NOTA TÉCNICA. Santana de Parnaíba, 11 de março de 2005.

Transcrição

1 1 Santana de Parnaíba, 11 de março de NOTA TÉCNICA Teto de Remuneração dos Servidores Públicos Redação do Artigo 37, XI, da Constituição Federal - Emenda Constitucional n.º 41/2003 Vantagens Pessoais Afronta ao Direito Adquirido Inconstitucionalidade. 1. Trata-se de consulta sobre a aplicação do teto de remuneração previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 41/2003, para os servidores que percebem remuneração pelo exercício de cargo público no Município, constituída pelo vencimento fixado em lei acrescido de vantagens pessoais. É o que importa relatar. Passamos a opinar. 2. É do texto constitucional anterior à EC41/03, a seguinte redação do art. 37, XI (redação dada pela EC19/98): XI a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes públicos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente

2 2 ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; A despeito da discussão que se erigiu em torno desse tema, em especial quanto à eficácia ou não desse dispositivo antes da definição do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal 1, a realidade é que restaram derrogadas as antigas disposições que limitavam a remuneração dos servidores municipal ao subsídio do Prefeito. Com efeito, desde a promulgação da Emenda Constitucional n.º 19/98, inaplicável aos servidores municipais o teto de remuneração vinculado à remuneração percebida pelo Prefeito (CF88 redação original) ou, no mínimo, afastada sua incidência sobre as vantagens pessoais. Assim, se os servidores incorporaram vantagens pessoais antes de dezembro de 2003, à remuneração dos mesmos não era aplicado qualquer redutor Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 41/03, o art. 37, XI, da Carta Magna passou a ter a seguinte redação: XI a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e 1 Caso se adote a decisão tomada pelo STF na Sessão Administrativa de , que entendeu inaplicável a EC 19/98, a redação original do art. 37, XI, da Constituição, ao determinar o limite do subsídio do Prefeito não permite sua incidência sobre as vantagens pessoais. 2 Salvo se fosse aplicado o limite do subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal, nos termos da EC 19/98, e a remuneração do servidor fosse superior a esse limite, o que cremos não ser o caso.

3 3 os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; Portanto, após o dia 31 de dezembro de 2003 (data da publicação da Emenda n.º 41/03), deveria ser aplicado o teto de remuneração do Prefeito à remuneração dos servidores municipais. A dúvida que surge, então, é sobre a constitucionalidade da redação dada ao art. 37, XI, pela Emenda n.º 41/03, que prevê a inclusão das vantagens pessoais para fins de incidência do teto de remuneração. 4. É que o art. 8.º da Emenda, ao preconizar regra provisória para estabelecimento do limite remuneratório, determina a inclusão da representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço pelos Ministros do STF, nítidas vantagens pessoais.

4 4 À inclusão dessas parcelas, o STF acrescentou, em decisão tomada na Sessão Administrativa de , a não incidência do teto de remuneração sobre a gratificação de presença devida aos Ministros que atuam no Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Evidencia-se, assim, que a inclusão das vantagens pessoais para fins de imposição do teto remuneratório certamente representará afronta ao direito do servidor público, com claro caráter antiisonômico, visto que não preservará situações individuais legalmente constituídas. 5. Problema maior está na aplicação do teto de remuneração com violação do direito adquirido do servidor, quando este já tiver incorporado vantagens pessoais antes da vigência da Emenda Constitucional n.º 41/03. Nesse ponto, podemos concluir, com fundamento no entendimento já sedimentado na Suprema Corte 3, que a EC 41/03 é inconstitucional, por violar cláusula pétrea da Constituição, imodificável em sede de Emenda. O Professor Regis Fernandes de Oliveira, desembargador aposentado do TJSP, em sua monografia Servidores Públicos (São Paulo, Malheiros, 2004, p. 61), assim preleciona sobre o tema: Se os vencimentos do servidor estiverem acima do teto, quando do advento da Emenda, entende-se que fica ele preservado naquilo que exceder o limite fixado. É que terá ele direito adquirido oponível contra todos. Se o servidor, durante determinado período, trabalhou e obteve as vantagens que a Constituição e a lei permitiam, a situação fática consolidou-se, dando origem ao nascimento do direito adquirido. Este, como 3 O entendimento de que a Emenda Constitucional pode ser julgada inconstitucional foi reforçado no recente julgamento das ADIs 3105 e 3128 (j. 18/8/04), no qual o STF reconheceu a inconstitucionalidade do limite de isenção imposto nos incisos I e II do parágrafo único do art. 4.º da EC 41/03.

5 5 se sabe, torna-se imunizado contra qualquer alteração posterior. Dir-se-á que inexiste direito adquirido contra norma constitucional. Não é bem assim. Deve a emenda respeitar os direitos já existentes quando cobertos por norma constitucional anterior. Poder-se-á argumentar, inclusive, com a legitimidade do Poder Constituinte derivado no alterar a Constituição. Caso proviesse a determinação do Poder Constituinte originário, dúvida alguma remanesceria. No entanto, pode-se questionar a competência do derivado no sentido de produzir norma lesiva ao direito adquirido (inciso XXXVI do art. 5.º). (grifos nossos) Vê-se, pois, que o constituinte derivado não poderia afetar o direito adquirido relativo às situações já consolidadas antes de sua vigência. 6. E não se avoque a disciplina do art. 17 do ADCT da Carta de 1988, como pretendeu o art. 9.º da EC 41/03. É que tal dispositivo, sendo norma de caráter transitório, inserida no corpo legislativo transitório da Constituição destinado a disciplinar as situações anteriores à sua promulgação, não pode ter sua eficácia estendida a circunstâncias posteriores ao alvedrio do legislador ou do constituinte derivado. O art. 17 do ADCT, portanto, somente se aplicou (sim, aplicou, no pretérito) àquelas situações que, na data de vigência da Constituição de estavam em desacordo com o novel ordenamento jurídico-constitucional. O legislador constituinte derivado não pode pretender reativar a eficácia de norma transitória para alcançar situações futuras à sua edição,

6 6 especialmente para afrontar direitos legalmente consolidados sob a égide da norma constitucional então vigente. Ribeiro 4 : Nesse sentido está o entendimento de Lívia Santos Ocorre que o art. 17 do ADCT, enquanto manifestação do Poder Constituinte originário incondicional, autônomo e inicial pode alterar situações constituídas anteriormente à promulgação da Constituição. Porém emenda constitucional, porque decorrente do Poder Constituinte reformador derivado, condicionado e subordinado está sujeita a limites materiais, que a impedem de alcançar direitos e garantias individuais. O método de elaboração legislativa utilizado pelo art. 9.º da EC n 41, que, em vão, procura socorrer-se do art. 17 do ADCT, constitui indisfarçável tentativa de burla à garantia individual do direito adquirido, consagrado no art. 5, XXXVI, da Constituição Federal. Em julgado recente (RE n /SP 06/08/2003), decidiu o Supremo Tribunal Federal que a garantia da irredutibilidade de vencimento é modalidade qualificada de direito adquirido e projeta-se para o futuro, de modo a assegurar o servidor contra a redução de estipêndio licitamente reajustado. 4 Teto remuneratório: inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 41/2003. Jus Navegandi, Teresina, a.8, n.356, 28 jun Disponível em: <

7 7 Certo é, portanto, que o limite remuneratório equivalente ao subsídio do Prefeito Municipal por força do art. 37, XI, da Constituição, com a redação dada pela EC 41/03, não pode incidir sobre as vantagens pecuniárias de caráter pessoal dos servidores, especialmente quando o direito à percepção de tais vantagens tenha sido adquirido antes da vigência da nova regra. 7. Cabe ressaltar, no entanto, que o entendimento por nós esposado neste Parecer fundamenta-se exclusivamente no posicionamento doutrinário ora predominante, sendo certo que não há decisões judiciais sobre o tema, em vista do exíguo decurso de tempo desde a edição da Emenda. De igual modo, não há como prever qual será a interpretação adotada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a quem compete fiscalizar os atos do Município. situações para fins de aplicação deste Parecer. Nesse sentido, no entanto, há que se distinguir duas A primeira diz respeito aos servidores que já haviam adquirido direito à incorporação de vantagens antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 41/03. Nessa hipótese, é maior o fundamento da não aplicação do teto remuneratório, posto que a imposição do teto importará em redução da remuneração e afronta ao direito adquirido. A segunda hipótese refere-se àqueles servidores que, após a vigência da Emenda, ultrapassem o teto remuneratório por força da incorporação de vantagens pessoais. Nestes casos, o fundamento residirá exclusivamente, a nosso ver, na inconstitucionalidade da inclusão das vantagens pessoais, em face do seu caráter antiisonômico da norma.

8 8 Esta tese, embora sedutora e justa esbarra na literalidade do texto da Emenda Constitucional, sem que se possa alegar que haja afronta a direito adquirido, nos mesmos moldes do entendimento adotado pelo STF no julgamento das ADIs 3105 e 3128, quando julgou constitucional a cobrança da contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. 8. Em conclusão, pois, opinamos no sentido de que não deve haver redução da remuneração legalmente percebida antes da Emenda Constitucional n.º 41/03, mesmo que, em razão das vantagens pessoais, seja ultrapassado o teto remuneratório. Quanto aos servidores cuja remuneração exceder o teto de remuneração após a vigência da Emenda, opinamos que o teto seja respeitado 5. É, pois, o parecer, s.m.j. Cleuton de Oliveira Sanches Advogado OAB.SP A nosso ver, o teto não deverá ser aplicado nos casos de pagamento de férias, indenizações, restituições, etc., que não integram a remuneração mensal do servidor, e na acumulação legal de cargos.