Mulheres no Legislativo: Demandas e Ação Política das Deputadas

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1 Gênero: multiplicidade de representações e práticas sociais. GT 38 Mary Ferreira i Universidade Federal do Maranhão Palavras-Chave: Mulher Legislativo Mulher e ação política. Mulheres no Legislativo: Demandas e Ação Política das Deputadas Abordagem sobre a ação parlamentar das deputadas maranhenses construídas a partir de entrevistas e visitas ao parlamento onde foram observadas as intervenções e os projetos encaminhados ao legislativo de interesse mais direto das mulheres. Analisa-se ainda a relação do movimento feminista na intermediação dos projetos encaminhados e as dificuldades das deputadas de exercer o poder no legislativo O legislativo é compreendido como um campo político, lugar de poder, o qual se constitui, por intermédio de disputas, pelo monopólio do direito de falar, de agir, em nome de uma parte ou da totalidade de um grupo social. Embora a representação feminina no legislativo seja bastante desigual, as deputadas têm desenvolvido um conjunto de ações políticas que tem contribuído para ampliar o debate em torno das questões de gênero ao mesmo tempo em que avança na proposição de leis e programas que interfere diretamente na vida das mulheres. Ao pensar a ação política das parlamentares, é importante delimitar, em que campo se estabelece essa ação, a fim de compreender, descrever, e, definir as singularidades que possam clarear, as formas específicas com que se revestem os mecanismos de poder, dominação e exclusão nesse campo. O campo se constitui um caminho para perceber as variações, para desvendar o invariável, o particular, o singular. Em se tratando do Legislativo maranhense, objeto desse estudo, muito pouco tem sido analisado sobre a sua dimensão na perspectiva das mulheres. A estratégia aqui, é desconstruir idéias impregnadas na sociedade sobre a ação política das mulheres no legislativo. Se tais idéias, por um lado, reconhecem a importância de sua presença e existência, por outro, a desqualificam como participação menor. Ressignificar essa presença é romper com um racionalismo estreito, que excluiu as mulheres dos processos de representação social. No campo do legislativo as mulheres são representadas como desprovidas de autonomia, competência, poder de decisão ou de qualidades capazes de transformar processos sociais. Romper com as armadilhas da invisibilidade das mulheres nesses campos é o que se propõe esta comunicação fruto de estudo desenvolvido no doutorado em Sociologia no qual analisamos a 1

2 ação das mulheres no parlamento maranhense construído a partir de entrevistas que privilegiaram as relações de gênero em uma perspectiva feminista. Os Limites do Poder Legislativo Uma das prerrogativas do legislativo é fazer leis, assim é reconhecido esse poder, porém essa atribuição é marcada por uma série de entraves que limita sua ação e faz desse poder uma instituição dependente do executivo uma vez que é considerado como tal na medida em que o poder executivo, mais especialmente o governador é o centro incontrastável do processo de governo por meio do controle dos outros poderes e de toda a dinâmica da política estadual (MORAES, 2001, p.190). Dessa forma, o poder executivo se torna hipertrofiado no processo de governo que detém forte influencia sobre as estruturas institucionais que deveriam controlá-lo (ABRUCIO; TEIXEIRA; COSTA, 2001, p. 220). Assim funciona o legislativo maranhense, entretanto, é importante ressaltar, a fim de clarear nosso objeto, que essa hipertrofia hoje está dividida em dois grandes grupos políticos: os apoiadores do atual governo José Reinaldo e os ligados ao grupo a ex-governadora Roseana/Sarney ii. Embora não esteja na posição de executivo no Estado, o grupo ligado a Senadora Roseana Sarney e ao seu pai senador José Sarney tem o controle sobre diversos órgãos federais dados o apoio ao governo do presidente Lula e são conhecidas as fortes ligações do grupo com o poder judiciário. Esclarecido esse ponto, posso dizer que os projetos apresentados e apreciados no legislativo maranhense não diferem da dinâmica de outras assembléias estaduais como São Paulo, Ceará, Sergipe, conforme evidencia os estudos de Abrucio, Teixeira e Costa (2001), Moraes (2001), Domingues (2001) já que nesses legislativos também prevalecem relações de extrema dependência. Porém no que se refere ao volume de projetos apreciados iii no legislativo maranhense, constatei que a maioria dos projetos não é iniciativa do executivo como nos estados mencionados. No período que compreende os anos de -2005, a Assembléia Legislativa do Maranhão apreciou 876 projetos; desses, 594 é iniciativa dos parlamentares maranhenses o que representa 67,81% do volume total de projetos que tramitaram no legislativo maranhense. O mesmo fenômeno foi observado na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (SANTOS, 2001), diferindo, portanto, das assembléias de São Paulo, Ceará e Sergipe nas quais a maior parte dos projetos aprovados no legislativo é de autoria do executivo. Ao analisar a natureza desses projetos, observei que eles, no seu conteúdo, não diferem muito dos projetos legislados pelos/as parlamentares das Assembléias do Rio de Janeiro, Ceará, Espírito Santo que, em sua maioria, versam sobre concessão de utilidade pública para entidades 2

3 da sociedade civil, concessão de título de cidadania e homenagem. No legislativo maranhense, projetos de utilidade pública representam 29,68 % e projetos de título de cidadania e denominação de órgãos públicos (homenagens) corresponde a 7,76 % dos projetos que tramitam nesse espaço de poder. No Rio de janeiro, por exemplo, os projetos de utilidade pública representam 29,98% dos projetos dos/as deputados/as e no Ceará totalizam 43% dos projetos. Afora esses projetos, constatei que 62,56 % referem-se a ações voltadas a educação, trabalho, benefícios a idosos, projetos de isenção fiscal, isenção de taxas, alteração de lei, transferência de recursos, emendas constitucionais, emenda orçamentárias e outros. Desses projetos, os que mais demandaram ação parlamentar foram os de alteração de Lei/Emenda Constitucional (15,87%), projetos que cria órgãos/cargos, seguido de projetos voltados para educação e saúde que somam 5,71%, projetos sobre orçamento e contas (5,14%), projetos isenção de impostos e taxas que corresponde a 4,45%, sobre direito do cidadão/consumidor (3,65 %). Projetos referentes aos direitos da mulher representam apenas 1,14% dos projetos que tramitaram no legislativo durante os anos de Embora seja ainda muito pequeno o número de projetos, porém a relevância dos mesmos para visibilizar as questões de gênero deve ser mencionado. O Que estão Legislando as Parlamentares? Como podemos estabelecer algum tipo de particularidade no que se refere aos projetos apresentados pelas deputadas. Analisando em termos quantitativos, pode-se observar que os projetos apresentados pelas parlamentares nesse período representam 13,24% dos projetos apresentados pelas/os parlamentares. Quando analisados excluindo o executivo e o judiciário, a produção legislativa das mulheres foi de 19,53 %. No campo temático, observei que o percentual de projetos apresentados pelas mulheres apresenta variações importantes, por exemplo: projetos de utilidade pública, que são os que mais tramitam no legislativo, representam 43,10% dos projetos apresentados pelas mulheres, mas, no geral, eles representam 20,41% dos projetos legislado pelos/as parlamentares. Ao analisar o mesmo tema em relação aos homens, percebi que esses projetos correspondem a 42,27% dos projetos legislados pelos deputados e representam 79,18% dos projetos apreciados pelos parlamentares maranhenses. As deputadas demonstraram mais preocupação com a questão da mulher, alteração de leis/emendas constitucionais, direitos do cidadão/consumidor e com o transporte e segurança, com incentivo a produção e a agricultura. Os deputados apresentaram mais projetos voltados para alteração de leis e emendas, educação e saúde, relações de trabalho. Um fato muito relevante é que as deputadas apresentaram mais projetos voltados para orçamento/contas do Estado 5% 3

4 contra 1 % dos apresentados pelos deputados. Outro dado também relevante é que os projetos, cuja preocupação diz respeito aos direitos da criança, adolescente, idoso, encarcerado, em geral, demanda mais do universo das mulheres; no legislativo maranhense os deputados também apresentaram o mesmo número de projetos nessa área, 3% (FERREIRA, 2006) Ao fazermos uma projeção para analisar a produtividade por gênero percebe-se que as parlamentares, em termos proporcionais, apresentaram mais projetos que os deputados. Nota-se que os trinta e cinco deputados elaboraram 456 projetos, enquanto que as deputadas cento e dezesseis. Em termos proporcionais, as deputadas elaboraram 11,54 % a mais, pois se considerarmos a proporção 35 (trinta e cinco) deputados para 456 (quatrocentos e cinqüenta seis) projetos, só teríamos 104 (cento e quadro) para deputadas. Se os mesmos tivessem a mesma produtividade das colegas, alcançariam o número de 508 (quinhentos e oito) projetos. (FERREIRA, 2006). E os projetos de interesse mais direto das mulheres?, Quais os projetos que de alguma forma interfere na cidadania das mulheres? Amplia, garante direitos? Quem mais legisla esse tipo de projeto? Os projetos que dizem respeito aos direito da mulher iv representam 1,68% do total dos projetos que tramitam no legislativo e correspondem a 7,32 % dos projetos apresentados pelas deputadas. São dez projetos, e o que surpreende, é que nenhum deles foi apresentado por deputados. Subtende-se, por um lado, falta de interesse dos deputados em pensar leis que possa alterar as relações de gênero ou pode significar que essa é uma seara feminina daí que os deputados não querem intervir em uma área que por direito é das mulheres. Nas análises, considerei dez projetos (Quadro abaixo) apresentados pelas deputadas. Além desses, também inclui três projetos que estão no campo incentivo à produção/agricultura e no campo do direito do cidadão/consumidor apresentados pelas deputadas Helena Heluy e Graça Paz, que considerei de grande interesse para as mulheres, e que, por isso, foram incluídos nas análises que farei a seguir. Os projetos traduzem preocupações das mulheres e das organizações femininas. Mesmo considerando os limites do legislativo que não pode legislar matérias que onerariam o executivo, as deputadas demonstram uma preocupação de apresentar projetos que fortalecem a cidadania das mulheres. Isso é considerado um ponto nevrálgico no exercício da política feita por mulheres GROSSI; MIGUEL (2001, p.188), entretanto não deve ser desconsiderada a ação do feminismo e suas demandas diretas às parlamentares e o fato de que a trajetória de algumas deputadas, sua formação política, acadêmica, suas atividades políticas e administrativas, conduz a legislar nesse campo. 4

5 Ao analisar alguns desses projetos v para conhecer melhor sua dimensão, percebemos que tais projetos não diferem no geral dos projetos apresentados pelos deputados, o que diferencia é a natureza e o alcance dos mesmos e a preocupação de gênero em alguns deles, a partir do que subtende-se que as parlamentares reconhecem as desigualdades de gênero na medida em que os mesmos representam ações que procuram reverter essas desigualdades. Os projetos apontam ainda uma preocupação com a desigualdade econômica, na qual as mulheres respondem pelos maiores índices, dada à divisão sexual do trabalho, que é um dos fatores determinantes na inferioridade das mulheres no campo econômico. Vejamos: QUADRO 1 PROJETOS APRESENTADOS SOBRE DIREITOS DA ANO ASSUNTO AUTOR EMENTA DEP. HELENA BARROS HELUY DISPÕE sobre a ampliação das Equipes do Programa Saúde da Família PSF no Estado do Maranhão, assegurando a Inclusão de Assistentes Sociais. DEP. SOCORRO WAQUIM CRIA o Programa Especial de Atendimento a Mulher e dá outras providências. DISPÕE a Criação de Linha de Crédito Especial "Pró- Mulher". DISPÕE sobre a Implantação no Sistema de Rede de Saúde Estadual a obrigatoriedade do Teste Sorológico Anti - HIV, em mulheres grávidas. INSTITUI a Campanha de Orientação e Prevenção da Osteoporose nas Mulheres Maranhense INSTITUI o Dia da Mulher Evangélica no estado do Maranhão e dá outras providências. DISPÔE sobre a Criação de Linha de Crédito Especial "Pro-Mulher". DEP. CRISTINA ARCHER; HELENA CRIA comissão permanente de defesa dos Direitos da B. HELUY E VÁRIAS Mulher. OUTRAS DEPUTADAS. DEP. MAURA JORGE Dispõe sobre o procedimento de Notificação Compulsória da Violência contra a Mulher atendida em serviços de urgência, públicos e privados, bem como na rede básica de atendimento, no Estado do Maranhão MESA DIRETORA Concede folga à servidora lactante doadora de leite materno a bancos de leite materno de hospitais públicos e privados do Estado do Maranhão INCENTIVO PRODUÇÃO/ AGRICULTURA DEP. HELENA HELUY Assegura o livre acesso das populações extrativistas do babaçú às terras, públicas ou privadas, para o desenvolvimento dessa atividade econômica. 5

6 DIREITO DO CIDADÃO/CON DEP. GRAÇA PAZ SUMIDOR DISPÕE sobre o serviço de empacotamento de mercadorias adquiridas em supermercado e lojas afins e dá outras providências. Os projetos, como vêm, representam preocupação expressa de segmentos e setores organizados das mulheres, embora grande parte deles não tenha sido aprovada o que merece uma análise mais profunda no futuro. Ao serem questionadas sobre as dificuldades de legislar ou sobre o tipo de ação que desenvolvem no mandato, algumas deputadas enfatizaram certo desencanto, outras, a incompreensão dos deputados com projetos que tenham como princípio construir relações de gênero igualitárias. Eu estou sem motivação para apresentar projetos, porque eu só tenho um projeto aprovado, que é esse centro de atendimento à mulher e que nunca foi colocado em prática, por isso eu estou desmotivada. (Deputada Tereza Murad). Os deputados, independente do bloco em que estão aliados, de um modo geral, enfatizaram a questão do veto aos seus projetos ou a pouca autonomia do legislativo para garantir a viabilidade dos mesmos, dada o limite constitucional que impede o legislativo de criar despesas que onerariam o executivo. Referências: ABRUCIO, Fernando Luiz; TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho; COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. O papel institucional da Assembléia Legislativa Paulista: 1995 a In: SANTOS, Fabiano (org.) O Poder Legislativo nos Estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: FGV, p DOMINGUES, Mauro Petersem. Espírito Santo: produção legal e relações entre os poderes Executivo e Legislativo entre 1995 e In: SANTOS, Fabiano (Org.) O Poder Legislativo nos Estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: FGV, p FERREIRA, Maria Mary. Mulheres no legislativo maranhense: um estudo sobre as cotas. In: Souza, Eliana Maria de Melo, et. al. Teoria e prática nas Ciências Sociais. Araraquara: Cultura Acadêmica,. p FERREIRA, Maria Mary. As Caetanas vão à luta; a trajetória do movimento feminista no Maranhão face as políticas públicas. São Luís (Dissertação de Mestrado em Políticas Públicas) Universidade Federal do Maranhão, p. Os bastidores da tribuna: mulher política e poder no Maranhão. (Tese de Doutorado em Sociologia) Universidade Estadual Paulista, Araraquara, f. 6

7 FÓRUM ESTADUAL DE ES MARANHENSES. Violência contra a mulher e a cidadania feminina no Maranhão: Balanço crítico. São Luís,. 56p. GROSSI, Miriam Pillar. MIGUEL, Sônia Malheiros. Transformação a diferença: mulheres na política. In: Estudos Feministas. Santa Catarina, v. 9, n. 1, p MORAES, Filomeno. A dinâmica legislativa na Assembléia do Estado do Ceará: 1995 a In: SANTOS, Fabiano (Org.) O Poder Legislativo nos Estados: Diversidade e Convergência. Rio de Janeiro: FGV, p MURAD, Teresa. (Deputada). Entrevista sobre A participação políticas das mulheres no poder, concedida a Mary Ferreira. São Luís, set SANTOS, Fabiano. A dinâmica legislativa na Assembléia do Estado do Rio de Janeiro: análise de uma legislatura. In: SANTOS, Fabiano (Org.) O Poder Legislativo nos Estados: Diversidade e Convergência. Rio de Janeiro: FGV, p

8 i Professora da Federal do Maranhão. Mestra em Políticas Públicas. Doutora em Sociologia UNESP/FCLAr, ex-bolsista CAPES/Brasil. ii Fora desse esquema de apoio se encontra apenas a Deputada Helena Heluy do Partido dos Trabalhadores que não se alinha com nenhuma das duas correntes políticas. iii Estou considerando o volume de projetos que tramitam nas sessões plenárias da Assembléia Legislativa do Maranhão, não apenas os projetos aprovados, mas todos que passam por algum tipo de discussão e vão à votação. iv Essa denominação pode ser muito ampla, mas foi utilizada neste estudo para abarcar a amplitude dos projetos apresentados. Eles direta ou indiretamente expressam um reconhecimento das desigualdades de gênero, embora em alguns prevaleça uma leitura enviesada da questão. v A escolha desses 12 projetos não foi aleatória eles podem ser considerados projetos que têm uma relação mais estreita com as reivindicações encaminhadas pelo Grupo de Mulheres da Ilha em diversos documentos apresentados por esse grupo ao Executivo e as Parlamentares em diferentes momentos da ação desse grupo, mais recentemente pelo Fórum Estadual de Mulheres Maranhenses e pelo Movimento Estadual de Quebradeiras de coco. Para analisar melhor os fatos ver FERRREIRA (1999) e FORUM ().