando sua relevância no aspecto jurídico. O trabalho empreendido tem um caráter teórico, valendo-se de pesquisa bibliográfica para sua consecução. Inicialmente, foi importante analisar a Declaração Universal dos Direitos Humanos em face do tráfico de pessoas. Após, a internacionalização dos Direitos Humanos no Brasil. Posteriormente, foi estudada a Interpretação e aplicação dos Direitos Humanos. O tráfico de pessoas representa uma grave violação aos Direitos Humanos, uma vez que instrumentaliza a pessoa em situação de vulnerabilidade para fins de exploração. PALAVRAS-Chave: Tráfico de Pessoas. Direitos Humanos. Escravidão contemporânea. 64 Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Petrópolis. 77

79 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ ABSTRACT This article aims to analyze the human rights violated by trafficking in persons. The academic and social relevance of the topic is justified to be trafficking in persons an issue of growing concern worldwide. In the last decade, the practice of human trafficking was highlighted in the news and awareness campaigns, involving discussions on human rights and contemporary slavery, overcoming common sense about it and highlighting the relevance in the legal aspect. The work undertaken has a theoretical character, drawing on literature for their achievement. Initially, it was important to analyze the Universal Declaration of Human Rights. After, internalization of human rights in Brazil. Subsequently, it studied the interpretation and application of human rights. Trafficking in persons is a serious violation of human rights, since it exploits people in vulnerable situations. Keywords: Human trafficking. Human rights. Contemporary slavery. 78

80 Revista de Direito da ESA Barra INTRODUÇÃO O debate sobre tráfico de pessoas vem ganhando espaço na sociedade. Observou-se que há mais material sobre pesquisas acadêmicas; o tema foi assunto da Campanha da Fraternidade do ano de 2014 e a Campanha Coração Azul realizada pelo Escritório das Nações Unidas em parceria com o Governo Brasileiro; a TV Globo apresentou uma novela sobre essa temática no horário nobre; recentemente o Código Penal Brasileiro alterou os dispositivos legais que tratam do assunto; o Governo Brasileiro implementou políticas públicas de enfrentamento, o que demonstra uma preocupação sobre o tema. A pesquisa buscou compreender o tráfico de pessoas não como uma categoria sociológica, mas sim como uma categoria jurídica que nasceu dentro da discursividade da necessidade de policiamento das fronteiras transnacionais, principalmente para combater a prostituição (VESON; PEDRO, 2013). O mote central desta pesquisa é mostrar os Direitos Humanos violados por esta prática criminosa. O tráfico de pessoas objeto desta pesquisa não se confunde com o tráfico de pessoas praticado nos séculos XVI e XVII, pois o tráfico de pessoas praticado nesse período era uma prática lícita e permitida pelo Estado. O tráfico negreiro possuía uma feição comercial, sendo uma prática utilizada por sociedades escravocratas que baseavam sua economia em trabalho escravo. O tráfico de pessoas objeto dessa pesquisa é o tráfico de pessoas que surgiu como proteção das fronteiras, é algo ilícito e não permitido pelo Estado. Destaca-se que o Tráfico de Pessoas possui definição jurídica no Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças Importante frisar que o Tráfico de Pessoas se difere do Contrabando de Imigrantes. O Contrabando de imigrantes (human smuggling) possui sua definição no Protocolo Relativo ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea. É um crime que envolve a obtenção de benefício financeiro ou material pela entrada ilegal de uma pessoa num Estado no qual essa pessoa não seja natural ou residente. O contrabando de migrantes, mesmo em condições perigosas e degradantes, envolve o conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso. No tráfico 79

81 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Segundo o Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, também conhecido como Protocolo de Palermo, o tráfico de pessoas é caracterizado pelo recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, de abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração. 66 O tráfico de pessoas, segundo as Nações Unidas, ocorrerá quando as vítimas forem exploradas em atividades sexuais, em condições de trabalho análogo ao de escravo, comércio de órgãos e tecidos, casamentos servis. São distintas as formas de exploração e a diversidade e complexidade com que elas ocorrem. (UNODC, 2014, p ) Dentro deste contexto, este trabalho tem como objetivo trazer uma contribuição para a promoção e o conhecimento dos Direitos Humanos, com o intuito de subsidiar futuras pesquisas sobre a prática do tráfico de pessoas. A problemática da pesquisa reside em estudar se o Brasil, ao internalizar o Protocolo de Palermo, adotou a concepção contemporânea sobre o tráfico de pessoas, e verificar como a legislação brasileira trata o tráfico de pessoas. A hipótese construída neste estudo é que há por parte do Brasil um esforço em adotar o conceito de Tráfico de Pessoas definido no artigo 3º do Protocolo de Palermo, bem como implementar e concretizar o Plano Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoas. Assim como promover os Direitos Humanos e o respeito ao Princípio Constitucional da Dignidade Humana. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, desenvolvida a partir de documentação indireta de fontes primárias da legislação pátria e de instrumentos normativos internacionais, como protocolos e convenções de organismos multilaterais, e de fontes secundárias como livros, artigos e site. Para as quais, optou-se por trabalhar com teóricos e estudiosos que possam contribuir para a discussão de forma crítica, com a expectativa de superar o senso comum sobre o tráfico de pessoas. de pessoas, o consentimento da vítima de tráfico é irrelevante para que a ação seja caracterizada como tráfico ou exploração de seres humanos, uma vez que ele é, geralmente, obtido sob malogro. O contrabando termina com a chegada do migrante em seu destino, enquanto o tráfico de pessoas envolve, após a chegada, a exploração da vítima pelos traficantes, para obtenção de algum benefício ou lucro, por meio da exploração. De um ponto de vista prático, as vítimas do tráfico humano tendem a ser afetadas mais severamente e necessitam de uma proteção maior. 66 A definição encontra-se no art. 3º do Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. 80

82 Revista de Direito da ESA Barra A pesquisa é qualitativa, uma vez que o objetivo da pesquisa é de aprofundar conhecimentos já quantificados. 1 OS DIREITOS HUMANOS VIOLADOS PELO TRÁFICO DE PESSOAS Diante dos horrores da Segunda Guerra Mundial e das graves violações aos Direitos Humanos, a comunidade internacional traçou, em 1945, a meta de preservar as gerações vindouras dos flagelos da guerra, o que deveria ser alcançado por meio de um sistema de segurança coletiva através da ONU. Concluiu-se que os Estados-Membros deveriam cooperar estreitamente em todas as áreas da vida internacional. Por meio da cooperação internacional, graves violações dos direitos humanos deveriam ser evitadas e boas experiências, trocadas. Essa abordagem está consubstanciada no art. 55, c da Carta das Nações Unidas no qual dispõe que com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. André Ramos (2015. p. 47) nos ensina que, a reação à barbárie nazista gerou a inserção da temática dos direitos humanos na Carta da ONU, que possui várias passagens que usam expressamente o termo direitos humanos, com destaque ao artigo 55, alínea c. Já o artigo seguinte, o artigo 56, estabelece o compromisso de todos os Estados-Membros de agir em cooperação com a Organização para a consecução dos propósitos enumerados no artigo anterior. A Carta das Nações Unidas não listou o rol dos Direitos Humanos, e por isso, em 1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seus 30 artigos explicita o rol de Direitos Humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos não é um Tratado Internacional e sim uma Declaração, existindo na doutrina discussões sobre sua força vinculante. Em resumo, podemos identificar três vertentes possíveis: (i) aqueles que consideram que a DUDH possui força vinculante por constituir-se em interpretação autêntica do termo direitos humanos, previsto na Carta das Nações 81

83 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Unidas (tratado, ou seja, tem força vinculante); (ii) há aqueles que sustentam que a DUDH possui força vinculante por representar o costume internacional sobre a matéria; (iii) há, finalmente, aqueles que defendem que a DUDH representa tão somente uma soft Law na matéria, que consiste em um conjunto de normas ainda não vinculantes, mas que buscam orientar a ação futura dos Estados para que, então, venha a ter força vinculante (RAMOS, p ). Podemos entender que os Direitos Humanos consistem em um conjunto de direitos considerados indispensáveis para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade (RAMOS, p. 27). Optou-se em definir os direitos humanos pela historicidade do ser humano, pois as necessidades humanas variam de acordo com o contexto histórico de uma época. Para Norberto Bobbio (2004, p. 18) o rol dos Direitos Humanos é uma classe variável e relativa, pois os Direitos humanos são fruto de conquistas que ocorreram ao longo da história da humanidade, seu elenco se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas. Não se pode conceber que os direitos humanos tenham um fundamento absoluto, pois seus direitos são historicamente relativos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxe um rol explicativo de Direitos que compreendem além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os direitos chamados sociais, que consistem em poderes (RAMOS, P. 21). O tráfico de pessoas é uma grave violação aos Direitos Humanos, tendo em vista que sua prática viola os Direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem DUDH (UNESCO, 1998), tais como: o direito à liberdade, à igualdade e à dignidade (art. I e II, DUDH); o direito à segurança pessoal e o direito à vida (art. III, DUDH); o direito de não ser mantido em escravidão ou servidão. A Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda prevê que a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas (art. IV, DUDH); que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (art. V, DUDH); Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei (art. VI, DUDH); Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei (art. VII, DUDH); Toda pessoa tem direito à locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. Toda pessoa tem direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar (art. XIII DUDH); O casamento não será válido senão com o livre consentimento dos nubentes (art. XVI, item 2, DUDH); Toda 82

84 Revista de Direito da ESA Barra pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória compatível com a dignidade (art. XXIII, DUDH); Toda pessoa tem direito ao repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias (art. XXIV da DUDH); Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar saúde, bem-estar, alimentação, habitação, vestuário, cuidados médicos e serviços sociais (art. XXV da DUDH). A violação desse rol de direitos é facilmente verificada com a prática do tráfico de pessoas, a luta pela defesa dos direitos humanos costuma ser uma luta contra os detentores do poder, ou melhor, contra a ideologia de quem detém o poder (LEITE, p. 72). Durante a pesquisa constata-se que o tráfico de pessoas é uma questão de exercício de poder, na qual se revela a exploração de uma pessoa tornando-a objeto para beneficiar outrem. Podemos dizer que é uma forma moderna de escravidão. Considerando o tráfico de pessoas como uma forma de escravidão moderna, pensamos como seria possível combater essa prática expressamente reprimida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sabe-se que a efetivação dos Direitos Humanos não encontra barreira apenas na comunidade internacional, mas também no interior dos próprios Estados, seja em sua legislação ou na falta de comprometimento de sua eficácia e efetividade (LEITE, p. 72). Dessa forma, entendemos que devemos nos debruçar na efetivação desses Direitos, que continuam a ser violados na sociedade contemporânea. Conforme nos alerta Noberto Bobbio (2004), o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. O desafio do nosso tempo é como efetivar os valores e direitos previstos na Declaração Universal. 83

85 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 2 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A proteção dos direitos humanos é um dos objetivos da Constituição. O Estado brasileiro deve guiar suas condutas para obtenção de uma sociedade livre, justa e solidária, atacando a pobreza e as desigualdades, o que é indispensável para um Estado Democrático de Direito (RAMOS, p. 369). Na temática dos direitos humanos, a Constituição de 1988 é um marco histórico constitucional brasileiro. Isso porque introduziu o mais extenso e abrangente rol de direitos das mais diversas espécies, incluindo os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, além de prever várias garantias constitucionais. Além disso, essa enumeração de direitos não é exaustiva, uma vez que seu artigo 5º, 2º, prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais. O reconhecimento e a promoção dos direitos do homem são a base das Constituições democráticas (BOBBIO, 2004, p. 203) e a promoção desses direitos é um pressuposto para alcançar a paz. A Constituição de 1988 deu uma abertura para que os tratados internacionais celebrados pelo Brasil incluíssem direitos e garantias ao rol da Constituição. Essa abertura constitucional sobre os direitos humanos reflete-se em todo o sistema judicial (RAMOS, p. 370), possibilitando a adequação e a evolução da legislação interna para a promoção dos direitos humanos. A Constituição determinou que o Brasil deveria cumprir, nas suas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4, II). Nessa mesma linha, a Constituição determinou que o Brasil propugnasse pela formação de um Tribunal internacional de direitos humanos (art. 7 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Esse novo perfil constitucional favorável do Direito Internacional levou o Brasil, logo após a edição da Constituição de 1988, a ratificar os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e as Convenções contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Desde então o Brasil celebrou todos os mais relevantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, tendo reconhecido, em 1998, a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, em 2002, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (RAMOS, p. 370) 84

86 Revista de Direito da ESA Barra Há uma questão terminológica que dificulta a compreensão do que significam direitos humanos e direitos fundamentais. Para parte da doutrina, direitos humanos são aqueles direitos proclamados em documentos internacionais enquanto os direitos fundamentais são os direitos positivados na Constituição. MENDES (2012. p. 218) acrescenta que a expressão direitos humanos ou direito do homem é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais do homem, esses direitos possuem bases jusnaturalistas e contam com índole filosófica e não possuindo característica básica à positivação numa ordem jurídica particular. A expressão direito do homem, até por conta da sua vocação universalista, supranacional, é empregada para designar pretensões a respeito da pessoa humana, inseridas em documentos de direito internacional. Já a locução direitos fundamentais é reservada aos direitos relacionados com a posição básica das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os consagra. Gilmar Mendes, com base em José Afonso da Silva, nos ensina que os direitos fundamentais designam, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que o ordenamento jurídico concretiza em garantia de uma conveniência digna, livre e igual de todas as pessoas. (MENDES, 2012.p. 211) A relatividade dos direitos fundamentais é uma característica forte, pois se admitem limitações a esses direitos, não sendo, pois, absolutos. Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional (MENDES, p. 214) No entanto, Norberto Bobbio acrescenta que existem categorias de direitos humanos que não podem ser postos em concorrência com outros direitos humanos que é o caso, por exemplo, do Direito de não ser escravizado e de não sofrer tortura. (BOBBIO, p. 20). Revelando, assim, um caráter absoluto desses direitos. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição vinculam os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. No âmbito do Poder Legislativo não somente a atividade legiferante deve guardar coerência com os direitos fundamentais, mas é imperiosa a edição de normas que deem regulamentação a esses direitos. O Poder Executivo vincula-se às normas fundamentais sob pena de nulidade de seus atos, e a Administração pública deve interpretar e aplicar as leis segundo os direitos fundamentais. Já a vinculado do Poder Judiciário aos direitos fundamentais se apresenta através da defesa desses direitos. 85

87 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 3 DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS CONTRA O TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL O interprete, diante de um sistema de Direito, não pode recebê-lo apenas como concatenação lógica de proposições, deve sentir que nesse sistema existe algo de subjacente, que são os fatos sociais aos quais está ligado um sentido ou um significado que resulta de valores, em um processo de integração dialética que implica ir do fato à norma, devendo pautar-se na experiência jurídica sem se afastar dela (REALE, p ). Os magistrados se baseiam na hermenêutica de um novo direito constitucional, para a concretização dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, não se olvidando da aplicação de uma justa decisão em casos de tráfico de pessoas para que se efetivem os princípios de um Estado Democrático de Direito. Ingo Sarlet (2011. p. 95) mostra que é necessário que seja ressaltada a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que este sirva de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e do restante das normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico (SARLET, P 95). Diante dessa interpretação entende-se que o crime de tráfico de pessoas deve ser interpretado à luz do princípio da dignidade humana. Quanto à linguagem jurídica, pode-se afirmar que o Direito depende da linguagem para se fixar como um fenômeno social. De fato, todo ato, toda prática, toda atividade jurídica envolve atos de linguagem (BITTAR, p. 652). O Direito se manifesta pela linguagem verbal. 67 Como bem assinala Andre Ramos, a primeira observação a ser feita sobre a importância da linguagem para o Direito é a letra da lei que constitui o ponto inicial de referência para a interpretação de qualquer norma (TAVARES, p. 105). A interpretação literal não significa que a norma deve ser interpretada sem um contexto social, histórico. Porém, a interpretação literal ou gramatical seria um estágio inicial para compreensão da interpretação do texto. A linguagem não é analisada num sistema fechado de referências, mas sim no plano da historicidade. A interpretação do texto baseado no método hermenêutico-linguístico procura não se desligar da existência concreta, nem da carga pré-ontológica que vem sempre antecipada (STRECK, p. 19). 67 A linguagem verbal (linguagem natural) representa sempre a maior base de manifestação jurídica. Sobretudo grafando-se por meio da escrita. 86

88 Revista de Direito da ESA Barra O método fenomenológico 68 utilizado para interpretação procura não se desligar da existência concreta, nem da carga pré-ontológica que vem sempre antecipada. O verdadeiro caráter do método fenomenológico não pode ser explicitado fora do movimento e da dinâmica da própria análise do objeto. A linguagem deixa de ser uma terceira coisa que se impõe entre o sujeito e o objeto, passando a ser condição de possibilidade (STRECK, 2002, p. 20). A linguagem jurídica constitui-se primordialmente de linguagem verbal e é um discurso autônomo, pois produz suas próprias interseções e influencia os demais discursos que o circulam. Quando se está a falar da linguagem jurídica, deve-se sobretudo grifar que o discurso jurídico não é um discurso descontextualizado, mas um discurso que se produz no seio da vida social. A linguagem jurídica exerce-se em meio a um conjunto de sistemas em verdadeira dinâmica de fluxos e refluxos recíprocos, intromissões e extromissões. A participação do discurso jurídico no conjunto das relações sociais dota-lhe desta especial característica que é a constante mutação. (BITTAR, p. 653). O homem é um ser histórico e seu discurso jurídico também vem regado por essa historicidade. Uma característica do sistema jurídico é de que as normas não são imutáveis, e elas podem ser modificadas através de um sistema dialético. Ou seja, as mudanças ocorrem no sistema jurídico em razão do contato com os demais sistemas sociais. Na trama das relações sistêmicas, o sistema jurídico-semiótico69 comunica-se, inter-relaciona-se, se interage, não somente vive, mas convive. Essa convivência fortalece sua dinâmica e o intercâmbio de valores, experiências, discursos, técnicas, práticas, conquistas, conhecimento, operações conceitos, símbolos, signos verbais dos fenômenos entre si, e nesse sentido, com esta carga de premissas não se pode conceber o texto (jurídico ou não) como sendo apenas a surface de um grande campo de relações enraizadas em pressupostos comuns de experiência (BITTAR, p. 653). O discurso jurídico é mais que um discurso normativo, legalista e positivista. O discurso jurídico exterioriza outras manifestações textuais e não apenas a manifestação normativa. O conteúdo da Constituição da República possui um discurso jurídico abstrato e aberto, que necessita que o interprete integre as normas constitucionais para que 68 Lênio Streck adotou para a elaboração das suas reflexões sobre a linguagem o método fenomenológico, visto a partir de Heidegger, como interpretação hermenêutica universal. 69 Semiótica significa: s.f. Ciência que analisa todos os sistemas de comunicação presentes numa sociedade. Semiologia: análise detalhada das representações sociais definidas como sistema de significação, tendo ou não sua origem em sistemas de comunicação. Teoria de representação que, criada por Charles S. Pierce, considera os signos em seus modos de representações e de manifestações. Dicionário Michaelis. 87

89 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ elas se tornem compreensíveis e aplicáveis. 70 Lênio Streck, apoiado em Gardamer, ensina que ao interpretarmos necessitamos compreender e para compreender temos de ter uma pré-compreensão. Dessa forma, não se interpreta um texto jurídico (Discurso jurídico) desvinculado do sentido que o intérprete tem da Constituição (STRECK, p. 21). O discurso jurídico integra a jurisprudência acerca das manifestações jurídicas, a doutrina e o que as leis prescrevem. É possível afirmar que uma norma jurídica que trata sobre o tráfico de pessoas será valida somente se estiver em conformidade com o princípio da dignidade humana disposto no artigo 1, II da Constituição. Pois não se interpreta um texto jurídico (um dispositivo de lei) desvinculado do sentido que o interprete tem da Constituição. Percebe-se a mudança de mentalidade e, por consequência, mudança do Discurso jurídico quando, verificamos a evolução do discurso sobre tráfico de mulheres brancas. Inicialmente< o pavor da sociedade da época era que mulheres de boa família, brancas, indefesas fossem capturadas para serem forçadas a trabalhar no mercado do sexo. Esse discurso vitimizava apenas um determinado grupo de mulheres. Com a mudança de pensamento, o Tráfico de Pessoas mudou ao longo do tempo e hoje o trafico de pessoas é uma forma moderna de escravidão, na qual se explora uma pessoa em virtude se sua vulnerabilidade. Hermenêutica significa a arte de interpretar o sentido das palavras, leis, textos.71 A hermenêutica jurídica, para alguns, significa apenas a interpretação da lei; para outros, inclui também a aplicação e a integração, enfim é esta parte do processo de comunicação que vincula a lei, o interprete ou aplicador e o destinatário (HERKE- NHOFF apud LEITE, 2015, p. 63). LEITE (2015, p. 63) cita os chamados métodos ou processos hermenêuticos ou interpretativos, que correspondem a fórmulas científicas de interpretação da norma jurídica produzindo cada um seu resultado interpretativo. Os métodos são: o literal ou gramatical, o sistemático, o histórico, o teológico e o sociológico. O método literal estabelece que o sentido da lei está em sua letra; o método sistemático propõe que as normas não podem ser interpretadas isoladamente, mas sim com o contexto no qual está inserida; o método histórico corresponde à análise das ideologias, do sentimento dominante e do cenário histórico e cultural 70 Neste sentido André Ramos Tavares, citando Celso de Barros, ensina que A norma Constitucional muito frequentemente, apresenta-se como uma petição de princípios ou mesmo como uma norma programática sem conteúdo preciso ou delimitado (TAVARES, 2012.p. 107) 71 Significado de hermenêutica do dicionário Michaelis. Disponível em: br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-rtugues&palavra=hermen%eautica. Acesso em 08/02/16. 88

90 Revista de Direito da ESA Barra no qual está inserida determinada lei. No método teleológico, o interprete busca o sentido ou a finalidade da lei e o método sociológico possui alto teor político e propensão a harmonizar o Direito à dignidade humana (LEITE, p ) Em contrapartida, outros estudiosos sustentam que a hermenêutica não é uma metodologia de interpretação e sim uma condição de possibilidade. O interprete, ao interpretar um texto de lei, está no meio do círculo hermenêutico, pois a interpretação não é fracionada em conhecimento, interpretação e aplicação. E sim, esses três elementos (conhecimento, interpretação e aplicação) ocorrem simultaneamente. Lênio Streck nos ensina que a hermenêutica não é método e sim um processo interpretativo-compreensivo. A hermenêutica não é um método por uma razão singela: é impossível responder à pergunta acerca de qual é o método que existe para dizer o método adequado para interpretar [...]. Isto está muito claro desde há muito, tanto em Gardamer, como no pai do pós-positivismo, Friedrick Müller. (STRECK, p. 21). Primeiro devemos escutar o que diz a linguagem. A compreensão e a explicitação do ser já exigem uma compreensão anterior. A hermenêutica filosófica jamais permitiu arbitrariedades interpretativas ou decisionismo por parte dos Juízes. A visão hermenêutica define a posição filosófica do jurista, uma vez que lhe permite construir as coordenadas, os critérios e os princípios que nortearão o exercício interpretativo. No tocante aos Direitos humanos, o interprete tende a aplicar as normas jurídicas com o escopo de promover a justiça e o bem-estar. RAMOS (2015, p. 99) nos ensina que o intérprete ao aplicar num caso concreto deve fazê-lo em conformidade com os Direitos humanos e que esta interpretação nada mais é do que a adoção da interpretação conforme a Constituição. A interpretação conforme a Constituição é extremamente importante, na medida em que a Constituição dará validade para as demais normas do ordenamento jurídico. André Tavares apoiado em J.J. Gomes Canotilho nos ensina que o princípio da eficiência ou da interpretação efetiva significa que a norma constitucional deve ter em seu sentido a maior eficiência, ou, melhor dizendo, não se pode empobrecer a Constituição (TAVARES, p. 110). A Constituição da República de 1988 é social, dirigente e compromissória e seu conteúdo está voltado e dirigido para o resgate das promessas de um Estado Democrático de Direito, pautado em garantias fundamentais como o respeito à Dignidade da Pessoa Humana, à Liberdade, à Igualdade. Assim como o repúdio à tortura e à escravidão. 89

91 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ CONCLUSÃO O tráfico de pessoas é uma prática criminosa que instrumentaliza outra pessoa vulnerável. O tráfico de pessoas, segundo as Nações Unidas, ocorrerá quando as vítimas forem exploradas em atividades sexuais, em condições de trabalho análogo a de escravo, em comércio de órgãos e tecidos, e casamentos servis. São distintas as formas de exploração e a diversidade e complexidade com que elas ocorrem. (Global Report on Trafficking in Persons,2014, P.15-16). Numa definição mais simplificada, consiste no aliciamento e no transporte de seres humanos, utilizando-se de formas de coerção, como a força, a fraude, o abuso da situação de vulnerabilidade ou outras, com o propósito de explorá-los. É uma grave violação aos Direitos Humanos. O Brasil, ao ratificar o Protocolo de Palermo, adotou esta nova definição sobre o tráfico de pessoas. Assumindo, ainda, o compromisso internacional de adequar sua legislação interna ao Protocolo. Há por parte do Brasil o compromisso constitucional de promoção, proteção e defesa dos Direitos Humanos. REFERÊNCIAS ANDRADE. Shirley Silveira. Análise do consentimento do escravo contemporâneo a partir das ideias de Dejours e Gaulejac. Revista Confluências v. 14; n. 2. ISSN Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito/UFF. Niterói: p.45 ARY. Thalita Carneiro. O tráfico de pessoas em três dimensões: evolução, globalização e rota Brasil-Europa, Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais), Programa de pós-graduação em Relações Internacionais, UNB. Brasília. AUSSERER, Caroline. Controle em nome da proteção : análise crítica dos discursos sobre o tráfico internacional de pessoas, Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais), Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais, PUC. Rio de Janeiro. BARBOSA. Cíntia Yara Silva. Significado e abrangência do novo crime de tráfico internacional de pessoas: perspectivado a partir das políticas públicas e da compreensão doutrinária e jurisprudencial. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Brasília, [2009]. Disponível em < trafico-de-pessoas/significado-e-abrangencia-do-novo-crime-de-trafico-internacional-de -pessoas-perspectivado-a-partir-das-politicas-publicas-e-da-compreensao-doutrinaria-ejurisprudencial-cintia-barbosa>. Acesso em: 18 de janeiro de

92 Revista de Direito da ESA Barra BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de Disponível em < acesso em: 20 de janeiro de BITTAR, Eduardo C. B. ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de Filosofia do Direito. 11ª ed. São Paulo: Atlas, BOBBIO. Noberto. A era dos Direitos. 21ª tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier, BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, BORGES, Paulo César Corrêa. I - Exploração sexual versus trabalho sexual escravo. Tráfico de pessoas: exploração sexual versus trabalho escravo. In: BORGES, Paulo César Corrêa (org.). Tráfico de pessoas para exploração sexual: prostituição e trabalho sexual escravo. São Paulo: NETPDH; Cultura Acadêmica Editora, p BRASIL, Decreto n , de 22 de outubro de Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Portal da Legislação Governo Federal. Disponível em < Acesso em: 06 de jan BRASIL, Constituição Federal (1988). Portal da Legislação Governo Federal. Disponível em < Acesso em: 14 mar BRASIL, Decreto n 5.017, de 12 de março de Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Portal da Legislação Governo Federal. Disponível em: < ccivil_03/_ato /2004/decreto/d5017.htm>. Acesso: 03 de abr BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, COMPARATO. Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, IRWIN, Mary Ann. White Slavery As Metaphor: Anatomy of a Moral Panic. Ex Post Facto: The History Journal, v. 5, Disponível em:< irwin-wslavery.html>. Acesso em 06 fev LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Manual de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Atlas, LOPES, Inez. Breves Considerações sobre os Princípios Constitucionais das Relações Internacionais. Consilium - Revista Eletrônica de Direito, Brasília n.3, v.1 jan/abr de Disponível em: < Acesso em: 18 de jan MAZZUOLLI. Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional público. 9ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais MENDES. Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva,

93 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ PARENTE, Tara M. Human. Trafficking: identifying forced labor in multinational corporations & the implications of liability. Revista de Direito Internacional. Brasilian Journal International Law. Volume 11, n 1, 2014 PIOVESAN. Flávia. Temas de Direitos Humanos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012 RAMOS. André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2ªed. São Paulo: Saraiva, REALE. Miguel. Filosofia do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva REZEK. José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,2011. ROSTELATO. Telma Aparecida. O tráfico humano de brasileiros e o cenário protetivo dos direitos humanos qual o papel do Estado. Lex Humana, Universidade Católica de Petrópolis, v. 7, n. 1, p , SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, SARLET. Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, STRECK. Lênio Luiz. A jurisdição constitucional e a decisão jurídica. 2ª Ed. Revista dos Tribunais, TAVARES. André Ramos. Curso de direito constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, UNESCO. Declaração Universal Dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, Disponível em: < por.pdf>.acesso em: 04 abr UNODC. Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional comemora 10 anos. UNODC, 16 out Disponível em: < html>. Acesso em: 29 fev VESON, Anamaria Marrom; PEDRO, Joana Maria. Tráfico de pessoas: uma história e conceito. Revista brasileira de História. São Paulo. v.3, nº 65, p ,

94 Revista de Direito da ESA Barra O DESAFIO DO ADVOGADO NA MEDIAÇÃO À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EL DESAFÍO DEL ABOGADO EN LA MEDIACIÓN A LA LUZ DEL NUEVO CÓDIGO DE PROCEDIMIENTO CIVIL por Márcia dos Santos Pimentel Nunes 72 por Maria Cristina Ribeiro Dantas 73 RESUMO O presente estudo se propõe a analisar o papel do advogado na mediação. Como pode e deve ser o advogado de grande importância na solução dos conflitos tanto os judiciais quanto os extrajudiciais. Na verdade, é um desafio e tanto! Principalmente porque o advogado deve mudar sua postura diante dos conflitos, que antes era vista como belicosa já que o papel do advogado é o de defender os interesses do seu cliente independente de o resultado ser bom ou ruim para a parte adversa. Na mediação, o advogado não vê o outro como parte adversa, mas simplesmente como parte da solução de um conflito, que ao final terá sido bom para todos. No Brasil a mediação ainda é muito incipiente (sua lei é de 2015), e os operadores do Direito, principalmente a grande maioria dos advogados, ainda não 72 Bacharel de Direito pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito do Trabalho; 73 Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. 93

95 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ se encontram motivados a promover a mediação, talvez por mero desconhecimento ou mesmo por rigidez comportamental diante das mudanças paradigmáticas por força da mediação. Esse artigo visa levar esses profissionais à reflexão de que a mediação, à parte de solucionar mais rapidamente e melhor os conflitos, não significa que o advogado abrirá mão dos seus honorários ou dos direitos pertinentes aos seus clientes. Ao contrário, ele poderá receber pelo seu trabalho num prazo muito menor e sem os desgastes próprios de um processo judicial. PALAVRAS-CHAVE: Mediação. Advogado. Conflito. Parte adversa. Solução. RESUMEN El estudio se propone a analizar el papel del abogado en la mediación. Como puede y debe el abogado ser de gran importancia en la solución de los conflictos tanto los judiciales cuanto los extrajudiciales. Es en realidad un desafío y tanto! Principalmente, porque el abogado necesita cambiar su postura delante los conflictos que antes era vista como belicosa, vez que el papel del abogado es defender los intereses de su cliente a parte del resultado ser bon o malo para la parte adversa. En la mediación el abogado non ve el otro como parte adversa, mas simplemente como parte de la solución de un conflicto que al fin tendrá sido bueno para todos. En Brasil, la mediación aún es muy incipiente (su ley es de 2015) y los operadores del Derecho, principalmente la gran mayoría de los abogados, aun no se encuentra motivada a promover la mediación, quizá por mero desconocimiento o mismo por rigidez comportamental delante los cambios paradigmáticos por fuerza de la mediación. Ese artículo visa llevar eses profesionales a la reflexión de que la mediación, aparte de solucionar más rápidamente y mejor los conflictos, no significa que el abogado abrirá mano de sus honorarios o de los derechos pertinentes a sus clientes. Al revés, el podrá recibir por su trabajo en un plazo muy menor y sin los desgastes propios de un proceso judicial. PALABRAS Claves: Mediación. Abogado. Conflicto. Parte adversa. Solución. 94

96 Revista de Direito da ESA Barra INTRODUÇÃO O atual modelo de monopólio estatal não mais atende aos fins a que se destina, isto é, não tem capacidade operacional de atender de modo satisfatório aos jurisdicionados, haja vista as dificuldades quantitativas e qualitativas enfrentadas pelos nossos tribunais, que se revelam pelos inúmeros processos que se acumulam nas estantes de suas Secretarias, e não obstante a isso a longa duração para o julgamento das demandas que lhes são apresentadas, e, por conseguinte, a ineficácia para o cumprimento de suas sentenças. Os tribunais têm uma carga excessiva de processos a julgar. E a solução de conflitos através da negociação, mediação ou arbitragem é uma ótima alternativa para garantir que as disputas não cheguem ao Judiciário e se solucionem de forma mais justa, célere e eficiente. E, por isso, o Estado está apostando em políticas e regras para aperfeiçoar a resolução dos conflitos e, sobretudo, agilizar o fluxo dos processos judiciais. No Brasil, se sobressai a implementação de uma Política Judiciária Nacional voltada ao devido tratamento dos conflitos de interesse através da Resolução 125/2010 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o reconhecimento da jurisdição arbitral e o acesso do emprego de métodos de solução consensual de conflitos por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial pelo Novo Código de Processo Civil, a Lei nº /2015, que alterou a Lei da Arbitragem e a Lei nº /2015, que regulamenta a mediação entre particulares e a auto composição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Para o efetivo acesso à Justiça, a partir da análise das teorias defendidas por Cappelletti e Garth, destacamos a mediação como meio alternativo de solução de conflitos, cujos atores que a manejam são considerados facilitadores do diálogo e denominados mediadores. Com efeito, a mediação é um meio não adversarial que busca o reestabelecimento do diálogo entre os mediados, dando a eles maior independência na solução de seus anseios e interesses, pois não dependem de um terceiro para definir o que é bom ou ruim sobre determinado aspecto de grande relevância para sua história, 95

97 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ mas sim de pessoas que agem como facilitadores e colaboradores para que eles cheguem a um consenso com base em suas próprias autonomias de vontade. Todavia, a mediação não é aceita por todos. Há quem considere haver negação de acesso ao poder judicial, desvantagens aos hipossuficientes, sem falar na possibilidade real da sua institucionalização 74 e da obrigatoriedade de submissão ao método. 75 Em particular, a mediação é fundamentalmente um método extrajudicial para solução de conflitos. As partes envolvidas num problema devem espontaneamente procurar a mediação para resolvê-lo se acaso não o conseguem por si sós. O mediador, mediante técnicas que buscam a paz entre os indivíduos, ajudará na abertura dos caminhos que promovem a discussão, a fim de que os próprios envolvidos no conflito se esforcem para a sua solução, de comum acordo, contribuindo assim para a preservação de relacionamentos que precisam ser mantidos, e para a composição da matriz de uma justiça coexistencial. É certo que a mediação não serve para solucionar qualquer conflito, tampouco para resolver a crise do Judiciário. 76 Pois, cada dilema possui características distintas, sendo o primeiro desafio para solucioná-los o de justamente encontrar a forma mais adequada dentre as várias opções que a sociedade disponibiliza. No que tange ao acesso à justiça, com fulcro na mediação, o papel colaborativo do advogado muito se fará necessário, como na esfera judicial, inclusive nos conflitos inevitavelmente submetidos ao Estado-Juiz, como na extrajudicial, com a participação direta dos mediados e mediadores, em especial quando da elaboração dos acordos, e, por obvio, nos procedimentos de homologação judicial dos respectivos acordos advindos da mediação extrajudicial. E, por isso, o presente trabalho visa delinear a função do advogado como figura essencial nos procedimentos da mediação, enquanto meio alternativo de solução de conflitos e instrumento de acesso à Justiça, atuando ao lado dos mediadores, em que pese a sua formação acadêmica de natureza adversarial que decorre do exercício da advocacia. Não à toa, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 erigiu 74 Cf. PAUMGARTTEN, Michele; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Side-Effects of the Growing Trend towards the Institutionalization of Mediation. Panorama of Brazilian Law, v.1, p , Cf. PAUMGARTTEN, Michele; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação obrigatória: um oximoro jurídico e mero placebo para a crise do acesso à justiça. In:SOARES, Fabiane Verçosa; MUNIZ, Joaquim Paiva; PANTOJA, Fernanda: ALMEIDA, Diogo Assumpção. Arbitragem e mediação: temas controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2014; e PAUMGARTTEN, Michele. O futuro da mediação na Itália após a decisão da Corte Constitucional da República. Revista Eletrônica de Direito Processual, v.xi, p , MEIRELLES, Delton Ricardo Soares; MATOS, Eneas de Oliveira (Org.). Acesso à justiça. Florianópolis: Funjab, 2012, p

98 Revista de Direito da ESA Barra a profissão do Advogado como indispensável à administração da justiça, nos termos seguintes: Art O Advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Neste diapasão, pedimos vênia para transcrever o que dispõem o artigo 48, e seus parágrafos 4º e 5º, do novel Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil OAB - (Resolução N. 02/2015), em relação aos honorários advocatícios, no que alude aos meios alternativos de solução de conflito, abaixo: Art. 48. A prestação de serviços profissionais por advogado, individualmente ou integrado em sociedades, será contratada, preferentemente, por escrito. (...) 4º As disposições deste capítulo aplicam-se à mediação, à conciliação, à arbitragem ou a qualquer outro método adequado de solução dos conflitos. 5º É vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial. Tanto sob a ótica da jurisdição como para os procedimentos extrajudiciais, cumpre trazer à baila que a novel mudança na Ordem Jurídica brasileira, certamente, contribuirá para o fortalecimento e a eficiência na solução pacífica dos conflitos, de um modo geral, prestigiando, com isso, o Estado Democrático de Direito, como preceito estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil, solidificando o acesso à justiça de modo completo e satisfativo para todas as classes sociais. 1 PRESTAÇÃO JURISDICIONAL JUSTA O que seria uma prestação jurisdicional justa? Uma razoável duração do processo? Vale lembrar que o artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição brasileira de 1988 garante a razoável duração do processo a todos que buscam a tutela do Estado. E em sendo a razoável duração do processo uma garantia fundamental, também se traduz como um direito humano. Na verdade, o direito humano se refere, em sua essência, a um direito de proteção, marcado por um fundamento próprio, e destinado à defesa dos direitos dos seres humanos e não dos Estados. 97

99 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ A questão do tempo no processo filia-se à própria ideia de justiça e é tão difícil de defini-lo como a justiça, que é vista de diversas formas, seja no campo da sociologia, da filosofia ou do direito. Para melhor entendermos, ficaremos com a perspectiva aristotélica de justiça como uma mediania. Ou seja, a justiça é uma virtude e se traduz em uma mediania, a justa medida (in medio virtus). Esta concepção aplica-se ao tempo no processo, vez que a prestação jurisdicional apressada pode significar verdadeira injustiça, pois a jurisdição exige reflexão. Por isso, não há nada pior que a injustiça célere, que é a pior forma de denegação da justiça. Por outro lado, o excesso de tempo na prestação jurisdicional é uma verdadeira sonegação de justiça. Como ensina Rui Barbosa: A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. De certo que a decisão justa não se esgota apenas no conteúdo, mas também na forma em que é produzida, quer dizer, deve estar consoante com os princípios processuais, aos quais a atividade jurisdicional deve obediência. Assim, pode se dizer que uma decisão só é justa quando é formal e materialmente justa. A forma da decisão (decisão formalmente justa) refere-se ao tempo. Uma decisão justa não pode ter o açodamento e a irreflexão, incompatíveis com a atividade jurisdicional, tampouco pode ter a morosidade destrutiva da efetividade da jurisdição. Quer dizer, há de se encontrar a justa medida para se fazer justiça. E, para tal, o desenvolvimento deste trabalho tem por meta defender que a mediação por ser uma opção mais célere e eficiente da entrega da prestação jurisdicional, o advogado como parte integrante deve informar aos seus clientes as vantagens advindas da mediação, notadamente a confidencialidade, a redução de custos, a manutenção do relacionamento, o controle dos resultados pelas partes. Em conclusão, o que a sociedade anseia é a realização de um processo em tempo razoável, o processo justo e equitativo. Ou seja, o processo com duração razoável nada mais é do que uma consequência lógica do devido processo, uma garantia constitucional de todo cidadão, a despeito de os nossos tribunais já não mais alcançarem a efetivação da prestação jurisdicional de forma eficiente. Razão pela qual deve-se promover a aplicação de métodos mais adequados para a solução dos conflitos e, sobretudo, a valorização do profissional do direito como figura essencial nessa mudança de paradigma. 98

100 Revista de Direito da ESA Barra 2 ORIGENS Mediação, do latim mediatio. No dicionário português está disposto: Ação ou efeito de mediar. Ação de auxiliar como intermediário entre indivíduos ou grupo de pessoas; intervenção. [Religião] Ação de interceder junto a uma divindade (santo) para conseguir sua proteção. [Jurídico] Procedimento que busca o desenvolvimento de um litígio (de maneira amigável), através da utilização de um intermediário entre as partes conflitantes. A mediação, em síntese, visa aproximar as partes conflitantes para que cheguem por elas próprias a um acordo. O mediador, que é o terceiro, apenas conduz de maneira neutra o diálogo, é um facilitador do entendimento. O mediador não julga nem aconselha, apenas ouve e busca junto com as partes encontrar o que é realmente relevante para elas. Essa forma de solucionar controvérsias remonta antes mesmo do Direito Romano ou do Código de Hamurabi. Os povos anteriores a Cristo já empregavam métodos análogos à mediação para pacificarem seus conflitos. É bom que se ressalve que, na antiguidade, a mediação era mais voltada para contendas comerciais; e somente na era moderna a mediação passou a ser utilizada em outros segmentos, dentre os quais a mediação familiar. Impelida pela necessidade do acesso universal à justiça, a mediação ressurge como alternativa para a solução de conflitos extrajudiciais, regulada certamente pelas leis vigentes em cada país. A mediação se insere no sistema endógeno heterocompositivo, pois, não obstante haver a participação de um terceiro estranho à relação conflituosa, isto é, o mediador, este não julga as partes, não aconselha, nem apresenta proposta para os envolvidos no conflito. Para tanto, a doutrina moderna exalta a observância dos princípios que regem a mediação, com cunho ético e funcional, os quais devem ser observados tanto pelos mediadores, como pelos mediados e advogados, sob pena de todo o procedimento ser declarado nulo, sendo eles: autonomia; confidencialidade; oralidade; informalidade; consensualismo; boa-fé. E, em relação aos mediadores, temos: independência; imparcialidade; diligência; empoderamento; validação; facilitação de decisão informada. 99

101 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Destacamos, também, o Código de ética dos mediadores Extrajudiciais de autoria do CONIMA, que incluí os princípios da credibilidade e diligência. O Código de ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais CNJ apresenta como princípios e garantias: a competência; o respeito às ordens públicas e às leis vigentes. Ademais, a Resolução 125/2010 estabelece a regência do procedimento de conciliação e mediação, cujas regras citam: informação; autonomia de vontade; ausência de obrigação de resultado; desvinculação da profissão de origem; compreensão quanto à conciliação e à mediação. Verifica-se, pois, que os princípios não se distinguem, haja vista a consonância entre os princípios estabelecidos no art.166 do novo CPC, com aqueles dispostos no artigo 2º da Lei da Mediação (Lei nº , de 26 de junho de 2015). 3 A FORMAÇÃO ADVERSARIAL DO ADVOGADO Nesse primeiro momento, traçaremos, em síntese, uma análise das mais importantes características da profissão do advogado, que são observadas ao longo da formação acadêmica e da formação prática do profissional, a fim de se obter a habilitação de bacharelado ao final do curso. Não obstante ser uma profissão cuja formação é predominantemente humanista, na qual o profissional se prepara para lidar com questões direcionadas à justiça e à sociedade em suas múltiplas vertentes, o profissional do Direito deve compreender as leis e a subsunção da hermenêutica. Dentre as profissões dadas como clássicas, a advocacia remonta aos primórdios da civilização, e na antiguidade aqueles que davam aconselhamento aos governantes e aos líderes de classes consideradas abastadas, no sentido de melhor solucionar os conflitos, eram intitulados de jurisconsulto. Três principais características do bom advogado sempre foram a oratória, a virtude e o saber. O advogado defensor-orador foi a referência de topo no mundo antigo (Caldeia, Babilônia, Egito, Judeia, Pérsia e Grécia) tendo conseguido assinaláveis êxitos forenses com absolvições em veredictos que pareciam selados. Na Grécia antiga citamos Demóstenes ( A.C.), considerado como o primeiro grande Advogado, de sua época, que, por sua facúndia, criou um conjunto de discursos denominados de Filípicas, de combate aos projetos cobiçosos de Filipe II, rei da Macedônia ( A.C.), nos quais clamava aos atenienses a lutar contra o opressor. 100

102 Revista de Direito da ESA Barra Na Grécia, o prestígio da advocacia era enorme, porque o direito de defesa era estabelecido na própria legislação. A fama do sistema judiciário grego chegou a Roma que, por sua vez, enviou a Atenas uma comissão de juristas para conhecer as leis de Dracon, severo legislador, e de Sólon, político e magistrado. Entre os judeus eram os sábios que aplicavam as leis e também atuavam como consultores. Na Grécia, o Direito era muito prestigiado e após as reformas de Dracon, Sólon e Licurgo, os romanos enviaram uma delegação para estudar na fonte as novas leis. Segundo as leis de Dracon e Sólon somente homens livres, sem qualquer desonra à sua reputação podiam servir como advogados. O Tribunal era tido como um local sagrado, e como tal era purificado com um banho lustral antes dos julgamentos, como a lembrar aos juízes e aos oradores que se não estivessem puros lá não poderiam comparecer. Em Roma, era de grande relevância o papel do Advogado, nas figuras dos patronos, possuidores de enorme saber jurídico. A eles cabia aconselhar e defender seus clientes, particularmente os que, mesmo residindo em Roma, não possuíam a cidadania romana, os chamados gentios. Na Roma antiga, já existia a representação judicial por meio dos advocati. Os litígios eram resolvidos na presença do Senado ou do imperador. A palavra advogado deriva do latim ad-vocatus, e significa o que é chamado em defesa. Ou seja, aquele que é chamado para defender uma causa, e cumprir sempre o seu dever com dignidade e competência, buscando mais a realização da justiça do que os honorários, embora devidos. Desde a mais remota antiguidade, a balança de dois pratos simbolizava a Justiça. No Antigo Testamento a Justiça era apresentada como um instrumento para pesar as ações humanas. Na Grécia antiga, era Zeus a segurar a balança, sendo mais tarde, no templo de Hesíodo, substituído pela deusa Dikê (filha de Zeus e de Thémis), de pé e de olhos abertos, tendo na mão direita uma espada e na esquerda a balança de dois pratos, sem fiel ao meio. Tal representação, para os gregos, significava que o justo, o direito, era visto como igual e se verificava quando os dois pratos estivessem no mesmo nível. Tal simbologia foi importada pelos romanos, que apenas substituíram Zeus por Júpiter segurando a balança, mas com fiel ao meio e sem espada. Mais tarde, no tempo da república, aparece a deusa Iustitia, de pé e com os olhos vendados. Para os romanos haveria justiça quando o fiel estivesse a prumo, perfeitamente reto, isto é, quando fosse realizado o direito. É certo que a formação clássica ainda influencia a formação do advogado 101

103 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ contemporâneo, basta observar suas características nos ensinamentos acadêmicos sobre a argumentação jurídica voltada para as teses e antíteses que se pronunciam nas rebuscadas narrativas forenses de ataque e contra-ataque. Com isso, tanto a entonação de voz quanto a postura do advogado devem revelar um aspecto altivo, pois o profissional sem esses atributos é facilmente subjugado e até desprezado em seu meio. Obviamente que com a mudança de paradigma nas soluções dos conflitos, esse modelo clássico se transformará já nas universidades, sugerindo uma nova postura e ideias aos estudantes e profissionais do Direito. No entanto, àqueles que se educaram sob o rigor da cultura do comportamento imperioso, lhes caberá um maior esforço para uma reflexão acerca dessas mudanças. 4 O ADVOGADO, A MEDIAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. O advogado pode atuar como mediador se tiver capacitação técnica para tanto, ou como assessor jurídico de um dos participantes. No papel de assessor jurídico, sua função será a mesma de qualquer outro método de resolução de conflitos: a busca pela concretização dos interesses de seu cliente. Entretanto, diferentemente do que ocorre no processo adversarial, sua postura deve ser colaborativa. Ao advogado compete auxiliar na escolha do mediador, na identificação dos interesses de cada um dos participantes, no oferecimento dos marcos legais, na busca por soluções mutuamente inclusivas, na redação de um acordo com validade e eficácia legal, e, no caso de acordo parcial, conferir seguimento ao processo judicial ou a outro método adequado de resolução de conflitos. Na Mediação, é preferível que as pessoas se exprimam livremente, embora os advogados possam manifestar-se, quando pertinente. O papel mais importante do advogado na Mediação consiste na propositura de soluções criativas de mútuo benefício, mesmo porque, para os envolvidos no conflito, costuma ser mais difícil a tarefa de vislumbrar novas opções. A Constituição da República traz, em seu preâmbulo, a solução pacífica das controvérsias como um compromisso da sociedade brasileira. Não obstante, confere ao princípio da dignidade da pessoa humana o status de fundamento de validade de toda Ordem Jurídica, e elenca, dentre seus princípios, a liberdade, igualdade, 102

104 Revista de Direito da ESA Barra solidariedade e fraternidade. Tendo em vista que a Mediação concretiza todos esses princípios constitucionais, tem-se no método uma forma adequada, efetiva e tempestiva de acesso à Justiça. A legislação infraconstitucional legitima a Mediação expressamente em diversos casos, como, por exemplo, no Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, no Código Civil, quando trata do instituto da Guarda Compartilhada de filhos menores, na Ouvidoria de Instituições Financeiras etc. 5 O ADVOGADO, A MEDIAÇÃO E O NOVO CÓDIGO DE PROCES- SO CIVIL LEI DE 16 DE MARÇO DE O NCPC tem como meta a melhora na prestação jurisdicional, objetivando a celeridade processual, e assim aliviando o Poder Judiciário com suas quase 96 milhões de demandas judiciais pendentes de julgamento (Fonte: CNJ Conselho Nacional de Justiça, 2016). Para tal, dentre outras coisas, adotou a penalidade para recursos meramente protelatórios e trouxe a figura da chamada conciliação ou mediação obrigatórias como etapa inicial do procedimento a ser seguido pelas partes da lide, ressalvados os casos em que a matéria sob litígio não comportar autocomposição. Pelo teor do artigo 334 do NCPC, assim que recebida a petição inicial, o juiz é obrigado a designar audiência de conciliação ou mediação, citando o réu e intimando-o a comparecer à audiência designada. Inclusive, é aplicada multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa ao autor ou ao réu que não comparecerem à referida audiência, a rigor do parágrafo 8º do mencionado artigo. Essa audiência somente não ocorrerá se ambas as partes informarem ao juiz seu desinteresse na tentativa de composição amigável. Assim, basta uma das partes ter interesse na audiência, que ela necessariamente ocorrerá. Muito embora a audiência de conciliação já existisse em etapa intermediária do processo no CPC revogado, a referida etapa inicial criada pelo NCPC trouxe muitos questionamentos entre os juristas e partes sobre seu objetivo e as reais consequências que a sua aplicação poderia ocasionar ao desenvolvimento dos processos judiciais. Um desses questionamentos diz respeito à efetividade dos métodos consensuais da conciliação e mediação na resolução dos conflitos. E, aqui, vale a pena 103

105 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ se trazer informações já levantadas nos últimos anos pelas Câmaras ou Centros de Conciliação criados pelos Tribunais de todos os Estados. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os Centros Judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (CEJUSCS) em 8 (oito) estados brasileiros, criados pela Resolução CNJ 125/2010, evitaram que pelo menos 270 mil processos viessem a engrossar ainda mais as filas intermináveis de processos que aguardam julgamento. E, isso, somente no ano passado! Vale ressaltar que na informação acima não estão contabilizadas as audiências que ocorreram nas Semanas Nacionais de Conciliação. Outro dado importante é a resolução de 138 mil casos pela conciliação com a ajuda de magistrados, conciliadores, servidores e instituições envolvidas nas audiências de conciliação, apenas em São Paulo, que conta com o maior número de CEJUSCS no país. Outro ponto controverso é a questão relacionada ao momento inicial definido pelo NCPC para a audiência de tentativa de resolução consensual do litígio. A maioria das lides se inicia logo após as partes, ou pelo menos uma delas, ter tentado resolver a contenda de forma amigável, sejam por meio das reclamações, notificações, reuniões, dentre outros meios. Por isso, no momento do início do litígio, não raro, as partes estão com os nervos à flor da pele, já sem qualquer intenção de resolver a questão e, algumas vezes, sem qualquer interesse, inclusive de se encontrarem frente a frente. Portanto, pode ocorrer que uma tentativa de conciliação logo no início do processo possa parecer não ser o momento ideal para se buscar a resolução do litígio pela via consensual. Por outro lado, nas segundas instâncias dos Tribunais, tem-se obtido muito sucesso nas sessões de conciliação nos últimos anos. Isto se deve ao fato de que após o longo tempo dos trâmites judiciais do processo na primeira instância, quando este se encontra em grau de recurso, mormente quando as partes muitas das vezes não possuem o mesmo ímpeto e anseio de litígio. Daí, estarem mais propícias a uma conciliação. No entanto, ainda que possa pairar certo ceticismo em relação à efetividade de conciliação logo no início do processo, convém mostrar alguns dados do CNJ. Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por meio de seus 153 CEJUSCS, tem alcançado importantes índices de sucesso na área da conciliação, pois antes do ajuizamento da ação, na chamada fase pré-processual, o número de acordos vem beirando os 67%. Das 122 mil sessões de tentativas de conciliação, houve resultado positivo em 82 mil delas. De tais dados pode se inferir 104

106 Revista de Direito da ESA Barra que a tentativa do NCPC de trazer a conciliação para o início do procedimento pode ser produtiva, sem prejuízo de a todo o momento, ela poder ser buscada (art. 139, inciso V, do NCPC). Outro aspecto importante ressaltado pelo NCPC é a presença obrigatória do advogado para assistir a parte nas audiências iniciais de conciliação e mediação (art. 334, 9º, do NCPC). Esta previsão nos leva à reflexão do papel do advogado em incentivar tais métodos consensuais de resolução de litígio junto aos seus clientes e de participar de forma construtiva na formação do consenso durante as sessões de conciliação e mediação. Tal incentivo começa desde a apresentação ao cliente de todos os riscos envolvidos na condução do litígio, incluindo-se os custos, as taxas judiciárias, as multas por recursos meramente protelatórios, as verbas sucumbenciais, os juros legais, até a demonstração racional de que muitas vezes a resolução imediata da lide pode lhe gerar economia financeira e até mesmo novas oportunidades de negócio. Em resumo, são grandes as chances e os desafios trazidos com o NCPC, que com o desafio de coibir incidentes ou fases protelatórias e auferindo importância aos métodos consensuais, tem como sua maior contribuição dar maior celeridade aos processos judiciais. No entanto, o papel principal cabe aos magistrados, aos advogados, aos conciliadores e às partes, que é o de utilizarem de forma eficiente os meios consensuais previstos no NCPC. 6 ESCOLAS CLÁSSICAS DA MEDIAÇÃO Para se falar em Mediação como ciência, enfatizamos três Escolas basilares voltadas ao conhecimento teórico e prático da Mediação, são elas: (i) o Modelo Tradicional-Linear de Harvard; (i) o Modelo Transformativo de Bush e Folger; (iii) o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb. Contudo, fazemos menção, na oportunidade, ao modelo Tradicional-Linear de Harvard, (Havard Law School), com fundamento na negociação voltada para a seara empresarial. Pois, atualmente, o modelo Tradicional-Linear é aplicado no âmbito familiar e no trato das questões envolvendo relação continuada, como divergências entre vizinhos ou colegas de trabalho, empregado e empregador (entidades coletivas). Preceitua Willian Ury, professor da Universidade de Harvard, que a comunicação para ser eficaz deve passar pela negociação, o que traduz privilegiar o bom-senso. 105

107 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ CONCLUSÃO É de relevância, até imprescindível, o papel do advogado para a disseminação da cultura da mediação. É um desafio e tanto romper com o paradigma e a cultura já enraizados do confronto, do ataque e do contra-ataque. Afinal, vem sendo assim desde tempos remotos. No entanto, a mediação é um caminho mais curto e menos desgastante para todos os envolvidos. Por ser o advogado a primeira, e não raro, a única opção de ajuda para pessoas que estão em situação de aflição, nessa oportunidade ele tem a chance de propor ao seu cliente a resolução do seu problema pelas técnicas de mediação, reconhecidas pelo Novo Código de Processo Civil. A mediação é a melhor opção de compor os conflitos porque a solução é construída pelas próprias partes, ajudadas é claro por seus advogados e assessores jurídicos, nos seus tempos próprios e de acordo com as características dos fatos. E, sobretudo, efetiva, pois que as partes tendem a cumprir o combinado por livre e espontânea vontade. Além do que, a mediação visa o entendimento da diversidade das pessoas, incentivando o diálogo e o respeito ao que é diferente. E, por conseguinte, o amadurecimento de todos os envolvidos no conflito. Vale lembrar que não cabe somente à Justiça patrocinar o devido acesso à prestação jurisdicional justa, pois o advogado também é peça importantíssima quando incentiva a solução extrajudicial dos conflitos pela mediação. 106

108 Revista de Direito da ESA Barra REFERÊNCIAS ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de Almeida. A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDI- GO DE PROCESSO CIVIL. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, AZEVEDO, André Gomma. MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL. 6ª ed. Brasília: CNJ, BOBBIO, Norberto. O POSITIVISMO JURÍDICO LIÇÕES DE FILOSOFIA DO DI- REITO. São Paulo: Icone, MEIRELES, Delton Ricardo Soares; MATOS, Enéas de Oliveira. ACESSO à justiça. Florianópolis: Funjab, PAUMGARTTEN, Michele; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. SIDE-EFFECTS OF THE GROWING TREND TOWARDS THE INSTITUTIONALIZATION OF MEDIA- TION. PANORAMA OF BRAZILIAN LAW. v.1, n.1, VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E PRÁTICAS RES- TAURATIVAS. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, WATANABE, Kazuo. ACESSO À JUSTIÇA E SOCIEDADE MODERNA. GRINOVER, Ada Pellegrini, et. al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ZIMMERMANN, Augusto. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Júris,

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110 Revista de Direito da ESA Barra A TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE E O IMBRÓGLIO PROCEDIMENTAL PARA SUA ESTABILIZAÇÃO THE PRELIMINARY INJUNCTIVE RELIEF AND THE PROCEDURAL IMBROGLIO FOR ITS STABILIZATION por Valéria Julião Silva Medina 77 RESUMO O fenômeno da estabilização da tutela antecipada representa uma das principais mudanças trazidas pelo novo Código de Processo Civil brasileiro e, como tal, exigirá dos operadores do direito um grande esforço na tentativa de implementá-lo, sob pena de tornar a lei letra morta. Utilizando-se do processo civil francês, belga e italiano como fontes de inspiração, são trazidos à tona todos estes desafios, a inconsistência legislativa e a tentativa de pensar em uma proposta concreta para sua efetivação, considerando sua importante função que é a redução do tempo do processo, a maior mazela que aflige a prestação jurisdicional no Brasil. PALAVRAS Chave: Estabilização, Tutela Antecipada, Controvérsias Processuais - Propostas para Efetivação. 77 Doutoranda e Mestre em Direito Processual pela UNESA/RJ. Professora de graduação, pósgraduação e extensão em direito processual civil. Advogada. 109

111 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ ABSTRACT The phenomenon of stabilization of injunctive relief is one of the main changes brought by the new Brazilian Code of Civil Procedure and, as such, requires from the law operators a great effort in trying to implement it, under penalty of making the law a dead letter. Using the french, belgian and italian civil procedure codes as sources of inspiration, it brought up all these challenges, the legislative inconsistency and trying to think of a concrete proposal for its effectiveness, considering its important function is to reduce the process time, the major illness afflicting the judicial assistance in Brazil. Key Words: Stabilization. Injunctive Relief. Procedure Disputes. Proposals for Effectiveness. 110

112 Revista de Direito da ESA Barra Introdução O novo Código de Processo Civil brasileiro há pouco vigente, trouxe uma inovação na sistemática da tutela antecipada já existente, consistente na possibilidade de sua formulação em caráter antecedente, que poderá ser estabilizada em caso de inércia da parte contrária na objeção à decisão judicial concessiva da medida. É irrefragável que esta proposta encontra supedâneo no instituto do référé francês e belga, bem como com nítida identidade do sistema de estabilização italiano, com as devidas adaptações à realidade brasileira, em especial no tocante à não formação da coisa julgada por aqui. Não é demasiado registrar que o principal objetivo legislativo foi a inequívoca tentativa de monitorização do procedimento, objetivando garantir a celeridade da prestação jurisdicional, em caso de consenso entre as partes, o que gerará a devida estabilização da tutela. Ocorre que a redação final aprovada no texto do já vigente novo Código de Processo Civil é confusa e gera, sem sombra de dúvidas, múltiplas interpretações, o que acaba por afastar o fomento ao instituto em voga, salvo se houver uma unívoca interpretação jurisprudencial, o que ora se propõe. No entanto, apesar das dificuldades de redação, acreditamos na qualidade de sua proposta consistente na redução sobremaneira no volume de feitos em curso no Poder Judiciário, justificando-se em uma concretude de base hermenêutica. 111

113 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 1 Das Tutelas Provisórias no Novo CPC Certamente uma das mudanças mais significativas da novel legislação processual civil brasileira (Lei nº /2015) consiste neste livro V da parte geral, denominado de tutela provisória, cujas disposições são reguladas nos artigos 294 a 311 e dividem-se entre as tutelas de urgência e as de evidência. Cumpre destacar que restou encampado, dentro das tutelas de urgência, as modalidades de tutela cautelar e antecipada, que podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental, 78 sendo certo que restou extinto o processo cautelar autônomo, como previa o código revogado. Antes de passarmos à análise das mudanças paradigmáticas da instru- 78 LIVRO V: DA TUTELA PROVISÓRIA TÍTULO I: DISPOSIÇÕES GERAIS Art A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Art A tutela provisória requerida em caráter incidental independe do pagamento de custas. Art A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada. Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo. Art O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber. Art Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso. Art A tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal. Parágrafo único. Ressalvada disposição especial, na ação de competência originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito. TÍTULO II: DA TUTELA DE URGÊNCIA CAPÍTULO I: DISPOSIÇÕES GERAIS Art A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Art A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Art Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível. 112

114 Revista de Direito da ESA Barra mentalização das tutelas de urgência capitaneadas pelo novo CPC, é imperioso traçar as diferenças entre a cautelar e a antecipada para melhor esclarecimento da doutrina de cada instituto, ressaltando a inequívoca fungibilidade entre elas. Em linhas gerais, a tutela cautelar não tem caráter satisfativo, pois sustenta sua existência na proteção de um bem ou direito pretendido no pedido principal, ou seja, visa resguardar o resultado útil do processo, enquanto a tutela antecipada consiste no próprio objeto da demanda que, em tese, só poderia ser enfrentado na sentença final de mérito, mas que por ter conteúdo pautado na urgência, permite ao magistrado a antecipação de sua análise, de modo que seus efeitos possam ser surtidos imediatamente após seu deferimento. 79 Em síntese. A atividade desenvolvida na tutela cautelar é puramente instrumental, pois apenas serve como supedâneo de um processo, não tem o condão de aplicar o direito, mas apenas prepara os meios para que o provimento jurisdicional definitivo seja útil e eficaz. Urge lembrar as lições de Luiz Guilherme Marinoni 80 sobre a dicotomia do tema, considerando sua inequívoca instrumentalidade. Torna-se indubitável esclarecer que a legislação vigente enterrou a duplicação de processos diante da necessidade de tutela cautelar. O CPC revogado exigia a propositura de uma demanda principal para promoção da tutela cautelar de urgência, o que não restou encampado pelo regramento atual, em que os pedidos de natureza cautelar podem ser formulados de forma antecedente, hipótese esta em que a parte interessada deverá aditar a petição inicial com o(s) pedido(s) prin- 79 Neste sentido as lições de SILVA, Ovídio A. Baptista. Do Processo Cautelar. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 141: O traço diferencial entre uma medida liminar satisfativa e outra cautelar está em que, na primeira, a proteção é outorgada desde logo porque o direito que carece de proteção jurisdicional imediata, apresenta-se ao magistrado indiscutível, no momento da concessão da liminar. Não se cuida, neste caso, de proteção a uma mera possibilidade de direito (fumus boni iuris), mas de tutela satisfativa antecipada, ante à indiscutível procedência do direito invocado pela parte, ou, como diz Galeno Lacerda, quando se busca proteção para um direito indiscutível, de alguém que se debate contra alguma conduta ilegal e abusiva da outra parte (Comentários, 192). Podendo-se determinar, desde logo, que o direito é indiscutível e que a agressão que o demandado lhe faz é certamente ilegal e abusiva, e a ordem jurídica processual supera facilmente os obstáculos que em geral lhe impõe a observância de um procedimento probatório dilatado, permitindo-lhe, então, a antecipação da tutela satisfativa, sob o modelo da sentença injuncional, que outra coisa não é senão uma forma de execução antecipada.[...] 80 MARINONI. Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p. 131: A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é satisfativa sumária. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado. 113

115 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ cipal(is) artigos 305 a 310; podem ser cumulados na própria petição inicial com o(s) pedido(s) principal(is) artigos 300 a 302; ou, ainda, formulados em caráter incidental, no curso da demanda principal, por simples petição contendo o pedido cautelar, não sujeito ao pagamento de custas adicionais artigos 294 e 295. Não é despiciendo demonstrar que regra análoga deve ser aplicada às tutelas de urgência de natureza antecipada, sendo certo que se trata do próprio pedido principal da demanda, que poderá ser formulado de forma antecedente artigos 303 e 304; ou na petição inicial artigos 294 e 295. Como se trata de pedido, sua alteração ou formulação a posteriori submeter-se-á às regras processuais válidas para alteração do pedido ou causa de pedir, dispostas no artigo 329. Perceba-se que não foram muitas as mudanças quanto a estes aspectos genéricos das tutelas cautelar e antecipada, restando alteração apenas na extinção de processo autônomo para pedido de natureza cautelar, que passou a ser formulado nos autos do processo principal. Assim, com o fim das cautelares nominadas ou típicas, que restaram legalizadas mediante cláusulas gerais, a parte interessada deverá justificar a urgência para formular o pedido desta espécie de tutela. Outra mudança considerável que já está sendo fonte inesgotável de controvérsias doutrinárias consiste na ausência legislativa de diferenciação dos critérios de cognição para a devida concessão das tutelas cautelar e antecipada, uma vez que a lei as classifica como modalidades de tutelas provisórias, justificando como fundamento da decisão jurisdicional concessiva da medida os seguintes critérios genéricos, ora dispostos no artigo 300, a saber: A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 81 A análise do grau de cognição, se sumário ou exauriente sempre foi levado em consideração para estabelecer a diferenciação entre as tutelas pretendidas, se cautelar ou antecipatória, pelo magistrado, considerando a natureza do provimento pretendido, o que restou afastado com a atual redação legislativa. Apenas para justificar a aludida diferenciação, mister destacar os ensinamen- 81 No mesmo sentido NUNES, Dierle e ANDRADE, Érico. Os Contornos da Estabilização da Tutela Provisória de Urgência Antecipatória no Novo CPC e o Mistério da Ausência de Formação da Coisa Julgada. In: MACEDO, Lucas Buril de. et al (Org.). Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. 2.ed. Salvador: Jus Podium, 2016, p. 81: No entanto, o novo CPC promove o encerramento da artificial distinção entre requisitos para as medidas de urgência hoje existente: aparência do bom direito para a cautelar (art. 798, CPC/73); e verossimilhança para a antecipatória (art. 273 CPC/73). Agora, ambas estão sujeitas aos mesmos requisitos no âmbito da nova tutela de urgência, como se extrai do art. 300 do novo CPC: a) probabilidade de existência do direito material alegado; b) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. 114

116 Revista de Direito da ESA Barra tos de Bedaque82 sobre o conceito de cognição exauriente, consistente na completa realização prévia do contraditório, permitindo às partes ampla discussão acerca do objeto da demanda. Com isto, o juízo emitido é de certeza, não de probabilidade, hipótese em que terá o condão de fazer coisa julgada, tornando-se imutável. Ao revés, a cognição sumária impõe limitações no poder de conhecimento dos fatos pelo juiz, que demonstra apenas parte da percepção total do caso concreto quando analisada sob a versão do autor, ao passo que também pode ser verificada após a formação do contraditório, mas de maneira superficial com que a atividade cognitiva se desenvolve. Em se tratando de pedido formulado em caráter antecedente, nas duas hipóteses sugeridas, a novel legislação trouxe procedimentos diferenciados que ora merecem atenção, senão vejamos. Quanto à tutela antecipada e sua possibilidade de requerimento antecedente à demanda principal, a lei inovou completamente, seja porque esta forma não era permitida, eis que o pedido objeto de tutela antecipada é o próprio pedido da demanda principal, considerando seu caráter satisfativo; seja porque sequer pode haver o ajuizamento da ação principal, considerando a possibilidade de estabilização da tutela, o que se percebe através da leitura das regras legais dispostas nos artigos 303 e BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p CAPÍTULO II: DO PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE Art Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. 1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo: I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar; II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334; III - não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do 1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito. 3º O aditamento a que se refere o inciso I do 1º deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais. 4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final. 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo. 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito. Art A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput. 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o 2º. 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida. 115

117 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ É sobre esta novel redação do artigo 304 e as suas dificuldades de interpretação que se debruça o presente texto. Os desafios só estão por começar. Evidente que tudo o que é novo assusta e, como tal, há uma infinidade de dúvidas e controvérsias decorrentes desta inovação, razão pela qual é conveniente a demonstração do problema para a posteriori fornecer uma sugestão interpretativa e/ou integrativa da norma aos conflitos submetidos à apreciação jurisdicional. Por fim, para conclusão do tema denominado de tutela provisória é de bom alvitre trazer à baila os cotejos da tutela de evidência da nova legislação, cujas regras seguem transcritas no artigo A expressão evidência deriva de uma relativa certeza que detém o julgador para decidir de forma antecipada um provimento final, eis que evidente é o que dispensa prova. O ordenamento brasileiro já trazia a previsão desta tutela de evidência no artigo 273 do CPC revogado, nas hipóteses de incontrovérsia do pedido e no manifesto propósito protelatório do réu. Na legislação vigente houve uma considerável evolução do tema, pelo que restou ampliado o rol de sua aplicação, considerando a proposta de celeridade trazida em seu contexto, sendo certo que determina sua aplicação pelo magistrado, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, o que a diferencia das tutelas de urgência acima apresentadas. Neste diapasão é possível concluir que a tutela de evidência pressupõe a exigência de celeridade e economia processuais em nome da efetividade da prestação jurisdicional em determinadas situações que podem resolver o conflito sem maiores delongas. As evidências destacadas na lei são: a) o abuso do direito de defesa ou mani- 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do 1º. 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do 2º deste artigo. 84 TÍTULO III: DA TUTELA DA EVIDÊNCIA Art A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. 116

118 Revista de Direito da ESA Barra festo propósito protelatório da parte; b) tese jurídica ser fundada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante e sua prova fundar-se apenas em documentos; c) nos pedidos reipersecutórios fundados em contrato de depósito com prova documental irrefutável do direito, hipótese em que o juiz deverá fixar desde logo o prazo para entrega do objeto custodiado, sob pena de multa; d) na hipótese de prova documental não refutada pelo réu, ou seja, incontroversa. É imperioso o destaque do parágrafo único do artigo 311 que ressalta a possibilidade de o magistrado decidir liminarmente nas situações descritas nos incisos II e III, sendo forçoso concluir que nos incisos I e IV, o juiz somente poderá formar sua convicção após a defesa ofertada pelo réu. 2 Do référé francês e belga e a estabilização italiana, fontes de inspiração A proposta brasileira não é inovadora. A estabilização da tutela já é realidade em outros países que certamente serviram como fontes de inspiração para implementação deste instituto no Brasil, o que justifica a breve exposição. A redação legislativa brasileira encontra semelhança nos institutos do référé no direito francês e belga e no sistema processual italiano, com algumas diferenças trazidas por Nunes e Andrade. 85 O référé francês pauta-se na monitorização do procedimento, tal qual no Brasil, objetivando a conversão da obrigação pretendida no pedido inicial sem a devida cognição jurisdicional, se não houver oposição entre as partes. 86 Registre-se que a proposta inicial do référé no sistema processual francês 85 NUNES, Dierle e ANDRADE, Érico. Op. Cit., p. 97: Percebe-se que o modelo brasileiro criou uma perspectiva procedimental diversa, para autonomização e estabilização da tutela, daquelas encontradas no direito italiano e francês, pois: i) criou o procedimento antecedente para busca da tutela de urgência, mas determinou que o próprio autor é que deverá, uma vez impugnada a medida antecipatória pelo réu pela via do recurso de agravo de instrumento, apresentar o pleito de cognição plena e exauriente: no sistema italiano e francês este ônus é invertido para o próprio réu, pois deferida a tutela sumária, o procedimento se fecha, e cabe ao réu buscar a tutela no processo de cognição profunda, como autor deste; ii) criou uma passagem no procedimento de cognição sumária, antecedente, para o procedimento de cognição exauriente: o primeiro, uma vez recorrida a decisão antecipatória pelo réu, irá se convolar no segundo procedimento, mediante apresentação, pelo próprio autor, do pedido inicial, no mesmo procedimento antecipatório Acesso em 15 set

119 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ limitava-se aos casos urgentes. Atualmente foi ampliada para permitir a monitorização do procedimento para outras obrigações que o magistrado considere não obstadas por ausência de contestação seriamente fundamentada. Tal possibilidade foi inserida no código de processo civil francês com a proposta de redução do tempo do processo. 87 É imperioso destacar que o référé pode ser instaurado antes ou no curso da demanda de cognição plena, não sendo esta obrigatória se instaurado de forma antecedente e possui dentre suas características essenciais a existência de cláusulas gerais no CPC pautadas na celeridade e concentração dos atos em audiência, o que permite maior liberdade do juiz na condução do processo, inclusive com poderes de instrução para fundamentar a decisão, que não tem o condão de fazer coisa julgada, mas é dotada de ampla executoriedade. 88 Há dados estatísticos na França de que em mais de 90% (noventa por cento) dos casos de aplicação do référé as partes costumam conformar-se com o provimento, casos que são resolvidos sem a propositura de processo ordinário. 89 O référé belga também tem a mesma proposta do francês, qual seja, a celeridade processual mediante a monitorização do procedimento, sendo certo que a propositura de demanda principal não é essencial. No entanto, difere-se daquele no fato de ser um instituto muito utilizado para medidas de urgência, eis que, embora tenha caráter temporário, encerra a questão, pois tem efeitos de decisão final com eficácia de coisa julgada, uma vez que as partes só podem modificá-los se aduzirem fatos novos. Há expressiva utilização deste instituto na Bélgica, com função precípua de resolução imediata de tutelas de urgência. 90 Na Itália o fenômeno da estabilização da tutela antecipada surgiu após a implementação das tutelas sumárias como forma de antecipação da decisão final com cognição plena, que não resolviam a crise de direito material lá existente. Com a reforma de 2005 ao código de processo, regulou-se sua utilização de forma autônoma, desvinculada da tutela principal de cognição plena, mas ainda dentro do processo cautelar. Foi somente com a aprovação da Lei 69/2009 que se criou um novo procedimento sumário, de natureza simplificada quanto à instrução 87 LEONEL, Ricardo de Barros. Direito Processual Civil Francês.In TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Processual Civil Europeu Contemporâneo.São Paulo: Lex editora, 2010, p THEODORO JR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomia e a estabilização da tutela de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo 206. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela Jurisdicional Diferenciada: a antecipação e sua estabilização. Revista de Processo 121. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p GRINOVER, Ada Pellegrini.Op. Cit., p

120 Revista de Direito da ESA Barra processual, em que se permite sua formulação de forma autônoma, cuja decisão produzirá efeitos independentemente da busca por uma cognição plena em demanda principal, se a intenção das partes for a efetiva solução do direito material, sem ensejar a formação da coisa julgada (artigo 669-octies do CPC italiano). Também é permitida tal estabilização em alguns procedimentos especiais, como o possessório e os de direito societário. 91 Feitas tais considerações iniciais, cumpre descrever as peculiaridades do procedimento brasileiro e as razões da crítica à confusa redação legislativa sobre a matéria, vejamos. 3 Do Procedimento da Tutela Antecipada Antecedente e seu imbróglio procedimental no novo CPC Restabelecendo a discussão que fomentou o presente texto, cumpre destacar os pontos mais relevantes sobre o novo instituto jurídico da tutela de urgência na modalidade de tutela antecipada antecedente, que enseja a propositura de uma petição inicial limitada ao requerimento da tutela antecipada pretendida, pelo que a lei exige apenas a exposição da lide, do direito que se busca realizar e a narrativa do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. É imperioso destacar que a característica principal de um provimento antecipado específico é sua provisoriedade e a necessidade do prosseguimento do feito para obtenção de cognição plena até a sentença final de mérito, o que se diferencia da proposta de tutela antecedente consagrada na nova legislação processual vigente no Brasil. Neste contexto, sua diferenciação se concentra na possibilidade de estabilização da decisão judicial concessiva da medida, a priori provisória, se não houver oposição das partes e eventual interesse no prosseguimento da ação principal, hipótese em que a aludida decisão ganha status de definitiva. Para que esta situação aparentemente inusitada se realize, é inequívoco um procedimento diferenciado de modo que as partes possam manifestar a intenção ou não de prosseguir com o feito e deflagrar a demanda principal, o que é demasiadamente confuso segundo o texto legal. 91 THEODORO JR, Humberto; ANDRADE, Érico.Op. Cit., p

121 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Neste jaez, mister destacar os critérios diferenciadores desta demanda antecedente que tem o condão de propiciar a estabilização da decisão judicial, vejamos. Ainda no que tange a petição inicial é conveniente demonstrar a existência de outros requisitos desta peça incipiente e antecipada expressos na lei, pelo que pode dar ensejo à sua emenda, em que pese seu caráter de urgência, tais como, a indicação do valor da causa, que deve levar em consideração o pedido da tutela final, ou seja, o(s) pedido(s) que será(ão) formulado(s) na petição de aditamento (artigo 303, 1º); a necessidade de afirmação de que se trata de pedido antecipado antecedente (artigo 303, 5º); e, como consequência lógica, o adiantamento total das custas processuais (artigos 303, 3º c/c 82). Isto porque, tais requisitos mínimos estão condicionados ao enfrentamento inicial do pedido antecipatório, eis que após a decisão judicial inaudita altera pars, o autor deverá analisar seus efeitos e tomar as seguintes medidas exigidas, a saber: a. Se a decisão for denegatória: competirá ao autor aditar a petição inicial antecedente para inclusão dos demais pedidos e complementação da causa de pedir, no prazo de cinco dias úteis, sob pena de indeferimento e extinção do processo sem resolução de mérito (art. 303, 6º c/c 219); b. Se a decisão for concessiva: competirá ao autor aditar a petição inicial antecedente para inclusão dos demais pedidos, inclusive confirmação do pedido de tutela final, sem prejuízo da complementação da causa de pedir e juntada de novos documentos, no prazo de quinze dias úteis ou outro prazo maior que o juiz fixar (art. 303, 1º, I c/c 219), sob pena de extinção sem resolução de mérito (art. 303, 2º). Em complementação a esta última hipótese exposta, qual seja, diante da concessão da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, é que se permitirá a devida estabilização da decisão se não houver oposição do Réu. Registre-se que a lei se vale da expressão se da decisão não for interposto o respectivo recurso, merecendo uma análise mais aprofundada da mens legis. Alguns doutrinadores já ousaram enfrentar a controvérsia valendo-se de regras hermenêuticas, pelo que se expõe: Para Cássio Scarpinella Bueno, 92 é imperioso que o mandado de citação e 92 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p : Dúvida pertinente, prezado leitor, é saber se a estabilização só pode se dar na falta do recurso apropriado para seu reexame. São variadas as possibilidades: e se o réu não recorreu, mas compareceu à audiência de conciliação ou de mediação? E se ele se manifestou nos autos 120

122 Revista de Direito da ESA Barra intimação expedido ao réu em cumprimento ao disposto no art. 303, 1º, II, contenha expressamente a advertência acerca da real possibilidade de estabilização da tutela concedida em seu desfavor, em caso de inércia. No mesmo sentido é a orientação de Fredie Didier Jr., 93 ao doutrinar que a estabilização da decisão concessiva da tutela antecipada é uma técnica de monitorização do processo civil brasileiro. Considerando a técnica acima exposta, é possível concluir que a estabilização ocorrerá quando o réu quedar-se inerte na exibição de defesa sobre a decisão judicial concessiva do pedido principal, hipótese em que não haveria, em tese, a necessidade de prosseguir-se com a demanda. Em breve síntese, no nosso entendimento, a intenção legislativa é evitar o prosseguimento de demandas em que o interesse de agir do autor limita-se a uma tutela de urgência liminar, em que obteve êxito, sem que o réu demonstrasse qualquer tipo de oposição. Na verdade, como a própria proposta do código desvela uma maior autonomia da vontade das partes, não se poderia permitir entendimento diverso ao de que a intenção legislativa é deixar a cargo das partes a decisão acerca da conveniência, ou não, da propositura ou prosseguimento do feito para fins de apuração de provas e atividade decisória jurisdicional, através da sentença de mérito. Com esta decisão, repita-se, a cargo das partes, torna-se premente o afastamento da atividade jurisdicional de modo a permitir a monitorização do procedimento mediante a possibilidade de estabilização da tutela pretendida no pedido principal, através de uma tutela sumária, não exauriente, objetivando garantir a efetividade pela redução do tempo do processo. pugnando pela revogação da tutela provisória concedida? E se ele, dando-se por citado e independentemente da referida audiência, contestar? E se ele apresentou embargos de declaração de decisão concessiva indicando vício que tem a aptidão de conduzir o magistrado a retratar-se? Em suma: é possível interpretar ampliativamente o disposto no caput do art. 304 para afastar, diante desses acontecimentos, a estabilização da tutela provisória? A melhor resposta, penso, ao menos por ora, é a de aceitar a interpretação ampliativa do texto do caput do art Qualquer manifestação expressa do réu em sentido contrário à tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida no sentido de inviabilizar a incidência do art [...] 93 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol.II, 10.ed. Salvador: Jus Podium, 2015, p. 604: A estabilização da tutela antecipada ocorre quando ela concedida em caráter antecedente e não é impugnada pelo réu, litisconsorte ou assistente simples (por recurso ou outro meio de impugnação). Se isso ocorrer, o processo será extinto e a decisão antecipatória continuará produzindo efeitos, enquanto não for ajuizada ação autônoma para revisá-la, reformá-la ou invalidá-la. Nesse caso, não há, obviamente resolução do mérito quanto ao pedido definitivo até porque a estabilização se dá num momento em que esse pedido sequer foi formulado. 121

123 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Merecem destaque as observações de Talamini 94 de que: a estabilização da tutela antecipada antecedente reúne as características essenciais da técnica monitória: a) há o emprego de cognição sumária com o escopo de rápida produção de resultados concretos em prol do autor; b) a falta de recurso do réu contra a decisão antecipatória acarreta-lhe imediata e intensa consequência desfavorável; c) nessa hipótese, a tutela antecipada permanecerá em vigor por tempo indeterminado de modo que, para subtrair-se de seus efeitos, o réu terá o ônus de promover ação de cognição exauriente. Ou seja, sob esta perspectiva, inverte-se o ônus da instauração do processo de cognição exauriente; e d) não haverá coisa julgada material. Torna-se forçoso concluir que esta tendência de monitorização procedimental tem fomento na real necessidade de redução do tempo do processo, o que resulta, ainda, na redução de seu custo. Por oportuno, registre-se que desde o projeto de Firenze capitaneado por Cappelletti e Garth 95 na década de 1970 do século passado já deixavam claro que o tempo é o maior inimigo do processo e das partes, destacando que a demora maior que dois ou três anos por uma solução judicial torna a Justiça inacessível, o que já era consolidado pela Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais que assim delimitava explicitamente no artigo 6º, 1º. Ressalte-se que o aludido dispositivo legal traz à colação a possibilidade de revisão de seus efeitos, por intermédio de demanda própria, requerida nos mesmos autos do processo em que a decisão se estabilizou, objetivando sua reforma, revisão ou invalidação, no prazo de até dois anos de sua ciência, o que evidentemente afasta qualquer violação ao direito fundamental ao contraditório e ao devido processo legal. A análise das consequências do não ajuizamento das aludidas demandas no prazo decadencial de dois anos também tem sido objeto de diversas críticas na doutrina, eis que a lei é expressa no sentido de que não há formação da coisa julgada da decisão estabilizada (art. 304, 6º), restando silente, entretanto, quanto à sua possibilidade após o término do prazo disposto no art. 304, 5º, mas tal análise mereceria ser discutida em outro artigo. Feitas tais considerações, é forçoso concluir pela real necessidade de fomento da medida em voga, por ser evidente seu caráter de celeridade, hipótese em que milhares de ações, de fato, poderiam sofrer os efeitos desta estabilização, cujos 94 TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Estabilização da Tutela Antecipada.In: MACEDO, Lucas Buril de. et all (Org.). Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. 2.ed. Salvador: Jus Podium, 2016, p CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p

124 Revista de Direito da ESA Barra impactos seriam muito positivos para uma redução considerável de demandas, a nosso sentir. A título de exemplificação, é possível citar a expressiva quantidade de demandas judiciais em que se pretende a antecipação da tutela em obrigações de fazer em face de planos de saúde que obstam, em quase sua totalidade, a execução de cirurgias e exames caros, hipótese em que o imediato deferimento da medida em caráter antecedente poderia obstar aos grandes planos de saúde a contratação de advogados e gastos com processo judicial se não opusesse resistência à decisão, cumprindo-a de imediato. A parte autora também poderia optar pelo não ajuizamento de qualquer demanda judicial, considerando que sua intenção consistia apenas na obrigação já satisfeita, não se justificando a propositura de ação judicial para prosseguimento de uma lide que já se findou. Não é demasiado relembrar que a decisão estabilizada não sofre os efeitos da coisa julgada, consoante redação expressa do 6º do artigo 304. Ainda em relações consumeristas, que têm o condão de ensejar multiplicidade de litígios que certamente poderiam ser reduzidos com a consagração da estabilização da tutela, podemos citar as demandas em que se pretendem a simples troca do produto ou o cancelamento da compra e devolução do dinheiro ou, ainda, abatimento do preço, na exata forma prevista no artigo 18, 1º do Código de Defesa do Consumidor, 96 quando houver decisão concessiva da medida e o Réu não opuser resistência. Perceba-se que tal possibilidade pode ser vislumbrada no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, 97 eis que não se pode refutar a possibilidade de aplicação do fenômeno da estabilização da tutela nesta sede por ausência de qualquer incompatibilidade de aplicação subsidiária da norma, em especial como forma de redução do tempo e custo do processo. Outro exemplo clássico que podemos subsumir da análise do aludido dis- 96 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. 1 Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:i - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;ii - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;iii - o abatimento proporcional do preço. 97 Vide Lei nº 9.099/

125 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ positivo legal acerca da estabilização da tutela decorre de sua aplicação em varas de família, cujas complexidades de causas acabam por abarrotar os cartórios em processos que poderiam ser dispensados, como nas hipóteses de formulação de pedidos de divórcio ou dissolução de união estável, apenas em relação ao rompimento do vínculo, eis que as divergências patrimoniais, que são as mais calorosas, dar-se-ão em ação autônoma de partilha, na exata forma da Súmula 197 STJ. 98 Assim, se um dos consortes formular o pedido na forma de tutela antecipada antecedente e o outro não se opuser, nada obstará a estabilização. Evidente que as situações concretas são meramente exemplificativas e a realidade forense cotidiana certamente provará que este instituto veio com a proposta inovadora de redução considerável de demandas que geram inequívoco congestionamento de processos no âmbito dos mais diversos foros nacionais. Ocorre que, para que tal visão positiva possa, de fato, ser percebida pelos operadores do direito, é preciso que seja dada à redação do artigo 304 do novo CPC interpretação adequada que o propulsione, o que será demonstrado adiante. 4 A proposta interpretativa para efetivação da estabilização Como já exposto, recebemos com bons olhos esta nova vertente de tutela de urgência, destacando que sua efetivação dependerá exclusivamente da forma como a lei deverá ser interpretada e/ou como o magistrado deverá conduzir o pedido formulado. Sustentamos esta teoria em virtude da inusitada redação legislativa no que tange ao prazo de que o autor dispõe para aditar a petição inicial. Consoante a disposição do artigo 303, 1º, I, o autor deverá aditar a petição inicial com a demanda principal, no prazo de quinze dias ou em outro maior que o juiz fixar. E traz à baila a possibilidade de estabilização da tutela no artigo 304, se o réu não se opuser à decisão judicial no prazo de quinze dias após sua citação/intimação. Ora, é claro que o esgotamento do prazo de quinze dias para aditamento à petição inicial será anterior ao da manifestação do réu, hipótese em que a regra 98 Súmula 197 STJ: O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens. 124

126 Revista de Direito da ESA Barra imperativa da norma deverá o autor aditar a petição inicial, inviabilizará a estabilização almejada. Evidente que se o autor é obrigado ao aditamento da petição inicial em que pretendeu a tutela antecipada antecedente, não há razão para aguardar a manifestação ou inércia do Réu, uma vez que a multiplicação de demandas será inevitável. Entendemos não ser esta a melhor interpretação, sob pena de tornar o dispositivo previsto no artigo 304, letra morta. Por tais razões, sustentamos que o prazo a ser fixado para o autor aditar a petição inicial será judicial, na exata redação da parte final do artigo 303, 1º, I, sendo certo que deverá ser iniciado após o término do prazo de oposição (recurso ou defesa) do réu. Também é razoável considerar como supedâneo desta interpretação fomentada no ativismo procedimental do magistrado, a regra disposta no artigo 139, VI do novo código, 99 pautada na possibilidade de que dispõe o magistrado de dilatação dos prazos processuais de modo a adequá-los às necessidades do conflito, objetivando dar maior efetividade à tutela do direito. Trata-se da consagração da postura de um juiz proativo, inovador, não no sentido de criação do direito a ser aplicado, mas sim de sua participação no processo de modo a torná-lo mais célere e eficaz. No mesmo sentido Mancuso 100 propõe a mudança paradigmática do perfil do juiz moderno adrede à proposta legislativa ora vigente. Considerando a regra geral de prazos no novo CPC o de quinze dias úteis, entendemos ser de bom alvitre a fixação, repita-se, pelo magistrado, deste prazo, cujo dies a quo deverá ser o primeiro dia útil subsequente ao término do prazo de oposição do réu. Destaque-se que é imprescindível para que o magistrado possa acolher o pedido antecipado antecedente e deferir a dilação do prazo, a formulação do pedido nos moldes determinados pela lei, mediante cumprimento integral das exigências para o pedido propedêutico, sob pena de seu indeferimento. Esta é a razão do destaque às atividades cooperativas entre o juiz e as partes, 99 Art O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; 100 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p : [...] Para a consecução de todo esse renovado panorama a sociedade brasileira espera o surgimento do juiz novo, engajado na solução não apenas da crise jurídica, mas também atento aos aspectos sociopolitico-econômicos subjacentes, conscientizado de seus elevados deveres como condutor do processo (case manager) e não apenas como um estático destinatário da prova. Com essa renovada e corajosa conduta, espera-se que a poeira do tempo recubra antigas e ultrapassadas posturas, tisnadas do velho sentido majestático e corporativo da Justiça oficial que, durante largo tempo, serviu para desgastar a instituição, decepcionar os jurisdicionados, e desservir o ideal da justiça. 125

127 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ devidamente representadas por seus patronos, que permitirão com que o instituto possa ser, de fato, concretizado. Feitas tais considerações, partiremos para as seguintes situações concretas: 1. Decisão denegatória: o autor deverá aditar a petição inicial em que pretendeu a tutela antecipada antecedente para complementação do(s) pedido(s) e causa de pedir, com espeque no 6º do artigo 303; 2. Decisão concessiva: nesta situação, entendemos que o magistrado deverá fixar o prazo para aditamento da petição inicial após o término do prazo de defesa do réu (contestação ou recurso), hipótese em que decorrerão três situações: a. O Réu manifesta discordância com a decisão: nesta situação não ocorrerá a estabilização, hipótese em que competirá ao autor aditar a petição inicial sob pena de extinção sem resolução do mérito, na exata forma do artigo 303, 2º; b. O Réu fica inerte: a inércia do réu pressupõe concordância com a decisão judicial concessiva do pedido do autor formulado como tutela antecipada antecedente, hipótese em que ocorrerá a estabilização na forma do artigo 304, se o autor não aditar a petição inicial no prazo de quinze dias; c. O Réu fica inerte e o autor adita a petição inicial: nesta situação não ocorrerá o fenômeno da estabilização da tutela, considerando a intenção do autor em prosseguir com o feito principal, hipótese em que o réu deverá ser intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação, consoante o exposto no artigo 303, 1º, II e, posteriormente, ofertar defesa nos termos do procedimento comum do novo CPC ou outro, se houver rito especial determinado em lei. Apenas para ratificar o que já restou esclarecido, a estabilização da tutela concedida em caráter antecedente só é possível na tutela antecipada, considerando seu caráter de satisfatividade, o que não ocorrerá com a tutela cautelar, eis que representa apenas o instrumento para efetivação de um pedido principal. Feitas tais considerações, é preciso concordar que a viabilidade de efetivação deste novel instituto jurídico dependerá de um grande esforço cooperativo entre as partes e seus advogados e, em especial, do magistrado que terá o poder de alterar o prazo para propiciar uma avaliação do autor acerca do aditamento, ou 126

128 Revista de Direito da ESA Barra não, da petição inicial para abertura de uma cognição exauriente ou se pretenderá limitar-se-á à decisão liminar de natureza antecipatória antecedente e em nome da celeridade dispensar o processo para fins de obtenção de uma certeza, se assim concordar o réu, ao não refutar o decisum com algum mecanismo obstativo de seus efeitos. Evidente que somente as estatísticas nos permitirão ter a realidade concreta da implementação desta nova regra no futuro, mas, para o presente, nossa missão como operador do direito é tentar a criação destes mecanismos hermenêutico-processuais e aguardar seus resultados concretos, o que restou suso demonstrado. Conclusão A atual redação do artigo 304 do novo CPC é confusa e como tal gera diversas controvérsias que merecerão maior atenção dos operadores do direito, em especial advogados e magistrados, de modo que seja possível sua aplicação, sob pena de torná-lo letra morta, o que não se mostra razoável pela evidente tentativa de celeridade processual nele inserida. Na nova legislação, restaram enquadrados no mesmo plano das tutelas de urgência, os pedidos de natureza antecipada e as cautelares, unificando, ainda, os pressupostos para a devida concessão - probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo -, o que denota a nítida intenção legislativa em privilegiar urgência em detrimento de eventuais inusitadas exigências jurisdicionais para fins de apuração de provas, em nome de um juízo mínimo de cognição, como o exigido pela legislação revogada, tais como verossimilhança das alegações e fundado receio e dano irreparável ou de difícil reparação, o que certamente demandava uma maior demora na prestação jurisdicional. Com a proposta de formulação de um pedido de natureza antecipatória antecedente, sem a necessidade de ajuizamento da demanda principal, percebe-se a real probabilidade de redução de demandas ditas principais, se o autor puder analisar o interesse no aditamento à petição inicial, após o esgotamento do prazo de resposta do réu, se este quedar-se inerte no ideal de obstar os efeitos da decisão inicial. Isto porque, a redução do tempo do processo e seu custo podem servir de encorajamento das partes neste jaez, reduzindo consideravelmente o volume de feitos no Poder Judiciário. 127

129 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ O grande entrave para a efetivação mais ampla possível do instituto processual em voga consiste na confusa redação legislativa do art. 304 que determina que o autor adite a petição inicial no prazo de quinze dias úteis após a decisão concessiva da liminar, o que inviabiliza a estabilização, já que tal jaez será anterior à manifestação do réu. A proposta aqui exarada desvela uma interpretação mais adequada da lei vigente, objetivando propiciar a estabilização da tutela pretendida no pedido inicial, mediante decisão judicial concessiva e deferimento de dilação do prazo para aditamento desta petição inicial para após o término do prazo de resposta do réu. Isto permite que as partes possam avaliar a conveniência ou não do prosseguimento do feito para avaliação da pretensão através de uma cognição exauriente ou permitir a estabilização dos efeitos da decisão inicial evitando as delongas de um processo. Evidente que esta representa só uma primeira análise pragmática da nova legislação que acaba de entrar em vigor em nosso ordenamento jurídico, mas preferimos acreditar que os objetivos qualitativos nela idealizados possam se concretizar de modo a viabilizar sua aplicabilidade. 128

130 Revista de Direito da ESA Barra REFERÊNCIAS BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 4.ed. São Paulo: Malheiros, BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol.II, 10.ed. Salvador: Jus Podium, FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência: Fundamentos da Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela Jurisdicional Diferenciada: a antecipação e sua estabilização. Revista de Processo 121. São Paulo: Revista dos Tribunais, LEONEL, Ricardo de Barros. Direito Processual Civil Francês. In TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Processual Civil Europeu Contemporâneo.São Paulo: Lex editora, MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, MARINONI. Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais NUNES, Dierle e ANDRADE, Érico. Os Contornos da Estabilização da Tutela Provisória de Urgência Antecipatória no Novo CPC e o Mistério da Ausência de Formação da Coisa Julgada. In: MACEDO, Lucas Buril de. et al (Org.). Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. 2.ed. Salvador: Jus Podium, SILVA, Ovídio A. Baptista. Do Processo Cautelar. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Estabilização da Tutela Antecipada. In: MACEDO, Lucas Buril de. et al (Org.). Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. 2.ed. Salvador: Jus Podium, THEODORO JR., Humberto. O Processo Civil Brasileiro: no liminar do novo século. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, THEODORO JR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomia e a estabilização da tutela de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo 206. São Paulo: Revista dos Tribunais,

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132 Revista de Direito da ESA Barra A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE NO NOVO CPC E SUA (IN) APLICABILIDADE NO PROCESSO TRIBUTÁRIO THE DISREGARD LEGAL ENTITY IN THE NEW CPC AND YOUR APPLICABILITY IN THE TAX PROCESS por Claudio Carneiro 101 RESUMO A desconsideração da personalidade jurídica sempre foi tema que despertou discussão na doutrina e na jurisprudência. Sua aplicabilidade ou não na esfera tributária ganhou ainda mais relevo quando do advento no Código de Processo Civil de 2015, pois nasceu com esse diploma legal o incidente de desconsideração de personalidade jurídica. Este artigo trata de uma grande oportunidade de se corrigir uma desproporcionalidade de armas em sede de execução fiscal quan- 101 Advogado. Sócio Fundador do Carneiro & Oliveira Advogados. Pós-doutorando pela Universidade Nova de Lisboa. Doutor e Mestre em Direito Tributário. Pós-graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos. Professor dos cursos de doutorado e mestrado e pós-graduação lato sensu da FGV, EMERJ, AMPERJ, FEMPERJ, FESUDEPERJ, ANOREG, Estácio e PUC. Membro da Comissão de Direito Tributário e Financeiro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ e do Fórum Permanente de Direito Tributário da EMERJ. Presidente da 57ª Subseção da OAB/RJ. Ex-Diretor da Escola Superior de Advocacia. Ex-Procurador Municipal. Autor de várias obras jurídicas, entre elas Impostos Federais, Estaduais e Municipais e; Curso de Direito Tributário e Financeiro, ambos da Editora Saraiva. 131

133 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ do estamos diante do redirecionamento da execução para a figura do sócio que, muitas vezes, para provar sua ilegitimidade passiva carecerá de garantir o juízo. PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração da Personalidade. Processo Tributário. ABSTRACT Disregard personality entity was always subject that aroused discussion in doctrine and jurisprudence. Its applicability or not in the tax sphere has gained even more importance when the advent of the Civil Procedure Code 2015, it was born with this statute the incident legal personality disregard. This article is a great opportunity to correct a disproportionality of weapons in tax enforcement office when we are before the execution redirect to the partner figure often to prove their passive illegitimacy will require to ensure the judgment. Keywords: Disregard legal entity. Tax process 132

134 Revista de Direito da ESA Barra Introdução A desconsideração da personalidade jurídica não é um instituto novo e sempre causou polêmica, entretanto, já ficou pacificado outrora que tal instituto não se aplicaria no âmbito do Direito Tributário, sobretudo na execução fiscal. Com o advento do incidente da desconsideração de personalidade jurídica introduzido pelo novo Código de Processo Civil (Lei /15), a polêmica ressurgiu e vem despontando como uma grande possibilidade para proporcionar a igualdade de forças na relação jurídico-processual tributária entre o Fisco e o sujeito passivo (contribuinte e responsável) quanto à sua aplicabilidade do Direito Tributário, em especial, no que se refere ao redirecionamento da execução fiscal para a figura dos sócios. É importante frisar que, ao nosso sentir, o cerne da discussão está umbilicalmente atrelado à caracterização da sujeição passiva tributária no processo tributário (sobretudo o judicial). O direito processual está em plena busca da verdadeira efetividade da justiça, logo, não nos parece razoável atribuir responsabilidade tributária ao sócio sem que esteja plenamente configurado o elemento subjetivo do fato gerador integral. Dessa forma, não permitir mecanismos eficazes, suficientes e menos gravosos para que a parte executada exerça o contraditório no bojo de um processo de execução é um retrocesso. Isto porque, o sócio executado por dívidas da sociedade para alegar sua ilegitimidade em sede de execução possui dois mecanismos: a objeção de pré-executividade ou embargo. Ocorre que, para que haja para a oposição dos embargos faz-se necessário a garantir do juízo, já na objeção de pré-executividade 102 não, mas na prática, a grande maioria dos processos acaba por demandar dilação sobre a prova da responsabilidade tributária, o que afasta de imediato a utilização de tal instituto. Por isso, o incidente da desconsideração da personalidade jurídica aplicado à execução fiscal supriria esse déficit democrático na relação fisco-contribuinte. 102 Súmula 393 do STJ: A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória. 133

135 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 1 O Novo CPC e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica É cediço que no direito brasileiro prevalece o entendimento que a personalidade jurídica da sociedade não se confunde com a personalidade dos sócios. Logo, por uma questão de silogismo, o patrimônio de um não se confunde com o do outro e, por conseguinte, o sócio (como regra) não pode ser responsabilizado por dívidas da sociedade, ainda que sejam de natureza fiscal. O Código Civil de 1916, já trazia em seu artigo 20 a previsão de que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros. A inserção da teoria da desconsideração no Código Civil de 2002 não se tratou, de fato, de uma inovação, vez que sua aplicação já era uma realidade em nossos tribunais. Contudo, o Brasil sempre foi um país apegado ao direito escrito (positivismo) e, por isso, acreditamos ter sido importante a inclusão de um artigo a respeito de tal teoria. Assim temos, em apertada síntese, que a desconsideração da personalidade jurídica é um afastamento temporário da personalidade jurídica da sociedade para invadir o patrimônio do sócio e não a despersonificação da sociedade. Nesse sentido, o Código Civil de 2002 trouxe em seu artigo 50 a previsão do instituto em comento: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. O referido diploma também previu a responsabilidade solidária dos administradores perante a sociedade e terceiros: Art Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Por isso, a novidade em questão é o incidente de desconsideração da personalidade jurídica introduzido pelo o art do Novo Código de Processo Civil (lei /15) que poderá ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público. 103 O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica; 134

136 Revista de Direito da ESA Barra Com isso, surge também a discussão sobre a sua aplicabilidade ou não no âmbito tributário que ora se apresenta como ponte central deste artigo. Em linhas gerais, a disregard doctrine surgiu como uma medida de proteção para inibir a fraude ou abuso de direito provocado pelos sócios ou administradores de uma sociedade, cujo objetivo seria de utilizar a pessoa jurídica para prejudicar terceiros, auferindo vantagem indevida. Com a aplicação desse mecanismo, se preserva a sociedade e se protege o terceiro que com ela tenha qualquer relação jurídica. É importante destacar que nem todo prejuízo deve ensejar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. MARÇAL JUSTEN FILHO 104 reconhece a aplicação da desconsideração não por um defeito na estrutura da sociedade e, sim, por um defeito quanto à sua utilização. Só pode ser assim, porque a justificativa para a desconsideração reside justamente em ocorrer um descompasso entre a função abstratamente prevista para a pessoa jurídica e a função que ela concretamente realiza. FRIGER 105 aponta que a disregard doctrine não possui o fulcro de anular a personalidade jurídica, mas sim desconsiderar a pessoa jurídica em face das pessoas ou bens que por trás dela se escondem. Afirma a autora que se trata da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para certos efeitos, permanecendo, pois, incólume a personalidade da empresa para quaisquer outras questões legítimas. A teoria se desenvolveu a partir do famoso caso Salomon v. Salomon & Co Ltd em 1897 na Inglaterra, no qual um comerciante constituiu com seus familiares uma companhia, para a qual cedeu seu próprio fundo de comércio 106. Frisamos que com a desconsideração, o afastamento da personalidade deve se restringir aos atos fraudulentos ou praticados com abuso de poder, isto é, tem haver uma correlação direta entre ambos. Retornando ao tema central que é a aplicabilidade ou não do incidente de desconsideração da personalidade da sociedade, é importante destacar que a responsabilidade tributária do sócio é subjetiva. Significa dizer que é necessário que a Fazenda prove o ato de infração ou excesso de poderes praticados pelo sócio. 104 FILHO, MARÇAL JUSTEN. Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, Ed. RT, 1987, pg. 135; 105 FRIGERI, Márcia Regina. A responsabilidade dos sócios e administradores, e a desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 739, maio 1997, p REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. atual. São Paulo: Saraiva, Pág

137 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Tanto é verdade que o STJ editou a Súmula nº para consolidar o entendimento de que o mero inadimplemento da obrigação tributária não gera, por si só, a responsabilidade do sócio administrador da sociedade. Percebe-se assim, que o inadimplemento tributário puro e simples foi afastado do enquadramento no art. 135 do CTN que exige a comprovação de atos praticados pelo respectivo sócio que atentem contra a lei, o estatuto ou contrato, ou ainda, praticado com excesso de poderes. Diga-se de passagem, os principais casos que ensejam o redirecionamento da execução fiscal pautam-se na aplicação do referido artigo 108 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido, é importante que o sócio tenha oportunidade de defesa no processo de execução para que possa exercer sua ampla defesa através de um o contraditório que respeite um devido processo legal justo e isonômico. Isto porque, havendo dilação probatória, a aplicação da objeção de pré-executividade é afastada. Nesse caso, resta ao executado a utilização do embargo à execução, que por sua vez, exige a garantia do juízo, fato que nem sempre permitirá de forma justa e eficaz, a defesa do contribuinte, sobretudo, do responsável tributário que está sofrendo uma imputação de ter cometido uma infração, nos moldes do art. 135 do CTN. Não foi por acaso que o art. 13 da lei 8.620/ foi revogado pela lei /09, até porque o referido artigo, já vinha sendo rechaçado pelo STJ 110, face ao entendimento de que os sócios não podem ser considerados responsáveis tributários pelo simples inadimplemento de tributos, independentemente de sua natureza, ou seja, de impostos, contribuições, etc. 107 Súmula 430 do STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. A Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp n ES, Rel. Min. Denise Arruda, no sistema do novel art. 543-C do CPC, trazido pela Lei dos Recursos Repetitivos, pacificou o entendimento já adotado por esta Corte. 108 Art. 135 do CTN: São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. 109 Art. 13 da Lei 8.620/93: O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa. (Revogado pela Lei nº , de 2009) 110 No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime proferida em sede de Embargos de Divergência no Recurso Especial SC, restou entendido que, para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, exige-se o dolo na prática de condutas ilícitas e fraudulentas com a finalidade de lesar credores ou terceiros. 136

138 Revista de Direito da ESA Barra 2 Sujeição passiva tributária Considerando que a aplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica introduzido pelo novo Código de Processo Civil perpassa pela interpretação da sujeição passiva tributária, em especial sobre o artigo 135 do CTN, entendemos ser de suma importância alguns esclarecimentos. O artigo 121 do CTN deixa claro que a figura do contribuinte não se confunde com a do responsável. O primeiro é o que possui relação pessoal e direta com o fato gerador, já o segundo é aquele que sem revestir a condição de contribuinte é obrigado por força de lei a assumir a condição de responsável tributário. A responsabilidade tributária, por sua vez, se subdivide em responsabilidade por substituição e transferência, hipóteses que não se confundem. A primeira distinção reside na circunstância de que, sendo a substituição originária, a lei instituidora do tributo vai dizer que o sujeito passivo não é o contribuinte, mas o responsável, e por isso ele de início assume diretamente esse papel. A segunda distinção diz respeito ao polo passivo da relação jurídica. Na responsabilidade por substituição quem fica no polo passivo é apenas o responsável (substituto), pois o contribuinte não integra o polo passivo da relação obrigacional. Já na responsabilidade por transferência, podem figurar no polo passivo o contribuinte ou o responsável, seja de forma solidária, seja de forma subsidiária 111, daí as discussões em sede de execução fiscal e a obrigatoriedade de inscrição do nome do responsável em dívida ativa. Justifica-se tal distinção pelo fato de a substituição clássica, ou seja, a responsabilidade por substituição ser originária e esta superveniente. Em síntese, temos que no polo passivo da substituição figura apenas o substituto tributário, enquanto na responsabilidade por transferência pode haver mais de uma pessoa no polo passivo da relação tributária (o contribuinte e o responsável) Contudo, existem casos em que somente o responsável ficará no polo passivo como, por exemplo, a sucessão causa mortis. 112 O STJ atribui uma terceira distinção, afirmando que na substituição não há relação jurídica que una o contribuinte e o responsável, mas na transferência sim. Em que pese tal posicionamento, ousamos discordar do Egrégio Tribunal, já que em ambas as situações existem relações jurídicas. Exemplifiquemos: quando o fabricante paga o tributo devido pela venda no varejo, existe uma relação jurídica; da mesma forma, quando o sócio administrador comete infrações na forma do art. 135 do CTN, igualmente existe uma relação entre o sócio e a sociedade. Contudo, justifiquemos a tese do STJ, que, ao vislumbrar uma responsabilidade sem relação jurídica entre os dois, estaria se referindo à responsabilidade por transferência (o tabelião responsável pelos tributos devidos na transação em que tenha certificado estarem eles pagos). Nesse caso, a relação jurídica não se dá entre o responsável e o contribuinte, mas entre o contribuinte e um terceiro, entre o contribuinte e o adquirente do bem. 137

139 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Estabelecida essa breve distinção, doravante passaremos a analisar apenas a responsabilidade por transferência, pois é nessa modalidade que encontramos o nascedouro de uma das principais hipóteses de redirecionamento da execução fiscal, qual seja, a aplicação do artigo 135 do CTN. 2.1 Modalidades de Responsabilidade por Transferência O Código Tributário Nacional regula a matéria da responsabilidade tributária de terceiros nos arts. 134 e 135, muito embora costumeiramente verificarmos que o art. 135 vem sendo tratado como responsabilidade por infração, já que resulta de atos praticados com excesso de poder ou infração da lei, contrato social ou estatuto, definindo quem serão esses terceiros. Acreditamos residir aqui uma das principais falhas hermenêuticas do processo e, por isso, insistimos na análise do nascedouro da responsabilidade tributária. Na modalidade de responsabilidade de terceiros, o pagamento do crédito tributário fica a cargo de uma terceira pessoa distinta da obrigação tributária originária, que será chamada ao pagamento da dívida no lugar do contribuinte, desde que haja um vínculo jurídico entre eles. Destaque-se que na responsabilidade por imputação legal não há uma sucessão do patrimônio; há na verdade um inadimplemento causado pelo responsável. Neste caso, o responsável contribuiu para o inadimplemento, como, por exemplo, o sócio que frauda a contabilidade para recolher menos tributos. Analisando o artigo art. 134 do CTN funcionarão em caráter substitutivo, como sujeitos passivos da execução fiscal, figurando neste polo o contribuinte ou o responsável solidário, ou os dois solidariamente. A concepção de responsabilidade subsidiária em sentido próprio confere importância ao esgotamento da busca de bens do devedor principal, enquanto a responsabilidade subsidiária em sentido impróprio focaliza a importância da pontualidade do comerciante, a qual, uma vez esquecida, presume a sua incapacidade de solver seus débitos. Já a responsabilidade tributária solidária ocorre quando o responsável é chamado para adimplir o crédito tributário concomitantemente com o contribuinte, arcando, independentemente deste, com o pagamento integral do crédito tributário. Dito de outra forma, há uma distinção entre a responsabilidade subsidiária em sentido próprio da responsabilidade subsidiária em sentido impróprio, 138

140 Revista de Direito da ESA Barra senão vejamos. A primeira seria aquela em que, incidindo a hipótese prevista na lei, a pretensão em concreto para com o responsável surge quando o patrimônio do devedor principal mostrar-se incapaz de satisfazer a totalidade dos créditos tributários. Seria o caso de uma insolvabilidade tributária, de forma similar ao que ocorre na insolvência civil. Já a segunda seria aquela em que, incidindo a hipótese prevista na lei, a pretensão em concreto para com o responsável surge quando o devedor principal, depois de esgotado o prazo legal ou administrativo, deixa de adimplir o crédito tributário. Seria o caso de inadimplência tributária, de forma similar ao que ocorre na insolvência comercial. Assim, verifica-se que a responsabilidade solidária 113 em sentido estrito se assemelha, na prática, à responsabilidade subsidiária em sentido impróprio, pois nesta última espécie, havendo a impontualidade 114 no pagamento do crédito tributário, surgirá a solidariedade entre contribuinte e responsável. A distinção conceitual, ainda assim, é possível, embora de pouca utilidade. De outro lado, para que possamos analisar a hipótese de responsabilidade tributária prevista no art. 135 do CTN, entendemos ser necessária uma abordagem sobre se essa responsabilidade seria objetiva ou subjetiva. Isto porque, o referido artigo diz apenas que a responsabilidade será pessoal do agente. 113 Em nossa obra CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva Pag. 587, fazemos a seguinte distinção: Há que se destacar que em relação à solidariedade temos situações jurídicas diversas em função das pessoas envolvidas. Solidariedade entre contribuintes: Nesse caso, duas ou mais pessoas são, desde a incidência da norma tributária principal, devedoras da obrigação tributária, não havendo que falar em responsabilidade tributária. É o caso de um casal que é coproprietário de um imóvel. Art. 124, I, do CTN. Solidariedade entre responsáveis: É uma hipótese comum em toda espécie de responsabilidade quando há pluralidade de responsáveis. Na responsabilidade subsidiária em sentido próprio, se dois ou mais são os responsáveis, são eles todos solidários entre si, apesar de seus débitos em concreto dependerem da insolvabilidade do contribuinte. Entenda-se bem, os responsáveis são solidários entre si, porém não com o devedor principal. Não há, aqui, responsabilidade solidária em sentido estrito. É o caso do sócio e do sócio administrador que respondem por infração à lei ou ao estatuto, agindo em conluio. Solidariedade entre contribuinte e responsável: Esta hipótese ocorre quando a obrigação nasce em face do contribuinte, mas, em decorrência de fato posterior, passa um terceiro a responder solidariamente com aquele, sem benefício de ordem. Nesse caso, respondem os dois igualmente, sendo a pretensão fiscal dirigida diretamente contra os dois. Eis a responsabilidade tributária solidária em sentido estrito. É o caso do art. 134, em que o responsável responde junto com o contribuinte, ou ainda do sócio administrador, que responde junto com a sociedade, que é a contribuinte. 114 Vale ressaltar mais uma vez que o mero inadimplemento não justifica, por si só, a responsabilidade do sócio. 139

141 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 2.2 Responsabilidade Objetivaversus Subjetiva A jurisprudência brasileira, ao estabelecer a distinção entre responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva, usa como critério distintivo a existência ou não de ilicitude por parte do responsável. Nesse sentido, uma questão controvertida encaminhada aos tribunais, foi a da responsabilidade dos sócios no caso de liquidação de sociedade de pessoas, mais especificamente da sociedade por quotas. O STF já admitiu a responsabilidade do sócio da sociedade limitada, desde que, exercendo função de gerência, deixasse de pagar regularmente os impostos e não providenciasse a extinção da sociedade na forma prevista em lei (art. 134, VII, c/c o art. 135, III), equiparando o não recolhimento de tributos à prática de atos com infração de lei, contrato social ou estatutos. Em sentido contrário, o STJ exigia a prova do elemento subjetivo, já que o simples inadimplemento, para o referido Tribunal, não caracterizava infração legal. O STJ exigia a existência de dois requisitos: a) ser o sócio administrador; b) ter violado a lei ou ter agido com excesso de poderes. 115 Na realidade, o STJ está aplicando o art. 135, III, do CTN. Atualmente a matéria restou pacificada no sentido de que o mero inadimplemento não constitui infração tributária que justifique o enquadramento do sócio administrador na forma do art. 135, III, do CTN, como já dito, ensejando a edição da Súmula 430 pelo STJ. Assim, podemos concluir que o conteúdo hermenêutico do art. 135 trata de uma responsabilidade subjetiva, logo carece da prova pela parte exequente de quais foram as situações que ensejaram a atribuição da responsabilidade do sócio e, não simplesmente, a alegação de cometimento de infração. 115 Corroboramos do entendimento de FERRAGUT, Maria Rita: O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica for indevidamente utilizada para fins diversos dos previstos no ato constitutivo, e dos quais se infira a deliberada aplicação da sociedade em finalidade irregular e danosa, provocando necessariamente lesão a direito de terceiros. O desvio pode coincidir com as materialidades previstas no art. 135 do CTN, como por exemplo, a infração ao contrato social - mas este enunciado se diferencia no que diz respeito à autoria: no CTN temos o administrador, responsável tributário que agiu de forma ilícita na gestão da sociedade. E como os grupos econômicos não são pessoas físicas, as infrações tributárias por eles praticadas não estão tipificadas neste artigo, e em nenhum outro do CTN, não havendo norma específica para o caso. Deve-se, portanto, aplicar subsidiariamente o Código Civil. Já a confusão patrimonial consiste na impossibilidade de fixação de limite entre os patrimônios da pessoa jurídica e o dos sócios e acionistas, tamanha a mistura (confusão) que se estabelece entre ambos. Resta configurada, por exemplo, quando a sociedade paga dívida do sócio e quando há bens também de sócio registrados em nome da sociedade e vice-versa, não havendo suficiente distinção, no plano patrimonial, entre as pessoas - o que pode ser verificado pela escrituração contábil, movimentação financeira e extratos bancários. Disponível em Acesso em

142 Revista de Direito da ESA Barra Resta ainda a análise da expressão pessoalmente utilizada pelo artigo 135 do CTN, pois essa infração deve estar diretamente relacionada ao tributo devido. Dúvida surge se essa pessoalidade deve assumir um caráter de solidariedade com a sociedade ou de subsidiariedade, e, portanto, pessoal exclusiva. A responsabilidade é considerada subjetiva e pessoal, pois todas as pessoas relacionadas nos incisos do art. 135 do CTN são responsáveis, mas somente na hipótese de agirem com infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto ou com excesso de poderes. Daí surgir uma controvérsia no que tange à exclusão ou não da pessoa jurídica do polo passivo da obrigação jurídica tributária, mantendo somente a pessoa que cometeu a infração. Entender pela exclusão imediata da sociedade do polo passivo da execução significa que o fato de o administrador ter agido com excesso de poderes ou infração seria suficiente para excluir a responsabilidade da pessoa jurídica, o que não se justifica já que a matéria comporta um contraditório sobre o cometimento ou não da infração. Nesse sentido, a exclusão deve ser feita pelo juiz ao final do processo, após a análise das provas contidas nos autos, daí a importância de se oferecer mecanismos eficazes e menos gravosos ao executado para se defender em um processo de execução.temos, assim, um primeiro entendimento, no sentido de que a responsabilidade pessoal seria exclusiva das pessoas elencadas no art. 135 do CTN. Assim, se o sócio agiu com excesso de poderes, apenas o patrimônio deste deve se sujeitar à satisfação do crédito tributário. De outro lado, poderia se alegar, a responsabilidade é solidária ab initio entre a pessoa jurídica e a pessoa física. A responsabilidade do art. 135 não exclui a responsabilidade da pessoa jurídica, daí admitir-se que a pessoa jurídica tenha direito a ação de regresso em face do responsável. Ao nosso sentir, trata-se de uma responsabilidade subsidiária, isto é, só vai haver responsabilidade do agente, se ficar configurado (após o devido processo legal) que a sociedade não auferiu vantagem com a infração, caso contrário ela será solidária entre o sócio e a sociedade. Assim, se figurar configurado no processo a responsabilidade do administrador, o juiz deve prosseguir a execução contra ele e apenas os bens dele devem atacados. É importante deixar claro, que não podemos flexibilizar a tal ponto de permitir uma fraude por parte do sócio que não possui patrimônio e, através desse entendimento, possibilitar um calote na Fazenda, já que o crédito não seria satisfeito em função da exclusão da sociedade do polo passivo. Por esse motivo, entendemos que não se trata simplesmente de uma responsabilidade pessoal e exclusiva do sócio, mas sim de uma responsabilidade subsidiária, o que não afasta, na hipótese de fraude ou dolo no sentido de evasão 141

143 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ fiscal, de se cobrar a obrigação tributária do real contribuinte (a sociedade), 116 contudo as penalidades de ofício não devem ser aplicadas a essa, pois as infrações não foram cometidas pela sociedade. 2.3 Dissolução irregular da sociedade As hipóteses previstas no art. 135 do CTN levam em consideração o elemento que desencadeará a solidariedade prevista, que é a infringência dos deveres de fiscalização, de representação e de boa administração que deveriam ser exercidos com diligência e zelo seja por ação ou omissão. A responsabilidade prevista no referido artigo surge em função de prática pelo agente de ato com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto, que devidamente constatado pelo Fisco. Nesse sentido, a dissolução irregular da sociedade, sempre constitui forte indício da responsabilidade do art Inicialmente, o STJ entendia que a dissolução irregular correspondia à presunção absoluta da responsabilidade do art. 135 do CTN. Por outro lado, o TRF O STJ, no julgamento do REsp PR, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em , manifestou-se sobre a permanência da responsabilidade da pessoa jurídica apesar do redirecionamento de execução fiscal para sócio-gerente. Nos casos de dissolução irregular da sociedade empresária, o redirecionamento da Execução Fiscal para o sócio-gerente não constitui causa de exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica. O STJ possui entendimento consolidado de que os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (REsp PR, 1ª Seção, DJe de ). Isso, por si só, já seria suficiente para conduzir ao entendimento de que persiste a responsabilidade da pessoa jurídica. Além disso, atente-se para o fato de que nada impede que a Execução Fiscal seja promovida contra sujeitos distintos, por cumulação subjetiva em regime de litisconsórcio. Com efeito, são distintas as causas que deram ensejo à responsabilidade tributária e, por consequência, à definição do polo passivo da demanda: a) no caso da pessoa jurídica, a responsabilidade decorre da concretização, no mundo material, dos elementos integralmente previstos em abstrato na norma que define a hipótese de incidência do tributo; b) em relação ao sócio-gerente, o fato gerador de sua responsabilidade, conforme acima demonstrado, não é o simples inadimplemento da obrigação tributária, mas a dissolução irregular (ato ilícito). Além do mais, não há sentido em concluir que a prática, pelo sócio-gerente, de ato ilícito (dissolução irregular), constitui causa de exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica, fundada em circunstância independente. Em primeiro lugar, porque a legislação de direito material (CTN e legislação esparsa) não contém previsão legal nesse sentido. Ademais, a prática de ato ilícito imputável a um terceiro, posterior à ocorrência do fato gerador, não afasta a inadimplência (que é imputável à pessoa jurídica, e não ao respectivo sócio-gerente) nem anula ou invalida o surgimento da obrigação tributária e a constituição do respectivo crédito, o qual, portanto, subsiste normalmente. Entender de modo diverso seria concluir que o ordenamento jurídico conteria a paradoxal previsão de que um ato ilícito dissolução irregular, ao fim, implicaria permissão para a pessoa jurídica (beneficiária direta da aludida dissolução) proceder ao arquivamento e ao registro de sua baixa societária, uma vez que não mais subsistiria débito tributário a ela imputável, em detrimento de terceiros de boa-fé. 142

144 Revista de Direito da ESA Barra ensejou a modificação por parte do STJ, ao entender que, em sede de execução fiscal, a descoberta da dissolução irregular da sociedade é causa de redirecionamento da mesma para atingir os sócios e que tal fato depende prova. 117 Assim, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp PR, 118 afirmou que na hipótese discutida no processo, é possível presumir a dissolução irregular da sociedade e, em consequência, redirecionar a execução fiscal para seus sócios, visto que certificado por oficial de justiça que ela não mais existe no endereço indicado (art.127 do CTN). Nesse sentido, as Procuradorias da Dívida Ativa utilizam o art. 135, III, do CTN, em regra, somente no caso de efetiva dissolução irregular, pois caso a sociedade ainda esteja em atividade, aplica-se o art. 134, VII, hipótese em que se deve provar que se trata de uma sociedade de pessoas. Atualmente a jurisprudência tende para o entendimento de que a presunção é relativa 119 e o STJ editou a Súmula 435 que presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. A título de exemplo, temos o julgamento (DJe 14/09/2015) do AgRg no REsp /SC, no qual o Tribunal de origem, com base no contexto fático dos autos, entendeu que haveria indícios de dissolução irregular apta a ensejar o redirecio- 117 O TRF-4 fixou entendimento de que é possível ao sócio-gerente, através de embargos à execução, tentar elidir tal responsabilidade. Então, não há mais presunção absoluta, mas, apenas, relativa. Nesse sentido: AgRg no REsp /SC (de agosto de 2002). Em sentido contrário, ou seja, que a dissolução irregular é presunção absoluta de responsabilidade: REsp /RJ (DJ de ). 118 Nos dizeres da Min. Eliana Calmon: No Direito Comercial, há que se valorizar a aparência externa da sociedade, e a mera suposição de que estaria a funcionar em outro endereço, sem que o tivesse comunicado à Junta Comercial, não pode obstar o crédito da Fazenda. 119 EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III, DO CTN. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE. Não se pode confundir a relação processual com a relação de direito material objeto da ação executiva. Os requisitos para instalar a relação processual executiva são os previstos na lei especial, a saber, o inadimplemento e o título executivo (CPC, arts. 580 e 583). Os pressupostos para a configuração da responsabilidade tributária são os estabelecidos pelo direito material, nomeadamente pelo art. 135 do CTN. A indicação, na Certidão da Dívida Ativa, do nome do responsável ou corresponsável (Lei n /80, art. 2º, 5º, I; CTN, art. 202, I) confere ao indicado a condição de legitimado passivo para a relação processual executiva (CPC, art. 568, I), mas não confirma, a não ser por presunção relativa (CTN, art. 204), a existência da responsabilidade tributária, matéria que, se for o caso, será decidida pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução. É diferente a situação quando o nome do responsável tributário não figura na certidão de dívida ativa. Nesses casos, embora configurada a legitimidade passiva (CPC, art. 568, V), caberá à Fazenda exequente, ao promover a ação ou ao requerer o seu redirecionamento, indicar a causa do pedido, que há de ser uma das situações, previstas no direito material, como configuradoras da responsabilidade subsidiária. Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades, é possível redirecionar a execução ao sócio. Agravo regimental a que se nega provimento. Ag. no REsp /PR, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de

145 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ namento do pleito executivo. Segundo o STJ não se vincula, necessariamente, a prova indiciária da dissolução irregular da sociedade à existência de certidão, lavrada pelo Oficial de Justiça, atestando a cessação de funcionamento da empresa no endereço constante de seus registros fiscais ou comerciais. Para o Tribunal, uma vez presente a certidão do Oficial de Justiça, a atestar o encerramento das atividades da sociedade, tem-se por provada, ao menos num primeiro momento, a dissolução irregular da empresa. De outro lado, temos um julgado que vem modificando o entendimento do STJ sobre a responsabilidade do sócio na dissolução irregular. O Tribunal entendia que, para que fosse possível o redirecionamento era necessário demonstrar que o sócio era detentor da gerencia tanto na época da dissolução irregular da sociedade, como na época da ocorrência do fato gerador da obrigação. Contudo, a Segunda Turma 120 alterou o seu entendimento e passou a exigir, tão somente, a permanência do sócio na administração da sociedade no momento de sua dissolução irregular, se tornando irrelevante a data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. 120 AgRg no REsp /GO. Relator Min. Mauro Campbell. 2ª TURMA. DJe 28/09/2015. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO QUE DETINHA PODERES DE GESTÃO À ÉPOCA DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. IRRELEVÂNCIA DA DATA DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR OU DO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. 1. A jurisprudência dessa Segunda Turma do STJ entendia que, para que fosse possível o redirecionamento era necessário demonstrar que o sócio era detentor da gerencia tanto na época da dissolução irregular da sociedade, como na época da ocorrência do fato gerador da obrigação. 2. Recentemente, a Segunda Turma/STJ, no julgamento do REsp /SP, de relatoria do Ministro Og Fernandes, alterou o seu entendimento e passou a exigir, tão somente, a permanência do sócio na administração da sociedade no momento de sua dissolução irregular, se tornando irrelevante a data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. 3. O simples exercício da gerência, naturalmente, não implica responsabilidade para aquele dela encarregado. A sua responsabilidade somente é irradiada em caso de prática do ato ilícito. No caso da dissolução irregular, este é o ato infracional, que é desvinculado da obrigação tributária. O que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração de lei evidenciada na existência ou presunção de ocorrência da dissolução irregular nos termos da Súmula 435/STJ. É justamente essa desvinculação que torna irrelevante perquirir quem exercia a gerência da empresa na data de ocorrência do fato gerador. 4. Assim, o atual entendimento dessa Segunda Turma para autorizar o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio é no sentido de que basta a verificação do responsável pela gerência da empresa ao tempo em que ocorreu a dissolução irregular, ou seja, ainda que a gerência seja posterior à data de ocorrência do fato gerador. 144

146 Revista de Direito da ESA Barra 2.4. Obrigatoriedade do Nome do Responsável na CDA A obrigatoriedade ou não do nome do responsável tributário na CDA é outro tema polêmico. Temos como regra que, verificado o inadimplemento do crédito tributário pelo sujeito passivo, a Fazenda promove a inscrição em dívida ativa de modo a emitir a respectiva certidão, que é o título executivo hábil para a propositura da execução fiscal. Nessa certidão deve constar o nome do devedor e, se for o caso, dos responsáveis (vale lembrar que tratamos aqui de responsabilidade tributária). Com isso, temos uma discussão de direito material, que se prorroga para o campo da execução fiscal, sobretudo, no que se refere ao redirecionamento da execução fiscal para a figura do sócio administrador, sob a imputação de responsabilidade tributária. Não há dúvida de que a inscrição do crédito em dívida ativa é um instrumento de controle de legalidade dos atos administrativos praticados pela própria administração tributária. A Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/80) traz os requisitos de validade da inscrição em dívida ativa que, por sua vez, devem ser reproduzidos na Certidão de Dívida Ativa (CDA) sob pena de nulidade, como também dispõe o CTN em seus arts. 202 e 203. Com respeito aos posicionamentos contrários, entendemos que deve prevalecer o princípio da instrumentalidade das formas. Vale dizer que a jurisprudência tem aplicado o princípio insculpido no brocardo pas de nullité sans grief, onde expressa que não há nulidade se não houver prejuízo. Assim, se a omissão de algum dado na CDA não prejudicou a defesa do executado, regularmente exercida com base nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não há que contaminá-la de nulidade mesmo porque a CDA pode ser substituída no processo até a decisão de primeira instância, conforme preceitua o próprio parágrafo 8º do art. 2º da LEF. É óbvio que uma vez substituída a certidão, tem que ser devolvido o prazo para defesa ao executado, mas não se deve entender como nulo o termo de inscrição e consequentemente a CDA, por um erro que não prejudica a defesa do executado. Enfim, por decisão de primeira instância citada no referido artigo, podemos entender como sendo aquela que põe fim ao processo de execução ou a que julga os embargos à execução. Assim há que se destacar que a exigência do nome do responsável não seria um vício insanável, pois se admite em qualquer caso o redirecionamento da execução fiscal. Nesse sentido, a Súmula 392 do STJ: A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. 145

147 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Contudo, entendemos que a questão primordial que se coloca não é a modificação do polo passivo e a substituição da CDA, mas sim, a possibilidade de ampla defesa da parte que passará de forma superveniente a integrar o polo passivo da relação processual. Insistimos em frisar que o grande problema não é a modificação do polo de uma relação processual, mas o porquê da imputação de um terceiro como sujeito passivo da relação de direito material, qual seja, o elemento subjetivo do fato gerador integral. É bem verdade, que o crédito tributário deve ser satisfeito compulsoriamente pelo sujeito passivo, seja ele contribuinte ou responsável na forma da lei. Ocorre que, como estamos diante de uma imputação de infração ou desvio de poder, a parte deve ter mecanismos processuais suficientes para que possa exercer o contraditório, fato que comprovadamente não se demonstra (na prática) através da objeção de pré-executividade ou de embargos. Importante destacar o entendimento do STF sobre a responsabilidade dos sócios em processo relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa. O Tribunal explicitou que os sócios que vierem a ser responsabilizados por créditos tributários da pessoa jurídica que são reclamados pela administração tributária devem ser intimados para participar dos atos que culminam na constituição definitiva dos referidos créditos. O Ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do RE decidiu que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa aplicam- se indistintamente a qualquer categoria de sujeito passivo, irrelevante a sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.), na fase de constituição do crédito tributário. Além disso, a inclusão de terceiros como responsáveis pelos débitos tributários sem a demonstração das circunstâncias legais que levaram a tanto é uma ficção inadmissível no âmbito do direito público. Os sócios que eram chamados para responder por esses débitos em executivos fiscais não encontravam acolhida no Poder Judiciário em relação ao argumento de que teria ocorrido violação ao exercício do direito constitucional do contraditório e da ampla defesa quando não eram intimados para participar do processo administrativo de constituição do crédito tributário. A notificação encaminhada para a empresa se manifestar em processo administrativo tributário não implica a presunção de que os sócios tenham ciência dos fatos que em tese acarretam a sua responsabilidade. Acaso cabível, essa presunção diria respeito ao próprio crédito tributário, e não aos fatos que justificam a responsabilidade de terceiros, que devem ser claramente explanados e fundamentados. 146

148 Revista de Direito da ESA Barra Noutro giro, o Superior Tribunal de Justiça diverge desse posicionamento ao afirmar que o sócio cujo nome foi incluído na certidão de dívida ativa antes do ajuizamento do executivo fiscal deve apresentar sua defesa mediante a oposição de embargos à execução. Com a devida vênia ao STJ, diante desse precedente do STF, acreditamos que a jurisprudência do STJ deveria ser modificada. É verdade que o sócio pode ser surpreendido com a inscrição do seu nome em dívida ativa, em que pese não ter sido intimado para participar do procedimento que deu origem ao crédito. Contudo, esse procedimento da administração tributária, de incluir sócios ou administradores na CDA e, posteriormente, figurar no polo passivo de execução fiscal sem que tenham participado do processo administrativo prévio, não merece mais acolhida. Ademais, os tribunais superiores têm entendimento consolidado que o sócio não é responsável pelos débitos tributários da empresa pelo simples fato de ter quotas da mesma (RE ), pois o art. 135 do Código Tributário Nacional responsabiliza a direção, gerência ou representação da pessoa jurídica exclusivamente quando praticarem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos, hipóteses dentre as quais não se inclui o simples inadimplemento de tributos. Em síntese, podemos dizer que, a partir da interpretação conjunta dos julgados do STF 121, é possível afirmar que o referido tribunal entende que a administração tributária, ao realizar o lançamento do crédito tributário, deve fazê-lo desde logo contra o terceiro, demonstrando claramente (sem presunções) as circunstâncias legais que o solidarizam com o débito tributário da pessoa jurídica, facultando a este o exercício do contraditório e da ampla defesa. Nesse momento, o terceiro solidário deve não só apresentar sua defesa administrativa em relação aos fundamentos que o tornam responsável pelo crédito tributário, mas também aqueles que combatem a própria exigência do crédito tributário. Se a administração tributária inscrever o débito em dívida ativa, incluindo o nome do sócio como responsável, sem que este tenha participado do processo administrativo de lançamento, o contribuinte pode alegar violação ao devido processo legal e à ampla defesa, ainda que seu nome conste da certidão de dívida ativa. No mesmo sentido, o Art. 2º da Portaria PGFN 180/10 estabeleceu que: A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da SRFB ou da PGFN acerca 121 RE /PR e AgRg no RE /PR. 147

149 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: I excesso de poderes; II - infração à lei; III - infração ao contrato social ou estatuto e IV - dissolução irregular da pessoa jurídica. Considerações Finais Diante dos argumentos expostos entendemos que a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo tributário judicial proporcionaria um grande avanço. Por outro lado, deixamos claro que no âmbito administrativo a questão fica prejudicada, pois tal instituto é previsto no Código de Processo Civil mostrando que se refere ao processo judicial. Contudo, em que pese a inaplicabilidade formal do instituto na esfera administrativa, acreditamos que não há óbice para que, mutatis mutandis, a discussão sobre a caracterização ou não da sujeição tributária (responsabilidade do sócio), seja bastante explorada no processo administrativo. Aliás, diga-se de passagem, o processo administrativo já permite amplamente essa discussão. A posição sustentada pelo ENFAM 122 ao editar o enunciado que prevê a inaplicabilidade desse incidente na área tributária, pareceu-nos muito precoce. O enunciado foi editado antes mesmo da entrada em vigor do Novo CPC, transparecendo em função da agilidade no novo entendimento, que ainda há uma ligação muito apegada do direito tributário com o positivismo, muito embora, estejamos na faze do neoconstitucionalismo. 123 Um dos argumentos expostos no debate que culminou com o referido enunciado foi a incompatibilidade do instituto com a celeridade que devem ter as execuções fiscais. A paralisação do trâmite do processo de execução executivo com vistas à dilação probatória acerca da legitimidade do sócio atrapalharia o bom andamento da cobrança judicial do crédito tributário. 122 Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Enunciado 53: O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 133 do CPC/ Preferimos utilizar a expressão constitucionalismo contemporâneo. Abordamos o tema em nossa Tese de Doutorado aprovada com louvor em dezembro de 2013 e com indicação para publicação: Crítica Hermenêutica Das Decisões Judiciais Em Matéria Tributária: A vulnerabilidade da Teoria Argumentativa de Robert Alexy e a autofagia do Sistema Tributário Nacional. Tese de Doutorado aprovada em dezembro de

150 Revista de Direito da ESA Barra É bem verdade que esse enunciado da ENFAM não possui efeito vinculante na esfera judicial, tampouco na esfera administrativa e, por isso, acreditamos que a doutrina e a jurisprudência ainda despenderão a atenção devida sobre o tema, em especial porque temos a oportunidade de corrigir um grande déficit processual que vem, sob o ponto de vista prático, inviabilizando a defesa dos sócios em sede de execução fiscal face à aplicabilidade desmedida do art. 135 do CTN. Ratificamos nosso posicionamento no sentido de que a responsabilidade tributária do referido artigo é subjetiva, logo, cabe ao Fisco provar as violações imputadas ao sócio e, de outro lado, ao executado provar que tal prática não ocorreu trata-se simplesmente do exercício do contraditório e da ampla defesa, diante de um devido processo legal! O artigo 1º da Lei 6.830/80 que permite a aplicação subsidiaria das regras do CPC ao processo de execução fiscal e, ainda, a intenção do legislador ao editar um novo código processual (sobretudo face ao disposto no art. 15 do NCPC) deixa nítida a intenção de estabelecer uma Teoria Geral do Processo, cuja aplicabilidade possa ser efetiva em todos os processos judiciais, entre os quais, o Direito Tributário. Por isso, acreditamos que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não só é plenamente aplicável ao Direito Tributário (em especial às hipóteses de redirecionamento das execuções fiscais) como também, traz uma grande oportunidade de se promover um equilíbrio de forças entre o contribuinte e o Fisco, sobretudo no que se refere ao processo de execução que traz normas protetivas ao crédito e que a reboque prestigia o credo as Fazendas Públicas. 149

151 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ Referências CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 6 ed. São Paulo: Saraiva Crítica Hermenêutica Das Decisões Judiciais Em Matéria Tributária: A vulnerabilidade da Teoria Argumentativa de Robert Alexy e a autofagia do Sistema Tributário Nacional. Tese de Doutorado aprovada em dezembro de FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro. Ed. RT, FERRAGUT, Maria Rita. O NCPC e os grupos econômicos. Disponível em fiscosoft.com.br/a/6yjl/ncpc-e-os-grupos-economicos-intervencao-de-terceiros-e-a-aplicacao-do-incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-maria-rita-ferragut. Acesso em 10 de dez FRIGERI, Márcia Regina. A responsabilidade dos sócios e administradores, e a desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 739, maio REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23 ed. São Paulo: Saraiva,

152 Revista de Direito da ESA Barra A RESPONSABILIDADE PELO FATO E VICIO DO PRODUTO NO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR RESPONSIBILITY FOR PRODUCT FACT AND ADDICTION IN THE CODE OF PROTECTION AND DEFENSE OF CONSUMER por Gilberto Magno Stanchi Filho 124 RESUMO Tornou-se imperioso o esclarecimento quanto às características de cada um destes conceitos, uma vez que defeito e vício, ao contrário do que se pode pensar, não são sinônimos. Com efeito, estaremos diante de um vício do produto por sua inadequação quando ocorrer de o produto não se apresentar com a qualidade ou quantidade que se espera diante das informações contidas no recipiente, na embalagem, na rotulagem ou na mensagem publicitária, conforme determinam o Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, tem-se por configurado o vício do produto quando desrespeitadas as características que se esperam atinente à qualidade e indicativas de sua quantidade, sendo que a extensão e profundidade do vício se fazem sentir tão somente no próprio produto. No que tange ao defeito do produto ou do serviço, a situação é bem diferente. Para que surja o defeito, pressupõe-se, em tese, um vício. Porém, esse vício causa uma lesão não só do bem 124 Graduado pela Universidade Estácio de Sá. Advogado. Pós-Graduado em Responsabilidade Civil e Social do Terceiro Setor pela UFRJ. Pós-Graduando pela EMERJ Escola de Magistratura do Rio de Janeiro. 151

153 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ adquirido ou no serviço contratado, mas, também, lesão ao patrimônio jurídico material e moral do consumidor. Por conseguinte, isso gera um dano, caracterizando, então, um acidente de consumo, ou como apregoa o Código de Defesa do Consumidor, um fato do produto ou serviço. O defeito, portanto, é o cerne do dever de indenizar nesta modalidade de responsabilidade, pois, verificada a existência dele, e, ocorrendo o dano, surgirá para o fornecedor de produtos e serviços o dever de indenizar o consumidor lesado. Destaca-se que o legislador pátrio, de forma muito sábia, e até mesmo para evitar questionamentos infundados, definiu, tanto no 1º do artigo 12, quanto no 1º do artigo 14, o conceito de defeito de produto e serviço. PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Vícios dos Produtos e dos serviços.consumidor. SUMMARY It was imperative to clarify the characteristics of each of these Concepts, since defect and vice, contrary to what one might think, are not Synonyms. In effect, we will face a product defect due to its inadequacy When the product does not present itself with the quality or quantity that is expected Information on the container, the packaging, the labeling or the Advertising message, as determined by the Consumer Defense Code. This Product has been configured when the characteristics of the product have not been met. Which are expected for the quality and indicative of their quantity, and the extension and Depth of addiction are felt only in the product itself. Concerning the Defect in the product or service, the situation is quite different. For the defect to arise, in theory, an assumption. However, this addiction causes an injury not only to the acquired good or contracted service, but also, damage to the material and moral legal patrimony of the consumer. Therefore, this creates an injury, thus characterizing an accident of Consumption, or as proclaimed by the Consumer Defense Code, a fact of the product or service. The defect, therefore, is the core of the duty to indemnify Liability, since the existence of it has been verified, and, if the damage occurs, it will Supplier of products and services the duty to indemnify the injured consumer. It is noted that The legislature, in a very wise way, and even to avoid questioning. In article 12, as well as in paragraph 1 of article 14, defined the concept of product and service defect. Keywords: Civil Liability. Vices of Products and Services. Consumer. 152

154 Revista de Direito da ESA Barra INTRODUÇÃO O conteúdo do presente trabalho, consiste na reunião temática dos problemas relacionados à responsabilidade civil, pelos danos causados aos consumidores, por vícios e defeitos dos produtos e dos Serviços na ótica da legislação consumerista. As questões relativas aos vícios e defeitos dos produtos e dos serviços, inseridas no Código de Defesa do Consumidor, remetem a teoria do risco do negocio, teoria essa, que levou o legislador ao acatamento da responsabilidade objetiva do fabricante, do produtor, do construtor e até mesmo prestador de serviços. Dessa forma, faz-se necessário mencionar alguns pressupostos que levaram o legislador ao acatamento definitivo dessa teoria. A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, garante a todos Brasileiros e/ou Estrangeiros, a livre iniciativa para a exploração de atividades econômicas, desde que, estejam em harmonia com as normas que as regulam, e dentre tais características especificas estão a do risco do negocio incorporadas ao Código de Defesa do Consumidor. A luz de tais embasamentos suso mencionados, hoje em dia pode-se perfeitamente traçar um perfil do consumidor e do fornecedor, bastando para isso dispor dos mandamentos da Responsabilidade Civil. Nesse diapasão, é possível apresentar relações entre os que consomem e os que fornecem mediante a constatação de vícios e defeitos, quer no produto quer no serviço, bem como, suas prováveis consequências danosas, apresentando-se os dispositivos norteadores dessa relação para que haja reparação ao consumidor como preceitua o aludido Código Consumerista. Sendo assim, será feito uma análise, focada na responsabilidade civil decorrente da constatação de vícios e defeitos no produto e ou serviços, fundamentada na teoria do risco do negocio incorporadas ao Código de Defesa do Consumidor. O aludido tema da responsabilidade pelo fato e vicio do produto e ou serviço no código de defesa do consumidor, na atualidade traz a preocupação que a sociedade tem em relação aos prejuízos causados pelos produtos e ou serviços 153

155 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ fornecidos ao consumidor, e em se punir os maus profissionais que atuam na área da comercialização. A responsabilidade Civil destes fornecedores esta cada vez mais presente nos órgãos do Poder Judiciário, pois o procedimento tomado por esses tais profissionais reflete ainda mais na sociedade e na conduta humana que cada vez, necessita mais dos produtos e serviços fornecidos e que são colocados no mercado de consumo atual. Como objetivo especifico, pretende verificar de que modo devem ser responsabilizados os Fornecedores pelos vícios e defeitos existentes nos produtos e ou serviços, e analisar a melhor forma de sanar o dano causado ao Consumidor de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Nessa vereda, deve-se analisar em quais casos o Fornecedor responde objetivamente ou subjetivamente nas questões da relação de Consumo. A pesquisa foi estruturada em três pontos fundamentais, podendo-se inclusive, delineá-los com três formas distintas, mas conexas. A Responsabilidade Civil, Responsabilidade do Fornecedor pelo fato e vicio do produto impróprio para consumo, o Direito do Consumidor. Na primeira parte, faz-se uma analise de forma geral do que é a Responsabilidade Civil, trazendo a luz um breve comentário e conceituações. Na segunda fase, elencar a Responsabilidade do Fornecedor pelo fato e vicio do produto e ou Serviço. Já na terceira e última fase abordará sobre o Código de Defesa do Consumidor, onde será feito um breve comentário da evolução histórica bem como da relação de consumo existente entre as partes, podendo assim conceituar os seus pressupostos: Fornecedor, Consumidor, produto e ou serviço. Não deixando de fora a diferença existente entre vicio e defeito do produto e ou serviço. Quanto à metodologia a ser empregada, registra-se que, será utilizado por meio de método dedutivo e o relatório dos resultados composto de base lógica dedutiva, para ao final ser apontada a prevalência ou não das hipóteses elencadas. A finalização do trabalho se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguido da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Responsabilidade Civil do Fornecedor em face do CDC. Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por esse estudo: As condutas adotadas pelos fornecedores que eventualmente venham a se ocultar na hora de indenizar o consumidor pelos produtos e ou serviços con- 154

156 Revista de Direito da ESA Barra tendo defeitos ou vícios, que muitas vezes passam a ser considerados acidentes de consumo, gerando uma Responsabilidade Civil. Segundo Caio Mário Pereira, 125 responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outra. Em direito, a teoria da responsabilidade civil procura determinar em que condições uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outra pessoa e em que medida está obrigada a repará-lo. A reparação do dano é feita por meio da indenização, que é quase sempre pecuniária. O dano pode ser à integridade física, à honra ou aos bens de uma pessoa. A teoria da responsabilidade civil distingue entre a obrigação do devedor no sentido de cumprir o que estipulou com o credor e a obrigação de reparar o dano causado por ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou imperícia (em direito civil, o chamado ato ilícito ). Dá-se ao primeiro caso o nome de responsabilidade contratual ou ex contractu e ao segundo, responsabilidade delitual, aquiliana (devido à Lei Aquília, uma lei romana de 286 A.C. sobre o assunto), extracontratual ou ex delictu. A teoria clássica da responsabilidade civil aponta a culpa como o fundamento da obrigação de reparar o dano. Conforme aquela teoria, não havendo culpa, não há obrigação de reparar o dano, o que faz nascer a necessidade de provar-se o nexo entre o dano e a culpa do agente. Mais recentemente, porém, surgiu entre os juristas uma insatisfação com a chamada teoria subjetiva (que exige a prova da culpa), vista como insuficiente para cobrir todos os casos de reparação de danos: nem sempre o lesado consegue provar a culpa do agente, seja por desigualdade econômica, seja por cautela excessiva do juiz ao aferi-la, e como resultado muitas vezes a vítima não é indenizada, apesar de haver sido lesada. Para Caio Mario Pereira 126 o direito passou então a desenvolver teorias que preveem o ressarcimento do dano, em alguns casos, sem a necessidade de provar-se a culpa do agente que o causou [...]. Esta forma de responsabilidade civil, é exemplificada no art. 21, XXIII, d, da Constituição Federal do Brasil, 127 é chamada de teoria objetiva da responsabilidade civil ou responsabilidade sem culpa. 125 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Curso de Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro : Forense, p PEREIRA, Caio Mário da Silva, op.cit. p Constituição da República Federativa do Brasil, art. 21, XXIII, d: a responsabilidade civil por danos nucleares

157 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ 1 VÍCIO E DEFEITOS DOS PRODUTOS E DOS SERVIÇOS NA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA Por ser muitíssimo comum o consumidor se utilizar do argumento que comprou um produto que apresentou um defeito quando na realidade o problema em questão trata-se de um vício é que se tornou imperioso o esclarecimento quanto às características de cada um destes conceitos, uma vez que defeito e vício, ao contrário do que se pode pensar, não são sinônimos. Com efeito, configura-se vício do produto por sua inadequação quando ocorrer de o produto não se apresentar com a qualidade ou quantidade que se espera diante das informações contidas no recipiente, na embalagem, na rotulagem ou na mensagem publicitária, conforme determinam os artigos 18 e 19 do Código de Defesa do Consumidor. 128 Insta dizer que, o código de defesa do consumidor estabelece algumas regras aos fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis onde eles respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Verifica-se, portanto, que com base nesses critérios os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto devendo ser sempre, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, e do seu conteúdo, se líquido e for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, poderá o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha o que melhor lhe dispuser. Desta forma, tem-se por configurado o vício do produto quando desrespeitadas as características que se esperam atinente à qualidade e indicativas de sua quantidade, sendo que a extensão e profundidade do vício se fazem sentir tão somente no próprio produto. Assim, constatado o vício do produto, o consumidor pode se valer das alternativas trazidas no 1º do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor. 128 NUNES, Luiz Rizzatto. Comentários sobre o Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000.p

158 Revista de Direito da ESA Barra Art. 18. [...] 1 Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. O entendimento da doutrina é de que o vício se perfaz quando ao adquirir uma bicicleta percebesse que o freio não funciona porque o mecanismo que o aciona está travado ou lhe falta um componente. Exemplo outro citado por Luiz Rizzatto Nunes em seu livro, Comentários sobre o Código de Defesa do Consumidor, seria sobre o do processador de alimentos que tem a função triturar comprometida de forma a não triturar adequadamente os alimentos. E para o caso do defeito este só se perfaz quando em decorrência do vício do produto ou serviço o consumidor vem a sofrer danos de ordem material e/ou moral. Sendo que, defeito do produto encontra-se conceituado no 1º do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. 1 O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. Entretanto, o defeito do produto, o consumidor não tem possibilidades de trocar ou substituir um produto, mas sim de ser indenizado de forma compatível com os danos materiais ou morais que sofrer, devendo ser demonstrado pelo consumidor o nexo causal que significa a relação entre o vício do produto e os danos 157

159 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ acarretados por esse vício o que poderá comprovado através de laudos médicos; comprovantes de aquisição de medicamentos e eventuais perdas laborais. Assim, conclui-se que para a configuração do defeito faz-se necessária a incidência do vício, sendo que com a constatação do vício nem sempre decorrerá em um defeito. Segundo o artigo 8º do CDC 129 materializa o princípio da segurança, que estabelece o dever do fornecedor de não colocar no mercado de consumo produtos ou serviços com defeito ou que coloquem em risco a saúde ou segurança do consumidor. Nessa esteira de raciocínio, nos vícios de insegurança o fornecedor responderá objetivamente pelos danos causados ao consumidor e nos vícios de adequação, qualidade ou quantidade do produto responderá por culpa absolutamente presumida. Importante se torna dizer que, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor prevê duas espécies de responsabilidade: pelo fato do produto ou serviço, com regramento previsto nos artigos de 12 a 17 e pelo vício do produto ou serviço, com previsão legal nos artigos de 18 a 25. Nesse diapasão, verifica-se que, a reparação do dano é integral tanto para a hipótese de acidente de consumo, quanto para os vícios de adequação. Podendo o consumidor ser reparado por todos os danos, de origem pessoais morais, que afetam a paz interior da pessoa, e tudo aquilo que não tem valor econômico, mas causa dor e sofrimento ou materiais os que englobam o prejuízo consumado, dano emergente e aquilo que se deixa de ganhar, tais como lucro cessante. Nesse sentido, apesar do capítulo referente aos vícios do produto ou serviço não especificarem nenhuma excludente de responsabilidade, pode-se dizer que aquelas previstas para os fatos do produto ou serviços, tais como a inexistência do defeito e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, podem ser aplicáveis aos primeiros. 129 NUNES, Luiz Rizzatto, Comentários sobre o Código de Defesa do Consumidor : direito material, São Paulo: Saraiva p

160 Revista de Direito da ESA Barra 2 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor é, no ordenamento jurídico brasileiro, um conjunto de normas que visam à proteção aos direitos do consumidor, bem como disciplinar as relações e as responsabilidades entre o fornecedor (fabricante de produtos ou o prestador de serviços) com o consumidor final, estabelecendo padrões de conduta, prazos e penalidades. Instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, o Código, entretanto, teve a sua vigência protelada para a adaptação das partes envolvidas. O CDC foi fruto de uma expressa determinação constitucional que buscou preencher uma lacuna legislativa existente no Direito Americano, onde as relações comerciais, tratadas de forma obsoleta por um Código Comercial do século XIX, não traziam nenhuma proteção ao consumidor. Deste modo, tornava-se necessária a elaboração de normas que acompanhassem o dinamismo de uma sociedade de massas que se formou no decorrer do século XXI, conforme dispunha a Constituição de 1988 no seu artigo 5º, inciso XXXII: O Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor. Por sua vez, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT, da nova Constituição já determinava que, dentro de 120 dias da sua promulgação, deveria ser elaborado o Código de Defesa do Consumidor. Porém, com a redemocratização do país, a partir da promulgação da Constituição de 1988, houve um fortalecimento das entidades não governamentais, fortalecendo o clamor popular por uma regulamentação dos direitos sociais, que também contribuiu para a criação deste corpo normativo. O Ministério da Justiça 130 criou uma comissão para que elaborassem um anteprojeto de lei que mais tarde seria aprovado como o Código de Defesa do Consumidor. Essa comissão foi constituída por renomados juristas e professores tais como: Ada Pellegrini Grinover e integrada por Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari. Finalmente, o CDC foi promulgado em 1990, gerando importantes mudanças que, no decorrer dos anos 90 e na primeira década do século XXI, mudaram 130 BRASIL. Anteprojeto de Lei do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/c%c3%b3digo_de_defesa_do_consumidor. Acesso em: 25 ago

161 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ consideravelmente as relações de consumo, impondo uma maior qualidade na fabricação dos produtos e no próprio atendimento das empresas de um modo geral. Não foi pacífica a aceitação da Lei 8.078/90 mais conhecida como Código de Proteção e Defesa do Consumidor, porque várias instituições de diversos setores financeiro vinham tentando, ao longo dos anos, escapar de penalidades impostas pela referida norma. O exemplo mais claro deu-se com as instituições bancárias do Brasil que, através de recursos, mantiveram-se até 2006 sem subordinar-se aos dispositivos do CDC, até que uma decisão do Supremo Tribunal Federal esclareceu de forma definitiva, dizendo que os bancos têm, efetivamente, relação de consumo com seus clientes e, portanto, devem estar sujeitos ao Código. Uma das premissas essenciais para se estabelecer a chamada relação de consumo, são os conceitos legais para palavras como consumidor, serviço ou produto. Elas estão estabelecidas nos artigos iniciais do CDC: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (Art. 2º). Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º). Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (art. 3º, 1º). Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (art. 3º, 2º). De acordo com Código de Defesa do Consumidor relação de consumo, tem-se como uma relação jurídica existente entre fornecedor e consumidor, tendo como objeto o produto ou o serviço. Por sua vez, outro dos autores do anteprojeto do Código Brasileiro de Defesa do consumidor professor José Geraldo Brito Filomeno, 131 assim define o que seja relações de consumo: [...] as relações de consumo nada mais são do que relações jurídicas por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois polos de interesses: consumidor - fornecedor e a coisa, objeto desses interesses. No caso, mais precisamente, e consoante ditado pelo Código de Defesa do Consumidor, tal objeto consiste em produtos e serviços. 131 BRASIL. Anteprojeto de Lei do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/c%c3%b3digo_de_defesa_do_consumidor. Acesso em 25 ago

162 Revista de Direito da ESA Barra Outra definição bastante apropriada é de Rui Stoco, 132 que diz: [...] relação de consumo, para o Código de Defesa do Consumidor, é toda relação jurídica contratual que envolva a compra e venda de produtos, mercadorias ou bens móveis e imóveis, consumíveis ou inconsumíveis, fungíveis ou infungíveis, adquiridos por consumidor final, ou a prestação de serviços sem caráter trabalhista. Já é definido o seguinte no Art. 6º São direitos básicos do consumidor, a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. Ainda nessa linha de raciocínio preocupou-se o legislador em atender outros princípios de educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. Com o avanço e a modernização nas relações surgiram novos desafios sobre a informação adequada e clara dos diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem. Dessa forma surge a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, que contenham métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Cabe registrar, que modificação das cláusulas contratuais estabelecendo prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes tornando-as excessivamente onerosas, haverá reparação de danos patrimoniais e morais, sejam eles individuais, coletivos ou difusos. Podendo o consumidor utilizar-se do acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, por ser assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados. Forma essa, de facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Importante se faz observar que a melhor definição para relação de consumo é aquela na qual existe uma cooperação, pois uma determinada pessoa entra com o bem ou serviço e o outro oferece como troca o pagamento do preço, como se pode notar, ambos colaboram assim para o sucesso do objetivo comum, que é a 132 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 10 ed. São Paulo : Saraiva p

163 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ transferência do domínio do bem ou a execução dos serviços. Ficando a cargo da responsabilidade civil a aplicação das medidas que obriguem uma determinada pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a outrem, seja em razão do ato por ela mesma praticado, seja por pessoa por quem ela responde, ou por alguma coisa a ela pertencente ou mesmo por simples imposição legal. 3 A TRANSPARÊNCIA E HARMONIA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO O Código de Defesa do Consumidor determina que se tenha uma Política Nacional de Relações de Consumo, que tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos aos princípios de reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, da ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor, podendo ser feito por iniciativa direta ou por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas, com a presença do Estado no mercado de consumo para garantir que os produtos e serviços tenham padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Assim, haverá harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre que se tenha como base a boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Como leciona o Iminente Professor e Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho: 133 O critério de vida útil do produto ou do serviço, cujo prazo venha a ser fixado, no caso concreto, pelo juiz, de acordo com as regras ordinárias de experiência, melhor atende aos interesses dos consumidores, sempre a parte mais fraca na relação de consumo. Em se tratando de produto ou serviço recém adquirido ou realizado, há presunção relativa, em favor do consumidor, de que o vício é de origem. Para as demais hipóteses, quando houver dúvida sobre a existência do vício do produto ou serviço, é lícito ao julgador inverter o ônus da prova, transferindo ao fornecedor o ônus de provar o nexo de causalidade, que antes cabia ao consumidor. 133 CARVALHO, José Carlos Maldonado. Direito do Consumidor fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p

164 Revista de Direito da ESA Barra Nessa vereda, quando ocorre um vício oculto, qualquer juiz vai sempre atuar casuisticamente, como faz em outros sistemas legislativos, para isso, necessário se faz, viabilizar um mínimo de educação e informação aos fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo. Sendo esse, um grande incentivo à criação, pelos fornecedores, de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo. É notório hoje, no Brasil, a plena fase de total aceitação da coibição e repressão de metodologias eficientes no sentido de acabar com todos os abusos praticados no mercado de consumo. Inclusive, fiscalizar a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam vir a causar prejuízos aos consumidores. Com a racionalização e melhoria dos serviços públicos, têm-se as reformas objetivas no estudo constante das modificações do mercado de consumo. Para que se possa por em pratica a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com instrumentos, entre outros de; manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita, para o consumidor carente. Devendo ser criadas as Instituições de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público. Havendo ainda de serem criadas por força de lei as delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo. Além da criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo; concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor. 163

165 57ª Subseção Barra da Tijuca - RJ CONCLUSÃO O Código de Defesa do Consumidor, é considerado como um verdadeiro microssistema jurídico de normas coordenadas entre si, inovou ao estabelecer um sistema protetivo à parte vulnerável na relação de consumo. Fundamenta-se na pacificação dos conflitos e, por tal razão, pertence à terceira dimensão de direitos. Assim, foi sancionada uma lei determinando que todos os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços do país devem ter um exemplar do Código de Defesa do Consumidor disponível para consulta. O consumidor vai ao mercado e recebe produtos e serviços postos e ofertados segundo regramentos que o CDC agora pretende controlar, de forma inteligente. O Direito do Consumidor serve principalmente para suprir as insuficiências do Direito Civil, preencher lacunas jurídicas existentes ao se tratar de uma relação de consumo utilizando o Código Civil, lacunas estas, que impedem uma justa proteção do consumidor frente os fornecedores de produtos e serviços. O Código de Defesa do Consumidor tem como objeto regular relações que se constituem entre fornecedor e consumidor, a partir das necessidades sociais e das relações de bens e serviços. Tem como função proteger as relações jurídicas existentes entre consumidores e fornecedores e resolver conflitos existentes com objetivo de reduzir os abusos que podem estar submetidos. Sempre haverá relação jurídica de consumo quando um polo da relação jurídica for caracterizado como consumidor e outro como fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços. A Constituição Federal, estipula a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, inciso XXXII, Art. 5º. O Estado deve proteger o consumidor, assim determina o Código de Defesa do Consumidor. Mediante a vulnerabilidade do consumidor, que ocorre em regra nos aspectos técnico, patrimonial e jurídico, sendo essa uma característica importante da relação de consumo. Tal característica, classifica a relação como desigual. Assim, a legislação consumerista veio para estabelecer uma isonomia que faltava por instrumentos de direito material e processual visando ajudar o consumidor para que ele possa ter dignidade no mercado. Porém essa vulnerabilidade técnica é diagnosticada quando o consumidor não conhece o produto ou serviço que está adquirindo, enquanto o fornecedor conhece. 164

166 Revista de Direito da ESA Barra REFERÊNCIAS BRASIL. Anteprojeto de Lei do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: BRA- SIL. Consumidor. Disponível em: Acesso em 25 ago CARVALHO, José Carlos Maldonado. Direito do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, NUNES, Luiz Rizzatto. Comentários sobre o Código de Defesa do Consumidor: direito material, São Paulo: Saraiva STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 10 ed. São Paulo: Saraiva

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