Estudo voltamétrico e determinação eletroanalítica do esteroide dexametasona em formulações farmacêuticas e águas naturais
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- Martín Guterres Carreiro
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1 Estudo voltamétrico e determinação eletroanalítica do esteroide dexametasona em formulações farmacêuticas e águas naturais Thiago Mielle B. F. Oliveira*, Francisco Wirley P. Ribeiro, Pedro de Lima-Neto, Adriana Nunes Correia Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências, Departamento de Química Analítica e Físico-Química, Fortaleza/CE. *thiagomielle@yahoo.com.br Resumo Esse trabalho descreve uma metodologia eletroanalítica que teve êxito na determinação de dexametasona em formulações farmacêuticas e em águas naturais superficiais do estado do Ceará, empregando voltametria adsortiva de onda quadrada combinada ao eletrodo de gota pendente de mercúrio, em meio de tampão BR (ph 2,0). Com a otimização dos parâmetros que influenciam a resposta eletroquímica (E pc = -0,6 V, t pc = 15 s, f = 100 s -1, a = 15 mv e ΔE s = 2 mv), foram obtidos valores de LD e LQ equivalentes a 2,54x10-9 mol L -1 e 8,47x10-9 mol L -1, respectivamente, evidenciando a elevada sensibilidade do procedimento. O método também foi robusto, com elevada repetibilidade e reprodutibilidade das medidas, mesmo diante da grande quantidade de excipientes presentes nas formulações, ou ainda, da matéria orgânica nas águas naturais. Abstract This work describes an electroanalytical method which was used to determine dexamethasone in pharmaceutical formulations and natural waters from Ceará state, employing square-wave adsorptive voltammetry coupled to hanging mercury drop electrode, in BR buffer (ph 2.0). After the optimization of parameters that influence the electrochemical response (E pc = -0.6 V, t pc = 15 s, f = 100 s -1, a = 15 mv e ΔE s = 2 mv), we obtained DL and QL equivalent to 2.54x10-9 mol L -1 e 8.47x10-9 mol L -1, respectively, showing the high sensitivity of the procedure. The method also was robust, with high repeatability and reproducibility of the measurements, even with the large amount of excipients in the formulations or organic matter in the natural waters. Palavras-chave: dexametasona, formulações farmacêuticas, águas naturais, voltametria adsortiva de onda quadrada.
2 Introdução A preocupação crescente quanto à preservação dos ecossistemas aquáticos, associada ao risco potencial ocasionado pela presença de fármacos no meio ambiente, mesmo em concentrações traço, tem levado um número cada vez maior de pesquisadores a desenvolver estudos voltados à identificação, quantificação, tratamento e destino final destes resíduos. Investigações sobre a contaminação de diferentes ambientes por fármacos residuais revelam que esses contaminantes estão presentes em efluentes de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) e águas naturais, em concentrações na faixa de μg/l e ng/l [1], provenientes, principalmente, do material excretado na urina, fezes ou esterco animal. É importante ressaltar que 50 a 90% de uma dosagem dos fármacos são excretados inalterados e persistem no meio ambiente [2], juntamente como seus produtos de degradação, de modo que o aporte contínuo e a persistência de várias dessas substâncias podem trazer danos irreversíveis à biota, mesmo aqueles que possuem meia-vida curta. Os glicocorticóides são drogas amplamente usadas em função de seus efeitos imunossupressivos e antiinfamatórios no tratamento de muitas doenças reumáticas, inflamações oculares, doenças do colágeno e as que decorrem de reações imuno indesejáveis, a exemplo da rejeição no transplante de órgãos. Entre os glicocorticóides secretados pelo homem, a hidrocortisona (cortisol) é o principal. Diferentes modificações na molécula do cortisol dão origem aos demais glicocorticoides, naturais e sintéticos. O objetivo destas modificações é obter uma droga com maior potência O 3 HO CH 3 F CH 3 OH 20 OH CH 3 Figura 1: Estrutura química da dexametasona. O antiinflamatória e menores efeitos colaterais (menor atividade mineralocorticóide). Dentre os glicocorticóides esteroidais de mais larga utilização, destaca-se a Dexametasona (9- fluoro-11β,17,21-triidroxi-16α-metilpregna- 1,4-dieno-3,20-diona), aqui representado por DMZ, é um derivado sintético da hidroxicortisona que tem ampla aplicação na medicina humana e veterinária [3]. Este fármaco (Figura 1), diferente de outros análogos, apresenta propriedades mineralocorticóides reduzidas. É cerca de vinte e cinco a trinta vezes mais potente que seu análogo natural, o cortisol. Diferentes métodos são reportados na literatura para a determinação de DMZ em formulações farmacêuticas, fluidos biológicos e águas naturais. Dentre estes, pode-se citar a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) [4-6], cromatografia gasosa seguida de espectrometria de massa (GC/MS) [7], quimioluminescência [8], espectrofotometria [9] e imunoensaio enzimático [10]. A sensibilidade alcançada por todos estes procedimentos é muito satisfatória para a quantificação analítica de compostos farmacêuticos. Por outro lado, Ghoneim et al. [11], alertam que a maioria destes métodos, principalmente os cromatográficos, necessitam de um passo prévio antes da quantificação, envolvendo extração com outros compostos e/ou a separação do analito dos demais componentes da mistura, tornando as análises de rotina economicamente inviáveis. Neste contexto, as técnicas eletroanalíticas têm-se revelado excelentes alternativas para a determinação deste e de outros compostos farmacêuticos, uma vez que são simples, de baixo custo, apresentam tempo relativamente curto nas análises, sem a necessidade de etapas
3 preliminares de extração. Além disso, estas técnicas são menos sensíveis do que outras técnicas analíticas para os efeitos das substâncias excipientes em formulações comerciais [12]. A Voltametria Adsortiva de Onda Quadrada (SW-AdsV, do inglês Square-Wave Adsorptive Voltammetry) destaca-se entre os métodos eletroanalíticas mais utilizadas atualmente para esta finalidade. Os limites de detecção obtidos por esta técnica podem ser comparados aos das cromatográficas, possibilitando a análise das mais variadas classes de compostos [13]. Dentre as vantagens desta técnica, pode-se citar a sua rapidez de aplicação frente a outras técnicas de pulso, excelente sensibilidade e diminuição das correntes residuais e diminuição dos problemas associados ao bloqueio da superfície do eletrodo por produtos de reações. Diante do exposto, o presente trabalho tem por objetivo desenvolver um procedimento eletroanalítico alternativo que permita detectar e quantificar DMZ em formulações farmacêuticas e em águas naturais, empregando SW-AdsV, além de fornecer informações acerca das propriedades eletroquímicas desse fármaco. Metodologia Os estudos eletroanalíticos foram desenvolvidos em uma célula eletroquímica convencional com três eletrodos, utilizando eletrodo de mercúrio (módulo de gota pendente, HMDE) como eletrodo de trabalho, Ag/AgCl/Cl - saturado como referência e cilindro de grafite como eletrodo auxiliar. Os experimentos voltamétricos foram realizados em potenciostato PGSTAT 30 (Autolab). A solução estoque de DMZ (procedência United States Pharmacopoeia) foi preparada em água purificada. Uma solução tampão Britton-Robinson (BR) 0,04 mol L -1 foi utilizada como eletrólito de suporte e o ph ajustado com NaOH 0,2 mol L -1, utilizando-se um phmetro B474 (Micronal). Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico. A água utilizada em todos os experimentos foi previamente purificada em sistema Milli-Q (Milipore), com os experimentos sendo realizados em atmosfera inerte de nitrogênio suprapuro (White Martins) à temperatura ambiente. Os parâmetros experimentais otimizados foram ph do meio, potencial de pré-concentração (E pc ), tempo de pré-concentração (t pc ), frequência de pulso de potencial (f), amplitude (a) e incremento de potencial (ΔE s ). Após a obtenção das curvas analíticas, o método proposto foi aplicado para a determinação da droga em formulações farmacêuticas, apresentadas como líquido injetável (Dexalgen ), colírio (Decadron ) e elixir (Neodex ), e adquiridas do comércio local da cidade de Fortaleza/CE. No caso das águas naturais, a aplicação foi feita de forma direta, sendo as amostras coletadas nos Açudes Gavião (AG1 e AG2) e Ayres de Souza (AAS), que são importantes reservatórios utilizados no abastecimento público do Ceará, levando em consideração a presença de atividades agropecuárias desenvolvidas ao entorno de AG1, proximidade da área urbana em AG2 e descarte de esgotos domésticos às margens do AAS. Os testes de recuperação foram realizados pelo método de adição de padrão e os valores aqui reportados representam a média entre três medidas. Resultados e Discussão Inicialmente, o comportamento eletroquímico de DMZ 2,91x10-5 mol L -1 foi investigado por voltametria de onda quadrada de 0 a -1,4 V, com variação do ph de 2,0 a 12,0. Foram observados dois processo de redução bem definidos, picos 1 e 2, até ph 7,0, relacionados a processos de redução em C-20 e C-3, respectivamente, conforme ilustrado na Figura 2. As diferenças de intensidade observadas nas componentes direta e
4 I / µa 1,5 1,0 0,5 0,0-0,5-1,0-1,5-2,0-2,5 Resultante Inversa Direta Pico 2 Pico 1-1,2-1,0-0,8-0,6-0,4-0,2 0,0 0,2 E vs (Ag/AgCl/Cl - sat ) / V Figura 2: Voltamograma de onda quadrada para 2,91x10-5 mol.l -1 de DMZ em tampão BR (ph=2,0), = 100 s -1, a = 50 mv e E s = 2 mv. inversa caracterizaram o pico 1 como sendo relativo a um processo quasereversível, enquanto que a corrente nula da componente inversa para o pico 2 o caracteriza como irreversível. Os maiores valores de corrente de pico (I p ) foram observados em ph 5,0 para o pico 1 e em ph 2,0 para o pico 2. A partir do ph 7,0, o pico 1 desaparece por completo e o pico 2 sofre uma deformação no perfil voltamétrico, possivelmente devido a um estado de transição entre as espécies protonada, neutra e não-protonada da DMZ. Esses derivados possuem propriedades eletroquímicas similares, dificultando a observação de cada processo em separado [14]. Os valores de potencial de pico (E p ) para o pico 1 permaneceram praticamente independentes da concentração de H +, sendo indício de que as reações protolíticas devem ocorrer após a etapa de transferência eletrônica. Já para o pico 2, houve um deslocamento linear de E p para valores mais negativos com o aumento do ph, representado pela equação -E p (mv) = 718,8 + 58,9 ph, o que denota uma reação próton-dependente. A inclinação obtida ( E p / ph) é próximo de 60 mv/ph, valor esperado para reações redox com igual número de prótons e de elétrons envolvidos, no caso, 2H + e 2e -. Os parâmetros que influenciam a resposta eletroquímica foram otimizados para ambos os picos. Contudo, para o pico 1, a faixa de linearidade obtida na curva analítica foi estreita, com valores de reprodutibilidade, limites de detecção (LD) e de quantificação (LQ) sendo inferiores aos obtidos com o pico 2. Portanto, a presente proposta considerou o pico 2 (-0,83 V) como o pico analítico mais sensível, usando tampão BR ph 2,0 como eletrólito de suporte, E pc = -0,6 V, t pc = 15 s, f = 100 s -1, a = 15 mv e ΔE s = 2 mv. Nessas condições, foram obtidos valores de LD e LQ iguais a 2,54x10-9 mol L -1 e 8,47x10-9 mol L -1, respectivamente, além de considerável repetibilidade (0,25%, para n = 10) e reprodutibilidade (1,33%, para n = 5). Isso atribui confiabilidade ao procedimento e o viabiliza para aplicações práticas, tais como a análise desse fármaco em amostras complexas. Com essa visão, o procedimento em questão foi estendido à determinação de DMZ presente em diferentes formulações farmacêuticas. As figuras de mérito obtidas com esta aplicação estão resumidas na Tabela 2. Como pode-se observar na tabela anterior, apesar das formulações farmacêuticas estudadas possuírem outras substâncias eletroativas sobre o HMDE, tais como dipirona (Dexalgen ), neomicina (Decadron ) e do corante Ponceau 4R (Neodex ), além de uma grande variedade de excipientes, os resultados obtidos para os testes de recuperação foram satisfatórios, mostrando que este procedimento pode ser convenientemente aplicado na determinação eletroanalítica desta droga nas diferentes apresentações, com significativa sensibilidade e seletividade.
5 Tabela 2: Figuras de mérito para DMZ em diferentes formulações farmacêuticas avaliadas por SW-AdsV sobre HMDE. Parâmetro Dexalgen Decadron Neodex [DMZ]adicionada (mol L -1 ) 9,90x10-8 [DMZ]recuperada (mol L -1 ) 9,75x10-8 9,32x10-8 1,11x10-7 % Recuperação 98,56 94,14 112,41 % RSD 1,12 0,99 1,26 Outra aplicação pleiteada foi a análise direta de traços de DMZ em águas naturais superficiais, sem qualquer tratamento prévio. Foram observadas diferenças nas inclinações das curvas analíticas obtidas entre as diferentes amostras de águas trabalhadas em comparação àquelas obtidas em água purificada, bem como nos valores de LD e LQ, como pode ser visto na Tabela 3. Tabela 3: Figuras de mérito para DMZ em diferentes matrizes avaliadas por SW-AdsV sobre HMDE. Parâmetro Água Pura AG1 AG2 AAS Inclinação (A mol -1 L) 9,87x10-8 1,95x10-7 1,93x10-7 1,93x10-7 LD (mol L -1 ) 2.54x x x x10-9 LQ (mol L -1 ) 8.47x x x x10-8 % Recuperação 99,75 99,69 98,52 98,36 % RSD 0,25 0,17 0,22 0,26 Análises físico-químicas relativas à demanda bioquímica de oxigênio (DBO), carbono orgânico total dissolvido (COTD) e coliformes fecais (CF) comprovaram a existência de um considerável teor de matéria orgânica nas águas naturais, o que compromete a sua qualidade e representa um forte indício do acelerado processo eutrófico a que as mesmas estão sujeitas. Do ponto de vista eletroquímico, a matéria orgânica pode adsorver sobre a superfície do HMDE, diminuindo a área ativa do mesmo e, consequentemente, reduzindo a quantidade de moléculas de DMZ que sofre redução. Outro importante detalhe é que estas águas foram coletadas em regiões com grande presença de sedimentos, que possuem substâncias húmicas como um de seus componentes majoritários. Essas substâncias são capazes de interagir com moléculas desse fármaco, reduzindo, assim, sua concentração na célula eletroquímica. Todavia, as figuras de mérito obtidas em água purificada e nas águas naturais são da mesma ordem de grandeza, confirmando a viabilidade da proposta. O método ainda se mostrou bastante seletivo e robusto, já que não foram observados novos processos relacionados a outros possíveis contaminantes dissolvidos nessas águas, tornando este procedimento uma excelente alternativa para a determinação direta de traços de DMZ em águas naturais superficiais. Conclusões O método proposto empregando SW-AdsV combinada ao HMDE teve êxito na determinação de DMZ em formulações farmacêuticas e em águas naturais superficiais.
6 O efeito de matriz mais considerável foi observado nas águas naturais, devido a influência da matéria orgânica na resposta eletroquímica. Todavia, as figuras de mérito em ambos, obtidas por adição de padrão, mostram que a sensibilidade do procedimento não é comprometida. Outro importante detalhe é que não foram necessárias etapas prévias de tratamento das amostras, indispensáveis a outros procedimentos analíticos tradicionais, mostrando que a presente proposta pode ser uma importante alternativa para análises de rotina desse fármaco. Agradecimentos À UERN, CNPq, CAPES e FINEP pelo suporte financeiro. Referências Bibliográficas [1] BILA, D. M.; DEZOTTI, M., Quim. Nova, 26, 523, [2] MULROY, A., Water Environ. Technol., 13, 32, [3] OLIVEIRA, T. M. B. F.; RIBEIRO, F. W. P.; SOARES, J. E. S.; DE LIMA-NETO, P.; CORREIA, A. N., Anal. Biochem., 413, 148, [4] GRIPPA, E.; SANTINI, L.; CASTELLANO, G.; GATTO, M. T.; LEONE, M. G.; SASO, L., J. Chromatogr., 1, 17, [5] GOYAL, N.; ACHCHABI, A. E.; GOLDBERG, E.; HOCHHAUS, G., J. Liq. Chrom. Relat. Tech., 10, 1478, [6] ZURBONSEN, K.; BRESSOLLE, F.; SOLASSOL, I.; ARAGON, P. J.; CULINE, S.; PINGUET, F., J. Chromatogr., 2, 421, [7] KAYGANICH, K.; WATSON, J. T.; KILTS, C.; RITCHIE, J., Biological Mass Spectrometry, 6, 341, [8] THORPE, J. W.; WARKENTIN, J., Can. J. Chem., 51, 927, [9] J. KRZEK; M. STOLARCZYK; W. RZESZUTKO, Chem. Anal. (Warsaw), 47, 299, [10] CALONI, F.; BELLOLI, C.; CRESCENZO, G.; ORMAS, P.; ARCHIMBAULT, P., Vet. Hum. Toxicol., 42, 345, [11] GHONEIM, E. M.; EL-ATTAR, M. A.; GHONEIM, M. M., Journal of AOAC International, 2, 597, [12] RIBEIRO, F. W. P.; CARDOSO, A. S.; PORTELA, A. R. R.; LIMA, J. E. S.; MACHADO, S. A. S.; LIMA-NETO, P.; DE SOUZA, D.; CORREIA, A. N., Electroanalysis, 20, 2031, [13] SOUZA, D.; MACHADO, S. A. S.; AVACA, L. A., Quím. Nova, 26, 81, [14] DE BOER, H. S.; DEN HARTIGH, J.; PLOEGMAKERS, H. H. J. L.; VAN OORT, W. J., Anal. Chim. Acta, 141, 102, 1978.
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