Características básicas do transtorno de ansiedade generalizada
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- Nathan Maranhão Penha
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1 Suplemento Temático: Psiquiatria I Capítulo 5 Características básicas do transtorno de ansiedade generalizada Basic features of generalized anxiety disorder Antonio W. Zuardi 1 RESUMO Este texto é dirigido à alunos de graduação com o objetivo de caracterizar o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) com ênfase em seu diagnóstico e tratamento. O TAG é um dos transtornos psiquiátricos mais subdiagnosticados. Caracteriza-se por preocupação persistente e excessiva acompanhada de sintomas físicos relacionados a hiperatividade autonômica e a tensão muscular. Apresenta comorbidade frequente com depressão e outros transtornos de ansiedade. A abordagem psicoterápica, num sentido amplo, deve ser prioritária no tratamento desse distúrbio e o tratamento farmacológico, quando indicado, não deve ser a única opção terapêutica. Palavras Chave: Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtornos de Ansiedade. Terapia Comportamental Cognitiva. Preocupação. ABSTRACT This text is addressed to medical undergraduate students with aim to characterize Generalized Anxiety Disorder (GAD) with emphasis on diagnosis and treatment. GAD is one of the most psychiatric disorders under-diagnosed. The main characteristic of GAD is persistent and excessive worry accompanied by physical symptoms related to autonomic hyperactivity and muscle tension. The comorbidity with depression and other anxiety disorders is frequently. The psychotherapeutic approach, in a wide sense, must be a priority in the treatment of this disease and, when indicated, the pharmacological treatment should not be the only therapeutic option. Keywords: Generalized Anxiety Disorder. Anxiety Disorders. Behavior Therapy.Cognitive. Worry. 1. Docente. Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP CORRESPONDÊNCIA: Antonio W. Zuardi Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP Av. dos Bandeirantes 3900 Monte Alegre CEP Ribeirão Preto Recebido em 08/02/2016 Aprovado em 22/08/2016 Medicina (Ribeirão Preto, Online.) 2017;50(Supl.1),jan-fev.:
2 Caracterização Uma senhora de 30 anos, casada e mãe de um filho de 2 anos, procura atendimento numa Unidade Básica de Saúde, com queixa de tontura, dor muscular generalizada, palpitações e suor nas mãos. Refere que sempre teve uma certa tensão muscular, que por vezes deixava as costas e o pescoço doloridos, mas que após o nascimento do filho piorou. No início achou que era porque estava muito atarefada em cuidar do filho e dos afazeres da casa, mas mesmo quando conseguiu se organizar melhor, os sintomas continuaram e apareceram sintomas novos, como; tontura, palpitações e insônia. Começou a ficar muito preocupada achando que poderia estar com algum problema de saúde. Refere que suas preocupações não se restringem à sua saúde, preocupa-se também, com a saúde de seus familiares, com a situação financeira, se conseguirão pagar os estudos do filho quando esse crescer, se um dia o esposo a abandonará, embora não exista nenhuma indicação nesse sentido. Quando o esposo atrasa alguns minutos para chegar do trabalho, fica extremamente preocupada, achando que poderia ter acontecido um acidente, que tenha sido assaltado ou que algo de ruim possa ter acontecido. No último ano acha que está sempre alerta e tensa, quase todos os dias e sente que seu rendimento nos trabalhos da casa está prejudicado, em razão da dificuldade em concentrar-se, uma vez que encontra-se constantemente envolta em preocupações. Reconhece que suas preocupações são infundadas, mas não consegue parar de pensar nelas. A preocupação persistente e excessiva é a característica principal do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), porém essas preocupações são acompanhadas de sintomas físicos relacionados à hiperatividade autonômica e a tensão muscular. Entre esses sintomas são comuns a taquicardia, sudorese, insônia, fadiga, dificuldade de relaxar e dores musculares. As preocupações não se restringem a uma determinada categoria, mas são generalizadas, excessivas, por vezes envolvendo temas que não preocupam a maioria das pessoas e de difícil controle. Para o diagnóstico, é importante, também, que esses sintomas causem uma interferência no desempenho da pessoa ou um sofrimento significativo. O TAG é um dos transtornos psiquiátricos mais subdiagnosticados. Raramente os pacientes procuram diretamente um profissional de saúde mental, preferindo o clínico geral ou médicos de outras especialidades. A queixa predominante é de sintomas físicos vagos e que não caracterizam uma enfermidade bem definida. Os critérios diagnósticos do DSM-V, para o TAG são apresentados no Quadro 1. O TAG é frequente, com uma prevalência ao longo da vida entre 4,5 a 12 %, 1, 2, 3 sendo um dos transtornos mentais mais comuns nos serviços de Quadro 1: Critérios do DSM-V para o Transtorno de Ansiedade Generalizada A. Ansiedade e preocupação excessivas, ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos seis meses e relacionada a inúmeros eventos ou atividades (p.ex. trabalho e desempenho escolar). B. A preocupação é difícil de controlar. C. A ansiedade e a preocupação estão associados a três (ou mais) dos seguintes sintomas (com pelo menos alguns sintomas estando presente na maioria dos dias nos últimos seis meses): inquietação ou sensação de estar no limite; cansar-se facilmente; dificuldade de concentração; irritabilidade; tensão muscular; distúrbios do sono (dificuldade de iniciar ou manter o sono e sensação sono não satisfatório). D. Os sintomas físicos, preocupação ou ansiedade causam sofrimento clinicamente significante ou incapacidade em atividades sociais, ocupacionais ou outras. E. O transtorno não pode ser atribuído a: uma condição médica geral, uso de substâncias ou outro transtorno mental*. * as condições médicas gerais, uso de substâncias ou outro transtorno mental, que precisam ser excluídas são as mesmas descritas no artigo Características básicas do transtorno do pânico (Quadro 3) /
3 cuidados primários. 4 Apresenta uma alta porcentagem de comorbidade com depressão e outros transtornos de ansiedade, como fobia social, fobias específicas e pânico. 5 O diagnóstico diferencial com depressão e distimia nem sempre é fácil, uma vez que apresentam sintomas em comum. Os pacientes com depressão costumam ser mais críticos com relação a sua própria atuação em eventos do passado, enquanto os pacientes com TAG tendem a se preocuparem com eventos futuros. O TAG e em particular a preocupação têm sido associadas à hipertensão arterial e a problemas cardíacos. 6 Patogênese Os estudos com gêmeos não são conclusivos quanto a uma hereditariedade específica do TAG, embora existam evidências de uma predisposição herdada comum para TAG, depressão e traços de personalidade do tipo neuroticismo. 7, 8 As pesquisas sobre possíveis distúrbios na neurotransmissão, também são escassos e inconsistentes. 9 Os fatores psicológicos e ambientais parecem ter um papel relevante na patogênese do TAG. Pacientes com TAG colocam muita atenção em estímulos ameaçadores e tendem a interpretarem estímulos ambíguos como ameaçadores. Apresentam, mais frequentemente características de personalidade com timidez e neuroticismo. Em geral o TAG está associado aos eventos de vida indesejáveis ou traumáticos. 9 Tratamento Como o componente psicológico e fatores ambientais têm um papel muito significativo na gênese do TAG, a abordagem psicoterápica, num sentido amplo, é prioritária no tratamento desse transtorno. O tratamento farmacológico pode e deve ser considerado em determinadas circunstâncias, porém nunca deve ser a única opção terapêutica. Ensaios clínicos mostram que a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) apresenta uma eficácia maior do que as situações controle 10 e outras formas de psicoterapia, 11, 12, 13 constituindo a primeira escolha dentre as psicoterapias para o TAG. De uma maneira bem geral e simplista poderíamos dizer que a TCC procura desenvolver habilidades cognitivas que permitam ao paciente lidar melhor com algumas características muito frequentes no TAG, como: avaliação negativa e catastrófica de eventos, baixa tolerância com situações ambíguas, pouca confiança na solução de problemas, excessiva avaliação de alternativas antes de tomar decisões, entre outros. 14 Deve-se ressaltar que psicoterapias estruturadas, entre elas a TCC, para terem êxito, implicam em algumas precondições do paciente, tais como: alto grau de motivação, capacidade de auto-observação, disponibilidade de tempo e outros recursos. Mesmo para os pacientes que não preencham essas condições, o médico deve procurar formas alternativas de abordar as dificuldades psicológicas e ambientais do paciente, como, por exemplo, orientação, aconselhamento, técnicas de relaxamento e/ ou exercícios físicos, não se limitando a prescrever medicamentos. A terapia farmacológica deve ser considerada, em conjunto com a abordagem psicoterápica, quando o grau de sofrimento do paciente e a interferência dos sintomas sobre a sua vida assim o exigirem. Nessa condição o médico deve avaliar se a previsão de uso do medicamento é por um curto ou longo período. Se o período for curto (menor que 12 semanas) pode utilizar um benzodiazepínico, porém se houver a possibilidade de uso mais prolongado deve pensar em outra alternativa terapêutica. Os benzopiazepínicos são efetivos nos sintomas do TAG, produzem efeito rapidamente (minutos ou horas) e têm um perfil favorável de efeitos colaterais (sonolência, diminuição de reflexos ao dirigir ou manipular maquinas perigosas e ataxia e/ ou alterações de memória em doses mais elevadas). A limitação no uso dos benzodiazepínicos devese a sua propensão para desenvolver tolerância de efeitos e dependência. Dessa forma, deve-se optar por outra classe de drogas quando se prevê a necessidade de uso da medicação por tempo prolongado, ou em pacientes que desenvolvem rápida tolerância, apresentem propensão às dependências de uma maneira geral ou mostrem comorbidade com depressão. É importante, também, estar atento à interação com o álcool e outras medicações. Os diferentes benzodiazepínicos apresentam eficácia semelhante, diferindo pelas suas características farmacocinéticas, tais como, tempo para o início de ação ou duração do efeito (ex.: diazepam tem iní- Medicina (Ribeirão Preto, Online.) 2017;50(Supl. 1),jan-fev.:
4 cio rápido e efeito prolongado enquanto o alprazolam tem início intermediário e duração mais reduzida). Os antidepressivos inibidores da receptação de serotonina (ex.: escitalopram, paroxetina, sertralina, fluoxetina) ou inibidores da receptação de serotonina e noradrenaliana (ex.: venlafaxina, duloxetina) são as drogas de primeira escolha para tratamentos mais prolongados do TAG. Ensaios clínicos geralmente mostram uma eficácia semelhante entre esses medicamentos e maior que placebo. O tempo para o início de ação é prolongado, variando entre duas a quatro semanas e apresentam efeitos colaterais que podem interferir com a vida dos pacientes. Os pacientes podem apresentar agitação ou aumento da ansiedade no início do tratamento, que pode ser amenizada pela associação com benzodiazepínicos por curto período. Os efeitos colaterais mais comuns são: distúrbios gastrointestinais (náusea e diarreia), disfunção sexual, insônia e sintomas rebote na interrupção do uso prolongado. A dose inicial da medicação pode ser ajustada após quatro semanas, se necessário. 15 Outra possibilidade no caso de tratamento prolongado com medicação é a buspirona, uma droga que interfere com o sistema serotonérgico, bloqueando os auto-receptores 5HT1a. Apresenta uma latência de efeitos semelhante à dos antidepressivos e não apresenta risco de dependência. Não deve ser utilizado como monoterapia quando houver comorbidade com depressão. Mensagens-chave O Transtorno de Ansiedade Generalizada é caracterizado por preocupação excessiva, persistente e de difícil controle, que é acompanhada por alguns sintomas físicos ou psicológicos, causando sofrimento e prejuízo no desempenho. É um transtorno frequente e que muitas vezes não é diagnosticado. O diagnóstico diferencial com depressão e distimia, nem sempre é fácil, mas deve ser feito. Eventos adversos de vida podem exacerbar os sintomas do TAG. A terapia farmacológica pode ser associada ao manejo psicoterápico, mas nunca deve ser utilizada como única abordagem terapêutica. Questões para debate 1. Além da preocupação persistente e excessiva, que outras características são importantes para firmar-se o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada? 2. O Transtorno de Ansiedade generalizada é transmitido geneticamente? 3. Porque o Transtorno de Ansiedade Generalizada pode ser confundido com depressão? 4. Num paciente que não tem condições para seguir uma psicoterapia formal está indicada a terapia farmacológica exclusiva? 5. O que deve ser levado em consideração para optar-se por uma terapia farmacológica com benzodiazepínicos ou com inibidores seletivos de receptação de serotonina? 54 /
5 Referencias 1. Kessler RC, Chiu WT, Demler O, et al. Prevalence, severity, and comorbidity of 12-month DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatr. 2005; 62: Kessler RC, Gruber M, Hettema JM, et al. Co-morbid major depression and generalized anxiety disorders in the National Comorbidity Survey follow-up. Psychol Med. 2008; 38: Wittchen HU, Jacobi F. Size and burden of mental disorders in Europe a critical review and appraisal of 27 studies. Eur Neuropsychopharmacol. 2005; 15: Wittchen HU, Kessler RC, Beesdo K, et al. Generalized anxiety and depression in primary care: prevalence, recognition, and management. J Clin Psychiatry. 2002; 63 Suppl 8: Kessler RC, Berglund P, Demler O, et al. Lifetime prevalence and age-of-onset distributions of DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatr ; 62: Tully PJ, Cosh SM, Baune BT. A review of the affects of worry and generalized anxiety disorder upon cardiovascular health and coronary heart disease. Psychol Health Med. 2013; 18: Kendler KS. Major depression and generalised anxiety disorder. Same genes, (partly)different environments revisited. Br J Psychiatry Suppl 1996; :68 8. Hettema JM, Prescott CA, Kendler KS. Genetic and environmental sources of covariation between generalized anxiety disorder and neuroticism. Am J Psychiatr. 2004; 161: Baldwin D, Stein M, Hermann R. Generalized anxiety disorder: Epidemiology, pathogenesis, clinical manifestations, course, assessment, and diagnosis. 2014; Mitte K. Meta-analysis of cognitive-behavioral treatments for generalized anxiety disorder: a comparison with pharmacotherapy. Psychol Bull. 2005; 131: Borkovec TD, Mathews AM. Treatment of nonphobic anxiety disorders: a comparison of nondirective, cognitive, and coping desensitization therapy. J Consult Clin Psychol. 1988; 56: Durham RC, Fisher PL, Treliving LR, et al. One year follow-up of cognitive therapy, analytic psychotherapy and anxiety management training for generalized anxiety disorder: symptom change, medication usage and attitudes to treatment. Behav. Brain Sci. 1999; 27: Leichsenring F, Salzer S, Jaeger U, et al. Short-term psychodynamic psychotherapy and cognitive-behavioral therapy in generalized anxiety disorder: a randomized, controlled trial. Am J Psychiatr. 2009; 166: Craske M, Stein MB, Hermann R. Psychotherapy for generalized anxiety disorder. 2014; contents/psychotherapy-for-generalized-anxietydisorder?source=see_link. 15. Bystritsky A, Stein MB, Hermann R. Pharmacotherapy for generalized anxiety disorder. 2014; Medicina (Ribeirão Preto, Online.) 2017;50(Supl. 1),jan-fev.:
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