Espetáculos de si: performance da subjetividade nos canais de Felipe Neto no Youtube
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1 Tiago Barcelos Pereira Salgado Espetáculos de si: performance da subjetividade nos canais de Felipe Neto no Youtube Belo Horizonte, setembro de 2010.
2 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA São cinco e três da manhã nesse exato momento de uma terça-feira. Eu estou sem nada pra fazer, absolutamente sem nada pra fazer e eu decidi ligar minha câmera porque eu gosto de falar com vocês, mesmo que isso signifique na verdade falar com a minha câmera [...]. Felipe Neto Desabafo e coisas da madrugada Deparar-nos com a exposição de pessoas ordinárias nos media tornou-se uma constante na contemporaneidade. Seja na televisão, em que assistimos a reality shows; ou na internet, em que nos vemos diante de webcams, blogs ou fotologs; é possível notar diferentes formas de vida que se performam nas imagens que se apresentam nesses dispositivos audiovisuais vocacionados à exposição de conteúdo intimista, à produção do foro íntimo. (BRASIL, 2010, BRUNO, 2004). Escrituras de si que nos relembram o contexto sócio-histórico dos séculos XVII e XVIII, em que os diários íntimos tinham o papel de registrar momentos privados dos sujeitos. Privacidade que decorria da destinação da subjetividade a um lugar próprio para a sua atualização, ou ainda, a um quarto próprio dentro dos lares para se ficar sozinho, consigo mesmo, fora da visão do público. Espaço que permitia o desenvolvimento e criação do eu e a experiência de si (SIBILIA, 2003, 2008). No cenário contemporâneo, observamos a retomada dessas escritas de si antes abandonadas nas últimas décadas do século XX, no que diz respeito aos diários de papel em suas versões cibernéticas, uma vez que elas se instalam no limiar da publicidade total. (SIBILIA, 2008, p.57). Esses mecanismos de construção e consumo identitário, como expõe André Lemos (2002), dão a ver a encenação do eu em um espetáculo realizado por meio de recursos performáticos que visam o olhar do outro como modo de reconhecimento, em que o que importa é ser visto. Performance entendida aqui como um jogo de relações entre os sujeitos, na medida em que mudar o corpo, performá-lo, é efetivamente subjetivá-lo, estabelecer para ele uma posição e um mundo onde habitar. (BRASIL, 2010, p.12). Em outros termos, seria a experiência da subjetividade como forma de tomar e constituir o mundo ou um mundo para si tendo o outro como autenticador dessa possibilidade. Uma vontade de falar de si e de se exibir diante da espetacularização diária da vida cotidiana. A partir desse contexto, ao pensarmos os media enquanto espaços de visibilidade, questionamos: de que maneira as imagens de caráter performático presentes nos canais de
3 Felipe Neto no Youtube 1 apresentam a espetacularização da vida e configuram um lugar prioritário à exteriorização e constituição da subjetividade? A escolha do objeto justifica-se por sua ampla visibilidade no Youtube dois canais 2 com mais de comentários, mais de inscrições e vídeos que chegam até dois milhões de visualizações. O conteúdo desses vídeos perpassa temas cotidianos, tais como a celebridade juvenil Justin Bieber, o filme Crepúsculo, o blog Vida de Garoto e políticos 3. Partimos do pressuposto de que algumas questões que reverberam a partir desses vídeos passam pela responsabilidade do indivíduo enquanto produtor de conteúdo imagético, em que a vida é sempre uma possibilidade, hoje, mais do que nunca, é o horizonte dessa possibilidade o que se investe e o que se especula. (BRASIL, 2010, p.2 grifo do autor). Assim, em uma perspectiva política, como aponta André Brasil (2010), a vida se abre enquanto potência, uma forma por se criar, uma experimentação em imagens que assumem lugares biopolíticos, como podemos perceber, inicialmente, nos vídeos que pretendemos analisar. Biopolítica que decorre do arranjo entre a vida e a sua forma. Gostaríamos de pensar, então, este lugar que o eu tem conquistado para si enquanto espaço para a sua exibição e configuração espetacular, antes escrita e inscrita em diários pessoais e, na contemporaneidade, expresso por meio de textos presentes em blogs, fotografias encontradas em fotologs e vídeos veiculados em vlogs. Interessa-nos, ainda, compreender as implicações postas durante a mediação entre os sujeitos operada por essas imagens e não apenas nos deter aos aspectos que ocasionaram tal retomada de conteúdo intimista encenado frente ao olhar do outro. Imagens que dão a construir formas de vida em si mesmas enquanto são atualizadas. Implicações da ordem da conquista de visibilidade. Tais discussões remontam a temáticas que me despertam o interesse desde a disciplina de Teorias da Imagem que cursei durante minha graduação em Comunicação Social, tais como: biopolítica, espetáculo e imagens técnicas. A isso, somam-se as reflexões em torno das imagens midiáticas proporcionadas pelo curso de especialização em Imagem e Culturas Midiáticas que realizei na UFMG. Dessa maneira, o mestrado na presente instituição me parece o locus adequado para aprofundar tais discussões e solidificar a minha formação. 1 Site fundado em fevereiro de 2005 que permite a postagem e compartilhamento de vídeos em formato digital. Felipe Neto possui dois canais no Youtube. Disponíveis em: < e < Acesso em: 12 jul Dados referentes ao dia 12 jul Vídeo mais recente, postado em 21 ago
4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E ABORDAGEM METODOLÓGICA Ao tematizar o fenômeno contemporâneo de espetacularização da vida, nos remontamos à conceituação proposta pelo sociólogo Guy Debord no livro A Sociedade do Espetáculo, escrito com o intuito de perturbar a sociedade espetacular (DEBORD, 1977, p.12). O quadro teórico proposto pela perspectiva do espetáculo auxilia nossa investigação a situar nosso objeto em um contexto de capitalismo avançado. Uma cena social e econômica que privilegia a acumulação e é marcada pela transformação de objetos e experiências em mercadorias. Disso decorre, de acordo com Debord (1977), a substituição do mundo sensível por uma seleção de imagens que se pretendem mostrar enquanto uma possível realidade. O espetáculo, portanto, não se apresenta separado da sociedade, mas sim como parte integrante dela e seu instrumento de unificação, sendo por meio dele que a sociedade se expressa em uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. (DEBORD, 1997, p.14). Ao se apropriar do conceito de espetáculo, Freire Filho (2003) aponta que a própria realidade se converteu em encenação, pensando em um sistema espetacular, em que os sujeitos podem ser designados enquanto consumidores, e para tensionarmos o objeto que pretendemos estudar, consumidores de imagens. Dentro desse mesmo prisma, André Brasil (2010) nos explicita o termo espetáculos de realidade, referindo-se ao apelo que é dado à performance, entendida, como expomos anteriormente, enquanto jogo. Ao ter essa dimensão performativa ressaltada, a imagem se percebe próxima da vida real, da vida comum. Em termos biopolíticos, podemos dizer que para além de sua função representacional, ela se torna o lugar onde formas de vida se experimentam e se inventam. (BRASIL, 2010, p.7). A imagem, ancorada na performance, nessa perspectiva, permitiria ao sujeito experimentar a si próprio e se construir durante as relações sociais que são estabelecidas por essa mediação. É nessa dimensão que gostaríamos de pensar as implicações biopolíticas que podem ser evidenciadas nos espetáculos de si presentes nos vídeos que procuramos estudar. A partir de Foucault citado por Brasil (2010), compreendemos que o homem contextualizado pela modernidade é um animal político, no sentido de que ele faz de sua vida própria uma forma de vida em que a política se institui enquanto domínio, desencadeando a potencialidade que a vida possui. Com isso, nos apropriamos dessa discussão para tentarmos entender de que maneira a vida ordinária tem se criado nos meios audiovisuais contemporâneos, mais especificamente, em vídeos na internet.
5 Os apontamentos explicitados acima nos parecem antecipar que a performance tem sido o modo como as formas de vida contemporânea tem se criado. Uma criação de ordem experimental que estabelece um trânsito entre os poderes normativos presentes na modernidade, para lembrar Foucault, e processos de auto-gestão evidenciados na sociedade dita pós-disciplinar, em que as imagens se tornam o espaço prioritário para a projeção e a experimentação. Tendo, então, como base esses pressupostos, conseguimos perceber na noção de uma sociedade espetacular, uma sociedade da imagem, evidências de que o capitalismo desloca o ser em ter e o ter em parecer, ou antes, em aparecer; pois de que valeria ter e ser se isso não pudesse ser mostrado, tornado visível e compartilhado com outros? Uma subjetividade que, ao se exteriorizar, se constitui no próprio ato de se fazer visível. (DEBORD, 1977, BRUNO; PEDRO, 2004, SIBILIA, 2008). Um novo campo de visibilidade que se instaura pelas imagens enquanto mediadoras de um processo relacional entre sujeitos sociais que nos fazem questionar quais seriam os dispositivos de operação do espetáculo na atualidade e em que medida a experiência de si foi deslocada e incorporada ao espetáculo. Para pontuar uma última questão, que ao invés de fechar pretende abrir o debate em torno de como a sociedade do espetáculo se configura hoje, recorremos a Foucault citado por Barichello e Scheid (2007) para falarmos que, em certos momentos da história, a visibilidade encarna-se em formas particulares como, por exemplo, o Panóptico, durante a modernidade as quais acreditamos, no cenário contemporâneo, estarem representadas pelos media 4. Os percursos metodológicos que nos parecerem concernentes para fazer dialogar objeto do conhecimento e objeto empírico balizam, em termos de coleta, a seleção de uma quantidade adequada de vídeos e conversações presentes nos canais de Felipe Neto no Youtube. Essa seleção visa permitir falar sobre o objeto e sua problemática dentro do projeto de pesquisa. No que diz respeito aos procedimentos analíticos, sugerimos a análise contextual (compreensão do contexto sócio-histórico no qual o objeto está inserido), análise morfológica (estrutura e forma dos canais no Youtube) e análise de conteúdo dos vídeos. Procedimentos metodológicos a serem direcionados por operadores que se tornem relevantes ao longo da pesquisa, de acordo com as temáticas: espetáculo, intimidade, performance, subjetividade e visibilidade. 4 Conferir Bruno e Pedro (2004) sobre a inversão do panoptismo, em que os indivíduos são controlados não por serem vistos, mas por estarem capturados e reféns da imagem (p.9).
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha; SCHEID, Daiane. Apontamentos sobre a construção da visibilidade das instituições na internet a partir de um cenário de midiatização da sociedade. In: E-Compós, v.10, Disponível em < index.php/e-compos/article/viewfile/207/208>. Acesso em: 12 jul BRASIL, André. Formas de vida na imagem: da inderteminação à inconstância. XIX COMPÓS. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Disponível em: < biblioteca_1511.doc> Acesso em: 12 jul BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de informação e comunicação. Revista Famecos, Porto Alegre, n.24, jul BRUNO, Fernanda; PEDRO, Rosa. Entre aparecer e ser: tecnologia, espetáculo e subjetividade contemporânea. Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v.2, n.11, p.1-16, julho/dezembro DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, FREIRE FILHO, João. A sociedade do espetáculo revisitada. Revista Famecos, Porto Alegre, v.22, p.33-45, LEMOS, André. A arte da vida: diários pessoais e webcams na internet. XI COMPÓS. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, Disponível em: < 785.PDF> Acesso em: 12 jul SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, SIBILIA, Paula. Os diários íntimos na internet e a crise da interioridade psicológica. XII COMPÓS. Recife/PE, Disponível em: < PDF> Acesso em: 12 jul
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