Descrição de Algumas Estratégias Discursivas nos Slogans Publicitários: Uma Aplicação da Teoria Semiolingüística de Charaudeau
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- Miguel Leal Valverde
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1 Vol. 3.n.2, dezembro de 2005 Descrição de Algumas Estratégias Discursivas nos Slogans Publicitários: Uma Aplicação da Teoria Semiolingüística de Charaudeau Description of some discursive strategies of advertisement slogans: An application of Charaudeau s semiolinguistic theory Gabriel de Ávila Othero PUC RS (doutorando) Resumo: Este artigo trata de uma aplicação da teoria semiolingüística de Charaudeau na análise de slogans publicitários. Com base nas propostas de Charaudeau (1983a) e (1983b), alguns slogans publicitários brasileiros são analisados e discutidos. Além disso, são propostas algumas modificações na teoria original apresentada por Charaudeau, a fim de melhorar as análises dos slogans publicitários. Palavras-chave: semiolingüística; análise semiolingüística, texto publicitário. Abstract: This article focuses on the application of Charaudeau s semiolinguistic theory in analyzing advertisement slogans. Based on concepts of Charaudeau (1983a) and (1983b), some Brazilian slogans are analyzed and debated. Furthermore, the original theory presented by Charaudeau is revisited and modified, in order to improve the analysis of the advertisement slogans. Key words: semiolinguistcs; semiolinguistc analysis, publicity texts. 1. Introdução Neste artigo, pretendemos fazer uma aplicação da análise proposta em Charaudeau (1983a) em relação ao gênero publicitário. Para tanto, iremos analisar alguns slogans de propagandas amplamente divulgados no Brasil, tentando sempre manter a mesma linha de pensamento vista em Charaudeau (1983a) e (1983b). Investigaremos as características enunciativas, a organização narrativa e a organização argumentativa do discurso publicitário, a partir da análise de alguns slogans de publicidade. Apesar de partirmos das idéias e das análises vistas principalmente em Charaudeau (1983a), no decorrer do trabalho tivemos inevitavelmente de adaptar e mesmo ampliar a teoria original. No 1
2 entanto, sempre que o fizemos, tentamos deixar isso bastante claro em nosso texto, para que o leitor saiba diferenciar onde estão os limites da teoria proposta por Charaudeau e onde começam as nossas devidas ou indevidas modificações e sugestões. 2. Fundamentação teórica 2.1 Sobre a teoria semiolingüística Acreditamos que o ato de comunicação e interação visto na publicidade envolva diferentes parceiros que fazem parte do mesmo sistema sócio-econômico, cada um tendo o seu papel previamente definido e determinado. Esses parceiros são definidos por Charaudeau (1983b) como um EUc-Publicitário e um EUe-Enunciador; um TUi-Consumidor e um TUd-Destinatário; e, finalmente, um ELEx-produto e um Ele 0 -Produto. O gráfico 1, que pode ser visto em Charaudeau (1983, p. 9) 1, ilustra a sua teoria semiolingüística da linguagem, e será importante para compreendermos as partes envolvidas no processo comunicativo que analisaremos nos slogans publicitários. Gráfico 1: Circuito interno e circuito externo da comunicação Circuito Externo EUc ELE 0 EUe ELEx Circuito Interno FALA TUd TUi MUNDO REAL Legenda: EUc = Eu comunicante EUe = Eu enunciador TUd = Tu destinatário TUi = Tu interpretativo ELE 0 = Ele no mundo ELEx = Ele da linguagem 1 Sempre que houver alguma referência às duas obras de Charaudeau estudadas neste artigo, esta estará se referindo às versões traduzidas para o português dos textos originais. 2
3 Para Charaudeau, o ELEx é o objeto do discurso criado por um EUe enunciador para um destinatário idealizado no circuito interno da fala, o TUd. Esse destinatário, assim como o ELEx, é criado e idealizado no discurso pelo próprio EUe. Essa relação entre o circuito interno versus circuito externo da fala, ilustrada pelo gráfico 1, pretende mostrar que a linguagem (entendida aqui como processo de comunicação) não é transparente. Ou seja, há uma relação entre o EUc e o EUe, mas eles certamente não são da mesma natureza. Da mesma forma, o ELE 0, objeto do mundo, não é o mesmo que o ELEx, objeto do discurso, criado pelo EUe; tampouco o TUi é o destinatário do ato de fala do Euc; ele é antes representado na comunicação por uma idealização, um interlocutor ideal (ou idealizado), representado pelo TUd. Essa concepção da linguagem como processo de comunicação interacional e a relação entre o circuito externo versus o circuito interno da linguagem serão fundamentais para as análises dos discursos publicitários neste artigo. Aplicaremos essas idéias na observação dos slogans publicitários, que, de acordo com Charaudeau (1983a, p. 1), estão inscritos em um circuito de trocas de bens de produção que põe em questão vários parceiros (grifos do autor). 2.2 Sobre o circuito publicitário Iremos analisar brevemente dois aspectos do circuito publicitário. O primeiro diz respeito às relações do circuito externo, e o segundo trata do circuito interno. No que se refere ao circuito externo, temos um EUc-Publicitário que será o responsável por anunciar um produto X; um TUi-consumidor que será o receptor do texto publicitário e terá o poder de comprar ou não o produto X. Temos ainda o próprio produto X, representado aqui por um ELE 0 -Produto, que é o objeto de troca no mundo físico. Em nosso sistema capitalista, o TUiconsumidor deverá escolher, entre diversos produtos, algum que lhe agrade, e então trocá-lo por dinheiro. O beneficiário desse processo de troca não será o EUc-Publicitário diretamente; será antes o fabricante do produto X. Em relação ao circuito interno, no processo de comunicação envolvido na publicidade, o EUc-Publicitário se disfarçará de um EUe-Enunciador (doravante EUe), que tentará convencer um interlocutor idealizado, o TUd-Destinatário (doravante TUd), sobre a necessidade que TUd tem de adquirir seu produto (o ELEx) e sobre as qualidades que esse produto apresenta ou sobre as vantagens que ele poderá lhe proporcionar. É importante notar que o EUe não está interessado em convencer o TUd sobre a importância de determinado produto genérico ou sobre as vantagens que ele poderá oferecer. 3
4 Antes, ele tentará convencer o TUd sobre a importância de determinada marca (M) ou tipo de produto, dentro do universo dos produtos (P). Em outras palavras, não é do interesse do EUe que o destinatário se convença da necessidade ou das vantagens de um carro (P), por exemplo. O EUe quer convencer o TUd das vantagens da sua marca entre todas as outras; seu objetivo será persuadir o destinatário a adquirir um carro da marca X, Y ou Z. Isso pode ser sistematizado através da seguinte proposição, apresentada em Charaudeau (1983a, p. 2): entre o conjunto dos P, existe P(M). A partir dessas concepções, iremos fazer as análises do discurso publicitário. Passaremos agora aos slogans publicitários, analisados conforme a proposta de Charaudeau (1983a). 3. Análise de Slogans Publicitários Abaixo estão algumas amostras de slogans publicitários brasileiros de grande circulação. Eles foram extraídos de jornais (Folha de S. Paulo, Folha de Novo Hamburgo e Zero Hora) e da Internet (nas páginas dos próprios fabricantes ou em grandes portais, como o Terra 2 e o Universo On-Line 3 ): 1. Philips: fazendo sempre o melhor. 2. Nestlé: nossa vida tem você. 3. Fiat: você conhece, você confia. 4. Lojas Americanas, grandes marcas, preços baixos, todos os dias. 5. Carrefour, sempre o menor preço. 6. Doriana, um minuto a mais de prazer que pode mudar o seu dia. 7. Hellmann's, a verdadeira maionese. 8. Danone, você cada dia melhor. 9. Rexona, máxima proteção seca. 10. Existem coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras, existe MasterCard. 11. Só porque é uma escova com muita tecnologia, você acha que ela proporciona uma limpeza mais completa e profunda? Acertou. Nova escova elétrica Oral-B CrossAction Power. 12. Samba ou sossego? A CVC tem todas as viagens para seu Carnaval. 13. Sabe aquela idéia que nem você sabe direito? A gente entende. Portobelo Shop. 14. Todas as cores do mundo estão aqui - RB Produções Gráficas
5 15. Você representa segurança para seu filho. A gente trabalha para representar o mesmo para você. Unimed Vale dos Sinos. 3.1 Das característica enunciativas publicitários: Charaudeau (1983a, p. 4) propõe uma fórmula que estaria subjacente a todos os slogans P(M) x q R Onde P = produto M = marca q = qualificações do produto R = as vantagens que o produto proporciona no slogan (11): No entanto, a fórmula proposta por Charaudeau pode ser aplicada prototipicamente apenas 11. Só porque é uma escova com muita tecnologia, você acha que ela proporciona uma limpeza mais completa e profunda? Acertou. Nova escova elétrica Oral-B CrossAction Power. P(M) = Nova escova elétrica Oral-B CrossAction Power q = é uma escova com muita tecnologia R = proporciona uma limpeza mais completa e profunda Nos demais slogans, podemos verificar a ausência explícita ora das qualidades que a marca tem (ausência de (q)), ora das vantagens que a marca proporciona (ausência de (R)): a) Ausência de das qualidades da marca P(M) R: slogans (3), (6), (8), (12) e (13). Exemplos: 8. Danone, você cada dia melhor. P(M) = Danone 5
6 q = não expresso R = você cada dia melhor 13. Sabe aquela idéia que nem você sabe direito? A gente entende. Portobelo Shop. P(M) = Portobelo Shop q = não expresso R = a gente entende até aquela idéia que nem você sabe direito b) Ausência explícita das vantagens que a marca fornece P(M) x q: slogans (1), (2?), (4), (5), (7), (9), (10), (14), (15). Exemplos: 4. Lojas Americanas, grandes marcas, preços baixos, todos os dias. P(M) = Lojas Americanas q = grandes marcas, preços baixos, todos os dias R = não expresso 5. Carrefour, sempre o menor preço. P(M) = Carrefour q = o menor preço R = não expresso Charaudeau não reconhece a possibilidade (b) vista acima. Para ele, o R deve estar sempre presente, ainda que seja preciso procurá-lo no implícito do texto (1983 a, p.4). No entanto, acreditamos que muitos slogans fazem o uso do efeito de notoriedade de duas formas, e não apenas de uma forma, como propõe Charaudeau 4. As duas formas são as seguintes: (a) em não exaltando qualidades do produto (como nos exemplos vistos em (a) acima); (b) em não exaltando as vantagens que o produto pode proporcionar (como nos exemplos em (b) acima). Ao assumirmos que os slogans publicitários nem sempre explicitam q ou R, teremos de fazer outras alterações na teoria original de Charaudeau, principalmente no que diz respeito à organização narrativa (que será vista na próxima seção). Para nós, o principal lapso de Charaudeau não se deve a uma falha na teoria propriamente dita, mas apenas na análise e observação dos slogans. 4 Cf. op. cit., página 4: ter-se-á reparado que muitos slogans, como (4), não exprimem as qualificações. É uma maneira de dizer: esta marca é suficientemente conhecida para que não seja necessário exaltar suas qualidades ; o que nós chamaremos de o efeito de notoriedade (...). 6
7 Quando Charaudeau analisa slogans sem o q, como (3) ou (8), 3. Fiat: você conhece, você confia. 8. Danone, você cada dia melhor. ele aplica sua fórmula da seguinte maneira 5 : (3) P(M) = Fiat q = não expresso R = você já conhece nossos produtos e você confia neles (8) P(M) = Danone q = não expresso R = você cada dia melhor Ou seja, Charaudeau reconhece que as qualidades do produto (q) não estão expressas no texto, não menciona sobre a possibilidade de inferi-las a partir do slogan e ainda identifica as vantagens que o produto oferece (R). No entanto, quando ele analisa slogans sem o R, como (9) e (10), abaixo 9. Rexona, máxima proteção seca. 10. Existem coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras, existe MasterCard. ele aplica sua fórmula de maneira diferente: (9) P(M) = Rexona q = máxima proteção seca R = melhor tipo de proteção (4) P(M) = MasterCard q = comprar todas as coisas que o dinheiro pode comprar R = poder comprar todas as coisas que o dinheiro pode comprar 5 Cf. op. cit. página
8 Em casos como esses, em que, em nossa análise, o R não está expresso, Charaudeau infere o R a partir das qualidades do produto, não admitindo que o R esteja ausente. Sua justificativa é simplesmente a de que, como vimos acima, o R não pode estar ausente, e deve ser sempre levado em consideração, ainda que seja preciso procurá-lo no implícito do texto (1983a: 4). O mesmo, no entanto, poderia ser dito das qualidades do produto (q), quando elas não estão explicitadas nos slogans publicitários. Veja exemplos como (3) e (8), analisados anteriormente, agora com as qualidades (q) do produto inferidas a partir do slogan: 3. Fiat: você conhece, você confia. P(M) = Fiat q = é a marca conhecida do interlocutor (TUd); é confiável R = você já conhece nossos produtos e você confia neles 8. Danone, você cada dia melhor. P(M) = Danone q = é saudável, pois deixa o TUd cada dia melhor R = você cada dia melhor Em nossa análise, optamos, então, por manter os mesmos critérios no julgamento dos slogans publicitários. Por isso, admitimos a existência de slogans que fujam à fórmula prototípica proposta por Charaudeau (P(M) x q R). Julgamos que é melhor afirmar que um slogan pode não expressar explicitamente ora o q, ora o R. Isso não nega a possibilidade da inferência, proposta em parte por Charaudeau, apenas demonstra que a nossa classificação pode ser mais precisa e coerente, porque leva em conta apenas aquilo que está expresso explicitamente nos slogans, não considerando possibilidades de inferência de q ou R, ainda que essas possam existir. Portanto, assim como Charaudeau, admitimos que a sua fórmula (P(M) x q R) esteja subjacente aos slogans publicitários. Porém, acreditamos que, fazendo uso do efeito de notoriedade, um slogan pode ora suprimir as qualidades do produto (modificando a fórmula para P(M) R), ora suprimir as vantagens que esse produto pode trazer (modificando a fórmula para P(M) x q). 8
9 3.2 Da organização narrativa De acordo com Charaudeau, o discurso publicitário parte do princípio de que haja um indivíduo que tem uma determinada Falta. Esse indivíduo precisa tomar consciência dessa Falta e tornar-se o Agente de um Fazer, ou de uma Busca. Somente essa Busca irá suprir a Falta e levar a um determinado resultado. Ainda segundo o autor, o que leva esse indivíduo ou Ser a perceber a Falta e tornar-se um Agente de um Fazer é justamente o R: Parece-nos que em todos esses slogans é R que tem o lugar de Objeto de busca e determina ao mesmo tempo o que é a Falta. (...) E como nós vimos, no momento da descrição das características enunciativas, em que o sujeito destinatário é qualificado como Utilizador-eventual-do-produto, nós diremos que o texto publicitário põe em cena uma organização narrativa na qual o destinatário está no lugar do agente que tem uma Falta [R(-)], de maneira que a tomada de consciência de sua Falta o incita a tornar-se Agente de uma busca (suprir a falta), cujo Objeto é representado pelo que o produto oferece [R(+)]. O produto [P(M)] desempenha então o papel de auxiliar dessa busca, já que nós vimos que P(M) x q R. (CHARAUDEAU,1983a: 5) É nesse ponto, porém, que teremos de discordar parcialmente de Charaudeau. Ora, se propusemos anteriormente que há slogans que podem não expressar o R, então não podemos aceitar que o R seja o único fator responsável por despertar a consciência de falta no indivíduo. Acreditamos que o que leva o indivíduo, ou Ser, a uma busca para suprimir a sua falta possa ser tanto o R quanto a necessidade do q. Em outras palavras, os slogans despertam no TUd a necessidade de suprir uma falta ora apresentando as vantagens que o TUd pode passar a ter (R) adquirindo um determinado produto (P(M)), ora mostrando as qualidades (q) de que o TUd necessita em um determinado produto (P(M)). Apesar de parecerem semelhantes, as duas estratégias diferem em um ponto central: naquilo que o slogan pressupõe que seja a falta do TUd. Veja o esquema 1 proposto por Charaudeau (1983a, p. 5), com algumas modificações 6 : Esquema 1: organização narrativa em slogans do tipo P(M) R - Você tem uma Falta [Falta = R(-)] - Você procura suprir essa Falta (Busca) - R representa a Falta suprida (Objeto de busca) - P(M) R representa o meio de suprir (Auxiliar de busca) 6 Alteramos a última linha do esquema, pois julgamos mais apropriado aplicar este esquema somente a slogans que apresentem a fórmula P(M) R, e não P(M) x q, como está no original. 9
10 essa Falta De acordo com esse esquema, o slogan pressupõe que o TUd tenha a Falta de um R que somente o produto de determinada marca (P(M)) pode proporcionar. O slogan impõe esse tipo de Falta ao TUd. O esquema 2 demonstra a organização narrativa do texto publicitário que apresenta o q, mas não expressa o R: Esquema 2: organização narrativa em slogans do tipo P(M) x q - Você tem uma Falta [Falta = [[P(X) x q](-)]] - Você procura suprir essa Falta (Busca) - P(M) representa a Falta suprida (Objeto de busca) - P(M) x q representa o meio de suprir (Auxiliar de busca) essa Falta O esquema 2 mostra que o EUe pressupõe que o TUd tenha uma falta do tipo [[P(X) x q](- )]. Ou seja, o TUd teria a necessidade de adquirir um produto X com a qualidade tal e qual (q) e somente adquirindo seu produto (P(M)) é que essa Falta poderá ser suprida. Vejamos alguns exemplos: A) Um slogan do tipo P(M) R: 13. Sabe aquela idéia que nem você sabe direito? A gente entende. Portobelo Shop. De acordo com o esquema 1, a análise da organização narrativa desse slogan é a seguinte: - Você tem uma Falta [Falta = R(-)] - Você procura suprir essa Falta (Busca) - R representa a Falta suprida (Objeto de busca) - P(M) R representa o meio de suprir (Auxiliar de busca) essa Falta Onde: 10
11 P(M) = Portobelo Shop R = A gente entende até aquela idéia que nem você sabe direito R(-) = a Falta de R B) Um slogan do tipo P(M) x q: 5. Carrefour, sempre o menor preço. Segundo a nossa proposta do esquema 2, a análise da organização narrativa desse slogan é a seguinte: - Você tem uma Falta [Falta = [[P(X) x q](-)]] - Você procura suprir essa Falta (Busca) - P(M) representa a Falta suprida (Objeto de busca) - P(M) x q representa o meio de suprir (Auxiliar de busca) essa Falta Onde: P(M) = Carrefour q = o menor preço [[P(X) x q](-)] = a Falta de uma determinada marca (X) com a qualidade q Há ainda um outro ponto que julgamos interessante lembrar: conforme ressalta Charaudeau, não vemos, no texto publicitário, nada que fale do resultado da Busca. De acordo com Charaudeau (1983a, p. 5): (...) o discurso publicitário se inscreve em uma estratégia factiva do Fazer-Fazer. Mas é preciso em seguida tornar claro que essa estratégia depende de um duplo objetivo da parte da instância enunciativa do EU. Para o EUc-Publicitário, o resultado reside no ato da compra do consumidor, mas, para o EUe-Anunciador, o resultado reside no sucesso do Fazer-Crer na Falta e no Objeto de busca, sucesso que não se pode relacionar automaticamente ao ato de compra, pois ele está relacionado a um imaginário ao mesmo tempo individual e coletivo, que não é paralelo à organização do circuito sócio-econômico: a compra do produto não 11
12 constitui automaticamente a prova do sucesso do Fazer-Crer e, inversamente, a não-compra não constituiria uma prova de fracasso. Essa dupla instância do discurso publicitário pode ser claramente percebida em prêmios publicitários como a pesquisa Top of mind 7, em que as marcas e slogans mais lembrados pelo consumidor são premiados. Pesquisas desse tipo pretendem mostrar qual é o produto e/ou slogan que vem à cabeça de uma pessoa quando se fala em determinado tipo de produto (por exemplo, qual a marca que vem à sua mente quando se fala em automóveis? Ou em margarina? Ou iogurte?). Nem sempre as marcas mais lembradas são efetivamente as mais vendidas, o que talvez sugira uma conquista do EUe, mas não do EUc. 3.3 Da organização argumentativa Analisaremos a proposta argumentativa dos slogans publicitários tendo como base a proposta de Charaudeau que leva em conta uma Proposta que mostra sobre o que se apóia a argumentação, uma Proposição que mostra o raciocínio (se p, então q) e um ato de Persuasão que mostra a validade do proposição (sic), tentando responder antecipadamente a duas objeções possíveis (1983a: 5). Ainda segundo Charaudeau (1983a, p. 5), a Proposta do texto publicitário é representada pelo ELEx que nós já descrevemos, a saber: o produto desta marca, combinado com as suas qualificações, dá um certo resultado, qual seja: P(M) x q R. A partir disso, Charaudeau conclui que o raciocínio por trás dos slogans publicitários é algo do tipo: Se você quer R, então P(M), já que P(M) R. No entanto, com vimos anteriormente, não acreditamos que o EUe assuma que o TUd possa ter apenas a falta de R. Segundo a nossa proposta, o EUe pode pressupor que o TUd tenha a falta de R (R[-]), como supõe Charaudeau, ou ainda uma falta do tipo [[P(X) x q](-)]. Quer dizer, o TUd sentiria a necessidade de adquirir um produto com a qualidade tal e qual e somente adquirindo o produto P(M) é que essa Falta poderia ser suprida. Daí podemos concluir que, pode haver, na verdade, dois raciocínios por trás da argumentação do discurso publicitário: a) Se você quer R, então P(M), já que P(M) R; b) Se você quer q, então P(M), já que P(M) x q 7 Top of mind é uma pesquisa realizada todos os anos pelo Instituto Datafolha, do jornal Folha de S. Paulo. Ele premia as marcas mais lembradas pelos consumidores. Para saber mais sobre o prêmio e seus resultados, veja o website com.br/folha/datafolha/especiais/top2003_index.shtml. 12
13 O ato de Persuasão poderá ainda se decompor nos seguintes raciocínios ((a) e (b) podem ser vistos em Charaudeau; (c) e (d) fazem parte da nossa proposta): a) Você não pode não querer R, resposta a uma possível objeção do tipo R não me interessa, em casos em que o TUd não tenha consciência de uma Falta; b) Somente P(M) permitirá você conseguir R, que quer convencer o TUd de que não há outras maneiras para obter R, apenas através do P(M); c) Você precisa de q em um produto, que servirá para responder uma objeção do tipo eu preciso de um produto, mas ele não precisa ter q d) Somente P(M) apresenta q, no caso em que o TUd reconhece a necessidade de um produto com q, mas precisa ser convencido de que somente P(M) pode suprir sua falta, por possuir qualidades q que nenhum outro produto possui. Analisaremos agora dois exemplos, do ponto de vista argumentativo, de acordo com essa proposta. O primeiro exemplo (slogan 8) não apresenta as qualidades do produto (q); o segundo exemplo (slogan 5) não explicita o que o produto fornece como vantagens para quem o adquire (R). 8. Danone, você cada dia melhor. Proposta: Danone deixa você cada dia melhor. Proposição: Se você quer ficar cada dia melhor, adquira Danone. Persuasão: (a) Você simplesmente não pode não querer ficar cada dia melhor. (b) Somente Danone pode deixar você cada dia melhor. 10. Existem coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras, existe MasterCard. Proposta: O Mastercard pode comprar todas as coisas que o dinheiro pode comprar. Proposição: Se você quer um cartão de crédito que tem como qualidade poder comprar todas as coisas que o dinheiro compra, então use o Mastercard. Persuasão: (c) Você precisa de um cartão de crédito que compre todas as coisas que o dinheiro pode comprar. (d) Somente o Mastercard pode comprar todas as coisas que o dinheiro pode comprar. 13
14 4. Considerações Finais Neste artigo, fizemos uma aplicação da teoria semiolingüística de Charaudeau em discursos publicitários (especialmente baseando-nos em Charaudeau 1983a). Ao contrário de nossa expectativa inicial (quando ainda acreditávamos que os dados do corpus se enquadrariam perfeitamente nas definições da teoria), ao depararmos com dados do mundo real, slogans autênticos, efetivamente utilizados na comunicação, tivemos de fazer consideráveis ajustes na teoria de Charaudeau. Se no começo imaginávamos que conseguiríamos aplicar a teoria na análise de slogans tal e qual ela se mostrava para nós, no decorrer do trabalho, fomos forçados a abandonar esse plano e sujar um pouco as mãos para encarar os fatos tais quais eles se apresentavam. Foi por isso que, ao longo deste artigo, o leitor muitas vezes viu a teoria original ser modificada, aumentada e até mesmo rejeitada em alguns pontos. Acreditamos que fizemos as modificações que, segundo nosso ponto de vista, couberam ser feitas na análise do discurso publicitário, no que diz respeito às suas características enunciativas e sua organização narrativa e argumentativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHARAUDEAU, P. 1983a. À propos du genre publicitaire. In: Langage et discours. Paris: Hachette Université. Tradução: Daniela Ilha Porto. CHARAUDEAU, P. 1983b. L acte de langage comme mise-en-scène. In: Langage et discours. Paris: Hachette Université. Tradução: Daniela Ilha Porto. TOSCANI, O A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro. 14
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