PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Seção Cível de Direito Público

Transcrição

1 fls. 1 1 Classe : Mandado de Segurança nº Foro de Origem : Salvador Órgão : Relator : Des. Baltazar Miranda Saraiva Impetrante : Sindsec Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Camaçari Advogado : José Neres dos Santos (OAB: 33638/BA) Impetrado : Prefeito Municipal de Camaçari Assunto : Liminar DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO, com pedido de liminar, impetrado pelo SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE CAMAÇARI SINDSEC, em favor de seus associados, contra ato dito ilegal do Prefeito do Município de Camaçari, ADEMAR DELGADO DAS CHAGAS, pontuando que, estando a categoria em legítima greve, o Impetrado determinou o corte de pontos e salários dos servidores em greve, conforme contracheques que colaciona. Alega que está em curso, perante a Seção Cível de Direito Público, deste Tribunal, a Ação Ordinária de nº , cujo objeto é o processamento e julgamento da greve envolvendo os servidores públicos daquele município, motivo pelo qual o presente mandamus deve ser distribuído por dependência. Ressalta que, sendo a data base de revisão salarial da categoria em janeiro de cada ano, só em meado de março do corrente a Administração municipal convidou a categoria para uma reunião sobre o assunto, assim mesmo depois da comunicação feita pelo Sindicado impetrante, em data de , sobre o Estado de greve da categoria, caso não fosse tomada qualquer providência a respeito da revisão salarial pleiteada. No dia houve uma paralisação de 24 horas, ocasião em que a administração municipal manteve um diálogo com a comissão dos grevistas, embora tenha se recusado a convocar uma nova assembleia para discutir as providências a serem tomadas, bem como formular qualquer proposta para acabar com a greve. Como a administração municipal fez pouco caso das reivindicações dos servidores, foi decretada, em , greve geral da categoria.

2 fls. 2 2 Aduz que, em 25 de abril do corrente ano, a Prefeitura de Camaçari entrou com uma Ação Ordinária (nº ) pedindo a declaração de ilegalidade ou abusividade da greve, sendo que este relator, a respeito desse pedido, concedeu a liminar pleiteada para que retornasse ao trabalho 70% dos grevistas, sob pena de multa diária de R$ ,00 (cem mil reais), admitindo, apenas, a continuidade da greve pelo restante de 30%. Afirma que o Sindicato foi penalizado com a penhora de R$ ,00, e que os seus associados, agora, também foram penalizados com os cortes de seus salários, inclusive de servidores em férias, em gozo de licença prêmio, de licença médica, maternidade, etc. O caso é tão grave que até pessoas que estão trabalhando tiveram seus salários cortados, em direto confronto com a Lei 7.783/89, penalizando os servidores de forma arbitrária, violenta e ilegal. Alega, ainda, que o Prefeito se mostra irredutível até para conceder a reposição da inflação, além de se recusar ao pagamento de qualquer retroativo, mesmo que constitucional e estatutário. Aduz que os salários são alimentos dos servidores e de suas famílias, não podendo ser cortados arbitrariamente, de modo que, diante do fumus boni iuris e do periculum in mora, seja-lhe concedida a medida liminar inaudita altera pars para fazer cessar o ato ilegal da autoridade coatora, bem como seja determinada uma multa de R$ ,00 (cem mil reais), diário em caso de descumprimento da decisão, por cada salário e ponto cortado. Pede a notificação da autoridade impetrada para que preste as informações de lei, bem para impugnar, caso queira, o mandamus, Pedindo ainda que, depois prestadas as informações requeridas, seja intimado o Ministério Público para que ofereça o competente parecer. Por despacho de fl. 413, este relator determinou a intimação pessoal do representante judicial da pessoa jurídica de direito público para se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas. Em petição de fls. 419/428, A Procuradoria Geral de Camaçari se pronunciou no sentido do não acolhimento da tutela de urgência em face do Município, em razão da expressa vedação prevista no art. 22, 2º da Lei ;2009, no que tange a concessão de medida liminar cujo objeto seja o pagamento de qualquer natureza. Caso contrário que se julgue improcedente os pedidos do impetrante, denegando a segurança, tendo em vista a ausência de direito líquido e certo a ser tutelado pela via mandamental, ressaltando que o desconto da remuneração decorrente dos dias parados pela greve, é matéria pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores.

3 fls. 3 3 É o relatório. Decido. A concessão de liminar mandamental, expressamente prevista pelo artigo 7, inciso III, da Lei /09, está condicionada à caracterização dos requisitos de relevância da fundamentação e do risco de ineficácia da medida postulada, os quais devem ser aferidos pelo cotejo das alegações formuladas na inicial com a documentação carreada aos autos. Dois requisitos fundamentais são exigidos para a sua concessão, conforme previsão legal contida no inciso III, do artigo 7º da Lei /09, in litteris: Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: ( ) III que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica impetrada. A jurisprudências tem linha de intelecção que respalda esse entendimento, conforme se infere dos seguintes julgados: (...) I. A Análise do pedido, no âmbito liminar, demanda a observância dos requisitos autorizadores para a concessão da medida, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. (...) Grifei (STJ), AgRg no MS /DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010. Dje 17/09/2010). (...) I. A concessão da medida liminar requisita a satisfação cumulativa dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, impondo-se o desacolhimento do pedido quando ausentes, nos autos, elementos que evidenciem, de plano, a alegada violação do princípio constitucional da ampla defesa ou outra irregularidade apontada pelo impetrante que acarrete a efetiva nulidade do processo disciplinar. ( ). Grifei (STJ, AgRg no MS /DF, Rel Ministro HAMILTON CARVAO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, Dje 05/10/2010). Nessas circunstâncias, em uma cognição sumária, própria deste momento processual, forçoso reconhecer a plausibilidade do direito invocado pelo Autor mandamental.

4 fls. 4 4 Inobstante este Magistrado, em uma cognição sumária, tenha concedido a liminar na Ação Declaratória de ilegalidade e abusividade do direito de greve ajuizada pelo Município de Camaçari contra o SINDSEC - SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE CAMAÇARI e o SISPEC - SINDICATO DOS PROFESSORES DO MUNICÍPIO DE CAMAÇARI, uma vez que, em uma análise superficial dos documentos até então colacionados àqueles autos, reconheceu a suposta abusividade da paralisação dos servidores públicos do Município de Camaçari por não haver garantido, até aquele momento, o contingenciamento mínimo de pessoal para a realização das atividades essenciais, não restou autorizado o ente público a efetuar o corte do ponto dos servidores municipais, agindo em aparente abuso de poder. Assim, o fundamento relevante decorre de uma inicial impressão da alta probabilidade de ganho da causa pelo autor da ação, a partir do cotejo cognitivo não exauriente de suas alegações com as regras do ordenamento jurídico, aplicáveis à espécie, e com o conjunto probatório colacionado à exordial. O periculum in mora, por sua vez, emerge da hipótese em que o ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso a segurança venha a ser deferida no final, ou seja, deve exsurgir dos autos a conclusão no sentido de ser necessária a prestação da tutela de urgência, antes da concessão final da ordem, sob pena de comprometimento do resultado útil da ação. Pelo visto, a Prefeitura de Camaçari não repassou o reajuste anual da categoria (art. 37, inciso X da CF) na data base do final do mês de janeiro. Além do mais, a lei proíbe o servidor grevista de ter desconto em seu salário sem a sua autorização. E durante o período de de greve, nada pode ser descontado do salário do servidor enquanto a greve estiver sob julgamento. Enquanto a greve não for considerada ilegal ou abusiva, qualquer desconto salarial no contracheque do servidor, não autorizado, caracteriza uma inconstitucionalidade. Negar aos servidores o direito ao salário enquanto estiverem exercendo o direito de greve equivale a negar esse próprio direito. Ora, se a greve é um direito fundamental constitucional, não se pode conceber que o seu exercício implique no sacrifício de outro direito fundamental: a própria sobrevivência. Por isso, o corte do ponto ou do salário só pode ser feito com a declaração de ilegalidade ou ilegitimidade da grave. Ressalte-se que o corte de ponto só pode ser feito quando houver falta injustificada, o que não é o caso do servidor em greve, pois na greve o que existe é ausência de trabalho e não ausência ao trabalho. Daí a suspensão do contrato de trabalho, justamente para que o empregador não considere os dias parados como falta ao trabalho.

5 fls. 5 5 Em Notícias do STF, este tribunal, reconhecendo a ilegalidade do desconto de salário por motivo de greve, o ministro Dias Toffoli, ao relatar o Agravo de Instrumento (AI) , declarou a ilegalidade do desconto: Desconto em vencimentos por dias parados em razão de greve tem repercussão geral O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Plenário Virtual, reconheceu a existência de repercussão geral em matéria discutida no Agravo de Instrumento (AI) , no qual se discute a possibilidade do desconto nos vencimentos dos servidores públicos dos dias não trabalhados em virtude de greve. Relatado pelo ministro Dias Toffoli, o recurso foi interposto pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) contra decisão da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que declarou a ilegalidade do desconto. Para o TJ-RJ, o desconto do salário do trabalhador grevista representa a negação do próprio direito de greve, na medida em que retira dos servidores seus meios de subsistência. Além disso, segundo o acórdão (decisão colegiada), não há norma legal autorizando o desconto na folha de pagamento do funcionalismo, tendo em vista que até hoje não foi editada uma lei de greve específica para o setor público. De acordo com o ministro Dias Toffoli, a discussão acerca da efetiva implementação do direito de greve no serviço público, com suas consequências para a continuidade da prestação do serviço e o desconto dos dias parados, é tema de índole eminentemente constitucional, pois diz respeito à correta interpretação da norma do artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal. O ministro reconheceu que a discussão pode se repetir em inúmeros processos, envolvendo interesses de milhares de servidores públicos civis e da própria Administração Pública, circunstância que recomenda uma tomada de posição definitiva do Supremo sobre o tema. A questão posta apresenta densidade constitucional e extrapola os interesses subjetivos das partes, sendo relevante para todas as categorias de servidores públicos civis existentes no país, notadamente em razão dos inúmeros movimentos grevistas que anualmente ocorrem no âmbito dessas categorias e que fatalmente dão ensejo ao ajuizamento de ações judiciais, afirmou o ministro Dias Toffoli. No caso em questão, servidores da Faetec que aderiram à greve, realizada entre os dias 14 de março e 9 de maio de 2006, impetraram mandado de segurança com o objetivo de obter uma ordem judicial que impedisse o desconto dos dias não trabalhados. Em primeiro grau, o pedido foi rejeitado. Porém, a 16ª Câmara Cível do TJ-RJ reformou a sentença, invocando os princípios do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. O entendimento do TJ-RJ foi o de que, não havendo lei específica acerca de greve no setor público, não se pode falar em corte ou suspensão de pagamento de salários dos servidores por falta de amparo no ordenamento jurídico. Na ponderação entre a ausência de norma regulamentadora e os princípios do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana, devem prevalecer estes últimos, diz o acórdão. VP/AD Nossos tribunais têm decidido:

6 fls. 6 6 DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIDOR DO MUNICÍPIO DE TRÊS PONTAS. GREVE. LEGALIDADE DA PARALISAÇÃO. DESCONTO DOS DIAS PARALISADOS. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI 7783/89. PRECEDENTES DO STF. - O dispositivo que assegura o exercício do direito de greve pelos servidores públicos não é auto-aplicável, carecendo de regulamentação. - Para o egrégio Supremo Tribunal Federal, na ausência de regulamentação do direito de greve, a Lei 7783/89, que disciplina a paralisação dos trabalhadores da iniciativa privada, deve ser aplicada aos servidores públicos. - Evidenciada a legalidade da greve deflagrada pelas professoras do Município de Três Pontas, descabe o desconto dos dias paralisados na folha de pagamento dos servidores que aderiram ao movimento. - Recurso provido. (TRF-5, Remessa Ex Offício REOMS SE , Data de publicação: 08/11/2005) Administrativo. Servidor Público. Movimento grevista. Impossibilidade de desconto dos dias parados. Inércia na regulamentação da greve que não pode inviabilizar, por completo, o direito de greve amparado constitucionalmente. Manutenção dos serviços essenciais à população. Remessa oficial improvida. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DIREITO DE GREVE. DESCONTO SALARIAL DOS DIAS PARADOS (DECRETO Nº 1480/95). ILEGALIDADE. 1. Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, contra decisão proferida pelo Juízo a quo, que, em sede de mandado de segurança por aquele impetrado, contra ato imputado a Diretora de Gestão Administrativa do INCRA e do SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INCRA NO ESTADO DO CEARÁ, visando obstar o corte de ponto dos grevistas, deferiu a liminar requestada. 2. Conquanto o inciso VI do art. 37, da Constituição Federal de 1988 reconheça o direito de greve do servidor público, a sua a sua eficácia plena necessita de regulamentação infraconstitucional, conforme já entendeu o Supremo Tribunal Federal. Deve-se observar, que embora não exista lei específica regulamentando o direito de greve, também não existe lei que obrigue o desconto dos vencimentos dos servidores grevistas, dos dias parados. O art. 45 da Lei nº /90 veda o desconto, salvo nas hipóteses de imposição legal ou mandado judicial. 3. Deste modo, não pode a Administração Pública, com fundamento no Decreto 1480/95 que dispôs sobre os procedimentos a serem observados nas hipóteses de paralisações dos serviços públicos federais, impor o desconto nos vencimentos dos servidores participantes de movimento grevista, porquanto aquele diploma legal não é lei em sentido formal, mas decreto autônomo não permitido pelos arts. 84, IV, 5º, II e 37, caput, da Constituição Federal de 1988, conforme vem entendendo o Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo de Instrumento improvido. Agravo Regimental prejudicado. (TRF-5, AGTR: 80018/CE , Primeira Turma, Relator: Desembargador Federal Hélio Sílvio Ourem Campos (Substituto), Data de Julgamento: 03/04/2008, Data de Publicação: 14/05/2008)

7 fls. 7 7 O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar na Reclamação (RCL) impedindo descontos nos salários dos professores da rede pública no Estado de São Paulo referente aos dias parados em função da greve realizada pela categoria. Segundo o ministro, não se pode deixar de tratar o salário dos servidores como verba de caráter alimentar, cujo pagamento é garantido pela Constituição Federal. (Consultor Jurídico, 03 de julho de Conjur.com.br). Ficou evidenciado nos autos o corte de salários dos servidores, comprovado por inúmeros contracheques anexados, enquanto pendente de julgamento a greve da categoria. A ilegalidade dos cortes demonstra violência a um direito líquido e certo dos servidores, haja vista que salario é alimento, e que sua suspensão ilegal viola, sob todos os aspectos, a dignidade da pessoa humana. Diante do exposto, e considerando o quanto peticionado pelo Autor, inclusive com os comprovantes dos contracheques contendo os cortes salariais efetuados pela impetrada; e considerando, ainda, o poder-dever geral de efetivação das medidas judiciais, DEFIRO O PLEITO FORMULADO PELO AUTOR determinando seja expedido ofício, em caráter de urgência, à Prefeitura Municipal de Camaçari, para que se abstenha de continuar efetuando os cortes nos salários dos servidores, bem como para que libere, no prazo de até 05 (cinco) dias úteis, todos os valores retidos indevidamente até o presente momento. Deve este mandado ser imediatamente cumprido, sob pena de desobediência, pelo que fixo, desde já, a multa diária de R$ ,00 (cem mil reais) imposta à Prefeitura Municipal de Camaçari e ao prefeito ADEMAR DELGADO DAS CHAGAS, pessoalmente, em caso de descumprimento do presente comando judicial. Face a urgência que o caso requer, que sirva a presente decisão como mandado judicial a ser cumprido de imediato em sede de 2º grau. Publique-se na íntegra. Intime-se. Cumpra-se. Salvador, 10 de junho de DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA RELATOR