Eu, trilho de Patrícia Francisco
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- Carlos Eduardo Sequeira Lemos
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Transcrição
1 1 Eu, trilho de Patrícia Francisco Transcrição dos diálogos a memória Eu só sei o nome da bisavó dela, era Ana. (off) Meu nome é Patrícia. Sou neta de Ana. rua da vó Ana casa da vó Ana trilho Música Trem Eu, trilho o trabalho (off) Entre as várias vezes que conversei com minha mãe sobre a vida da vó Ana.Uma frase me chamou muito a atenção. Ao voltar do trabalho, minha vó atravessava um trilho de trem para voltar para casa. A ponte era uma só, aonde passava o trem e os pedestres também. Era uma ponte com o trilho do trem, uma ponte de ferro. Daí tinha uma caixa que as pessoas ficavam ali dentro, enquanto o trem estava passando. (off) Decidi conversar com algumas pessoas que fizeram eu lembrar de minha avó de alguma forma.
2 2 Todo dia que você for na roça, cada dia ela está diferente. Então, você acompanha o ciclo da planta e é uma coisa assim, que é, acaba fazendo parte muito da sua vida e da família toda, né? É um aprendizado que vai passando, dos pais pra gente, dos avós...a gente nunca saiu da roça, meus bisavós, meus avós,aí veio o meu pai, depois a gente. A gente não fez outra coisa na vida. Ela contava que sempre trabalhou desde pequena. Tinha uma época que ela torrava café, plantavam uma rocinha de amendoim, uma época que ela morou em Criciúma, que tem muita mina de carvão, ela chegou a trabalhar em mina de carvão. Quando ela veio aqui para o Rio Grande do Sul. Ela veio com uma família, aí ela trabalhou um pouco com eles e depois ela foi trabalhar num frigorífico, numa fábrica de sandálias, mas a maior parte do tempo, ela passou mesmo foi costurando em casa. PATRICIA A senhora trabalha? Não, aposentada. Aposentada. Mas a senhora já trabalhou? Já, já trabalhei, mas na roça, né. Na roça? O que que a senhora fazia na roça? Ah,eu plantava, eu colhia. A senhora que plantava? Se nós que plantava? Nossa! Tudo nos plantava e colhia. Café, arroz, feijão, milho, soja, criava porco, vaca, galinha. Gostoso.
3 3 O que que a senhora gostava mais de plantar? Café. Por que o café? Porque é gostoso. LUCIINEI Dói muito as costas, sabe? Então, não é um serviço gostoso não. Na roça, eu acho que não tem um serviço assim ai eu gosto de fazer isso, porque ou você trabalha abaixado ou com a enxada o dia inteiro ou então é serviço mais pesado mesmo. Por exemplo, o tomate já é serviço pesado. E lá pra nós, não é a gente plantar mandioca, é plantar maniva. Plantava mandioca, plantava feijão, batata, essas coisas assim. Os pauzinhos de maniva, de maniva assim, aqueles pauzinhos que a gente finca no chão e aí prospera o pé de roça e lá não tem roça, lá é o roçado.aqui o povo chama roça, mas lá pra nós, da roça, a roça é o que dá a mandioca, né, e a terra é o roçado. Nós plantava com a mudinha...e daí Demora quanto tempo? Aonde? Pra nascer, começar a nascer. De quatro à cinco anos. De quatro à cinco anos?
4 4 A sementinha. Se eu te contar tudo, até a xícara, eu sei. E...eu entendo tudo. Trabalhei na roça, era o peão da roça, criei meus 6 filhos. A mandioca quando está no ponto de arrancar, os homens arrancavam, ia para o pacote de farinha, lá a gente raspava, tirar aquela casca da mandioca, né? E moía numa roda...puxando...fazia a massa, ia para o forno, para lá e para cá, pra fazer a farinha. Ah, a senhora, depois fazia o alimento. É, nós fazia isso tudinho. Aí virava o tempo que tinha as barrinhas secas, catava as barrinhas secas trazia pra casa, pra debulhar, pra comermos no verão. Ela gostava de morar no campo, de ter bicho em casa, é, plantar, isso era uma das coisas que ela mais gostava, morar na cidade ela não achava graça não. qual foi a primeira vez que você se lembra que você foi capinar? Ah,tem uma coisa muito legal. É assim, é, uma das primeiras vezes que eu fui trabalhar na roça, eu era muito pequenininha, eu não sei, eu acho que eu tinha uns 8 anos, acho que eu tinha uns 8 anos, eu acho. Aí,porque a gente sempre participa muito da igreja, né? O pessoal da roça é muito religioso.e nessa época, a gente tava com um negócio na igreja que a gente chamava de círculo bíblico e toda a quarta-feira tinha uma coisa que a gente chamava de gesto concreto. Tinha que ir uma comunidade inteira ajudar uma família. Aí tinha um senhorzinho lá, acho que agora ele até morreu, é, o seu Crispim. Ele tava muito doente, ele era muito sozinho. Ele tava com um monte de feijão, tudo perdendo no mato. Daí o gesto concreto foi pegar o feijão dele e entregar tudo no saco pra ele, né.se não, ele ia perder o feijão. Só que aí o meu pai falou assim, ah, vou levar minhas duas meninas pra ajudar, né?. Aí a gente chegou lá e só tinha os homens lá. né? E aí o meu pai pegou, eu nunca me
5 5 esqueço isso, posso viver cem anos que eu nunca vou esquecer. Meu pai pegou pra nós duas e falou assim ó vocês, nessa vida, a gente tem que aprender a fazer de tudo, ai, eu até me emociono pra falar dele. Ele falou assim, nessa vida, a gente tem que aprender a fazer de tudo, então, é vocês estão aqui hoje, pra ver que não é fácil, mas eu quero que vocês aprendam. Quando eu era criança tinha pato, tinha galinha, tinha porco,tudo naquele terreninho lá. Eles plantaram um monte de árvores, enquanto as árvores não cresceram, árvore de frutas, assim, tipo um pomar assim, não cresciam. Eles plantavam coisas de horta, assim, alface, tomate... Então, isso foi, foi assim, uma das primeiras vezes que eu lembro de ter ido, né? Uma das primeiras vezes de ter esse contato com a terra mesmo e de ter ido pra roça. Ele pensou assim ó, eu tenho 3 filhas mulheres, eu não sei o que vai acontecer da vida delas. Eu não sei se vocês vão ter oportunidade de estudar. Eu não sei se eu vou conseguir, né, dar essa oportunidade pra vocês, mas, ele pensava assim, até nas irmãs dele, né, que todas trabalhavam na roça e são mulheres muito fortes, muito fortes. Então, ele queria ensinar pra gente que é importante aprender fazer de tudo na vida e que se, ali, era um porto seguro nosso, se a gente aprendesse a fazer aquilo ali. Ali era um porto seguro, pra gente poder, sobreviver, pelo menos, né, então, eu acho que era isso que ele pensava, né. Ela sempre passou a imagem de uma pessoa forte, assim, muito corajosa. Ela não tinha medo de nada, ela enfrentava qualquer situação. Determinação, a mãe era assim, uma pessoa determinada. Ela se propunha a fazer uma coisa, ela fazia.ela resolvia as coisas por conta dela. Ela era muito independente. Isso aí é uma coisa que sempre me impressionou nela. o amor Cada um com seu serviço, com a sua casinha.
6 6 Eles moram perto da senhora ou não? Moram aqui em Jundiaí. Meu marido virou mendigo e morreu. Como é que é? Larguei do marido há 29 anos. Ele virou mendigo e morreu. Não acredito. Eu não falei pra ele, eu não falei pra ele virar mendigo. É minha filha,pra fazer crescer os filhos tem que saber nadar, tem que ter estudo. Graças à Deus, eu venci. A senhora que quis se separar? Eu quis. Larguei ele lá. Judiava sem merecer, sai. Casei 20 anos, não levei sorte, judiou, eu larguei pra lá. Quanto tempo? 20 anos. Ficou 20 anos com ele. E 6 filhos.pra que ter homem pra xingar, né? Se o homem é a mulher da casa, então. Ele não trabalhava? Ih, quando ele trabalhava, minha filha, o que ele ganhava não dava nem pra ele.então, não precisa de homem. Graças à Deus, hoje eu sou feliz! Meus filhos tudo casados, mora eu e Deus, graças à Deus!
7 7 (off) E o nome do primeiro marido? Era Antônio. Ela casou, a primeira vez, com 14 anos, com um homem que era separado da mulher, que era bem mais velho que ela, devia ter uns quase 40 anos. Tinha uma vida assim, uma situação financeira muito boa e aí ela viveu com ela até uns vinte e poucos anos. Aí depois ele comprou umas terras, eles foram morar na serra, num lugar onde era mata virgem assim. Durante 2 anos, eles moraram no meio do mato. Ela não agüentava mais, queria voltar para a cidade. Daí ela ficou na cidade, meu avô foi morar com ela. Minha avó tinha morrido. E daí ajudaram, ela trabalhava na mina, e ele cuidava das crianças durante o dia. Aí o meu avô faleceu. Ela ficou, ela era muito nova, com aquele monte de filhos, não sabia o que fazer. Daí os tios se propuseram a ajudar, cada um pegou uma das crianças. Daí ele resolveu vir para o Rio Grande do Sul junto com essa família. Eu sou de uma família de 4 irmãs, né. Só mulheres. Então, tem que pegar no pesado mesmo. Tipo, minhas irmãs, elas dirigem trator, né, a gente faz de tudo um pouco. Elas já estão todas casadas, mas só que moram tudo lá. Em vez delas irem embora com o marido, o marido delas é que vieram morar lá em casa. (off) O segundo marido da minha avó era Pedro de Souza, meu avô, eu não o conheci. E daí, lá no frigorífico que ela, embalando as mercadorias, as coisas. Foi lá que ela conheceu o meu pai.casaram.ele quis trabalhar por conta assim, eles botaram uma fábrica de sandálias, quando ele faleceu, aí ela desistiu da fábrica de calçados e continuou costurando. Aí, eu tava sozinha, fazer o quê? Vamos embora meu velho. Ele também plantava? Também planta?
8 8 Plantava, ele era pescador.ía pra maré pegar os peixinhos dele, plantava e assim nós vivia, né. Plantava e pescava. E agora também, nesses tempos, que a planta não tava muito, tava faltando chuva,né, não estava chovendo, não tinha competência pra criar a lavoura. Eu disse vamos embora, lá aprontar nossas filhas, lá a coisa vai ser melhor. E foi melhor? Graças à Deus foi melhor! Estamos nós dois aposentados e estamos vivendo até o dia que Deus quiser. Ela casou com ele com 27, depois quando ele morreu, quando o meu pai morreu, ela tinha 39. (off) E aí, ela casou de novo? Aí, ela casou com o Seu Djalmo. Daí, eles conseguiram uma casa lá no Sarandi, compraram, ela e o Seu Djalmo, daí a gente foi morar lá, aonde ela morou o resto da vida dela. o afeto MÚSICA Tema para vó Ana Sempre ela fazia alguma coisa na máquina de costura. (off) Aquela colcha dos quadrados? Claro, claro, ela fez aquilo muitos anos. Me lembro sim. Ela cortava, ela pegava, juntava retalhos, cortava em tirinhas, assim, e depois ía montando a colcha.
9 9 Ah, as minhas avós são, assim, a coisa mais importante pra nós lá no sítio, porque a minha avó, ela acorda de manhã, ela já vai jogar milho para as galinhas. E ela acorda, assim, vai acordando todo o mundo ô, ce tá pensando o quê? já é hora de levantar, cê ta pensando que é professora? não, você trabalha na roça, então, pode acordar que tem porco pra tratar, tem roça pra carpi, tem leite pra tirar, então, ta na hora, vamos acordando. É brava assim, vamo, vamo gente, vamo, vamo, vamo pra roça que o sol já ta lá no meio do céu quase já ta mais que na hora já de acordar. (off) A triste canção da trilha sonora do filme A Estrada de Federico Fellini, era uma das canções mais cantaroladas por minha avó. EXPEDITO (off) E então, eu acho interessante tudo isso. E, ninguém não, todo mundo tem seu emprego, mas ninguém não pode viver sem agricultura. É, se não haver agricultura, não planta o arroz, o feijão, o milho, a mandioca, pra nós se alimentar, a verdura, tudo isso, temos a custa do trabalho. MÚSICA Tema para vó Ana INTERTITULO Minha avó, Ana Ribeiro de Souza, viveu entre os anos de 1912 à Créditos finais.
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