Comportamento Alimentar e o Adolescer

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1 72 ARTIGO ORIGINAL Juliana Kessar Cordoni 1 Juliana Bueno da Silva 2 Lígia de Fátima Nóbrega Reato 3 Nayara Catarino de Brito 4 Liliana Perazzini Furtado Mistura 5 Comportamento Alimentar e o Adolescer Eating Behavior and adolescence RESUMO Objetivo: Avaliar os comportamentos alimentares e insatisfações com a imagem corporal dos adolescentes. Métodos: Foram avaliadas as atitudes alimentares de 40 adolescentes de ambos os sexos que foram atendidos no instituto de Hebiatria da FMABC. Para tal foram aplicados questionários do tipo EAT-26 adaptado, e questionário de imagem corporal (BSQ-34). Resultados: A análise dos questionários indicou que os adolescentes tem 42% de risco de desenvolverem transtorno alimentar, 47% sendo do sexo masculino e 38% sendo do feminino. Assim como 48% dos adolescentes se preocupam com a imagem, sendo 52% do sexo feminino, e 42% do masculino. Conclusão: A incidência de transtornos alimentares em adolescentes vem aumentando, por isso ações preventivas merecem a atenção de pais, educadores, profissionais da saúde e pesquisadores. PALAVRAS-CHAVE Comportamento alimentar, imagem corporal, adolescente. ABSTRACT Objective: Assess eating behaviors and body image dissatisfaction of adolescents. Methods: Were assessed the eating attitudes of 40 adolescents of both sexes who were treated at the institute of Hebiatria at FMABC. For such, were applied adapted EAT-26 questionnaires, and body image questionnaire (BSQ-34). Results: The analysis of the questionnaires indicated that adolescents have 42% risk of developing eating disorder, 47% being male and 38% female. As 48% of teenagers have concerns about their image, 52% of female sex, and 42% male. Conclusion: The incidence of eating disorders in adolescents has increased, so preventive actions deserve the attention of parents, educators, health professionals and researchers. KEY WORDS Feeding behavior, body image, adolescent. 1 Doutoranda em Ciências da Saúde. Mestre em Ciências da Saúde. Psicóloga do Instituto de Hebiatria e docente da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André, SP, Brasil. 2 Especialista em Nutrição Clinica, Metabolismo e Prática e Terapia Nutricional pela Universidade Gama Filho (UGF), Brasil. Nutricionista do Instituto de Hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André, SP, Brasil. 3 Doutora em Pediatria pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP, Brasil. Professora Titular da disciplina de Hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André, SP, Brasil. 4 Graduação em Nutrição pelo Centro Universitário São Camilo. São Paulo, SP, Brasil. Nutricionista Residente em Atenção ao Câncer da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André, SP, Brasil. 5 Doutora e Mestre em Ciências dos Alimentos pela Universidade de São Paulo (USP). Docente no curso de Nutrição da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André, SP, Brasil. Juliana Kessar Cordoni (julianakc@hotmail.com) - Centro de Referência ao Atendimento ao Adolescente - Instituto de Hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC. Avenida Príncipe de Gales, 821, Príncipe de Gales. Santo André, SP, Brasil. CEP Recebido em 05/11/2014 Aprovado em 28/03/2015

2 Cordoni et al. COMPORTAMENTO ALIMENTAR E O ADOLESCER 73 INTRODUÇÃO A adolescência é um período que envolve a passagem da infância para a idade adulta e é marcada psicologicamente por intensos processos conflituosos e persistentes esforços de autoafirmação. Corresponde à fase de absorção dos valores sociais e elaboração de projetos que impliquem plena integração social 1. A imagem corporal exerce papel fundamental nas escolhas dos adolescentes que interfere desde a vestimenta, passando por preferências estéticas e até a habilidade de empatizar com as emoções dos outros. O processo de construção desta imagem corporal permeia a idealização do corpo perfeito e quanto mais este se distanciar do real, maior a probabilidade de conflito, o que pode comprometer a autoestima e aumentar a vulnerabilidade do adolescente 2,3, 4. A imagem corporal tem associação direta com a maturação sexual. A busca pelo corpo desejado faz com que o adolescente tenha comportamentos alimentares inadequados, que podem repercutir negativamente na percepção da imagem corporal e aumentar os ricos de apresentar transtornos alimentares podendo levar a um comprometimento da saúde e qualidade de vida 5,6. Diversos estudos apontam para uma tendência no sexo feminino a perda de peso com o aumento da idade, enquanto que o inverso é observado no sexo masculino, onde os adolescentes querem ganhar peso para ficar com um porte mais atlético 7,8. A incidência dos transtornos alimentares vem aumentando e por isso, ações preventivas merecem a atenção de pais, educadores, profissionais da saúde e pesquisadores. Os meios de comunicação são os principais veículos de atuação que nos dias atuais supervalorizam a imagem corporal aumentando a probabilidade de atitudes alimentares inadequadas 9,10. Os adolescentes cada vez mais se submetem a dietas restritivas e comportamentos de riscos, já que o desejo em alcançar o corpo idealizado vem superando a preocupação com a saúde como um todo. Assim sendo, o estudo tem como objetivo avaliar os comportamentos alimentares e preocupações com a imagem corporal de adolescentes de ambos os sexos do instituto de Hebiatria da FMABC. MÉTODOS Trata-se de um estudo com cunho qualitativo que foi realizado num Centro de Referência ao Atendimento do Adolescente Instituto de Hebiatria da Faculdade Medicina do ABC, em Santo André, SP, Brasil. De acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi elaborado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado pelos responsáveis dos adolescentes. Ressalta-se que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina ABC FMABC. A amostra constituiu-se de 40 adolescentes com idade entre dez e dezenove anos completos atendidos no Instituto de Hebiatria, no período de março a junho de Foram excluídos da pesquisa aqueles que não quiseram ou não puderam participar por desejo próprio ou dos responsáveis. Como procedimento metodológico foram aplicados os questionários EAT-26, adaptado por Cordás e Neves 11 e BSQ (Questionário de Imagem Corporal). O EAT contém 26 questões fechadas que abordam atitudes alimentares, no qual as respostas são assinaladas por uma numeração de 0 à 5 onde: nunca (0 pontos), raramente (1 ponto), às vezes (2 pontos), freqüentemente (3 pontos), muito freqüentemente (4 pontos) e sempre (5 pontos). O score igual ou superior a 20 indica indivíduos supostamente susceptíveis ao desenvolvimento de transtornos alimentares. O Questionário de Imagem Corporal (Body Shape Questionnaire BSQ) é constituído de 34 itens autopreenchíveis construído para mensurar a preocupação com a forma corporal e com o peso nas últimas quatro semanas.

3 74 COMPORTAMENTO ALIMENTAR E O ADOLESCER Cordoni et al. RESULTADOS Foram analisadas as respostas de 40 adolescentes sendo, 21 meninas e 19 meninos, como mostra tabela 1 abaixo. Segundo a classificação de EAT-26, quando comparado entre os gêneros, as meninas possuíam mais risco para transtornos alimentares do que os meninos (Tabela 1). Em relação a classificação de BSQ, as meninas são mais preocupadas quando comparadas com os meninos (Tabela 2). Os adolescentes foram submetidos a aplicação dos dois questionários, porém, os que apresentavam risco para transtorno alimentar não necessariamente apresentavam preocupação com a imagem corporal e vice e versa. Dentre os pacientes que apresentaram risco para transtorno alimentar, somente 11 apresentavam preocupação com a imagem corporal, sendo 04 levemente preocupados, 04 moderadamente preocupados e 03 extremamente preocupados. Tabela 1. Classificação das respostas dos adolescentes segundo o questionário EAT-26. Meninos Meninas n % n % Sem risco para transtorno alimentar 09 47, ,1 Com risco para transtorno alimentar 10 52, ,9 Total % % Tabela 2. Classificação das respostas dos adolescentes segundo o questionário BSQ. Meninos Meninas n % n % Não preocupado com a imagem corporal 11 57, ,6 Levemente preocupado com a imagem corporal 03 15, ,6 Moderadamente preocupado com a imagem corporal 04 21,1 02 9,5 Extremamente preocupado com a imagem corporal 01 5, ,3 DISCUSSÃO A prevalência de risco para transtorno alimentar entre as meninas e meninos no presente estudo foi de 42,9% e 52,65 respectivamente. Esses valores são superiores aos encontrados em estudos nacionais e internacionais que utilizaram a escala EAT 13,14,15,. Há apenas dois outros estudos nacionais realizados na região sudeste que utilizaram o questionário EAT-26, um no Rio de Janeiro e outro em Belo Horizonte. O estudo realizado com estudantes de uma escola privada do Rio de Janeiro observou que 80% dos adolescentes não apresentavam risco para desenvolver transtorno alimentar. Analisando separadamente cada gênero, 20,5% das meninas apresentavam risco para transtorno alimentar e 12,5% dos meninos apresentam esse risco 16. Beling et al. (2002) avaliaram estudantes do gênero feminino matriculados no primeiro ano do ensino médio de Belo Horizonte, e encontraram que 49,3% estavam satisfeita com a imagem corporal, 23,5% eram levemente preocupadas, 18,4% moderadamente preocupadas e 8,8% severamente preocupadas 19. Embora apresentem percentuais menores, esses dados corroboram com o presente estudo onde observa-se que as meninas apresentam maior risco para o desenvolvimento de transtorno alimentar.

4 Cordoni et al. COMPORTAMENTO ALIMENTAR E O ADOLESCER 75 Dois outros trabalhos com metodologias semelhantes foram realizados na região sul do Brasil onde também encontraram resultados semelhantes ao presente estudo. Silva et al. (2008) analisaram estudantes de ambos os gêneros do ensino médio de um colégio estadual de uma cidade do interior do Paraná, e encontraram risco para transtorno alimentar em 10,1% dos adolescentes estudados 17. No Rio Grande do Sul, um estudo com estudantes do ensino médio encontrou que 76,5% das meninas e 92,3% dos meninos estavam satisfeitos com a imagem corporal. Foi obtido 16,9% de insatisfação com a imagem corporal, onde 11,5% de preocupação leve, 3,6% preocupação moderada e 1,8% de preocupação severa entre os dois sexos 18. Os resultados de ambos os estudos foram menores do que o encontrado no presente estudo, que obteve dados alarmantes de preocupação de imagem corporal em ambos os gêneros. CONCLUSÃO A incidência de transtornos alimentares em adolescentes vem aumentando por um conjunto de fatores determinantes que envolvem a mídia, situação no âmbito familiar, escolar e as características da própria adolescência. O presente estudo evidenciou um alto nível de risco para transtorno alimentar e preocupação com a imagem corporal entre os adolescentes atendidos no Instituto de Hebiatria, assim como em outros estudos realizados no Brasil, o que pode levar a adoção de hábitos alimentares inadequados e consequentemente levar a prejuízos na saúde. Torna-se primordial e urgente o desenvolvimento de programas com os adolescentes e seus familiares que propõem melhorar os hábitos de vida e que visem melhorar a aceitação corporal. Esses programas merecem atenção de pais, educadores, profissionais de saúde e pesquisadores. REFERÊNCIAS 1. Contini MLJ, coordenador. Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Psicologia; Castilho SM. A imagem corporal. Santo André, SP: Editora ESETec Editores Associados; Frois E, Moreira J, Stengel M. Mídias e a imagem corporal na adolescência: o corpo em discussão. Psicol Estud. 2011;16(1): Chipkevitch E. O adolescente e o corpo. Pediatr Mod. 1987;22(6/7): Scherer FC, Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Imagem corporal em adolescentes: associação com a maturação sexual e sintomas de transtornos alimentares. J Bras Psiquiatr. 2010;59(3): Conti MA, Gambardella AMD, Frutuoso MFP. Insatisfação com a imagem corporal em adolescentes e sua relação com a maturação sexual. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2005;15(2): Fleitlich BW, Larino MA, Cobelo A, Cordás TA. Anorexia nervosa na adolescência. J Pediatr. 2000;76 (Supl 3):S Vilela JEM, Lamounier JA, Oliveira RG, Ribeiro RQC, Gomes ELC, Barros Neto JR. Avaliação do comportamento alimentar em crianças e adolescentes de Belo Horizonte. Psiquiatr Biol. 2001;9(3): Chiodini JS, Oliveira MRM. Comportamento alimentar de adolescentes: aplicação do eat-26 em uma escola pública. Saude Rev. 2003;5(9): Oliveira CL, Fisberg M. Obesidade na infância e adolescência uma verdadeira epidemia. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003;47(2): Cordás TA, Neves JEP. Escalas de avaliação de transtornos alimentares. Rev Psiquiatr Clín. 1999;1(26): Di Pietro M, Silveira DX. Internal validity, dimensionality and performance of the Body Shape Questionnaire in a group of Brazilian college students. Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(1):21-4.

5 76 COMPORTAMENTO ALIMENTAR E O ADOLESCER Cordoni et al. 13. Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2010;32(1): Silva SR, Costa DF, Navarro AC. Quantificação de sintomas de transtornos alimentares em adolescentes entre 15 e 19 anos de escolas estatais e particulares da cidade de Santa Cruz do Capibaribe-PE. Rev Bras Obesidade Nutr Emagrec. [Internet] [citado 2014 Set 10];3(14): Disponível em: rbone.com.br/index.php/rbone/article/viewfile/140/ Ballester FGBM, Patiño MJ, Suñol GC, Ferrer AM. Eating attitudes and body satisfaction in adolescents: a prevalence study. Actas Esp Psiquiatr. 2002;30(4): Penteado CPG, Oliveira JS, Teixeira MT, Chaves R, Costa CL. Avaliação do perfil nutricional de adolescentes com risco para transtornos alimentares. Adolesc Saude. 2012;9(3): Silva GR, Cruz NR, Coelho EJB. Perfil nutricional, consumo alimentar e prevalência de sintomas de anorexia e bulimia nervosa em adolescentes de uma escola da rede pública no município de Ipatinga, MG. Rev Dig Nutr. [Internet] [citado 2014 Set 10];2(3):1-15. Disponível em: nutrirgerais/downloads/artigos/volume3/artigo_4_rng_perfil_nutricional.pdf 18. Iepsen AM, Silva MC. Prevalência e fatores associados à insatisfação com a imagem corporal de adolescentes de escola do ensino médio da zona rural da região sul do Rio Grande do Sul, Epidemiol Serv Saude. 2014;23(2): Beling MTC, Ferreira MFR, Araujo AMM, Barros AFS, Beling G, Lamounier JA. Alterações na imagem corporal entre adolescentes do sexo feminino e fatores associados. Adolesc Saude. 2012;9(4):11-8.