ECOLOGIA EDUCAÇÃO E CIDADANIA
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- Aparecida Delgado Sintra
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1 ECOLOGIA EDUCAÇÃO E CIDADANIA 3 José Manuel Rodrigues Alves 1 Ameaça e Consciência do Risco Um dos temas dos nossos dias, mais relevantes para a problemática da Cidadania, anda em torno das ameaças ecológicas. O professor, na sua dupla responsabilidade de Cidadão e de Educador, poderá começar por veicular uma primeira "consciência do risco", que, sob um ponto de vista de uma ameaça bem real, possa tornar sensível a imprescindibilidade da solidariedade humana, perante a situação colectiva do nosso planeta em choque. Porém, o verdadeiro sentido da Educação impõe que se caminhe para a efectiva construção de uma esclarecida e lúcida consciência ecológica, o que pressupõe uma estrutura ética de solidariedade humana e não um qualquer condicionamento na base do medo ou de uma ameaça externa. 2 Um maravilhoso Planeta Azul A Terra, quando observada do espaço interplanetário, sobressai como um maravilhoso planeta azul. No entanto, não passa de uma grande nave espacial com recursos limitados, exigindo aos seus habitantes estratégias globais de interacção que, na dimensão de cidadãos do mundo, encontrem as melhores opções para que a humanidade possa nela viver ainda um longo tempo. 1
2 O desenvolvimento irresponsável e egoísta da nossa sociedade (industrializada e tecnicista) tem afectado profundamente as condições naturais do planeta, especialmente nas últimas décadas. Os paradoxos e os absurdos multiplicam-se. O homem, sem os rios e o Mar - a sua grande despensa -, não pode viver, mas, irresponsavelmente, faz deles, em simultâneo, a sua grande lixeira. A Comunicação Social refere constantemente casos de abuso por parte da intervenção do homem na manipulação das mais variadas técnicas, materiais e resíduos diversos, o que tem originado graves consequências em relação à manutenção das condições de habitabilidade do planeta e, consequentemente, da saúde e da vida das pessoas. No que respeita à acção político-legislativa, ainda que cumpra uma grande tarefa, acontece que têm existido sempre formas de subverter a sua eficiência. Mesmo quando identificadas as situações, compensará mais pagar as multas, ainda que aparentemente pesadas, do que tratar os resíduos. Julgamos que seria necessário que todos os indivíduos fossem menos egoístas e mais responsáveis perante os outros e o ambiente, o que apenas estará ao alcance de uma tarefa educativa e nunca apenas repressiva. 3 Não se pode confundir a árvore com a floresta A escola está como que adormecida perante uma tal calamidade, alheando-se da alta responsabilidade da tão nobre tarefa educativa. Talvez continue, sob o ponto de vista formal ou informal, a investir num certo egoísmo, individualismo e alheamento dos educandos; talvez continue a implementar programas que não cultivam a necessidade de interagir com os outros na construção de um mundo para todos; talvez continue a considerar os problemas apenas pelo lado teórico, quando a consciência das situações, por parte das camadas mais jovens, exige o envolvimento através das indispensáveis vivências; talvez não cultive o prazer de conviver realmente com os outros como forma de superar o natural egoísmo individualista, face à tarefa comum de se construir a vida de todos. Salvaguardando certas experiências louváveis, aqui e ali, pensamos que o papel peculiar da escola não pode mais ser escamoteado, pois, urge que as crianças de hoje - 2
3 os futuros adultos de amanhã (industriais, políticos, professores e cidadãos em geral) - sejam, nos seus tenros anos, despertadas para certas vivências ecológicas que as tornem mais responsáveis perante a necessidade de um certo equilíbrio que a exigência planetária de preservar as condições de vida do planeta impõe. Por outro lado, todos nós sabemos que as crianças de hoje constituem um autêntico grupo de pressão sobre os próprios pais e sobre os adultos em geral, estes, normalmente, mais insensíveis à problemática ecológica e às condições de vida futura do planeta. Por isso, entendemos que a escola tem a inalienável responsabilidade de utilizar esse enorme potencial, mas de forma profundamente reflectida, científica e eticamente correcta. Não raras vezes, a preocupação visível da Escola junto da criança, futuro adulto, vai no sentido do papelinho que "polui" o chão, já que é directamente visível, e esquece os nitrofuranos que a indústria introduz, criminosamente, de forma directa, nas cadeias alimentares ou, o caso, entre outros, do dióxido de mercúrio e outros venenos que lança nos rios e nos mares e depois nos são devolvidos pelos peixes que comemos. É uma questão da Escola ter o dever de encontrar e compreender a verdadeira dimensão do problema e não se deixar alienar por uma ideologia que nada terá a ver com a futura sobrevivência da humanidade. É necessário que a Escola saiba distinguir o essencial do acessório, afim de que não se coma gato por lebre, a fim de que não se confunda a árvore com a floresta. 4 Da Consciência do Risco ao imperativo da Consciência Ecológica Os avisos tombam de todos os lados, e não só de pendor ecológico. Só quem não quer ver poderá ignorar a ameaça que paira sobre toda a humanidade e, sobretudo, sobre as gerações mais jovens, a quem está, seriamente, a ser hipotecado o seu futuro. É preciso que todos ganhemos o que se tem chamado consciência do risco que, embora derivada de uma imposição exterior, potencie a força necessária para que todos demos as mãos, a fim de podermos garantir o futuro dos nossos filhos. Com efeito, uma consciência do risco leva-nos a ser cautelosos na base de uma ameaça visível, que atinge toda a humanidade, mas essa fonte de medo pode não ser devidamente eficiente, dado não assentar na convicção de um sentimento interior. 3
4 Torna-se, por isso, desejável que o cidadão aceda a uma consciência ética, de nível autónomo, conducente a uma realista solidariedade humana, não imposta, mas sentida e vivida. Assim, o superior papel da Educação, transcendendo a força objectiva do medo e das ameaças externas, deverá consistir em promover a construção de uma verdadeira «consciência ecológica», autónoma, livre e solidária. Será através dessa paulatina construção da consciência ecológica, que cada criança, cada homem, poderá interiorizar a dimensão do respeito pelo outro, na base de um princípio moral e ético de efectiva solidariedade humana. Para lá da ameaça visível e heterónoma, que deflagra perante os nossos olhos, a consciência ecológica assenta num imperativo moral e ético de origem autónoma, pugnando por um planeta saudável, de tal modo que, criativa e inteligentemente, todos nós e os vindouros possamos continuar a usufruir da liberdade de nele viver. Será esse sentido ético, que sustenta, de forma livre e autónoma, o imperativo ecológico de que fala Hans Jonas: «Age de tal maneira que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma verdadeira vida humana sobre a terra» 1. Claro que esta formulação é baseada na lição kantiana sobre o bem conhecido imperativo categórico. Kant traduziu-o numa asserção célebre que, entre outras, pode apresentar a seguinte formulação: «Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa sempre valer como princípio de uma legislação que seja para todos» 2. O que devo fazer? Agir de tal modo que o teu agir se transforme numa lei que valha para todos, responde Kant. Esta orientação da conduta humana, segundo fins propostos pela razão, faz do homem um ser livre e responsável, capaz de submeter os impulsos, as tentações fáceis, as vantagens imediatas, a favor de uma conduta ética exemplar. O que devo fazer? Age e será com o teu agir que consubstanciarás a lei que te determina a ti e aos outros homens inscritos na mesma ordem racional objectiva. Na verdade, é o homem o próprio legislador, exercendo a sua liberdade máxima no acto de 1 Cf. Hans JONAS (1995). Hans, Le príncipe responsabilité., Paris : Les éditions du cerf. 2 KANT (Immanuel). Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Coimbra: Atlântida, 1960, pp.15, 29, 30, 27 e 28. 4
5 criar. Porém, tão elevada criação, a do imperativo categórico, impõe o dever de obedecer à lei que ele próprio cria autonomamente. O homem institui a moralidade, promovendo a adequação da norma ao acto e deste à norma. Esta atitude exige também a vontade. Não basta propor fins e não confundir os meios com esses mesmos fins; é preciso escolher em cada momento próprio os mais adequados e prossegui-los. A razão autónoma legisla; a vontade operacional terá de cumprir. Frisemos que o cumprimento do dever moral se impõe por si mesmo independentemente de qualquer sanção ou proveito. É essa independência em relação aos meios e a outros condicionalismos particulares que se constitui o acto moral, cujo fim mora em si próprio. Por exemplo, um acto apenas será um acto moral se for praticado por puro dever e não como um meio para atingir uma recompensa ou evitar um castigo. O cumprimento do dever moral deriva únicamente da razão que se consubstancia no imperativo categórico. Por seu lado, a conduta ecológica deverá assentar no imperativo ecológico de Hans Jonas, referido mais acima. Por isso, a verdadeira consciência ecológica tem como subjacente uma consciência ética, sendo por amor e por respeito ao outro que não poluímos, que não destruímos o planeta que é de todos, os que agora vivem e dos que hão-de vir. Acontece que tal liberdade exige a contrapartida de, em caso algum, podermos alienar a nossa responsabilidade de seres lúcidos, críticos e interventivos, isto é, de seres insubstituíveis na construção do futuro colectivo. Concluindo. Se o cidadão em geral jamais se poderá demitir da sua responsabilidade ecológica, o professor ou educador de hoje debate-se com uma responsabilidade redobrada: com as utopias do presente, ele terá que reunir a mestria de saber-fazer o saber-ser dos ameaçados homens do amanhã. Nota: Texto publicado no quinzenário - A Voz do Nordeste - em 1990 e revisto e reformulado em Maio de
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