OITAVA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº VITOR RIBEIRO DA SILVA MINISTÉRIO PÚBLICO

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1 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº Apte.: Apdo: VITOR RIBEIRO DA SIVA MINISTÉRIO PÚBICO APEAÇÃO CRIMINA. PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO DE SÉRIE SUPRIMIDA. RECURSO DEFENSIVO AMEJANDO A ABSOVIÇÃO POR ATIPIA OBJETIVA DA CONDUTA, EM RAZÃO DE ESTAR A ARMA DESMUNICIADA E DEFEITUOSA. SUBSIDIARIAMENTE, DESEJA A ATERAÇÃO DA MODAIDADE DE UMA DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. O recorrente foi denunciado pela realização das condutas comportamentais descritas nos artigos 33 c/c 40, IV, da ei /06, art. 16, IV, da ei /03 e art. 1º, da ei 2.252/54. Sobreveio condenação apenas quanto ao delito do Estatuto do Desarmamento, com absolvição quanto aos demais. Procede a pretensão absolutória. O laudo de exame de arma de fogo acostado à fl. 152 atesta que a arma de fogo apreendida em poder do recorrente não possui condições de efetuar disparos, devido à avarias no sistema disparador. A particularidade da ineficácia da arma apontada no laudo do expert, que

2 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº não se confunde com arma desmuniciada, afasta a tipicidade da conduta. Isso porque, uma arma ineficaz, danificada, quebrada, em contato com munição, não poderá produzir disparos, não passando, portanto, de um mero pedaço de metal, hipótese diversa de uma arma sem munição, porém apta a produzir disparo. (STJ- AG GO - MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA). Na lição de Claus ROXIN: Segundo o princípio da lesividade, só pode ser penalizado aquele comportamento que lesione direitos de outrem e que não seja apenas um comportamento pecaminoso ou imoral. A doutrina nacional não discrepa de tal corrente, merecendo destaque a lição de FERNANDO CAPEZ, que aponta, ainda, a atipicidade pela ocorrência do crime impossível. Arma totalmente inapta a disparar não é arma, caracterizando-se a hipótese de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. Fato atípico, portanto, nos termos do art. 17 do CP, assim também ministram NUCCI e DEMANTO. Não convence, sequer seduz o relator o fato de uma arma inapta a produção de disparos poder ser utilizada para realização de outros delitos, v.g.

3 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº para a configuração da grave ameaça no delito de roubo. Ora, uma faca também pode ser utilizada para a consecução da grave ameaça, até mesmo uma pedra ou um caco de vidro e nem por isso, tais instrumentos portados isoladamente constituem crime. É de se fazer tal afirmação porque a arma defeituosa se assemelha a tais instrumentos. A eventual consideração da conduta de portar arma incapaz de produzir disparos é fato perigoso a possibilitar a criminalização de um indivíduo portando uma arma sem gatilho, ou apenas a sua coronha ou o cano. Nesta toada, outra conclusão não sobressai, senão no sentido de que arma de fogo pressupõe artefato destinado e capaz de ferir ou matar, de maneira que não há crime no porte de arma, acessório ou munição, ineficaz, quebrado ou obsoleto, razão pela qual a absolvição é medida que se impõe. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, para absolver o recorrente, com fulcro no art. 386, III, do CPP.

4 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.º , em que figura como Apelante VITOR RIBEIRO DA SIVA e Apelado o MINISTÉRIO PÚBICO, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Colenda Oitava Câmara Criminal, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, para absolver o recorrente, com fulcro no art. 386, III, do CPP. V O T O Assiste razão à defesa ao pretender a absolvição do recorrente, não propriamente em razão da arma estar desmuniciada, eis que tal fato não afasta a tipicidade da conduta, mas pelo fato da arma não possuir condições de efetuar disparos. Ao que revelam os autos, o recorrente foi denunciado pela realização das condutas comportamentais descritas nos artigos 33 c/c 40, IV, da ei /06, art. 16, IV, da ei /03 e art. 1º, da ei

5 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº /54, sobrevindo condenação apenas quanto ao delito do Estatuto do Desarmamento, com absolvição quanto aos demais. O laudo de exame de arma de fogo acostado à fl. 152 atesta que a arma de fogo apreendida em poder do recorrente não possui condições de efetuar disparos, devido à avarias no sistema disparador. Ora, a particularidade da ineficácia da arma apontada no laudo do expert, que não se confunde com arma sem munição, afasta a tipicidade da conduta, isso porque, uma arma desmuniciada em conjunto com munição, torna-se apta a realizar disparos; entretanto, uma arma ineficaz, danificada, quebrada, em contato com munição, não poderá produzir disparos, não passando, portanto, de um mero pedaço de metal. (STJ- AG GO - MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA). Nesse sentido: PENA E PROCESSO PENA. AGRAVOS REGIMENTAIS NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AFRONTA AO ART. 14, CAPUT,

6 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº DA EI Nº /03. CRIME DE PORTE IEGA DE ARMA DE FOGO. AUDO PERICIA. ARMA DE FOGO CONSIDERADA INEFICAZ. AUSÊNCIA DE POTENCIAIDADE ESIVA. ABSOVIÇÃO MANTIDA. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Uma vez existente laudo pericial comprovando a total ineficácia da arma de fogo apreendida, mantém-se o acórdão absolutório, pela atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de potencialidade lesiva do instrumento. 2. Agravos regimentais a que se nega provimento. (AgRg no Ag /GO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 30/05/2012) HABEAS CORPUS. PORTE IEGA DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO. PERÍCIA. ARMA CONSIDERADA ABSOUTAMENTE INEFICAZ. AUSÊNCIA DE POTENCIAIDADE ESIVA. 1. De

7 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº acordo com o entendimento firmado no âmbito da Sexta Turma, para se ter por configurada a tipicidade material do porte ilegal de arma de fogo, necessária a comprovação da eficiência do instrumento, isto é, a sua potencialidade lesiva. 2. No caso, a arma de fogo, apreendida e submetida a perícia, era inapta à produção de disparos. 3. Em relação às munições de uso restrito, conquanto aprovadas no teste de eficiência, não ofereceram perigo concreto de lesão, já que a arma de fogo apreendida, além de ineficiente, era de calibre distinto. 4. Se este órgão fracionário tem proclamado que a conduta de quem porta arma de fogo desmuniciada é atípica, quanto mais a de quem leva consigo munição sem arma adequada ao alcance. 5. Ordem concedida. (HC /RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 18/06/2012)

8 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº HABEAS CORPUS. PORTE IEGA DE ARMA. PERÍCIA. ARMA CONSIDERADA ABSOUTAMENTE INEFICAZ. AUSÊNCIA DE POTENCIAIDADE ESIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CONSTRANGIMENTO IEGA EVIDENCIADO. 1. De acordo com o entendimento firmado no âmbito desta Sexta Turma, tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária que a arma seja eficaz, vale dizer, tenha potencialidade lesiva. 2. No caso, a arma foi apreendida e periciada. Entretanto, o laudo técnico apontou a sua total ineficácia, vale dizer, descartou, por completo, a sua potencialidade lesiva. 5. Ordem concedida para absolver o paciente do crime de porte ilegal de arma de fogo. (HC /ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 25/10/2010)

9 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº PENA. AGRAVO REGIMENTA EM RECURSO ESPECIA. PORTE IEGA DE ARMA DE FOGO. EFICIÊNCIA DA ARMA. NECESSIDADE DE PERÍCIA. 1. Com a ressalva do ponto de vista do relator, a Sexta Turma, modificando entendimento anterior, firmou a compreensão de que, em se tratando de crime de porte de arma de fogo, se faz necessária a comprovação da potencialidade do instrumento, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp /RS, Rel. Ministro HARODO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 25/10/2010)

10 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº Neste Egrégio Tribunal de Justiça, há antológico aresto lavrado pela eminente Desembargadora Renata Machado Cotta, proferido na Apelação Criminal n.º , cuja ementa merece ser rememorada: DES. RENATA COTTA - Julgamento: 08/05/ SEXTA CAMARA CRIMINA APEAÇÃO. CRIME DE PORTE IRREGUAR DE ARMA DE FOGO DEFEITUOSA. AUDO PERICIA QUE ATESTA A INCAPACIDADE DA ARMA DE PRODUZIR DISPAROS. FATO ATÍPICO. ABSOVIÇÃO QUE SE MANTÉM. A arma de fogo inapta a efetuar disparos não será considerada arma para efeito dos crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, equiparando-se às armas obsoletas, dada a inexistência de potencialidade ofensiva. A exigência de realização de perícia justifica-se exatamente pelo fato de que se o artefato não for capaz de efetuar disparos não é arma de fogo, não havendo que se falar na conduta típica de porte ilegal de arma de fogo. O

11 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº problema não é o da inexistência do perigo concreto, exigência que a lei não fez, mas o da impossibilidade de se conceituar o objeto como arma de fogo. Somente é considerado como arma de fogo o engenho mecânico que cumpre a função de efetuar disparos. O laudo pericial acostado atesta que a arma apreendida com o réu não apresenta capacidade para produzir disparo. Sendo assim, como a arma sem poder vulnerante não é capaz de incrementar o risco de violência nos moldes que a lei quer evitar, não há que se falar em relevância penal do fato, mostrando-se correta a absolvição. Desprovimento do recurso. que: Não menos brilhante é o voto de sua Excelência, ao asseverar Segundo o princípio da lesividade, só pode ser penalizado aquele comportamento que lesione direitos de outrem e que não seja apenas um

12 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº comportamento pecaminoso ou imoral (ROXIN, Claus. Iniciación al derecho penal de hoy, trad. F. Muñoz Conde e D. M. uzón-peña. Sevilha: Ed. Universidade de Sevilha, 1981). As condutas puramente internas ou individuais, que se caracterizem por serem escandalosas, imorais, esdrúxulas ou pecaminosas, mas que não afetem nenhum bem jurídico tutelado pelo Estado não possuem a lesividade necessária para legitimar a intervenção penal. A despeito de opiniões em sentido contrário, certo é que não se pode falar em lesividade na conduta de portar arma de fogo defeituosa. É bem verdade que, segundo a melhor doutrina e entendimento jurisprudencial dominante, o porte ilegal de arma de fogo é crime de perigo abstrato. Os crimes de perigo abstrato são aqueles em que não é necessária a comprovação do perigo ao bem jurídico tutelado, in casu, a segurança pública, uma vez que o perigo decorre de uma presunção juris et de jure. Essa interpretação inclusive coaduna-se perfeitamente com o espírito

13 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº que ensejou a edição do Estatuto do Desarmamento (ei /2003). Constatando que inúmeros delitos, e muitas vezes acidentes, eram ocasionados pela disponibilidade de uma arma de fogo, o legislador achou por bem dar tratamento mais severo àqueles que desobedecessem às disposições legais e regulamentares quanto à aquisição, porte, posse e venda de armas de fogo. Nesse passo, quando a arma de fogo encontra-se desmuniciada é manifesta a potencialidade lesiva da conduta, pois se trata de crime que não depende da ocorrência de nenhum efetivo prejuízo para a sociedade ou para qualquer pessoa. Ocorre, porém, que na hipótese dos autos a arma não possuía capacidade de produzir disparos e, portanto, não se trata tecnicamente uma arma de fogo. A doutrina não discrepa de tal corrente, merecendo destaque a lição de FERNANDO CAPEZ, que assevera que Arma totalmente inapta a disparar não é arma, caracterizando-se a hipótese de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. Fato atípico,

14 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº portanto, nos termos do art. 17 do CP (CAPEZ, Fernando. Estatuto do Desarmamento - Comentários à ei n , de , 4ª edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2006, p.71) Assim também ministram NUCCI e DEMANTO. "Arma quebrada e inapta a qualquer disparo: não é crime. Carregar uma arma desmuniciada é algo diverso de ter consigo arma completamente inapta a produzir disparo, afinal, cuida-se de delito impossível, a segurança pública não corre risco nesse caso; nem argumentemos com o fato de uma arma quebrada poder intimidar alguém, em caso de roubo, pois arma de brinquedo também pode e isso não significa ser figura enquadrável no art. 14 desta ei". (NUCCI, Guilherme de Souza. eis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo, Editora RT, 2010, p. 92).

15 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº "Arma inapta, munição estragada, acessório inútil: (...) Em nossa opinião, embora se trate de crime formal, o delito deste art. 14 requer, para sua configuração, a ocorrência de lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado (resultado jurídico ou normativo). Daí porque a apreensão de arma de fogo inapta ao disparo, como no caso de relíquias ou antiguidades, não configura o crime. Igualmente, a apreensão de munição estragada ou de acessório inútil". (DEMANTO, Roberto; DEMANTO JÚNIOR, Roberto; DEMANTO, Fábio Machado de Almeida. eis Penais Especiais. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2006, p. 638/639). Não convence, sequer seduz o relator o fato de uma arma inapta a produção de disparos poder ser utilizada para realização de outros delitos, v.g. para a configuração da grave ameaça no delito de roubo. Ora, uma faca também pode ser utilizada para a consecução da grave ameaça, até mesmo uma pedra, um caco de vidro e nem por isso, tais instrumentos portados isoladamente constituem crime. É de se fazer

16 OITAVA CÂMARA CRIMINA APEAÇÃO CRIMINA Nº tal afirmação porque a arma defeituosa se assemelha a instrumentos como aqueles. A eventual consideração da conduta de portar arma incapaz de produzir disparos é fato perigoso a possibilitar a criminalização de um indivíduo portando uma arma sem gatilho ou apenas a sua coronha. Neste contexto, outra conclusão não sobressai, senão no sentido de que arma de fogo pressupõe artefato destinado e capaz de ferir ou matar, de maneira que não há crime no porte de arma, acessório ou munição, ineficaz, quebrado ou obsoleto, razão pela qual a absolvição é medida que se impõe. À conta de tais considerações, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento, para absolver o recorrente, com fulcro no art. 386, III, do CPP, ante à atipicidade da conduta. Rio de Janeiro, 06 de março de GIMAR AUGUSTO TEIXEIRA Desembargador Relator