TRAUMA ABDOMI AL CO TUSO - EXISTE ESPAÇO PARA A VÍDEO-LAPAROSCOPIA?
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- Lorena Bonilha Gameiro
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1 TRAUMA ABDOMI AL CO TUSO - EXISTE ESPAÇO PARA A VÍDEO-LAPAROSCOPIA? Miguel P. ácul 1, ehad Yusuf imer 2, Jader Gus 2, Guilherme Behrend S. Ribeiro 3 1 Cirurgião do Serviço de Cirurgia do Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, RS, Coordenador da Área de Vídeo- Cirurgia. 2 Médicos Residentes do Serviço de Cirurgia do Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, RS. 3 Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Trabalho realizado no Serviço Cirurgia do Trauma do Hospital de Pronto Socorro - Porto Alegre, RS, Brasil. RESUMO A vídeo-laparoscopia vem contribuindo de forma crescente para o diagnóstico e tratamento de várias afecções cirúrgicas abdominais, introduzindo profundas mudanças na cirurgia contemporânea. Esse avanço incorporou-se ao Trauma, fazendo parte da avaliação diagnóstica e, menos freqüentemente, da terapêutica do trauma abdominal. A vídeolaparoscopia apresenta um papel mais bem definido no trauma abdominal penetrante, com indicações fundamentadas por várias publicações médicas. Já no trauma abdominal contuso onde o tratamento não-operatório apresenta embasamento científico consistente e sucesso crescente, a vídeo-laparoscopia tem o seu espaço de atuação mais restrito. Os autores concluem baseados em uma revisão da literatura médica que é na dúvida diagnóstica que a vídeo-laparoscopia encontra o seu papel no trauma abdominal contuso como opção preferencial a laparotomia. Unitermos: vídeo-laparoscopia, trauma abdominal contuso. I TRODUÇÃO Desenvolvida ao longo do século XX, a laparoscopia vem contribuindo de forma crescente para o diagnóstico e tratamento de várias afecções cirúrgicas abdominais, introduzindo profundas mudanças na cirurgia contemporânea. A introdução da vídeocâmera na primeira metade da década de 80 propiciou o início da era vídeo-laparoscópica que tem como marco fundamental a colecistectomia de Mouret em Lyon, França, em A vídeo-laparoscopia nasceu como método de conotação eminentemente terapêutica, ao contrário da laparoscopia que era basicamente diagnóstica. Desde então, ampliou-se o seu campo de atuação não só limitado à cavidade abdominal, mas também a outras partes do corpo humano em várias especialidades cirúrgicas. Esse avanço incorporou-se às urgências, incluindo o trauma, destacando-se o seu papel no trauma torácico e no trauma abdominal. A avaliação inicial do trauma abdominal conta atualmente com um amplo arsenal de métodos invasivos e não-invasivos, que permitem uma abordagem cirúrgica mais seletiva, especialmente nos doentes estáveis, para os quais pode-se estabelecer um algoritmo diagnóstico, cabendo ao cirurgião decidir qual o método mais adequado para cada situação. O advento da laparoscopia e, mais recentemente, da vídeo-laparoscopia, determinou um
2 grande interesse quanto a sua aplicabilidade nas urgências, expresso por um crescente número de publicações [1]. A vídeo-laparoscopia vem sendo utilizada tanto no trauma abdominal aberto (penetrante) como no fechado (contuso) com indicações mais amplas, freqüentes e mais bem definidas no penetrante do que no contuso. Apesar de demonstrar potencial diagnóstico e terapêutico, as indicações do uso da vídeo-laparoscopia no trauma abdominal contuso (TAC) têm se restringido a situações mais específicas e tem sido pauta de discussão na literatura [2]. Os autores discutem, baseado em uma revisão da literatura e na experiência do Serviço de Cirurgia do Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, RS, o papel atual da vídeo-laparoscopia na abordagem do TAC. HISTÓRICO A primeira publicação na literatura do uso da laparoscopia no trauma abdominal foi feita por R. Lamy & H. Sarles em 1956 [3]. Os autores relataram o uso da laparoscopia no diagnóstico de hemo-peritônio em dois pacientes com TAC. Em 1976, Gazzaniga e cols. descreveram o uso da laparoscopia no trauma abdominal penetrante, assim como também publicaram Carnevale e cols. (1977) [4,5]. Os primeiros relatos de autores brasileiros foram feitos por Carrilho e Zeitune (1983) [6] e Zantut, Junior e Birolini (1989) [7]. Raimundo Llanio Navarro, Diretor do Instituto de Gastroenterologia de Havana, Cuba, apresentou sua experiência do uso da laparoscopia nas urgências abdominais, incluindo casos de trauma abdominal, relatando até 1993, mais de casos com eficácia em torno de 97% [8, 9]. Atualmente, diversos serviços de trauma no Brasil e no mundo utilizam a vídeolaparoscopia na abordagem do trauma abdominal. O Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, RS, referência regional em trauma, iniciou em 1996 a utilização do método no trauma. Porém, a prática da vídeo-laparoscopia no trauma continua restrita a poucos serviços e as publicações expressam casuísticas ainda relativamente pequenas. Utilizada com freqüência por alguns serviços de trauma quando no início de sua experiência na abordagem inicial do TAC, a vídeo-laparoscopia tem perdido cada vez mais espaço nesta situação em relação ao tratamento não-operatório [10]. VÍDEO-LAPAROSCOPIA E TRAUMA ABDOMI AL A introdução da vídeo-laparoscopia não trouxe modificação na abordagem inicial do trauma abdominal, permanecendo a anamnese, exame físico, exames laboratoriais e exames de imagem, métodos fundamentais na determinação de um diagnóstico presuntivo. Neste contexto, a vídeo-laparoscopia aparece como um método diagnóstico seguro e eficiente quando bem indicado, competindo em algumas situações com a ecografia abdominal e a tomografia computadorizada, em especial no trauma contuso [11]. O objetivo geral do método é aprimorar o diagnóstico de forma mais precoce possível no sentido de diminuir a morbi-mortalidade dos pacientes com trauma abdominal, permitindo que aqueles sem afecções passíveis de tratamento cirúrgico se beneficiem da não-realização de procedimentos cirúrgicos diagnósticos desnecessários [12]. Além desta função diagnóstica, a vídeo-laparoscopia pode oferecer também uma função terapêutica ou, pelo menos, direcionar ou diminuir a extensão de uma laparotomia. A utilização da vídeolaparoscopia no trauma abdominal também visa diminuir o número de laparotomias nãoterapêuticas e das observações clínicas de doenças em atividade. Do ponto de vista técnico, permite a avaliação da violação peritoneal, presença de lesões viscerais, hemostasia de
3 vísceras parenquimatosas, aspiração e lavagem da cavidade peritoneal, apoio ao tratamento não-operatório de órgãos parenquimatosos, sutura de ferimentos diafragmáticos e de lesões de vísceras ocas [11,13]. A vídeo-laparoscopia apresenta vantagens na abordagem do trauma abdominal inerentes ao método e específicas da sua utilização nesta patologia (TABELA 1). A maior limitação da utilização da vídeo-laparoscopia no trauma abdominal é sem dúvida a instabilidade hemodinâmica que é considerada contra-indicação absoluta. Além da dificuldade técnica de rápido controle de volumoso sangramento intra-abdominal, o pneumoperitônio de CO2 pode diminuir o retorno venoso por compressão da veia cava inferior. Este fato pode causar uma síndrome de baixo débito piorando ainda mais a situação hemodinâmica do paciente. Discrasias sanguíneas também são consideradas uma contra-indicação ao método. Distensão abdominal e terceiro trimestre de gestação oferecem grandes dificuldades a realização da vídeo-laparoscopia devido à complexidade de criação de espaço peritoneal que proporcione um acesso seguro. Áreas de acesso mais complexo (retro-peritônio e retro-cavidade dos epíplons) ou cegas (áreas hepáticas e esplênicas posteriores e superiores) também causam limitações ao método como demonstrou Grijalva e cols. [48] em estudo comparativo entre os inventários da cavidade abdominal pelo método laparoscópico e laparotômico no trauma abdominal. Deficiências técnicas e/ou tecnológicas prejudicam os resultados, diminuindo as possibilidades da sua aplicação, podendo determinar um papel unicamente diagnóstico da vídeo-laparoscopia no trauma abdominal. Dificuldades na avaliação de lesões intestinais, em especial no colón em suas porções retroperitoneais e a limitação visual determinada por infiltrações hemáticas de grande porte diminuem a segurança do método. Nestas situações, parece haver um aumento do aparecimento de lesões não diagnosticadas [10, 11,13]. Outra situação clínica controversa e considerada limitação ao método, é o aumento da pressão intracraniana devido ao pneumoperitônio de CO2, o que pode determinar prejuízo em pacientes politraumatizados com traumatismo crânio-encefálico, associação muito comum nos pacientes com TAC [11]. Também tem sido objeto de discussão o risco do desenvolvimento de um pneumotórax hipertensivo devido à passagem de CO2 sobre pressão para a cavidade pleural em um paciente com lesão diafragmática. Esta situação pode também determinar uma aspiração de conteúdo entérico para o tórax através da lesão diafragmática com repercussão infecciosa. Também é referida a possibilidade de embolia gasosa em lesões de grandes vasos ou de fígado causada pelo uso do CO2 sobre pressão [14]. VÍDEO-LAPAROSCOPIA E TRAUMA ABDOMI AL CO TUSO Quando se discute o papel da vídeo-laparoscopia no TAC, a questão central é que mesmo doentes assintomáticos, conscientes e sem repercussão hemodinâmica, podem ter pequenas lesões que virão a se manifestar tardiamente com conseqüências graves. Alguns doentes têm lesões associadas, em especial, traumatismo crânio-encefálico, o que dificulta a avaliação clínica do abdome. Em situações como estas, a vídeo-laparoscopia mostra-se um método com interessante potencial, determinando o "fim da dúvida" em relação à presença de lesões intra-abdominais com uma morbidade menor que a de uma laparotomia. No entanto, a utilização de métodos de imagem (ecografia abdominal e tomografia computadorizada) na avaliação do TAC cria uma certa competição com a vídeolaparoscopia. Isto deve-se ao fato de que diversos estudos [42, 43, 44, 45, 46] demonstram resultados satisfatórios do tratamento conservador de lesões de órgãos sólidos
4 fundamentado nos achados dos exames de imagem (em especial, tomografia computadorizada) em relação aos tratamentos invasivos, Pacientes com lesões hepáticas, esplênicas e renais devido a um TAC, confirmadas e avaliadas em sua extensão com exames de imagens, estáveis hemodinamicamente, se beneficiam do tratamento nãooperatório. Assim, o tratamento não-operatório do TAC ocupou um espaço potencial de utilização da vídeo-laparoscopia. Já os pacientes em tratamento não-operatório que apresentam evolução clínica insatisfatória, levantando a possibilidade de lesão não diagnosticada ou complicações (sangramento, perfuração de víscera oca) podem ser abordados por vídeo-laparoscopia desde que permaneçam hemodinamicamente estáveis. Outra situação clínica em que a vídeo-laparoscopia se mostra útil no TAC é naqueles pacientes estáveis hemodinamicamente que apresentam, nos exames de imagem, líquido livre na cavidade peritoneal em quantidade significativa sem evidências de lesão de víscera maciça. Nesta situação, existe possibilidade de que o líquido visualizado seja decorrente de lesão de víscera oca, mesentério ou mesmo de via urinária (em especial da bexiga). A vídeo-laparoscopia, então, pode estabelecer o diagnóstico precocemente e, eventualmente, tratar o problema. Pacientes vítimas de trauma com fraturas complexas de bacia, em que há presença de líquido intra-peritoneal, não se identifica qualquer lesão de órgãos em cerca de 40% dos casos [1]. Nesta situação, a vídeo-laparoscopia pode certificar a ausência de lesão, evitando uma laparotomia diagnóstica, desde que o paciente esteja estabilizado do ponto de vista hemodinâmico. A autotransfusão de sangue intra-abdominal foi descrita por Zantut em 1991 [15], sendo uma opção válida desde que a exploração da cavidade peritoneal não demonstre presença de lesão de víscera oca. A vídeo-laparoscopia permite o diagnóstico e correção das lesões diafragmáticas, evitando o aparecimento tardio de hérnias diafragmáticas e suas complicações. Entretanto, as lesões diafragmáticas tendem a ser mais extensas no TAC, dificultando tecnicamente o reparo [33]. DISCUSSÃO A relativa pequena quantidade de publicações e o diminuto tamanho das casuísticas demonstram uma evolução relativamente lenta e indicações mais restritas da vídeolaparoscopia no contexto do trauma abdominal [1]. Em especial no TAC, a expressão na literatura é ainda mais limitada. Berci descreve 15 pacientes com TACs abordados inicialmente por mini-laparoscopia com bons resultados. Berci também descreveu uma interessante classificação do hemo-peritônio segundo a laparoscopia [16,17]: - Pequeno: pequena quantidade de sangue na goteira parieto-cólica. - Moderado: lagos sangüíneos entre alças. - Acentuado: alças sobrenadando no sangue. - Estável: não sofre aumento após 10 minutos de observação. Poole descreve um algoritmo para o tratamento do TAC onde a vídeo-laparoscopia é colocada mais como método diagnóstico competindo com a ecografia abdominal, lavado peritoneal e tomografia computadorizada [18]. Constatada a lesão, sugere o uso da laparotomia como método terapêutico (FIGURA 01). Smith e Fry publicaram um estudo retrospectivo com 133 pacientes submetidos à laparoscopia por trauma abdominal em um período de três anos, sendo que 18 apresentavam TAC [19]. Neste estudo, a vídeolaparoscopia demonstrou um valor preditivo positivo de 85%. Dez pacientes fizeram
5 autotransfusão. Nenhuma lesão significativa deixou de ser diagnosticada. Os autores concluem que a laparoscopia é um método seguro na avaliação de pacientes selecionados e pode reduzir o número de laparotomias não-terapêuticas, tendo potencial terapêutico, mas de valor ainda limitado. Esses autores apresentam um algoritmo onde também limitam o uso terapêutico da vídeo-laparoscopia no TAC [14]. No entanto, expressam potencial do seu uso em pacientes com lesão de víscera maciça em tratamento não-operatório e que, na evolução, apresentam suspeita de complicação. Smith, em artigo de 2001 [36], no qual comenta o papel das técnicas endoscópicas no trauma, escreve que o papel da vídeolaparoscopia ainda é controverso, porém o interesse por essa técnica vem aumentando. A vídeo-laparoscopia tem beneficio somente em pacientes estáveis hemodinamicamente, tendo sido inicialmente usada apenas para detectar penetração na cavidade peritoneal e lesão do diafragma em ferimentos tóraco-abdominais. A vídeo-laparoscopia no trauma contuso ainda não tem utilidade comprovada, mas tem sido usada na avaliação dos pacientes com suspeita de lesão víscera oca. Chen e cols., de Taiwan, China, descreveram 61 pacientes submetidos a tratamento conservador de lesões hepáticas em TAC em um período de 3 anos [20]. 55 pacientes evoluíram bem com tratamento conservador. Seis foram submetidos à video-laparoscopia. Neste estudo, foi utilizada cola de fibrina sobre as áreas de lesão hepática. Não houve necessidade de laparotomia em nenhum caso. Caso a cola não tivesse sido utilizada, três casos teriam sido convertidos para laparotomia na avaliação dos autores. Um paciente desenvolveu abscesso hepático. Os autores concluem que o uso da cola de fibrina por via laparoscópica diminui o índice de laparotomias nãoterapêuticas em pacientes com trauma hepático contuso tratados conservadoramente. Taner e cols., de Ankara, Turquia, analisaram 28 pacientes com TAC em um universo de 99 pacientes submetidos a vídeo-laparoscopia em um período de 48 meses [21]. Neste estudo, houve redução do número de laparotomias não-terapêuticas e dos custos hospitalares. Meyer e cols., de Cottbus, Alemanha, analisaram retrospectivamente todos os pacientes vitimas de TAC entre 1998 e 2000, perfazendo um total de 53 pacientes [22]. Destes, 20 pacientes foram submetidos a vídeo-laparoscopia. Onze foram tratados apenas por este método, sendo que oito pacientes apresentavam algum tipo de lesão e, portanto, a vídeolaparoscopia teve ação terapêutica nestes casos. A incidência de laparotomias nãoterapêuticas neste estudo foi de 13,20%. Os autores sugerem que a laparoscopia deve ficar firmemente estabelecida no diagnóstico e tratamento (quando indicado) do TAC. Chol e Kim, da Universidade de Ulsan, Coréia do Sul, publicaram 78 casos de laparoscopia no período de dois anos, sendo 52 TACs e outros 26 ferimentos abdominais por arma branca [23]. A vídeo-laparoscopia foi diagnóstica em 13 pacientes e terapêutica em 65, incluindo procedimentos de maior complexidade técnica e com maiores necessidades estruturais de equipamento e instrumental (como cirurgia de Hartmann, pancreatrectomia e esplenectomia). O tempo cirúrgico médio foi de 142 minutos. O tempo internação médio foi de 9,8 dias. Não houve nenhuma lesão não diagnosticada e nenhuma conversão, assim como também não foi constatada nenhuma complicação pós-operatória grave. Os autores concluem que a vídeo-laparoscopia é um procedimento seguro e efetivo na abordagem de pacientes com traumatismo abdominal, estáveis hemodinamicamente, podendo diminuir o número de laparotomias não-terapêuticas. Omori e cols., de Morioka, Japão, compararam 2 grupos de pacientes vítimas de TAC: grupo A (controle histórico) com 23 pacientes e Grupo B (laparoscópico) com 13 pacientes [26]. Foram avaliados o tempo entre o trauma e a chegada à sala cirúrgica, tempo cirúrgico, perda sanguínea, tempo para liberação da dieta, contaminação intra-peritoneal, tempo de internação, mortalidade e complicações intra e
6 pós-operatória. A perda sanguínea foi menor no grupo laparoscópico, não havendo diferença estatisticamente significativa nas outras variáveis. A abordagem laparoscópica apresentou resultados melhores nos pacientes vitimas de trauma contuso com lesão de víscera oca isolada. Ulman e cols., de Izmir, Turquia [28], e Hughes e cols., de Westmead, Austrália [30], publicaram estudos retrospectivos que analisam o risco do manejo conservador no trauma abdominal fechado em retardar o diagnóstico de lesão de víscera oca. Os autores turcos sugerem lavado peritoneal diagnóstico nas crianças com dor persistente, devido à alta sensibilidade comparada com outras modalidades diagnósticas. Já os australianos procuraram desenvolver um guideline para diagnóstico e tratamento das lesões do trato gastro-intestinal (TGI) após trauma contuso com a utilização de alterações clínicas como dor abdominal, sinais de irritação peritoneal e instabilidade hemodinâmica, lavado peritoneal diagnóstico e tomografia computadorizada. O grau de morbidade das lesões do TGI está relacionada ao atraso da cirurgia em mais de 24 horas. Mathonnet e cols., de Limoges Cedex, França, apresentam um estudo com propósito de determinar quanto a vídeo-laparoscopia pode acrescentar no diagnóstico e tratamento das lesões do intestino delgado no trauma abdominal fechado [32]. De 250 pacientes admitidos com trauma abdominal fechado, 195 foram à exploração cirúrgica sendo que 42 por vídeolaparoscopia. Foram comparados os pacientes que foram à cirurgia de emergência e os que aguardaram até 51h. A sensibilidade e especificidade da vídeo-laparoscopia foram de 100%. Os pacientes que tiveram a cirurgia atrasada necessitaram de mais ressecções intestinais do que os que fizeram a cirurgia de emergência. Em cinco pacientes, a sutura intestinal foi realizada por via laparoscópica. Dez pacientes necessitaram de conversão para laparotomia. A laparotomia foi evitada em 15 pacientes. Os autores concluíram que em pacientes hemodinamicamente estáveis com TAC, a vídeo-laparoscopia é segura e efetiva em identificar lesões de víscera ocas. O reconhecimento precoce oferece um prognóstico melhor. Hasegawa e cols., cirurgiões pediátricos em Wakayama, Japão, avaliaram a segurança da vídeo-laparoscopia diagnóstica no TAC em crianças [39]. A técnica foi realizada em 5 crianças de 3 a 13 anos devido a persistência de dor abdominal. Três pacientes foram convertidos para a laparotomia. Os autores concluíram que a laparoscopia é um método diagnóstico seguro, mas requer mais estudos até porque se trata de uma pequena casuística. Demetriades e Velmahos, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), Estados Unidos, em um trabalho sobre o efeito da tecnologia na abordagem do trauma abdominal, expressam que o tratamento conservador é seguro e elimina as complicações associadas a laparotomias não-terapêuticas [46]. A ecografia, lavado peritoneal diagnóstico, tomografia computadorizada, vídeo-laparoscopia, toracoscopia e angiografia servem de triagem para o paciente. Novas tecnologias como software e hardware de ultra -som, de sistemas ópticos de mini-laparoscopias que podem ser realizadas no leito e tomógrafos portáteis podem aumentar a precisão e a velocidade da avaliação inicial. Townsend e cols., da Ohio University College of Medicine, EUA, avaliaram a eficácia da vídeo-laparoscopia diagnóstica como adjunto para o tratamento conservador de vísceras maciças [47]. Os autores avaliaram 15 pacientes com 17 lesões de órgãos maciços intra-abdominais. A vídeo-laparoscopia diagnóstica foi eficaz em identificar lesões em 15 casos. Dois pacientes apresentavam lesões de vísceras ocas. Matthews e cols., da Carolina do Norte, EUA, desenvolveram um estudo que objetivou avaliar a facilidade e limitações do reparo das lesões de diafragma por vídeo-laparoscopia [33]. Eles concluíram que a técnica laparoscópica é uma maneira alternativa para reparo das lesões agudas e crônicas do diafragma. No entanto, as grandes lesões, em especial aquelas que envolvem o hiato
7 esofágico, devem ser corrigidas por laparotomia, na opinião dos autores. Realmente, a vídeo-laparoscopia no TAC é tecnicamente difícil, pois não há um direcionamento exato do trauma, ao contrário do que ocorre em geral no trauma penetrante. O cirurgião deve realizar uma ampla e detalhada avaliação da cavidade peritoneal e do retroperitônio, se indicado. Por isso, nestas situações a incidência de lesões não diagnosticadas pode ser maior [13]. De março de 1997 a abril de 2003, foram realizadas 135 vídeo-laparoscopias em pacientes com trauma abdominal no Serviço de Cirurgia do Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, RS. Desses casos, 7% das vídeo-laparoscopias foram casos de TAC, incidência que se repete na literatura médica. O algoritmo utilizado no Serviço de Cirurgia do Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, RS, está configurado na FIGURA 02. Esse algoritmo expõe um papel limitado da vídeo-laparoscopia na abordagem inicial do TAC, o que parece ser consenso na literatura médica [2, 47]. CO CLUSÃO Praticamente todos os procedimentos cirúrgicos abdominais podem ser e vem sendo realizados por vídeo-laparoscopia. O que devemos discutir não é o que podemos, mas o que devemos fazer por vídeo-laparoscopia. E é esta idéia que rege a aplicação deste método no trauma abdominal. A abordagem do trauma abdominal por vídeo-laparoscopia necessita de organização estrutural e tecnológica adequadas, além de desenvolvimento técnico e vivência laparoscópica para que os resultados demonstrados na literatura possam ser reproduzidos. A vídeo-laparoscopia deve ser introduzida e desenvolvida em todos os serviços que se propõem a atender urgências abdominais traumáticas e não-traumáticas. A vídeolaparoscopia no trauma abdominal deve ser utilizada em serviços de referência em trauma. O desenvolvimento de maior experiência e análise cuidadosa dos resultados devem permitir aplicações ainda mais largas das técnicas minimamente invasivas nas urgências abdominais. A vídeo-laparoscopia não é uma alternativa à anamnese e ao exame físico e deve ser realizada com objetivos diagnósticos e/ou terapêuticos bem determinados. No contexto do trauma, a vídeo-laparoscopia se estabelece como método de função não somente diagnóstica, como também terapêutica em número significativo e cada vez maior de casos. O seu papel na abordagem do trauma abdominal pode ser considerado ainda restrito, com maiores possibilidades diagnósticas que terapêuticas, podendo substituir a laparotomia em casos selecionados [11]. Tem indicações precisas e possibilidades evolutivas ainda limitadas. No TAC não há espaço, no presente momento, para a vídeo-laparoscopia em pacientes instáveis do ponto de vista hemodinâmico. Nos pacientes que se encontram estáveis hemodinamicamente, com suspeita clínica de lesão de órgão abdominal, em especial em pacientes com alteração do estado de consciência, a vídeo-laparoscopia pode exercer uma função diagnóstica/terapêutica precoce, prevenindo a evolução de lesões não diagnosticadas na avaliação inicial. É importante salientar que a vídeo-laparoscopia não substitui os métodos diagnósticos já consagrados. Nas lesões de órgãos maciços diagnosticadas e estadiadas com exames de imagem, parece claro a opção pelo tratamento não-operatório. A vídeo-laparoscopia pode complementar a avaliação diagnóstica destes pacientes quando a evolução deixa dúvidas em relação à possibilidade de lesão de víscera oca ou sangramento ativo desde que o paciente permaneça estável hemodinamicamente. Em pacientes em que a ecografia abdominal e/ou a tomografia computadorizada
8 demonstram a presença de líquido livre sem evidência de lesão de víscera maciça, a vídeolaparoscopia pode ser utilizada no sentido de descartar a presença de lesão visceral. Os autores concluem que é na "dúvida diagnóstica", no dito abdome duvidoso, que a vídeo-laparoscopia encontra o seu papel no TAC. Porém, com o advento e a evolução dos exames de imagem e o sucesso do tratamento não-operatório de lesões de órgãos maciços, a "dúvida diagnóstica" ficou limitada a situações bem específicas, onde a vídeolaparoscopia surge como opção preferencial a laparotomia. Ao contrário do que ocorre nos ferimentos abdominais penetrantes, em que as indicações estão mais bem determinadas e tem maior potencial de ampliação, a vídeo-laparoscopia no TAC parece ter encontrado o seu lugar, o qual é, no entanto, bem limitado e específico. TABELA 01 VA TAGE S DA VÍDEO-LAPAROSCOPIA: Menor trauma tecidual. Menor agressão imunológica. Reproduz a técnica cirúrgica convencional. Melhor visualização e acesso a toda cavidade peritoneal, excetuando-se as áreas cegas de fígado e baço. Menor sangramento. Menor formação de aderências peritoneais. Menor risco de transmissão de doenças infecciosas. Menor dor pós-operatória. Menor íleo pós-operatório. Melhor efeito estético. Diminuição da incidência e da gravidade das infecções de ferida operatória. Diminuição da incidência de hérnias incisionais. Menor tempo de internação. Menor custo. Retorno mais precoce as atividades normais.
9 FIGURA 01 ESTABILIDADE HEMODINÂMICA SIM ÃO Exame Abdominal Abdome distendido ou doloroso Abdome normal Normal Duvidoso Laparotomia Ecografia abdominal/ Lavado peritoneal Exame Neurológico Alterado Negativo Hemorragia ativa ou lesão de víscera oca não tratável por vídeo-laparoscopia Normal Ecografia Abdominal/ Lavado Peritoneal/ Tomografia Computadorizada/ Vídeo-Laparoscopia Pesquisar outra causa de instabilidade Observação clínica seriada Negativo Positivo
10 FIGURA 02 TRAUMA ABDOMINAL CONTUSO: ESTÁVEL HEMODINAMICAMENTE INSTÁVEL HEMODINAMICAMENTE - ECO ABDOMINAL ECO ABDOMINAL OU LAVADO PERITONEAL TC ABDÔMEM OBSERVAÇÃO CLÍNICA (repetir ECO se queda de Ht/Hb) LAPAROTOMIA BUSCAR CAUSA LESÃO VÍSCERA OCA LAPAROTOMIA LESÃO VÍSCERA SÓLIDA LÍQUIDO LIVRE, SEM EVIDÊNCIA DE LESÃO DE VÍSCERA MACIÇA HEMODINAMICAMENTE INSTÁVEL HEMODINAMICAMENTE ESTÁVEL OBSERVAÇÃO CLÍNICA OBSERVAÇÃO CLÍNICA Ht/Hb ESTÁVEL E CLINICAMENTE BEM QUEDA Ht/Hb E/OU ALTERAÇÃO CLÍNICA VÍDEO- LAPAROSCOPIA
11 KEYWORDS: laparoscopy, blunt abdominal trauma REFERÊ CIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Soldá, SC. Videolaparoscopia terapêutica no trauma abdominal. In: Freire E. Trauma: a doença do século. 1ª ed. Atheneu; 2001: p Leppaniemi AK, Elliott DC. The role of laparoscopy in blunt abdominal trauma. Ann Med 1996; 28(6): Lamy R, Sarles H. Interêt de la peritonéoscopie chez le polytraumatisés. Mars Chir 1956; 8: Gazzaniga AB, Stanton WW, Bartlett RH. Laparoscopy in the diagnosis of blunt and penetrating injuries to the abdomen. Am J Surg 1976; 131: Carnevale N, Baron N, Delany HM. Peritoneoscopy as an aid in the diagnosis of abdominal trauma: a preliminary report. J Trauma 1977; 17: Carrilho IJ, Zeitune JMR. Laparoscopia em urgências. Gastroenterol Endosc Digest 1983; 2: Zantut LFC, Junior AJR, Birolini D. Laparoscopy as a diagnostic tool in the evaluation of trauma. Panam J Trauma 1990; 2: Llanio R, Sotto A, Jimenez G, Quintero M, Ferret, O, Manso E, et al. Resultados obtenidos com la laparoscopia de urgencia. Reporte de 1509 casos. Rev Cub Cir 1973; 12: Llanio R. Laparoscopia diagnóstica. In: Creuz O. Cirurgia vídeo-endoscópica. 1ª ed. Revinter; 1993: p Soldá, SC. Videolaparoscopia diagnóstica e terapêutica na urgência abdominal. In: Rasslan S. Afecções Cirúrgicas de Urgência. Cap 27, Velho AV, Júnior MS, Gabiatti G, Ostermann RAB, Poli D. Videolaparoscopia no trauma abdominal. Rev Col Bras Cir 1999; 27: Zantut LFC, Birolini D. Laparoscopia como recurso auxiliar em urgências abdominais. Rev Paul Med 1991; 109(6): Zantut LFC. Videolaparoscopia no abdome agudo traumático. In: Freire E. Trauma: a doença do século. 1ª ed. Atheneu; 2001: Schauer P. Physiologic consequences of laparoscopic surgery. In: Eubanks WS, Swanström LL, Soper NJ, editors. Mastery of endoscopic and laparoscopic surgery. 1ª ed. Lippincott Williams & Wilkins; p Zantut LFC, Zantut PEC, Birolini D. Laparoscopia e autotransfusão em pacientes traumatizados. Estudo de 21 casos. Rev Col Bras Cir 1991; 18(4): Sherwood R, Berci G, Austin E, Morgenstern L. Minilaparoscopy for blunt abdominal trauma. Arch Surg 1980; 115: Berci G, Dunkelman D, Michel SL, Sanders G, Wahlstrom E, Morgenstern L. Emergency minilaparoscopy in abdominal trauma. Am J Surg 1983; 146: Poole GV, Thomae KR, Hauser CJ. Laparoscopy in trauma. Surg Clin Nor Am 1996; 76: Smith RS, Fry WR, Morabito DJ et al. Therapeutic laparoscopy in trauma. Am J Surg 1995; 170: ; discussion
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