A Mulher Profissional Brasileira: Preconceitos.

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1 Sobre gênero e preconceitos: Estudos em análise crítica do discurso. ST 2 Astrid Nilsson Sgarbieri PUC-Campinas Palavras-chave: Discurso, preconceito, mídia. A Mulher Profissional Brasileira: Preconceitos. A presente pesquisa propõe uma reflexão sobre a representação da mulher profissional brasileira na mídia impressa tomando como corpus manchetes e artigos publicados em revistas de circulação nacional que retratam a posição ocupada por ela na sociedade contemporânea e sua evolução desde os anos 90. A fundamentação teórica segue a abordagem interdisciplinar e crítica do discurso (Análise do Discurso Crítica) proposta por Fairclough (1992), atualizada, revista e posteriormente re-pensada por Chouliaraki e Fairclough (1999) e por van Dijk (1990, 1993 a,b) que tem como premissa a percepção do discurso (linguagem e outras formas de semioses) como elemento de práticas sociais que leva em consideração a relação contexto sócio-político e ideológico da sociedade onde os textos são produzidos. Ao pensarmos em multidisciplinaridade vale lembrar a importância de uma abordagem triangular que permite observar aspectos sociais, cognitivos e discursivos da manipulação representada na mídia impressa. A dimensão social da manipulação pode ser avaliada de várias formas, dentre elas abuso do poder pelas elites simbólicas que têm acesso preferencial ao discurso público, e que manipulam grupos de pessoas em seu próprio interesse. Vale lembrar que o discurso, à medida que alimenta a nossa memória discursiva, fornece representações que funcionam como chaves para compreensão de diferentes discursos e textos. Nesse contexto os processos cognitivos de manipulação pré-supõe que a nossa memória de longo termo não apenas armazena experiências pessoais subjetivamente interpretadas como os modelos mentais, mas também crenças gerais compartilhadas que podem ser denominadas representações sociais. Nosso conhecimento sociocultural está no centro dessas crenças, e permite que ajamos e nos comuniquemos de maneira significativa e adequada com os membros da nossa cultura. Essas representações mentais são adquiridas gradualmente podendo sofrer alterações no decorrer de nossa vida. Embora a manipulação possa afetar, de forma concreta, a formação ou mudança dos modelos pessoais, as metas gerais do discurso de manipulação são: o controle das representações sociais compartilhadas de grupos de pessoas, pois controlam o que falamos escrevemos e compreendemos.

2 Inserido nesse contexto geral de preconceito e manipulação, ressaltamos que as mulheres brasileiras foram, durante muito tempo, educadas para as atividades do lar e quando qualificadas buscam espaços na economia formal enfrentam preconceitos e discriminação. Embora atualmente um percentual significativo da força de trabalho no Brasil seja composto de mulheres sabemos que um grande número delas ainda atua no setor informal. Segundo van Dijk (1995), a análise do discurso crítica uso da língua como uma forma de prática social, implica uma relação entre um evento discursivo particular (discurso irônico) e a situação, instituição e estrutura social em que se insere. Dessa forma, podemos dizer que o discurso, socialmente construído e condicionado, permite observar a relação entre a sociedade de um modo geral, a reprodução de ideologias, modelos e scripts. É importante lembrar que a idéia de que todas as ironias são intencionais, parte do pressuposto de que as mesmas são estratégias cuidadosamente elaboradas pelos autores com base em objetivos ditados por circunstâncias. Embora os objetivos possam variar segundo a época, o local e os interlocutores, isso não exclui a necessidade do planejamento apurado. Para que o leitor localize a ironia nos enunciados é necessário que haja um conjunto de condições compartilhadas entre o ironista e seus ouvintes/leitores/vítimas. O conhecimento de mundo partilhado pelos escritor/leitor permite observar mudanças em nossa sociedade em relação à mulher/esposa e profissional do final do sex.xx e início deste século. É importante lembrar que a análise de elementos lingüísticos é essencial para observarmos a ironia, uma figura de retórica intencional largamente utilizada para dissimular o discurso, e, também, uma das estratégias utilizadas na mídia para apresentar ao leitor uma situação que está intimamente ligada a ideologia da sociedade. Em julho de 1996 a revista Veja publicou um texto assinado por Jô Soares intitulado Pequeno manual da Rainha do lar ou o sonho de um marido machista que permite observar, através da ironia, a construção de diferentes sentidos e a inserção desses no momento de sua produção. No último parágrafo do artigo, que é um receituário para a esposa ou Rainha do lar manter um casamento perfeito, Jô avisa: Note bem. Nada dessas coisas terá valor se, além de Rainha do lar, você não exercer uma profissão liberal ou de executiva, trabalhando pelo menos oito horas por dia e ganhando, no mínimo, o dobro do seu marido machista. Em diversos momentos a ironia utilizada pelo autor para aconselhar a mulher/esposa e a profissional reflete o pensamento da sociedade na época em que o artigo foi escrito. Em relação ao setor formal da economia,observa-se que, na década de 90, aumentou a parcela de mulheres assalariadas, movimento associado à expansão dos empregos no setor de serviços, em paralelo à retração do emprego masculino, em especial no setor industrial.

3 Homens e mulheres têm, ao longo de todo ciclo de vida, comportamento inteiramente diferenciados ante o mundo do trabalho. A começar pela luta para sair de casa e se inserir no mercado de trabalho, que exigiu e exige da mulher a transposição de inúmeros obstáculos e a convivência com diversas dificuldades associadas às responsabilidades domésticas e socializadoras desempenhadas por ela. A atividade produtiva evoluiu de forma significativa na humanidade. Se antes éramos nômades, em busca do alimento diário com utensílios bastante simples, hoje além de não sermos mais nômades produzimos o alimento necessário e mais uma infinidade de bens e serviços que satisfazem muito além das necessidades biológicas. Essas necessidades são relativas ao grau de evolução da civilização e das muitas comodidades que vieram com ela. A energia vinda do homem e do animal passou a ser substituída pela energia do petróleo, do carvão e da eletricidade. O atributo da força física do trabalhador perdeu espaço para a capacidade de aprendizado e gerenciamento. A grande vantagem do homem sobre a mulher passou, então, a ser cada vez menor. É claro que séculos de vantagem fincaram raízes na sociedade e se propagam até hoje. O fato é que cada vez mais as mulheres ocupam espaços antes restritos aos homens em profissões e cargos onde não havia representantes do tal sexo frágil. As lutas pela igualdade dos sexos somente puderam obter sucesso porque o argumento da capacidade de produzir caiu por terra. Não haveria protestos capazes de mudar a sociedade e seus paradigmas se as mulheres não provassem que são trabalhadoras tão produtivas e muitas vezes melhores que os homens como ocorreu ao longo do século XX. Este novo despertar permitiu que a mulher saísse do lar e da tutela de um homem, seja ele pai ou marido, para conquistar a liberdade que veio com a capacidade de gerar renda com o fruto de seu trabalho e a de competir no mercado de trabalho, mas isto não basta para explicar a importância do trabalho feminino. O trabalho representa o poder de escolha que por muito tempo foi exclusivo do homem. Este poder permite hoje que muitas famílias sejam chefiadas por mulheres e que até o novo código civil reconheça esta evolução. A revista Meio e Mensagem de 06 de março de 2006 traz s seguinte manchete na capa: Com o poder nas mãos e na bolsa, as mulheres chegam com freqüência cada vez mais às latas esferas do poder público e às corporações. Assumem a presidência de países e de empresas com competência e entendem que suas qualidades femininas ajudam e muito no exercício da função. Consumidoras exigentes, também querem se sentir lindas e saudáveis em tempo integral.

4 Fazendo uma retrospectiva citamos o número especial de 1994 da revista Veja que pode ser considerado um marco na representação da mulher profissional na mídia trazendo na capa Mulheres a grande mudança no Brasil. Os artigos sobre o assunto tratam da longa marcha e luta que a mulher, de um modo geral, tem enfrentado para ser confirmada, aceita e respeitada como profissional num mercado de trabalho muitas vezes dominado pelo homem. Essa edição já aponta para uma conscientização da sociedade face às dificuldades enfrentadas pela mulher profissional. Em 1995, a capa da mesma revista trouxe Mamãe Coragem que representa mais um passo na conquista de um espaço da mulher profissional. O título do artigo que trata do assunto apresentado na capa é: Mamãe sabe tudo e aborda vários aspectos da vida da mulher profissional e mãe de família, com os sustos e dificuldades que ela enfrenta para se estabelecer e dar a volta por cima. Em 1996 a revista Exame trouxe na capa a pergunta Carreira x Casamento. É possível ser bem sucedido em ambos?. O artigo compara o casamento com a anedota do cobertor curto: você puxa aqui e falta ali...se todo casamento é de delicada administração, quando ambos são executivos passa a ser muito mais difícil.... O questionamento conclui que o desafio de tal administração vem sendo superado com sucesso mas, lentamente. A resposta a esse questionamento é apresentada em artigo publicado pela revista Veja de junho de 2006 cuja manchete é: Pesquisa feita em grandes cidades conclui que a mulher que trabalha fora e cuida da casa é menos sujeita a stress. O texto enfatiza a satisfação feminina em exercer várias funções. Em 1997 a capa da mesma revista trouxe novo questionamento Mulher é melhor que homem? O jeito feminino de administrar está sendo mais valorizado do que nunca pelas empresas. Problemas para os homens? O artigo que trata do assunto termina afirmando: No futuro, o mais provável será a combinação do jeito feminino com os valores tradicionais da competição. A revista Veja de fevereiro de 1998 trouxe na capa a manchete Os homens que se cuidem! As mulheres estão avançando sobre os melhores cargos. Observamos a preocupação dos homens com relação ao bom desempenho profissional das mulheres. Em abril de 1999 a revista Exame trouxe na capa: As mulheres de negócio mais interessantes do Brasil. Esta manchete e reportagem que trata do assunto podem ser classificadas de irônicas: Poderosa! Ela é de ferro. Mas chora. A revista Época de março de 2000 trouxe na capa Mulheres as conquistas que mudaram o universo feminino sendo a manchete do artigo: Brasil feminino e plural. O país de 80 milhões de mulheres equilibra-se entre a ânsia do poder e a sede de auto-estima. O artigo apresenta mulheres

5 que têm posição de destaque em indústrias e as que atuam no âmbito da política, dentre elas- Roseana Sarney, Luiza Erundina e Marta Suplicy. Em novembro do mesmo ano a revista Veja trouxe na capa a seguinte manchete: Elas venceram!. No Brasil já há mais mulheres médicas e advogadas do que homens. Elas ficam com a maioria dos novos empregos no país. Ganharam a prefeitura em seis capitais. O salário delas cresce num ritmo mais rápido que o dos homens. Uma delas acaba de ser indicada para o Supremo Tribunal. O exemplo deixa claro haver mudanças nas posições que as mulheres estão ocupando no mercado de trabalho e sua representação na mídia escrita. Se nos primeiros exemplos citados havia um tom irônico, agora podemos observar um tom assertivo e até mesmo de respeito. A mesma revista em 22 de março de 2006 elogia a eleição e enaltece as qualidades de Ellen Gracie Northfleet, primeira mulher presidente do Supremo Tribunal Federal. A revista Exame de 2001 trouxe na capa as perguntas: Até onde as mulheres conseguem chegar? A participação feminina no mercado de trabalho explodiu. Estudos mostram que elas têm melhor desempenho em carreiras executivas. O futuro parece ser cor-de-rosa. Então porque tão poucas atingem cargos de comando nas empresas? Esse questionamento feito pela revista é respondido em 2005 pela revista Vida Executiva em artigo cuja manchete é: A dona do dinheiro que trata da carreira da brasileira executiva vice-presidente do Bank Boston considerada a mulher mais poderosa do sistema financeiro. Quanto ao nível de escolaridade da mulher, que acreditamos ser fundamental para competir, em nível de igualdade com o homem, no mercado de trabalho cada vez mais meritocrático, citamos, a seguir, o resultado de pesquisa recente feita pelo Ministério da Educação: Total de mulheres com doutorado cresce 104%. Pesquisa revela que de 1996 a 2003, a participação do sexo feminino em todos os níveis de educação cresceu mais do que o masculino. O texto da manchete do jornal O Estado de São Paulo de março de 2005 que trouxe artigo intitulado Participação da mulher no mercado de trabalho bate recorde afirma que a escolaridade leva brasileiras ao topo de empresas. A média brasileira de mulheres com cargos de administração e gerência em empresas chega a 44%, uma das mais altas taxas do mundo e bem acima da registrada no restante da América Latina. Conclusão Não há como negar que as mulheres ainda enfrentam adversidades no mercado de trabalho, porém, nos últimos anos as pesquisa estruturais têm mostrado uma participação mais efetiva das

6 mesmas. Este fenômeno tem sido explicado, de um lado, pela esfera social que aponta mudanças nos papéis sociais de homens e mulheres na sociedade e, de outro, do ponto de vista econômico, que ressalta o crescimento da participação do rendimento das mulheres e cônjuges no orçamento familiar. Com efeito, cada vez mais as mulheres têm sido responsáveis pelo sustento da família, além das tradicionais atividades domésticas. Neste sentido, a entrada das mulheres no mercado de trabalho tem sido um importante aspecto para avaliação do desenvolvimento socioeconômico em termos de autonomia e empowerment. A abordagem triangular de análise permitiu observar um processos de evolução na representação da mulher na mídia impressa desde o receituário de Jô Soares, passando pela manchete Mamãe Coragem até o artigo que enaltece a primeira mulher a ocupar a presidência do Supremo Tribunal Federal de nosso país. Os exemplos citados apontam, também, para mudanças na sociedade brasileira, de um modo geral, num processo on line de avanços e retrocessos. Bibliografia CHOULIARAKI, L. e FAIRCLOUGH, N. Discourse in Late Modernity. Rethinking Critical Discourse Analysis. Edinburgh University Press FAIRCLOUGH, N. Critical Language Awarness. London: Longman van DIJK, T.A. Social Cognition and Discourse. (in) H. Giles and P. Robinson (eds.) Handbook of Language and Social Cognition. London Chichester: Wiley. 1990: van DIJK, T.A. Discourse and Elite Racism. London: Sage. 1993a. van DIJK, T.A. Principles of critical discourse analysis. Discourse and Society,4 (2). London:Sage, 1993b: Van DIJK, T.A. Discourse semantics and ideology. Discourse and Society,5(2). London: Sage, 1995: