UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA

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1 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA Rua Barão de Jeremoabo, nº147 - CEP: Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) Site: pgletba@ufba.br DENOMINAÇÕES PARA DIABO NAS CAPITAIS BRASILEIRAS: UM ESTUDO GEOSSOCIOLINGUÍSTICO COM BASE NO PROJETO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL Salvador 2016

2 2 GEISA BORGES DA COSTA DENOMINAÇÕES PARA DIABO NAS CAPITAIS BRASILEIRAS: UM ESTUDO GEOSSOCIOLINGUÍSTICO COM BASE NO PROJETO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, Área de Concentração Linguística Histórica, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Língua e Cultura. Orientadora: Profa. Dra. Jacyra Andrade Mota Salvador 2016

3 3 Sistema de Bibliotecas - UFBA Costa, Geisa Borges da. Denominações para diabo nas capitais brasileiras: um estudo geossociolinguístico com base no Atlas Linguístico do Brasil / Geisa Borges da Costa f.: il. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Jacyra Andrade Mota. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, Geografia linguística. 2. Língua portuguesa - Brasil - Dialetologia. 3. Dialetologia - Pesquisa - Brasil. 4. Sociolinguística. 5. Lexicologia. 6. Religião. I. Mota, Jacyra Andrade. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título. CDD CDU

4 4 GEISA BORGES DA COSTA DENOMINAÇÕES PARA DIABO NAS CAPITAIS BRASILEIRAS: UM ESTUDO GEOSSOCIOLINGUÍSTICO COM BASE NO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia UFBA, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Letras e Linguística. Aprovada em 18 de maio de 2016 BANCA EXAMINADORA Drª Jacyra Andrade Mota Orientadora Universidade Federal da Bahia - UFBA Drª Suzana Alice Marcelino Cardoso Universidade Federal da Bahia - UFBA Drª Marcela Moura Torres Paim Universidade Federal da Bahia - UFBA Drª Aparecida Negri Isquerdo Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFMS Drª Denise Gomes Dias Universidade do Estado da Bahia - UNEB

5 5 A Gredson, esposo amado, por tudo que construímos juntos e por partilhar comigo a vida.

6 6 AGRADECIMENTOS À etapa final deste trabalho, faz-se importante registrar que ele foi construído com o auxílio de muitas pessoas que estiveram ao meu lado, apoiando, incentivando, orando, disponibilizando um pouco ou muito do seu tempo para que eu pudesse realizar esse sonho. Agradeço imensamente à professora Jacyra Mota, minha orientadora, por toda dedicação e empenho durante esses quatro anos de pesquisa. A minha gratidão a essa profissional exemplar será eterna, porque a professora Jacyra não apenas contribuiu para o meu crescimento acadêmico, como também para a minha formação profissional. Diversas gerações de estudantes também se beneficiaram com as muitas lições que aprendi com a professora Jacyra: a atenção dispensada aos orientandos, a seriedade e o rigor com a pesquisa, o cuidado minucioso com o texto. Enfim, sentirei falta de teus ensinamentos, professora. A meu marido, por me incentivar e me apoiar todos os dias e em tudo que realizo e por ter vivenciado comigo todas as etapas desse trabalho, desde a elaboração do projeto até a entrega da tese. Gredson, expresso aqui minha mais sincera gratidão por tudo que você representa para mim: amor, compreensão, amizade, respeito, confiança, paciência, companheirismo, admiração. Você reforçou em mim a vontade de conquistar novos desafios e vencer na vida. Que possamos permanecer unidos e mostrar para nossa filha, ainda tão pequenina, a importância do conhecimento. Aos meus familiares, em particular às minhas irmãs e à minha mãe, que, desde muito cedo, mostrou-nos o valor dos estudos, ainda que nunca tenha frequentado a escola. À senhora, mãe, agradeço pelo amor e carinho que nunca nos faltaram, mesmo diante de tantas adversidades. Sou grata também pelas orações constantes e pela confiança para que pudéssemos sair pelo mundo em busca de melhores condições de vida. Aos colegas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, especialmente aos professores Adielson Ramos de Cristo, Emanuelle Félix dos Santos, Fernanda Maria Almeida dos Santos, Gredson dos Santos, pelo apoio recebido, pelos momentos em que compartilhamos angústias, preocupações e também aqueles em que festejamos os sucessos alcançados em nosso curso de Letras da UFRB.

7 7 A toda a família ALiB da Regional Bahia agradeço de coração, principalmente às professoras Suzana Cardoso e Jacyra Mota, que permitiram a utilização do corpus do projeto; à professora Ana Regina Teles, que confeccionou as cartas linguísticas; à professora Silvana Ribeiro, que disponibilizou os dados informatizados sobre os informantes, além de todos os bolsistas do ALiB. Agradeço à Fundação de Amparo aos Pesquisadores do Estado da Bahia (FAPESB) por me conceder uma bolsa de estudos no último ano da pesquisa.

8 8 Sedes sensatos e vigilantes, porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar ; mas o anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra. (1 Pe 5:8; Sl 34:7).

9 9 COSTA, Geisa Borges da. Denominações para diabo nas capitais brasileiras: um estudo geossociolinguístico com base no Atlas Linguístico do Brasil. 212f. Il Tese (Doutorado) Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, RESUMO O estudo busca descrever e analisar as denominações utilizadas pelos falantes das capitais do Brasil para nomear o item lexical diabo. Para isso, utilizaram-se inquéritos do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), realizados com 200 informantes, distribuídos equitativamente por ambos os sexos, em duas faixas etárias e dois níveis de escolaridade, selecionados de acordo com os critérios da Dialetologia Contemporânea. Pautando-se nos pressupostos teórico-metodológicos da Geolinguística Pluridimensional, analisou-se a primeira questão do Questionário Semântico-Lexical referente ao campo semântico da religião e das crenças, com o intuito de documentar a riqueza sinonímica para a variante diabo. Os dados foram coletados através da pergunta: Deus está no céu e no inferno está...?. Foram registrados 506 dados lexicais, concretizados através de 39 variantes: anjo do mal, anjo mau, anticristo, besta, besta-fera, belzebu, bicho feio, bicho ruim, cão, capeta, capiroto, chifrudo, coisa, coisa ruim, cramulhano, criatura, cruz- credo, demo, demônio, desgraça, diabo, didi, encardido, enxofre, estrela vermelha, inimigo, lúcifer, maligno, mefítico, príncipe dos céus, rabudo, sapirico, satã, satangoso, satanás, sujo, tibinga, tinhoso, troço. A lexia diabo foi a resposta com maior frequência no corpus do trabalho, perfazendo um total de 33% dos dados, seguida de satanás (15%), capeta (12%), demônio (10%), cão (8%) e lúcifer (4,5%). O estudo demonstrou algumas informações bastante significativas do ponto de vista diatópico: a variante diabo foi documentada nas vinte e cinco capitais que fizeram parte do estudo; a lexia cão obteve uma alta produtividade na Região Nordeste, mas não foi registrada na Região Centro-Oeste. Em contrapartida, o item lexical capeta obteve altos índices de ocorrência nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste e apresentou-se em número bastante diminuto nas Regiões Norte e Nordeste. A análise semântico-lexical revelou uma correspondência entre os recursos linguísticos substitutivos do referente diabo e os tabus linguísticos, registrados através de processos metafóricos, eufemísticos e disfemísticos. Do ponto de vista sociolinguístico, observou-se o comportamento das seis variantes mais produtivas do corpus (diabo, demônio, satanás, capeta, cão e lúcifer). As lexias diabo, capeta, cão e satanás foram mais proeminentes na fala dos indivíduos com baixa escolaridade; diabo e capeta estiveram mais presentes entre os informantes da faixa etária I; demônio, cão, lúcifer e satanás foram mais registradas na fala dos indivíduos da faixa etária II. A variável sexo documentou uma leve preferência dos homens no registro das lexias diabo, demônio, capeta e lúcifer e das mulheres para as variantes cão e satanás. O estudo serviu para demonstrar a diversidade do léxico religioso do português falado no Brasil, sendo de extrema importância para o conhecimento da multidimensionalidade que a língua portuguesa assume nos diversos espaços físicos e socioculturais. Palavras-chave: Geolinguística. Léxico. Religião e Crenças. Projeto ALiB

10 10 COSTA, Geisa Borges da. Words for diabo (devil) in the Brazilian state capitals: a geosociolinguistic study based on the Linguistic Atlas of Brazil (Denominações para diabo nas capitais brasileiras: um estudo geossociolinguístico com base no Atlas Linguístico do Brasil). 212 pages. Il Dissertation (PhD) Language Institute, Federal University of Bahia, Salvador, ABSTRACT This study aims at describing and analyzing the words used by speakers from Brazilian state capitals to name the lexical item diabo (devil). In order to accomplish that, we used the questions from a project entitled Linguistic Atlas of Brazil (ALiB in Brazilian Portuguese), applied to 200 respondents, equally distributed to both genders, in two age groups and two educational levels, selected according to criteria defined by the Contemporary Dialectology. Based on the theoretical and methodological assumptions of the Pluridimensional Geolinguistics, we analyzed the first question from the Semantic and Lexical Questionnaire related to the semantic area of religion and beliefs, aiming to document the wealth of synonyms of the variant diabo. The data were collected based on the question, God is in heaven and in hell is the?. We recorded 506 lexical data, which resulted in 39 variants: anjo do mal, anjo mau, anticristo, besta, besta-fera, belzebu, bicho feio, bicho ruim, cão, capeta, capiroto, chifrudo, coisa, coisa ruim, cramulhano, criatura, cruz- credo, demo, demônio, desgraça, diabo, didi, encardido, enxofre, estrela vermelha, inimigo, lúcifer, maligno, mefítico, príncipe dos céus, rabudo, sapirico, satã, satangoso, satanás, sujo, tibinga, tinhoso, troço. The word diabo was the answer with the highest frequency in the corpus of the study, accounting for 33% of the data, followed by satanás (15%), capeta (12%), demônio (10%), cão (8%) e lúcifer (4,5%). The study revealed significant information from a diatopic standpoint: the variant diabo was documented in the 25 Brazilian capitals included in the study; the word cão showed a high frequency of usage in the Northeast Region, but it was not observed in the Center-West Region. On the other hand, the lexical item capeta had high levels of occurrence in the Center-West and South-East Regions and had a low frequency in the North and Northeast Regions. The semantic and lexical analysis demonstrated a correspondence between the substitutive linguistic features of the referent diabo and linguistic taboos, which were observed in the form of metaphor, euphemism and dysphemism. From a sociolinguistic point of view, the behavior of the six most prominent variants in the corpus was observed (diabo, demônio, satanás, capeta, cão and lúcifer). The lexical items diabo, capeta, cão and satanás were more prominent in the spoken language of individuals with a low educational level; diabo and capeta were more used among respondents from age group 1; demônio, cão, lúcifer and satanás were more present in the speech of individuals from age group 2. The variable sex documented a slightly higher preference of men for the usage of the words diabo, demônio, capeta and lúcifer, and of women for the variants cão and satanás. The study served to demonstrate the diversity of the religious lexicon of spoken Brazilian Portuguese, and proved to be extremely important to raise awareness of the multiple dimensions that Portuguese language takes on across different physical and sociocultural domains. Keywords: Geolinguistics. Lexicon. Religions and Beliefs. ALiB Project.

11 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Campos semânticos do questionário semântico-lexical do Projeto ALiB Principais características da Etnolinguística e da Sociolinguística Principais divisões para a Sociolinguística e para a Etnolinguística Quadro 4 Contrastes entre a Lexicografia e a Terminologia 63 Quadro 5 Perfil dos informantes do Projeto ALiB nas capitais do Brasil 92 Quadro 6 Determinação de pontos linguísticos e número de informantes 99 Quadro 7 Formas lexicais dicionarizadas e não-dicionarizadas 115 Quadro 8 Distribuição semântica dos dados para diabo 116 Quadro 9 Quadro 10 Quadro 11 Quadro 12 Quadro 13 Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Norte Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Nordeste Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Sudeste Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Sul Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Centro-Oeste

12 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Perfil religioso dos informantes das capitais do Brasil 97 Tabela 2 Frequência das formas lexicais para diabo 131 Tabela 3 Frequência das formas lexicais para diabo por número de capitais 133

13 13 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 Detalhe do painel da lateral direita de O Juízo Final 20 Figura 02 Detalhe do painel da lateral direita de O Juízo Final 26 Figura 03 Detalhe do painel da lateral direita de O Juízo Final 64 Figura 04 Mosaico do Juízo Final 80 Figura 05 Detalhe do afresco O Inferno da Cappella Bolognini 90 Figura 06 O Inferno (Les Très Riches Heures du duc de Berry) 113 Figura 07 O diabo Dictionnaire infernal 192 Carta Linguística 01 Carta Linguística 02 Carta Linguística 03 Carta Linguística 04 Carta Linguística 05 Carta Linguística 06 Distribuição diatópica para diabo nas capitais do Brasil 145 Variantes menos frequentes para diabo nas capitais da Região Norte Variantes menos frequentes para diabo nas capitais da Região Nordeste Variantes menos frequentes para diabo nas capitais da Região Sudeste Variantes menos frequentes para diabo nas capitais da Região Sul Variantes menos frequentes para diabo nas capitais da Região Centro-Oeste Gráfico 1 Designações para diabo nas capitais do Brasil 132 Gráfico 2 Presença das variantes para diabo nas capitais do Brasil Gráfico 3 Gráfico 4 Gráfico 5 Gráfico 6 Distribuição diatópica das variantes para diabo nas capitais do Brasil Distribuição diatópica da variante cão nas capitais da Região Nordeste Distribuição diatópica da variante capeta nas capitais da Região Centro-Oeste Distribuição diatópica da variante capeta nas capitais da Região Sudeste

14 14 Gráfico 7 Gráfico 8 Gráfico 9 Gráfico 10 Ocorrências da lexia diabo por nível de escolaridade nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia diabo por nível de escolaridade nas regiões do Brasil Ocorrências da lexia diabo por faixa etária nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia diabo por faixa etária nas regiões do Brasil Gráfico 11 Ocorrências da lexia diabo por sexo nas capitais do Brasil 156 Gráfico 12 Ocorrências da lexia diabo por sexo nas regiões do Brasil 156 Gráfico 13 Gráfico 14 Gráfico 15 Gráfico 16 Ocorrências da lexia satanás por nível de escolaridade nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia satanás por nível de escolaridade nas regiões do Brasil Ocorrências da lexia satanás por faixa etária nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia satanás por faixa etária nas regiões do Brasil Gráfico 17 Ocorrências da lexia satanás por sexo nas capitais do Brasil 163 Gráfico 18 Ocorrências da lexia capeta por sexo nas regiões do Brasil 163 Gráfico 19 Gráfico 20 Gráfico 21 Gráfico 22 Ocorrências da lexia capeta por nível de escolaridade nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia capeta por nível de escolaridade nas regiões do Brasil Ocorrências da lexia capeta por faixa etária nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia capeta por faixa etária nas regiões do Brasil Gráfico 23 Ocorrências da lexia capeta por sexo nas capitais do Brasil 168 Gráfico 24 Ocorrências da lexia capeta por sexo nas regiões do Brasil 169 Gráfico 25 Ocorrências da lexia demônio por nível de escolaridade nas capitais do Brasil 170

15 15 Gráfico 26 Gráfico 27 Gráfico 28 Ocorrências da lexia demônio por nível de escolaridade nas regiões do Brasil Ocorrências da lexia demônio por faixa etária nas capitais do Brasil Ocorrências da lexia demônio por faixa etária nas regiões do Brasil Gráfico 29 Ocorrências da lexia demônio por sexo nas capitais do Brasil 175 Gráfico 30 Ocorrências da lexia demônio por sexo nas regiões do Brasil 175 Gráfico 31 Gráfico 32 Gráfico 33 Gráfico 34 Gráfico 35 Gráfico 36 Gráfico 37 Gráfico 38 Gráfico 39 Gráfico 40 Gráfico 41 Gráfico 42 Ocorrências da lexia cão por nível de escolaridade nas capitais do Norte e do Nordeste Ocorrências da lexia cão por nível de escolaridade nas Regiões Norte e Nordeste Ocorrências da lexia cão por faixa etária nas capitais do Norte e do Nordeste Ocorrências da lexia cão por faixa etária nas Regiões Norte e Nordeste Ocorrências da lexia cão por sexo nas capitais do Norte e do Nordeste Ocorrências da lexia cão por sexo nas Regiões Norte e Nordeste Ocorrências da lexia lúcifer por nível de escolaridade nas capitais do Norte e do Nordeste Ocorrências da lexia lúcifer por nível de escolaridade nas Regiões Norte e Nordeste Ocorrências da lexia lúcifer por faixa etária nas capitais do Norte e do Nordeste Ocorrências da lexia lúcifer por faixa etária nas Regiões Norte e Nordeste Ocorrências da lexia lúcifer por sexo nas capitais do Norte e do Nordeste Ocorrências da lexia lúcifer por sexo nas Regiões Norte e Nordeste

16 16 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC Acre ADDU Atlas Linguístico Diatópico y Diastrático del Uruguay AL ALiB AM AP BA CE ES F GO IBGE LANE M MA MG MS MT NF NU PA PB Alagoas Atlas Linguístico do Brasil Amazonas Amapá Bahia Ceará Espírito Santo Feminino Goiás Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Linguistic Atlas of New England Masculino Maranhão Minas Gerais Mato Grosso do Sul Mato Grosso Nível Fundamental Nível Universitário Pará Paraíba

17 17 PE PI PR QFF QM QMS QSL RJ RN RO RR SC SE SP Pernambuco Piauí Paraná Questionário Fonético-Fonológico Questionário Metalinguístico Questionário Morfossintático Questionário Semântico-Lexical Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rondônia Roraima Santa Catarina Sergipe São Paulo

18 18 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO PRESSUPOSTOS TEÓRICOS OS ESTUDOS DIALETOLÓGICOS A DIALETOLOGIA NO BRASIL A PRODUÇÃO DE ATLAS LINGUÍSTICOS NO BRASIL PROJETO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL: ASPECTOS GERAIS Informantes Questionários Rede de pontos ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS ESTUDOS ETNOLINGUÍSTICOS ESTUDOS LEXICAIS ASPECTOS HISTÓRICO-SOCIAIS NO CAMPO DA RELIGIÃO E CRENÇAS PRESENÇA DA RELIGIOSIDADE E DAS CRENÇAS NO BRASIL COLONIAL VISÕES SOBRE O DIABO NA CULTURA RELIGIOSA TABUS LINGUÍSTICOS NO CAMPO RELIGIOSO METODOLOGIA CORPUS INFORMANTES LOCALIDADES Breve caracterização das regiões brasileiras Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro-Oeste TRATAMENTO DOS DADOS Audição dos inquéritos Frequência e distribuição das variantes Pesquisa em dicionários Tratamento estatístico dos dados Seleção das lexias para análise sociolinguística Cartografia dos dados APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ANÁLISE LÉXICO-SEMÂNTICA

19 Nomes atribuídos à origem religiosa ou mitológica Metáforas, Eufemismos e Disfemismos Aspectos mórficos das variantes ANÁLISE GEOSSOCIOLINGUÍSTICA DOS DADOS Distribuição das variantes do ponto de vista diatópico Distribuição das variantes do ponto de vista sociolinguístico A lexia diabo e as variáveis sociais Escolaridade Faixa etária Sexo A lexia satanás e as variáveis sociais Escolaridade Faixa etária Sexo A lexia capeta e as variáveis sociais Escolaridade Faixa etária Sexo A lexia demônio e as variáveis sociais Escolaridade Faixa etária Sexo A lexia cão as variáveis sociais Escolaridade Faixa etária Sexo A lexia lúcifer e as variáveis sociais Escolaridade Faixa etária Sexo Síntese dos dados sociais Indícios de tabus linguísticos nos dados analisados CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

20 Detalhe do painel da lateral direita de O Juízo Final (Das Jüngste Gericht, c ), de Hans Memling (c ). Tríptico, óleo sobre madeira, 221 x 161 (painel central) e 223,5 x 72,5 (painéis laterais), Museu Nacional de Gdansk, Polônia. 20

21 21 1 INTRODUÇÃO A diversidade dos usos linguísticos é inerente a qualquer língua falada. Essa heterogeneidade faz parte da própria natureza da linguagem humana, que, sendo utilizada por diversos grupos sociais, manifesta-se de acordo não só com o próprio sistema linguístico, mas também conforme os aspectos socioculturais que atuam em uma comunidade de fala. A variação na língua falada possui uma relação intrínseca com os fatores de ordem social e cultural, e, através dela, é possível conhecer não apenas os elementos eminentemente linguísticos, mas também o modo de vida das pessoas, sua origem social, as redes sociais que as envolvem, o sistema de valores que rege determinados grupos e sociedades humanas e que, muitas vezes, orientam a realização linguística dos indivíduos. A língua também retrata as diferentes e complexas condições e contradições a partir das quais os grupos sociais se constituem, podendo revelar a relação que se estabelece entre o comportamento linguístico dos falantes e os mais variados espaços físicos, culturais, sociais e econômicos. Os diferentes usos da linguagem apresentam-se como um mosaico do polimorfismo social e cultural que representa os mais diversos agrupamentos humanos, sendo possível observar, através das manifestações de suas atitudes, valores, modos de pensar e se relacionar com o mundo, um panorama extremamente diversificado e plural da realidade linguística. Desse modo, a língua falada manifesta-se como uma importante forma de retratar os elementos da história e da cultura, envolvendo, em seus traços, o passado e o presente. Por meio dessas marcas linguísticas e socioculturais, é possível conhecer o trajeto dos grupos humanos no espaço e no tempo. A pluralidade linguística, social e cultural tem se constituído em campo de pesquisa para muitas áreas do conhecimento. Dentre essas, encontra-se a Dialetologia, que, entendendo o espaço geográfico e sociocultural como elemento importante para a investigação dos fenômenos relativos à variação da linguagem, busca descrever e analisar o complexo e multiforme quadro da realidade linguística de um determinado grupo em consonância com elementos que fazem parte da história e da cultura de um povo. Ao conceber aspectos da distribuição espacial, sociocultural e cronológica como fatores fundamentais para explicar o fenômeno da variação linguística, a Dialetologia

22 22 toma o espaço, a sociedade e o tempo como parâmetros para a identificação e descrição das diferenças e/ou semelhanças que a linguagem apresenta a partir dos seus usuários (e entre os mesmos) e, por meio da descrição das variantes linguísticas, busca identificar áreas de conservação ou inovação da linguagem relacionadas aos movimentos humanos nos diferentes territórios geográficos. A identificação dessa distribuição areal ou espacial das variantes linguísticas permite um conhecimento sobre a trajetória do fenômeno da variação em função dos espaços geofísicos, podendo-se identificar áreas linguísticas bastante definidas, cujas características podem fornecer elementos importantes para a compreensão das particularidades da fala nos mais diferentes ambientes espaciais, sociais, culturais. Visto desse modo, o tempo, o espaço, a sociedade e a cultura funcionam como aspectos condicionadores da existência ou da ausência de determinadas variáveis na fala, mostrando-se como elementos capazes de explicar o caminho percorrido pelas variantes linguísticas. Em um país multicultural, pluriétnico e de dimensões continentais como o Brasil, as diferentes realidades socioculturais, geográficas e econômicas dão o tom para o mosaico que constitui a gama de variações da língua portuguesa. Esses traços linguísticos variáveis representam, portanto, a diversidade das normas regionais e sociais e podem acontecer nos diversos níveis da língua, como o fonético-fonológico, o morfossintático e o semântico-lexical. As realizações lexicais dos indivíduos expressam sua visão de mundo, suas crenças, suas ideologias, seus valores e a norma linguística aprendida através das práticas socioculturais presentes em seu grupo social, que, geralmente, mantêm entre si uma identidade linguística. Tendo em vista que a língua é também um produto cultural da comunidade, e, dentre os níveis da língua, o léxico é um dos mais afetados pelas influências socioculturais, o estudo sobre o léxico poderá evidenciar aspectos bastante significativos da correlação entre a língua e a diversidade regional e social. Esta tese tem como objeto principal de estudo o léxico referente ao campo semântico da religião e das crenças, mais especificamente ao item lexical diabo, buscando-se apresentar os condicionamentos linguísticos e socioculturais que atuam na variação lexical utilizada pelos informantes para nomear o ser que está no inferno.

23 23 A hipótese com a qual se trabalhou na investigação é a de que, por meio da análise do campo semântico-lexical Religiões e Crenças, pode-se apreender aspectos sociais, culturais e históricos que interferem nas realizações lexicais dos indivíduos. As principais questões que motivaram esta pesquisa foram as seguintes: de que forma se apresenta a produtividade das variantes para designar aspectos do campo léxicosemântico das religiões e das crenças, mais particularmente, do item lexical diabo nas capitais do Brasil? O que os dados do campo lexical Religiões e Crenças podem revelar acerca da realidade sociocultural dos falantes de determinadas capitais brasileiras? É possível evidenciar traços lexicais diferenciadores das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil no campo semântico da religião e das crenças? Para responder a esses questionamentos, a proposta da tese tem como objetivo geral, com base na Geolinguística Pluridimensional Contemporânea, descrever e analisar, sob a perspectiva diatópica, a produtividade das variantes referentes ao item lexical diabo, documentadas pelo Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) nas capitais brasileiras. São ainda objetivos específicos do trabalho: analisar a influência de fatores geográficos, históricos e socioculturais na realização lexical de indivíduos pertencentes às capitais do Brasil; verificar a frequência e distribuição espacial de algumas lexias nas cinco regiões brasileiras; identificar a presença de tabus linguísticos no vocabulário religioso dos habitantes das capitais brasileiras. A crença em seres sobrenaturais marcou profundamente a minha infância, vivida no interior da Bahia. As crianças aprendiam com os mais velhos a realizar diversos rituais e acreditavam em uma infinidade de superstições, normalmente ligadas às tradições religiosas. Além disso, também eram ensinadas a temer os mistérios do universo e os fenômenos da natureza, podendo até ser castigadas caso desobedecessem algumas regras. Assim, para pronunciar o nome de algum morto, por exemplo, dever-se-ia colocar o termo finado antes do nome; caso isso não acontecesse, corria-se o risco de a alma do falecido voltar à terra e não descansar em paz. Também era proibido pronunciar alguns nomes considerados malignos, como o de algumas doenças graves e determinadas entidades espirituais.

24 24 As crenças propagadas pelas instituições religiosas podem levar o indivíduo a acreditar que a simples pronúncia de determinadas palavras seja capaz de produzir efeitos benéficos ou maléficos para a sua vida. A religião também incute no homem a ideia de que as pessoas se encontram rodeadas de seres que pertencem a outra dimensão, como anjos, almas, demônios, e que esses teriam a capacidade de se comunicar com o mundo terreno e realizar ações sobrenaturais positivas ou negativas. A primeira pergunta do questionário semântico-lexical referente ao campo semântico da religião e das crenças pode mostrar como a tradição religiosa brasileira, baseada nos princípios cristãos, pode não só influenciar as escolhas lexicais dos falantes, como também motivar reações de temor e repulsa. A escolha desse campo semântico deve-se, sobretudo, à possibilidade de se revelarem, através dos dados, aspectos míticos e folclóricos do imaginário e da cultura popular e motivações histórico-religiosas evidenciadas através das realizações linguísticas de determinados grupos sociais. Para a consecução dos objetivos propostos, adotaram-se os pressupostos teóricometodológicos da Dialetologia Pluridimensional, da Sociolinguística Quantitativa e da Etnolinguística, utilizando-se como corpus para a pesquisa os dados do questionário semântico-lexical do Projeto Atlas Linguístico do Brasil no que se referem ao campo da religião e das crenças, coletados nas capitais do Brasil. O trabalho estrutura-se em seis capítulos, com a Introdução. O capítulo dois apresenta os pressupostos teóricos que serviram de referência para a pesquisa. Nele, foi feita uma exposição acerca dos estudos dialetais, ressaltando o início desse campo de estudo, a trajetória da Dialetologia no Brasil e a constituição do Projeto Atlas Linguístico do Brasil. O capítulo também faz uma breve revisão dos princípios teóricos que caracterizam a Sociolinguística e a Etnolinguística e descreve, ainda, alguns estudos referentes ao nível lexical da linguagem, enfatizando os aspectos socioculturais relacionados a essa área da pesquisa linguística. O capítulo três apresenta alguns aspectos sócio-históricos referentes à área da religião e das crenças, descrevendo elementos das culturas portuguesa, indígena e africana que podem contribuir para o entendimento das escolhas lexicais realizadas pelos informantes das capitais do Brasil. Além disso, apresenta uma diversidade de crenças relacionadas ao diabo presentes no imaginário social e na cultura religiosa e popular. O capítulo quatro discute a presença dos tabus na linguagem, especificamente no léxico retratado pelo campo semântico da religião, considerando os diversos recursos

25 25 linguísticos selecionados pelos falantes na substituição de uma lexia tabu como o termo diabo. No capítulo cinco, descreve-se a orientação metodológica desta tese, apresentando o método adotado pelo Projeto ALiB para a recolha dos dados dialetais, o critério para a escolha dos informantes, a rede de pontos, os instrumentos de coleta de dados. O capítulo enfatiza o modo de tratamento e análise do material linguístico selecionado para o trabalho. O capítulo seis apresenta uma análise de natureza semântico-lexical, em que se registra o significado dado por alguns lexicógrafos como Ferreira (2009), Houaiss (2009) e Aulete (2013) para as variantes encontradas no corpus, além da análise geossociolinguística dos dados, em que se fazem a descrição e a análise das informações linguísticas e sociais no que se refere ao léxico da religião e das crenças. O capítulo sete apresenta as considerações finais do trabalho, fazendo uma breve retomada dos principais objetivos da investigação, das bases teóricas adotadas, dos métodos utilizados e dos resultados alcançados com o estudo. Por fim, elencam-se as referências bibliográficas utilizadas como fonte de pesquisa para os fundamentos teóricos e metodológicos da tese.

26 Detalhe do painel da lateral direita de O Juízo Final (Das Jüngste Gericht, c ), de Hans Memling (c ). Tríptico, óleo sobre madeira, 221 x 161 (painel central) e 223,5 x 72,5 (painéis laterais), Museu Nacional de Gdansk, Polônia. 26

27 27 2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Este capítulo apresenta os princípios teóricos de algumas ciências linguísticas em que o trabalho se baseou e que orientaram a constituição do corpus em análise, como a Dialetologia, a Sociolinguística, a Lexicologia e a Etnolinguística. A Dialetologia estuda, prioritariamente, a variação diatópica, sem desconsiderar os aspectos contextuais da linguagem. A Sociolinguística, por sua vez, entende que a heterogeneidade presente no sistema linguístico decorre tanto de fatores internos à língua quanto de fatores de ordem externa, que podem ser da esfera cultural, histórica, social etc. A Lexicologia ocupa-se, prioritariamente, do estudo científico do léxico e suas relações com o universo extralinguístico. A Etnolinguística servirá para embasar a ideia de que o léxico de uma língua pode ser influenciado por diversos elementos culturais. Esses modelos teóricos mostram-se importantes para o entendimento de aspectos relacionados à língua e à realidade sociocultural dos falantes. 2.1 OS ESTUDOS DIALETOLÓGICOS O termo Dialetologia, segundo o Dicionário de Linguística de Dubois (2004 [1978]), designa a disciplina que assumiu a tarefa de descrever comparativamente os diferentes sistemas ou dialetos em que uma língua se diversifica no espaço, e de estabelecer-lhe os limites. A diversidade dos usos linguísticos como representação dos diferentes espaços geográficos pode ser facilmente percebida pelos falantes, que reconhecem a origem do indivíduo através das marcas regionais transpostas em sua linguagem. Entretanto, embora fosse inegável a existência da variação linguística nas diferentes localidades e ambientes sociais, o tratamento científico para investigar esses fatos da linguagem nem sempre esteve assentado em uma base sólida. O interesse em tratar a língua sob a perspectiva da sua variabilidade no espaço físico remonta ao século XIX, em um período de tempo em que a dificuldade de locomoção e a ausência de meios de comunicação tais como rádio e televisão tornavam as características linguísticas das diversas regiões do país bastante particulares, revelando aspectos da linguagem que, muitas vezes, eram conhecidos apenas em determinadas áreas geográficas.

28 28 Conforme observa Cardoso (2010), dois aspectos fundamentais estão na gênese da Dialetologia: o reconhecimento das diferenças ou das igualdades que a língua reflete e o estabelecimento das relações entre as diversas manifestações linguísticas documentadas e a ausência de dados registrados, circunscritos a espaços e realidades prefixados. O estudo sistemático das variações, sobretudo as de natureza geográfica, foi formalizado, segundo escreveu Brandão (1991), à época em que as investigações no campo da linguagem se desenvolviam de acordo com o método histórico-comparativo. Desse modo, o interesse pelos estudos dialetais surgiu como uma forma de se conhecer a maneira como as transformações iam acontecendo nas línguas, já que os estudos comparativistas visavam, basicamente, à reconstituição do indo-europeu. Ainda que as investigações de natureza dialetal estivessem presentes desde as primeiras incursões sobre a linguagem, os primeiros trabalhos acerca da variação espacial, em que se pôde fazer uma recolha sistemática de material linguístico através de uma metodologia própria, foram realizados apenas no século XIX. E é no final desse século que ocorreram dois fatos que contribuíram para impulsionar os estudos dialetais: a) o interesse dos neogramáticos, a partir dos dados de fala locais, de confirmar a teoria de que as alterações fonéticas obedeciam a leis rígidas, que, similarmente às leis das ciências naturais, não admitiam exceções; b) a conferência de Gaston Paris, intitulada Os falares da França, cuja temática foi a necessidade de se estudarem os patois franceses com o rigor exigido pelas ciências naturais e obedecendo a uma metodologia definida. A primeira pesquisa dialetológica que merece destaque por buscar a implementação de um estudo que relacionasse as variantes linguísticas com a realidade geográfica aconteceu no continente europeu, com o levantamento de dados realizado por Wenker para documentar a situação linguística apresentada pela Alemanha. No registro dos dados linguísticos recolhidos por Wenker, não houve o controle sistemático de variáveis sociais como sexo e faixa etária dos informantes. Apesar disso, Cardoso (2002) chama atenção para o mérito do trabalho desenvolvido por esse pesquisador, que, através de inquéritos realizados por correspondência, documentou fatos linguísticos em diferentes regiões da Alemanha. O estudo recobriu uma área com pontos linguísticos, e o seu resultado foi a publicação de seis mapas fonéticos que serviram para confirmar a eficácia do método cartográfico e possibilitar a intercomparação dos dados, o que se constituiu em um passo significativo para o avanço da Dialetologia e para o desenvolvimento do método cartográfico.

29 29 Os preceitos preconizados na conferência de Gaston Paris foram aplicados em 1897, com a elaboração, por Jules Gilliéron, do Atlas Linguistique de La France, obra considerada um marco por ter estabelecido a geografia linguística como o método por excelência nas pesquisas dialetais. Coube a Jules Gilliéron, organizador do Atlas Linguistique de La France, o mérito de consolidar definitivamente a aplicação do método da geografia linguística na recolha de dados nas pesquisas dialetais, documentando a realização linguística dos informantes in loco. Embora ainda não se tenha feito nesse trabalho o controle sistemático das variáveis extralinguísticas, a cartografia linguística ganhou destaque e firmou-se como um método eficaz para a descrição e visualização dos fenômenos da linguagem em diferentes áreas geográficas. Ainda que a preocupação com os fatores de ordem sociocultural se fizesse presente desde o início dos estudos dialetais, os primeiros trabalhos dialetológicos buscaram descrever a variabilidade linguística associada às diferenças espaciais. Desse modo, a Dialetologia, em seus primórdios, priorizou a dimensão diatópica da variação linguística, numa perspectiva eminentemente monodimensional. O interesse inicial da Dialetologia era catalogar os usos linguísticos dos falantes situados em áreas distantes dos centros urbanos, pois aqueles manteriam em sua fala variantes linguísticas mais conservadoras, pelo fato de fazerem parte de uma rede social mais densa e não sofrerem a influência linguística proveniente dos meios de comunicação e dos indivíduos mais escolarizados e com um repertório cultural mais amplo. Em virtude disso, os informantes selecionados para a recolha dos dados dialetais apresentavam um determinado perfil de acordo com a finalidade do estudo. Os critérios estabelecidos para a seleção dos informantes não levavam em conta a distribuição equitativa de fatores sociais como faixa etária, sexo ou escolaridade. Os informantes eram pessoas que deveriam possuir as seguintes características: nascidos e residentes na zona rural, idosos, homens, de vida sedentária e de pouca ou nenhuma escolaridade. O perfil do informante da Dialetologia tradicional foi identificado por Chambers e Trudgill (1994, p. 33) pela sigla inglesa de NORMS nonmobile, older, rural, males, ou seja, homens, sedentários, mais velhos, rurais, que, em português pode ser representado pelo HARAS, criada por Zágari (2005), isto é, homem, adulto, rural, analfabeto e sedentário. Em artigo intitulado Geolinguística no terceiro milênio: monodimensionl ou pluridimensional?, Cardoso (2002) afirma que, se as diferenças espaciais ganham

30 30 destaque em relação às demais, é porque, na realidade dos fatos, as evidências de aproximação ou distanciamento dos fenômenos assumem expressão de maior nitidez e de mais fácil percepção nos espaços físicos ou geográficos. Com o desenvolvimento das pesquisas dialetais, foram se definindo mudanças metodológicas no campo de investigação da Dialetologia, relacionadas, sobretudo, à necessidade de se descreverem falares que transpusessem os espaços mais isolados e a perspectiva monodimensional. A disciplina amplia seu foco de interesse para além dos espaços geográficos, e, embora se possa considerar que a sua face social estivesse presente desde o princípio dos estudos, somente no século XX os aspectos sociais passam a ser controlados sistematicamente em conjunto com o estudo da distribuição espacial. Desse modo, os estudos dialetais voltam-se também à diversidade da fala que representa os centros urbanos e os contextos socioculturais da contemporaneidade. A Dialetologia moderna assume sua pluridimensionalidade, conforme o que descreve Thun (2000, p. 408): La nouvelle géolinguistique se caractérise par l élargissement de son champ d observation et par un travail en profondeur plus poussé. Elle passe de l analyse de la superficie, constituée par la dimension diatopique, à celle de l espace linguistique formé par la prise en considération de variables comme la dimension diastratique, diaphasique ou d autres. Elle n emploie plus toute son énergie à la recherche du dialecte pur rural mais elle entre également dans les villes, elle analyse des langues régionales, focalise des situations de contact, questionne aussi des gens démographiquement mobiles 1. (THUN, 2000, p. 408). Utilizando, em sua metodologia, princípios advindos da Sociolinguística, a Dialetologia deixa de apresentar os dados linguísticos unicamente pelo viés diatópico e de produzir apenas resultados monodimensionais, monostráticos, monogeracionais e monofásicos, acrescentando em seus registros da língua dados de natureza social, como o sexo, a idade e a escolaridade do informante, que são exibidos cartograficamente. No âmbito da pluridimensionalidade dialetológica, o LANE Linguistic Atlas of New England publicado por Hans Kurath et al. ( ), destaca-se por ter sido o 1 A nova Geolinguística é caracterizada pela ampliação de seu campo de observação e uma profundidade maior para o trabalho. Ela passa da análise da superfície, constituída pela dimensão diatópica a um espaço linguístico voltado para a consideração de variáveis como a dimensão diastrática, diafásica e outras. Ela não emprega toda sua energia em pesquisar o dialeto rural puro, mas também entre as cidades, analisa as línguas regionais, focaliza as situações de contato, questiona demograficamente a população móvel. (Tradução nossa).

31 31 primeiro atlas a buscar indicações mais precisas sobre aspectos sociais da linguagem, fazendo o controle sistemático das variáveis extralinguísticas escolaridade e faixa etária. Os critérios para a seleção dos informantes levaram em conta não apenas o aspecto geográfico, mas também o aspecto social. Os informantes foram agrupados de acordo com três níveis de instrução: a) baixa escolaridade, pouca leitura e reduzido contato social; b) média escolaridade, maior familiaridade com a leitura e contatos sociais mais extensos c) alta escolaridade, domínio amplo da leitura e muitos contatos sociais. Com relação à faixa etária, os informantes foram divididos em dois grupos: 1) idosos, geralmente com mais de 70 anos, e 2) meia-idade e mais jovens. Apesar desse avanço, apenas no final do século XX a variação etária foi documentada na cartografia linguística. Esse recurso metodológico foi desenvolvido no Atlas Linguístico Diatópico y Diastrático del Uruguay ADDU organizado por Adolfo Elizaincín e Harald Thun, com colaboração de Carlos Forte (1989), que abre novas perspectivas para a Geolinguística ao ampliar as possibilidades para a descrição e análise dos fatos linguísticos na perspectiva multidimensional da linguagem, pois insere em seus dados, além da dimensão diatópica, a dimensão dialingual, diastrática, diageracional, diassexual, diafásica e diarreferencial. A face social da Dialetologia tem se expandido bastante nos últimos anos e se materializado em diversos trabalhos que transpõem a descrição da variação no espaço geográfico, distinguindo-se da Dialetologia tradicional por recobrir um conjunto de parâmetros socioculturais e incluir em suas análises elementos referentes à organização social dos grupos humanos, à história, à cultura, ao contato entre línguas. Nesse sentido, pode-se notar uma aproximação entre a Dialetologia e a Sociolinguística, já que ambas entendem a língua como um fenômeno social e analisam a variabilidade ou heterogeneidade linguística considerando a atuação dos aspectos extralinguísticos na realização da fala. Para Silva-Corvalán (1988), Sociolinguística e Dialetologia podem ser consideradas, até certo ponto, sinônimas, já que as duas disciplinas estudam a língua falada, o uso linguístico e estabelecem as relações que se dão entre certas mudanças linguísticas e determinados grupos de indivíduos. Além disso, tanto uma quanto a outra ciência tomam a heterogeneidade linguística como ponto de partida para a descrição e análise dos fenômenos linguísticos. Partindo desses pressupostos, pode-se afirmar que os limites entre as duas disciplinas são bastante tênues, o que leva Ferreira e Cardoso (1994) a afirmarem que

32 32 definir objetivo e metas dos vários ramos da ciência da linguagem, ou de qualquer ciência, é sempre muito difícil, porque esses limites são fluidos ou pouco nítidos, principalmente no que se refere à Dialetologia e à Sociolinguística, já que ambas têm como objetivo maior o estudo da diversidade da língua em uma perspectiva sincrônica e concretizada nos atos da fala. Em publicação posterior, Cardoso (2010) ratifica a dificuldade de se estabelecerem limites precisos entre Dialetologia e Sociolinguística, mas enfoca uma questão que se torna essencial ao pesquisador na delimitação teórica dos seus estudos. A autora discute sobre o caráter particular e individualizante com que as duas disciplinas tratam do seu objeto de estudo. Ainda que os enfoques diatópico e social estejam presentes em ambas, elas se distinguem na forma de tratar os fenômenos e na perspectiva que imprimem à abordagem dos fatos linguísticos. Enquanto a Dialetologia considera os fenômenos sociais, mas tem como foco de análise a distribuição espacial da língua, a Sociolinguística, ainda que estabeleça intercomparação entre os dados nos diferentes espaços geográficos, tem sua preocupação central na correlação entre os fatos linguísticos e os fatores sociais. Daí se dizer que a Dialetologia é a ciência da variação espacial e a Sociolinguística a ciência da variação social. Para ilustrar essa diferenciação, Silva-Corvalán (1988, p. 14) argumenta: En un estudio de variación fonética, por ejemplo, la Dialectología describirá las realizaciones de un fonema, especificará sus contextos lingüísticos en el sistema del dialecto en cuestión y delimitará la distribución geográfica de las variantes. La Sociolingüística incorporará, además, entre otros aspectos, un análisis estadístico detallado de los factores que inciden en la variación, examinará las actitudes de los hablantes hacia las diversas realizaciones y las variables sociales asociadas con ellas, investigará la posibilidad de que se trate de un cambio fonológico en marcha, en cuyo caso se preocupará de examinar su difusión en el sistema tanto lingüístico como social. 2 Aliada à busca de áreas geograficamente definidas do ponto de vista dialetal, a Dialetologia toma como elemento de investigação características socioculturais dos 2 Em um estudo de variação fonética, por exemplo, a Dialetologia descreverá as realizações de um fonema, especificará seus contextos linguísticos no sistema do dialeto em questão e delimitará a distribuição geográfica das variantes. A Sociolinguística incorporará, entre outros aspectos, uma análise estatística detalhada dos fatores que incidem na variação, examinará as atitudes dos falantes para as diversas realizações e as variáveis sociais associadas a elas, examinará as possibilidades de que se trata de uma mudança fonológica em curso e, nesse caso, se preocupará em examinar sua difusão no sistema tanto linguístico quanto social. (Tradução nossa).

33 33 falantes, como idade, sexo, escolaridade, profissão com o intuito de fazer uma análise das relações entre o contexto interno e externo da fala. Os condicionadores extralinguísticos ou sociais podem assumir diferentes papéis de acordo com o fenômeno linguístico e com a área geográfica investigada. Tomando o espaço geográfico como base para a análise da variação diageracional, diassexual, diastrática e diafásica, a Dialetologia pluridimensional se movimenta em direção aos aspectos sociolinguísticos da língua e utiliza aqueles que possam contribuir para a descrição dos fenômenos dialetais. Esses fenômenos dialetais são registrados através de um método próprio denominado geografia linguística ou geolinguística, que tem alcançado um extraordinário desenvolvimento na atualidade. A geografia linguística permite que um grande número de formas linguísticas (lexicais, fonéticas, morfossintáticas) sejam registradas em mapas especiais ou cartas linguísticas, levando em conta a distribuição dessas formas no espaço geográfico. Dessa forma, a geolinguística compreende um modo sistemático de estudo cartográfico dos dialetos, o qual permite registrar o caminho trilhado pelos fenômenos linguísticos nos diversos espaços físicos e grupos sociais. 2.2 A DIALETOLOGIA NO BRASIL No Brasil, as pesquisas dialetais começam a se desenvolver através de estudos que mostram algumas características do léxico utilizado pelos falantes do português do Brasil, tendo início em 1826, quando Domingos Borges de Barros, o Visconde de Pedra Branca, foi convidado pelo geógrafo Adrien Balbi para escrever uma contribuição a ser publicada em sua Introduction à l Atlas ethnographique du globe 3, revelando algumas diferenças entre o léxico do português europeu e do português do Brasil. A história da Dialetologia brasileira foi dividida em várias fases, considerando-se, em cada uma delas, o desenvolvimento observado nos estudos de natureza geolinguística. Inicialmente, Antenor Nascentes estabelece, em 1922, apenas duas fases para os estudos dialetais no Brasil. A primeira fase, que se estende de 1826 a 1920, consistiu basicamente na realização de estudos do léxico do português do Brasil, com a produção de um grande volume de trabalhos de caráter lexicográfico, como dicionários, glossários e estudos sobre 3 Antenor Nascentes considera o trabalho do Visconde de Pedra Branca como o marco inicial dos estudos dialetais no Brasil.

34 34 o léxico regional, com o intento de levantar características linguísticas específicas de diferentes áreas brasileiras através das manifestações lexicais utilizadas pelos informantes. Nascentes (1953 [1922]) destaca, nessa fase, juntamente com as obras de caráter lexicográfico, o primeiro estudo de natureza gramatical, O idioma hodierno de Portugal comparado com o do Brasil, realizado por José Jorge Paranhos da Silva, que buscou retratar os diferentes aspectos da variação do português do Brasil comparando-os com os do português de Portugal. A segunda fase, que se estendeu de 1920 a 1952, assinalou os primeiros passos para o desenvolvimento sistemático da geografia linguística no Brasil e teve início com a publicação de O dialeto caipira, de Amadeu Amaral. Antenor Nascentes publicou O linguajar carioca em 1922, buscando situar o falar carioca no quadro do que se entendia como o falar brasileiro e apresentou uma divisão dos falares brasileiros em dois grandes grupos: os falares do norte e os falares do sul. Ainda nesse período, Mário Marroquim publicou A língua do Nordeste, em 1934, com o propósito de descrever aspectos da diversidade linguística em Alagoas e Pernambuco. Essa fase, conforme Nascentes (1953 [1922]), foi marcada pela produção de trabalhos de cunho monográfico que buscaram fazer a descrição da realidade linguística de áreas específicas, não apenas do ponto de vista semântico-lexical, como os estudos da fase anterior, mas também enfocando os níveis fonético-fonológicos e morfossintáticos. Ferreira e Cardoso, em 1994, reformulam a divisão apresentada por Nascentes, propondo mais uma etapa para a periodização dos estudos geolinguísticos, com a finalidade de identificar e demarcar as três diferentes tendências dominantes em cada uma das épocas consideradas. As autoras revalidam a proposta de Nascentes, mas entendem ser necessário incluir uma nova fase na história da Dialetologia brasileira, já que, a partir de 1952, os estudos dialetais tiveram um grande avanço metodológico, expandindo-se a produção de trabalhos no campo da geolinguística. A terceira fase dos estudos dialetais no Brasil teve como marco a determinação do governo brasileiro, através do Decreto de 20 de março de 1952, de que a finalidade principal da Comissão de Filologia da Casa de Rui Barbosa deveria ser a elaboração do atlas linguístico do Brasil. Além disso, marcou também esse período o esforço realizado por Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto e Celso Cunha para que se produzissem trabalhos sistemáticos baseados na geografia linguística e que se realizassem atlas

35 35 regionais. Essa recomendação foi observada por Nelson Rossi, pioneiro na aplicação do método da geografia linguística, que elaborou e publicou o Atlas Prévio dos Falares Baianos. Mota e Cardoso (2006) retomam a divisão de Ferreira e Cardoso (1994) e estabelecem um corte, propondo a inserção de uma quarta fase na evolução dos estudos dialetais, que se iniciaria em 1996, a partir da implementação do Projeto Atlas Linguístico do Brasil, considerando-se a inovação metodológica empreendida pelo projeto ALiB, ao incorporar alguns princípios utilizados pela Sociolinguística e configurar-se como um atlas linguístico pluridimensional. 2.3 A PRODUÇÃO DE ATLAS LINGUÍSTICOS NO BRASIL Quando da publicação do Guia para estudos dialectológicos, Silva Neto (1957) defendeu a criação de uma mentalidade dialetológica e chamou a atenção para a necessidade e a urgência de se estudarem os falares brasileiros, definido as tarefas consideradas prioritárias para o avanço da Dialetologia no Brasil. Dentre essas atividades elencadas por Silva Neto (1957) estava a produção de atlas linguísticos regionais, proposta essa também defendida por outros importantes dialetólogos, como Antenor Nascentes e Celso Cunha. Em suas Bases para a elaboração do atlas linguístico do Brasil, em 1958, Antenor Nascentes elencou as vantagens de um atlas feito para todo o país; todavia, reconheceu a impossibilidade da realização de um projeto dessa dimensão, devido a alguns fatores como a amplitude do território brasileiro, a ausência de pesquisadores preparados para tal fim, a dificuldade de acesso às diferentes regiões do Brasil, dentre outros que impediriam a concretização dessa empreitada. No III Colóquio de Estudos Luso-brasileiros, realizado em Lisboa, Celso Cunha e Serafim da Silva Neto, apesar do interesse no conhecimento da língua portuguesa que um atlas linguístico do Brasil poderia possibilitar, também reconheceram as enormes dificuldades para a elaboração de um atlas geral do Brasil e propuseram que o trabalho começasse pela realização de atlas regionais. Tal proposta foi executada por Nelson Rossi e sua equipe, que publicaram, em 1963, o primeiro trabalho de natureza geolinguística no Brasil, O Atlas Prévio dos Falares Baianos. Este fato assinalou o início sistemático dos estudos no campo da geografia linguística brasileira, que, daí em diante, passou a produzir vários atlas regionais, já

36 36 havendo, atualmente, no Brasil, uma vasta área geográfica descrita pelos atlas regionais publicados, dentre os quais se podem destacar: Esboço de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais (1977), Atlas Lingüístico da Paraíba (1984), Atlas Lingüístico de Sergipe (1987), Atlas Lingüístico do Paraná (1994), Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (2002) 4, Atlas Lingüístico sonoro do Pará (2004), Atlas Lingüístico de Sergipe II (2005), Atlas Lingüístico de Mato Grosso do Sul (2007), Atlas Lingüístico do Ceará (2010). Seguindo a esteira da Geolinguística Pluridimensional, diversos atlas regionais ou estaduais foram elaborados como teses de doutorado: Atlas Lingüístico do Amazonas (2004), Atlas Lingüístico do Paraná II (2007), Atlas Geolingüístico do Litoral Potiguar (2007), Atlas Semântico-lexical da Região do Grande ABC (2007), Microatlas fonético do estado do Rio de Janeiro (2008), Atlas Semântico-lexical de Caraguatatuba, Ilha Bela, São Sebastião e Ubatuba municípios do Litoral Norte de São Paulo (2010), Atlas Linguístico de Pernambuco (2013). Além desses trabalhos já realizados, tem-se notícia de inúmeros outros em andamento ou aguardando publicação, como o Atlas Geo-Sociolingüístico do Pará, Atlas Linguístico de Mato Grosso, Atlas Linguístico do Maranhão, Atlas Linguístico do Espírito Santo, Atlas Linguístico do Rio Grande do Norte, Atlas Etnolinguístico do Acre, Atlas Linguístico do Amapá. Dentre as várias recomendações de Nelson Rossi acerca da configuração dos estudos dialetais, cita-se aqui uma das mais importantes: Convirá, porém, nunca esquecer que a Dialetologia é essencialmente contextual: o fato apurado num ponto geográfico ou numa área geográfica só ganha luz, força e sentido documentais na medida em que se preste ao confronto com o fato correspondente ainda que por ausência em outro ponto ou outra área. (ROSSI, 1967, p. 104). Desse modo, o ilustre dialetólogo expressa uma das principais tarefas da ciência da variação espacial: a intercomparação dos dados linguísticos presentes ou ausentes nos diferentes pontos geográficos, o que pode evidenciar características e peculiaridades de determinadas regiões, demonstrando a diversidade que a língua apresenta conforme a sua distribuição no espaço. 4 Em 2011, foi publicada a 2ª edição do volume de introdução e de cartas fonéticas e morfossintáticas do Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul e a 1ª edição do volume de cartas semântico-lexicais.

37 37 O mapeamento linguístico do Brasil iniciou-se com a realização de atlas estaduais e regionais devido à impossibilidade de, em 1952, realizar-se um empreendimento tão amplo quanto o Atlas Linguístico do Brasil. Importa ainda observar que os pesquisadores consideravam que a elaboração de um atlas linguístico de domínio nacional não deveria excluir a produção de atlas voltados à descrição das manifestações linguísticas de determinadas regiões específicas. Sobre essa questão, Cardoso (2010, p. 72) opinou: Importa salientar que a realização de atlas regionais para países que já dispõem de atlas nacional, e, vice-versa, a decisão de pensar-se em um atlas nacional para países que possuem atlas regionais não devem ser vistas como duplicidade de informação, redundância de dados, desvario científico ou desperdício de dinheiro. Um atlas nacional não poderá descer a minúcias, sob pena de ver reduzida a possibilidade de intercomparação de dados [...] e esse esquadrinhar, que é importante e necessário para se ter um melhor dimensionamento da língua num espaço determinado, é facultado pelos atlas regionais. Seguindo essa recomendação, convivem no Brasil a produção de atlas linguísticos de caráter regional, cujo interesse se volta para a realidade linguística de determinadas localidades geográficas, e um projeto de alcance nacional, que visa à descrição das manifestações linguísticas presentes em todo o território nacional. Assim é que, sob a presidência de Suzana Cardoso e coordenação geral de Jacyra Mota, pesquisadoras da Universidade Federal da Bahia, juntamente com o grupo de professores que integram o Comitê Nacional 5 encontra-se concluído o levantamento dos dados que constituem o Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) e já publicados os dois primeiros volumes referentes às capitais brasileiras: o volume I, que consta da Introdução, em que se faz um percurso histórico da construção do atlas, apresentando-se a metodologia utilizada na coleta de dados, a rede de pontos, os questionários, os informantes e a cartografia dos dados; o volume II, constituído pelas cartas linguísticas, que registra resultados de estudos fonéticos, morfossintáticos e semântico-lexicais realizados em todas as capitais brasileiras. O terceiro volume, em vias de publicação, apresentará diversas análises linguísticas realizadas a partir da cartografia dos dados. 5 O Comitê Nacional do Projeto Atlas Linguístico do Brasil é constituído por pesquisadores de diversas universidades brasileiras. Sua composição atual reúne os seguintes professores: Suzana Alice Marcelino Cardoso e Jacyra Andrade Mota (UFBA), Maria do Socorro Silva de Aragão (UFPB/UFC), Vanderci de Andrade Aguilera (UEL), Aparecida Negri Isquerdo (UFMS), Abdelhak Razky (UFPA) e Felício Wessling Margotti (UFSC).

38 38 Os dados linguísticos desse projeto interinstitucional, coordenado pelo Comitê Nacional, apresentam informações dialetais de todo o território brasileiro, o que poderá evidenciar as principais linhas dialetais que marcam o português do Brasil. Esses estudos, empreendidos através dos atlas linguísticos, são de extrema importância para o conhecimento da realidade linguística brasileira, situando-a não apenas no nível diatópico, como também no nível diassexual, diageracional, diastrático, diafásico e diareferencial. O estudo desenvolvido nesta tese firmou-se nos parâmetros teóricos e metodológicos da Dialetologia Pluridimensional para analisar a variação lexical por entender que as realizações linguísticas são influenciadas tanto pelo espaço geográfico quanto por condicionamentos sociais. Por isso, é necessário conhecer os princípios metodológicos sobre os quais está assentado o Projeto Atlas Linguístico do Brasil, que dá a sustentação empírica a esta tese, já que o corpus que serviu de base para a pesquisa faz parte da amostra de fala constituída pelo Projeto ALiB. 2.4 PROJETO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL: ASPECTOS GERAIS O Projeto Atlas Linguístico do Brasil é um empreendimento de grande amplitude e de caráter nacional, cuja meta é a elaboração de um atlas linguístico que revele os usos linguísticos concretizados pelos falantes do português do Brasil. Esse projeto teve início em 1996, quando diversos pesquisadores de renome internacional reuniram-se em Salvador, no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, para a realização do Seminário Caminhos e Perspectivas para a Geolinguística no Brasil. O evento contou com todos os autores dos atlas linguísticos que já haviam sido publicados, conforme relatam Cardoso e Mota (2012), além de pesquisadores que estavam constituindo atlas regionais e uma gama de estudiosos interessados em pesquisas dialetológicas. Nesse seminário, foi constituído um Comitê Nacional com representantes de várias universidades brasileiras e os autores de diversos atlas regionais, a fim de executar esse projeto de grande amplitude e alcance nacional, sendo escolhidas como presidente e como diretora executiva, respectivamente, as professoras Suzana Cardoso e Jacyra Mota, ambas da Universidade Federal da Bahia. O comitê científico ficou a cargo de Maria do

39 39 Socorro Aragão, da Universidade Federal da Paraíba; Mário Zágari, da Universidade Federal de Juiz de Fora; Vanderci Aguilera, da Universidade Estadual de Londrina e Walter Koch, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os objetivos do Projeto ALiB foram instituídos pelo Comitê Nacional e representam um enorme desafio que vem sendo perseguido por todos aqueles que se interessam pelo conhecimento da realidade linguística brasileira. Cardoso e Mota (2003, p. 40) assim apresentam os objetivos gerais do Projeto ALiB: descrever a realidade linguística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque na identificação das diferenças diatópicas, diastráticas e diageracionais consideradas na perspectiva da Geolinguística Pluridimensional; oferecer aos estudiosos da língua portuguesa, aos pesquisadores de áreas afins e aos pedagogos subsídios para o aprimoramento do ensino/aprendizagem e para uma melhor interpretação do caráter multidialetal do Brasil. São os objetivos específicos: descrever a realidade linguística do português do Brasil com vistas a identificar fenômenos fonéticos, morfossintáticos, lexicais e semânticos característicos da diferenciação ou definidores da unidade linguística no território nacional; estabelecer isoglossas, com vistas a traçar a divisão dialetal do Brasil, tornando evidentes as diferenças regionais através de resultados cartografados em mapas linguísticos e de estudos interpretativos de fenômenos considerados; identificar, com base na análise em tempo aparente, processos de mudança; registrar fenômenos linguísticos localizados e específicos de áreas com vistas a estudar as suas repercussões no ensino-aprendizagem da língua materna; examinar os dados coletados na perspectiva de sua interface com outros ramos do conhecimento com vistas a fundamentar e definir posições teóricas sobre a natureza da implantação da língua portuguesa no Brasil; oferecer aos interessados nos estudos linguísticos um amplo volume de dados e aos diversos profissionais da área um conhecimento aprofundado da realidade linguística brasileira;

40 40 contribuir para o entendimento da língua portuguesa no Brasil como um instrumento social de comunicação diversificado, possuidor de várias normas, mas dotado de uma unidade sistêmica. O Projeto ALiB conta atualmente com o levantamento de dados concluído em todas as localidades, tendo documentado a fala de informantes. Quanto à natureza e tratamento dos dados, o Atlas Linguístico do Brasil constituise em um atlas de terceira geração, por aliar o parâmetro diatópico aos aspectos diassexuais, diageracionais e diastráticos, permitindo que se possa fazer a audição dos dados linguísticos de natureza fonético-fonológica, semântico-lexical, morfossintática, pragmática e metalinguística. Além disso, os dados são acompanhados de comentários interpretativos e podem ser publicados de forma impressa ou em formato digital Informantes O perfil dos informantes do ALiB segue alguns parâmetros estabelecidos no âmbito das pesquisas dialetais; por isso, esses informantes devem ser naturais da região linguística pesquisada, sem dela terem se afastado por mais de 1/3 de suas vidas e devem ser filhos de pais nascidos na mesma comunidade. Os informantes estão distribuídos equitativamente por ambos os sexos, em duas faixas etárias, conforme a seguinte distribuição: quatro homens e quatro mulheres por capital; dois homens e duas mulheres pertencentes à faixa I dos 18 aos 30 anos; dois homens e duas mulheres correspondentes à faixa etária II dos 50 aos 65 anos. Nas demais localidades, foram selecionados apenas dois informantes (um homem e uma mulher) por faixa etária. A opção do comitê científico em selecionar apenas duas faixas etárias e não três, como é comum nos projetos que estudam variação e mudança linguística, explica-se pelo fato de que, sendo o projeto de caráter nacional, fez-se necessário reduzir o número de informantes para viabilizar a execução do mesmo, como documenta Cardoso (2010, p. 173): na impossibilidade de documentarem-se três diferentes faixas etárias, o que acarretaria um considerável aumento de custos, optou-se pelo registro de informantes de faixas mais distanciadas. Quanto ao nível de escolaridade, os informantes das cidades situadas no interior possuem o ensino fundamental incompleto, tendo cursado, no máximo, até a oitava série

41 41 (equivalente, hoje, ao nono ano do ensino fundamental). Nas capitais, todavia, buscaram-se também informantes que tivessem cursado o ensino superior completo. Sendo assim, o projeto trabalha com dois graus de escolaridade: ensino fundamental e ensino universitário. Sobre o fato de os dois níveis de escolaridade estarem restritos apenas às capitais, Mota (2009) explica que isso se deve a razões de ordem econômica e também à dificuldade de encontrar informantes de nível universitário em determinadas cidades do interior do Brasil, considerando a situação socioeconômica e educacional de alguns Estados brasileiros, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país Questionários Os questionários utilizados para a coleta de dados do Projeto ALiB foram testados através de uma aplicação em caráter experimental realizada em diversas regiões do Brasil, com o intuito de adequar as questões às diferentes realidades sociais, econômicas e culturais encontradas em nosso país, o que se constituiu em um grande desafio para os membros do Comitê Nacional. Para a elaboração do questionário, tomaram-se por base os inquéritos já elaborados para os atlas regionais brasileiros e os questionários publicados pelo Atlas Linguistique Roman e Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e de Galiza. O questionário definitivo do Projeto ALiB foi publicado em 2001 pela Universidade Estadual de Londrina e tem servido de base para a elaboração de diversos atlas regionais. Um aspecto que deve ser destacado com relação ao questionário é o cuidado assumido pelo Comitê Nacional no sentido de uniformizar as questões, a fim de que os mesmos procedimentos metodológicos na realização dos inquéritos pudessem ser aplicados em todo o território nacional pelas equipes de inquiridores do projeto. O questionário possui um total de 431 perguntas e tem o objetivo de coletar dados referentes a fatos fônicos, inclusive os prosódicos, lexicais, morfossintáticos, pragmáticos, metalinguísticos, além de conter temas para discurso semidirigido, com o fim de apreender uma linguagem menos monitorada, mais coloquial, o que possibilita o estudo da variação diafásica e um texto para leitura em que se busca coletar a linguagem mais monitorada. O questionário fonético-fonológico (QFF) possui 159 questões e mais 11 questões de prosódia. Os itens lexicais aos quais se referem as perguntas possibilitam estudos de variação e mudança linguística no nível fonético-fonológico, prestando-se inclusive à

42 42 delimitação de áreas dialetais no Brasil, conforme investigações já realizadas por alguns pesquisadores do ALiB. O questionário semântico-lexical (QSL) contempla 202 questões com o fim de apreender a diversidade lexical da língua portuguesa nas diversas regiões do Brasil. Através dos dados, podem-se registrar também aspectos da variação diageracional, a exemplo da questão 188 do campo semântico Vestuário, em que se pergunta: Qual a peça do vestuário feminino que serve para segurar os seios?, podendo-se depreender a variação etária, a partir das respostas aperta-seio, segura-peito ou comentários como antigamente se chamava califon, que demonstram a diferença na linguagem utilizada por pessoas mais velhas e mais jovens. Um estudo empreendido por Paim (2012), em que a autora investigou as denominações para sutiã utilizadas pelos baianos na década de 60, registradas no Atlas Prévio dos Falares Baianos, e, 40 anos depois, nos dados do Projeto ALiB, demonstrou que algumas denominações registradas nos dados do ALiB coincidentes com as da década de 60 foram utilizadas pelos informantes como uma alusão temporal que corresponde à variação diageracional da língua, como califon, guarda-peito e corpete. Ao contrário do QFF, em que se busca uma resposta específica para a pergunta, atentando-se apenas para os aspectos fonéticos, o QSL pretende documentar a diversidade de formas linguísticas conhecidas pelos informantes para um determinado referente. As questões foram elaboradas numa perspectiva onomasiológica, ou seja, partem do conceito para a denominação e tem por objetivo o registro da variante coloquial utilizada pelo falante, buscando as formas de emprego mais geral da localidade. O questionário semântico-lexical está organizado em torno de catorze campos semânticos 6, conforme se pode observar no Quadro 1: 6 A literatura especializada não costuma fazer distinção entre campo semântico e área semântica, utilizando estes termos como sinônimos. Neste trabalho, optou-se pelo emprego da expressão campo semântico.

43 43 Quadro 1 Campos Semânticos do Questionário Semântico-Lexical do Projeto ALiB CAMPOS SEMÂNTICOS Nº DE QUESTÕES Acidentes geográficos 06 Fenômenos atmosféricos 15 Astros e tempo 17 Atividades agropastoris 25 Fauna 25 Corpo humano 32 Ciclos da vida 15 Convívio e comportamento social 11 Religião e crenças 08 Jogos e diversões infantis 13 Habitação 08 Alimentação e cozinha 12 Vestuário e acessórios 06 Vida urbana 09 Fonte: COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALiB (2001) No questionário morfossintático (QMS), composto por 49 questões, busca-se registrar fenômenos linguísticos variáveis do português do Brasil no nível da morfologia e da sintaxe, a exemplo do uso do tu ou do você como pronome-sujeito (quando se pergunta ao informante: Quando se vê um amigo com uma mala e se quer saber para onde ele vai, como é que se pergunta? ), presença ou ausência de artigos antes de nomes próprios ( Poderia dizer o nome de alguns amigos ou vizinhos? ). Esses fatos demonstram a variação diatópica do português do Brasil. O QMS também permite documentar traços da variação diastrática, a partir da análise de fenômenos como flexão de número de nomes e flexão de verbos. As quatro questões de pragmática objetivam o registro da variação nas formas de tratamento entre os informantes, as quais podem ser condicionadas por aspectos de ordem social, como faixa etária. A título de exemplo, observe-se a primeira pergunta do questionário: Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um rapaz jovem e ele não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse rapaz?, em que as respostas deverão sinalizar variantes que sejam próprias à faixa etária mais jovem e ao sexo masculino. O questionário possui ainda seis perguntas abertas de ordem metalinguística (QM), em que se pretende analisar a percepção do falante sobre a variação presente na sua fala e na das pessoas que pertencem a outras localidades do Brasil, registrando-se o grau de consciência linguística do informante acerca dos fatos da linguagem. As questões

44 44 podem revelar a avaliação subjetiva do falante sobre determinados fenômenos da linguagem, demonstrando que nem sempre essa avaliação positiva ou negativa coincide com a sua própria realização linguística. Os temas para discurso semidirigido prestam-se a um importante papel na documentação da variação diafásica, já que nesse tipo de registro, os informantes são convidados a falar livremente sobre um acontecimento da sua vida, o que, normalmente, faz com que relaxem e utilizem uma linguagem menos tensa, menos monitorada, mais coloquial, o que possibilita o registro do vernáculo. Ao final do questionário, os informantes são convidados a lerem o texto Parábola dos sete vimes em voz alta, com o propósito de se registrar a variação diafásica, e, contrariamente ao tema para discurso semidirigido, em que o indivíduo fala livremente em um nível de linguagem mais informal, o texto para leitura possibilita a apreensão de um registro mais formal, mais tenso e mais monitorado da realização linguística do informante Rede de pontos O Projeto ALiB definiu sua rede de pontos, que são as localidades selecionadas para servirem como representantes do universo da pesquisa, a partir de alguns critérios, como: densidade demográfica dos Estados, história do município, aspectos geográficos e importância socioeconômica da localidade. A definição da rede de pontos levou em consideração as localidades sugeridas por Nascentes (1958) nas Bases para a elaboração do Atlas Linguístico do Brasil, além de cidades selecionadas para pontos linguísticos de atlas estaduais já publicados. O Projeto ALiB conta com uma rede de 250 pontos linguísticos, distribuídos em todos os Estados brasileiros, incluindo as capitais, à exceção de Palmas (no Tocantins) e Brasília (no Distrito Federal), por serem capitais novas e não atenderem plenamente ao perfil de informantes exigidos pelo projeto. Esses Estados foram fundados há poucas décadas e são constituídos por pessoas provenientes de diversas regiões do Brasil, não havendo uma segunda geração de informantes naturais dos municípios que o constituem. O estabelecimento dos pontos de inquéritos em cada Estado levou em consideração a densidade demográfica de todas as regiões e de cada Estado, fazendo-se os ajustes necessários para os casos de estados com baixa densidade demográfica ou aqueles com alta densidade populacional.

45 45 A Região Sudeste, sendo a mais densamente povoada, com 42% da população brasileira, abrangeu o maior número de pontos linguísticos, perfazendo um total de 80 cidades; já as Regiões Norte e Centro-Oeste abrigaram, cada uma, 24 pontos de inquéritos linguísticos. 2.5 ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS Ainda que a Dialetologia se concentre no estudo da distribuição das variantes linguísticas no espaço geográfico daí ser considerada a ciência da variação linguística espacial as pesquisas dialetais também mostram extremo interesse pelo contexto sociocultural dos falantes. Isso explica o fato de que Dialetologia e Sociolinguística possam ser consideradas complementares na medida em que o plano horizontal ou geográfico da língua não deve ser desvinculado do plano vertical ou social. O advento da Sociolinguística marca o início de uma nova história no campo da ciência da linguagem, considerando-se que essa disciplina passa a compreender a língua como fato social e faz disso um objeto de pesquisa, alcançando o mérito de sistematizar a relação que se estabelece entre a língua e questões ligadas ao contexto social. Entretanto, não se pode perder vista de que a ideia de que as línguas variam no tempo, no espaço e nas diversas situações sociais já estava presente na discussão de vários estudiosos desde o início do século XX, não apenas aqueles da área da linguagem, como também sociólogos preocupados com o contexto social atrelado à diversidade linguística. A busca por uma concepção social de língua já fora assumida pelo linguista francês Antoine Meillet 7 (1958 apud Calvet 2002), que, mesmo filiado à corrente estruturalista dos estudos linguísticos, defendia, em seus textos, a convergência entre a abordagem interna e externa dos fatos linguísticos, bem como a abordagem sincrônica e diacrônica dos fenômenos da linguagem, considerando, para isso, o caráter social da língua. Conforme observa Calvet (2002), a ideia de um estudo da língua associado às suas funções sociais, fato central na obra de Meillet, surgiu desde o nascimento da linguística moderna e permaneceu, durante quase meio século, paralela à concepção estrutural da língua defendida por Saussure. 7 MEILLET, Antoine. Linguistique Historique et linguist Générale. Vol 1. Paris: Honoré Champion, 1958.

46 46 Assim, apesar de Meillet ter sido aluno de Saussure, a posição dele é contrária ao modelo abstrato e homogêneo de língua elaborado pelo mestre genebrino, o que justifica a crítica que ele fez a Saussure em sua resenha ao Curso de Linguística Geral, afirmando que, ao separar a variação linguística das condições externas, Ferdinand Saussure a priva da realidade e a reduz a uma abstração desnecessária. Para Meillet, a história das línguas é inseparável da história da cultura e da sociedade. Em uma de suas aulas no Colège de France, em 1906, o linguista, além de destacar que a linguagem é um fato eminentemente social, também admitiu que as mudanças linguísticas estão diretamente associadas às mudanças sociais, o que o afasta da posição assumida por Saussure, que exclui toda consideração de natureza social, histórica e cultural da descrição, análise e interpretação do fenômeno linguístico. Contudo, durante quase todo o século XX, no âmbito dos estudos da linguagem, vigorou a concepção imanentista de língua, consolidada pela tradição do estruturalismo linguístico, que explicava a mudança na língua considerando mormente seus fatores internos, já que, na visão saussureana, a língua é o sistema invariante que pode ser abstraído das múltiplas observações da fala, sendo necessário afastar tudo que seja estranho ao seu sistema. Saussure define a língua como objeto central da Linguística, em oposição à fala, que deveria ser estudada pela Estilística ou por uma Linguística Externa. Para ele, o estudo dos fenômenos linguísticos externos é muito frutífero, mas é falso dizer que sem esses não seria possível conhecer o organismo linguístico interno, instituindo-se assim uma distinção entre uma linguística interna, que se ocupa da língua, e uma linguística externa que abrange a fala. A concepção saussureana de língua enquanto um sistema homogêneo e abstrato, que só pode e deve ser estudado a partir de suas relações internas, não só excluiu o estudo da variação linguística de seu aparato teórico por esta ser considerada estranha ao sistema como também produziu lacunas e limitações para o estudo da linguagem nos seus mais diversos níveis. A ideia defendida pelo estruturalismo de que o sistema linguístico, por ser unitário e fechado em sua lógica interna, estaria imune às intervenções das relações sociais foi um dos pontos mais criticados por diversos programas de pesquisa que buscaram desenvolver uma teoria que fosse capaz de dar conta da dimensão sócio-histórica do fenômeno linguístico, ou seja, dos fatos relativos à variação e à mudança linguística, bem como à interação entre língua e sociedade.

47 47 A ruptura epistemológica do estruturalismo saussureano só foi implementada na década de 60 pelo modelo teórico da Sociolinguística, que, conforme se lê em Lucchesi (2004), relega ao indivíduo um papel ativo na relação com a língua, já que ele é obrigado a selecionar entre as várias possibilidades expressivas que a ele se oferecem na estrutura da língua. Essa seleção, que acontece em todos os níveis linguísticos, é feita pelo falante de acordo com diversos aspectos sociais: a carga ideológica de cada uma das possibilidades expressivas, o tipo de relação social que une o interlocutor ao falante no ato da interação linguística, o papel que o falante deseja desempenhar no momento específico da interação. A Sociolinguística fixou-se em 1964 em um congresso organizado por William Bright (1966 apud Alkmin 2003) na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que contou com a participação de vários estudiosos, os quais, posteriormente, tornaram-se referências obrigatórias para os estudos que entendem a língua como um fenômeno social. Dentre esses vinte e cinco pesquisadores que participaram do evento, pode-se citar John Gumperz, Dell Hymes, John Fisher, José Pedro Rona e William Labov. No texto de introdução das atas dos trabalhos apresentados no congresso, intitulado As dimensões sociais da sociolinguística, Bright busca definir e caracterizar a nova área de estudos. O autor observa que é difícil definir com precisão a Sociolinguística e esclarece que uma das maiores tarefas dessa corrente teórica é mostrar que a diversidade não é livre, pois a variação está relacionada às diferenças sociais. A Sociolinguística visa a demonstrar a covariação sistemática da diversidade linguística e social, ou seja, relacionar as variações linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes em sua estrutura social. Desse modo, o objeto de estudo da Sociolinguística é a diversidade linguística. Bright identifica um conjunto de fatores socialmente definidos, com os quais se supõe que a diversidade linguística esteja relacionada, como: identidade social do emissor ou falante relevante no estudo dos dialetos das classes sociais e das diferenças entre as falas femininas e masculinas; identidade social do receptor ou ouvinte importante no estudo das formas de tratamento; contexto social considerado no estudo das diferenças linguísticas utilizadas nos estilos formal e informal;

48 48 julgamento social do comportamento linguístico relevante no estudo sobre as atitudes linguísticas. Após o evento, diversos trabalhos que colocavam em relevo a importância do contexto social na descrição, análise e interpretação do fenômeno linguístico foram realizados, mas foi com a publicação do estudo de William Labov sobre a pronúncia do ditongo /ay/ pela população de Martha s Vineyard, uma ilha situada junto à costa de Massachusets, que a correlação entre os traços linguísticos e sociais foi explicada sistematicamente, através de uma metodologia desenvolvida especialmente para a análise de fenômenos variáveis. A Sociolinguística reconhece a heterogeneidade ou variação linguística como parte inerente do sistema linguístico defendendo que seria a ausência de variação o fenômeno irregular ao sistema. Além disso, essas estruturas variantes seriam regulares e passíveis de sistematização, através de um método estatístico criado com a finalidade de evidenciar a covariação entre fatores de ordem linguística e fatores de ordem social que atuam na variabilidade do sistema linguístico. O estabelecimento de um tratamento numérico para os dados linguísticos fez com que esse modelo de análise dos fatos variáveis da língua, desenvolvido por Labov na década de 60, ficasse conhecido como Sociolinguística Quantitativa Laboviana ou Sociolinguística Variacionista. Labov, inclusive, não concordava com o termo Sociolinguística, identificado como o estudo da língua em consonância com os fatores de ordem social, pois, para ele, não poderia haver uma teoria ou prática linguística desvinculada de elementos sociais, o que deixaria a expressão redundante, já que a Sociolinguística seria a própria linguística. Conforme destaca Labov (2008 [1972]), não se pode admitir um estudo linguístico, quer do ponto de vista diacrônico quer do ponto de vista sincrônico, que não leve em consideração a face heterogênea da língua, pelo fato de esta ser uma instituição social e, como tal, sujeita à diversidade do grupo de falantes que a utiliza. Para este autor, a variação é uma característica essencial à linguagem humana, podendo ser descrita e analisada de forma sistemática. Nesse sentido, Weinreich, Labov e Herzog publicam, em 1968, os Empirical Foundations for a Theory of Language Change, obra que lança as bases teóricas e metodológicas da Sociolinguística, definindo como objeto de estudo dessa corrente linguística a gramática da comunidade de fala, cuja característica precípua é a

49 49 heterogeneidade das formas linguísticas utilizadas pelos seus falantes. Portanto, a variabilidade da língua falada em situações reais de interação e sua relação com a estrutura social tornam-se a preocupação central das pesquisas sociolinguísticas. O caráter heterogêneo e variável da língua, longe de representar um caos linguístico, como afirmavam os estruturalistas, possibilita sua plena funcionalidade, pois é ordenada e sistemática, sendo essencial ao fenômeno da linguagem. Essa concepção assumida pela Sociolinguística inaugura um novo caminho para os estudos da linguagem e a compreensão da língua como fato social passa a fazer parte das pesquisas linguísticas. Uma das ações mais importantes da Sociolinguística foi o desenvolvimento de uma metodologia de análise dos dados linguísticos que fosse capaz de testar sistematicamente a correlação entre a variação na estrutura linguística em consonância com a estrutura social, demonstrando cientificamente que essas variações não são aleatórias, ou seja, a dinamicidade de determinados traços da linguagem se encontraria condicionada aos fatores sociais com os quais eles se relacionam e que atuam no contexto de realização da fala. Esses fatores extralinguísticos que interferem na maneira de falar do indivíduo podem ser identificados como: variação geográfica ou diatópica, fundamentada na oposição da linguagem em diferentes áreas geográficas; variação sociocultural ou diastrática, influenciada por fatores ligados ao falante (idade, sexo, raça, profissão, posição social, grau de escolaridade, classe econômica, participação em comunidades religiosas, entre outros); variação contextual ou diafásica (relacionada aos níveis de formalidade da fala). A heterogeneidade da língua não pode ser considerada livre ou aleatória, já que os falantes vão assumir um comportamento linguístico influenciados, principalmente, por motivações sociais. Desse modo, diante das diversas possibilidades oferecidas pelo sistema linguístico, a escolha dos falantes não é determinada apenas pelo contexto linguístico, sofrendo a influência direta de fatores externos ou extralinguísticos, como grau de escolaridade, idade, origem geográfica. Moreno Fernández (1998, p. 34), ao tratar das variáveis sociais na Sociolinguística, ressalta que elas são capazes de determinar a variação até onde permite o sistema da língua. Essas variações ocorrem de modo bastante específico nas diferentes comunidades linguísticas e de acordo com os próprios fenômenos da linguagem, não se configurando, portanto, da mesma maneira nem em todas as análises da língua, ou seja,

50 50 para cada fato linguístico pode haver uma incidência maior de um determinado fator social, que pode ser a idade, a escolaridade, o sexo. As escolhas nos usos das variantes linguísticas correspondem à diversidade dos grupos sociais, ou seja, a variabilidade social é refletida através da heterogeneidade linguística. Porém, no complexo jogo das relações sociais, atribui-se também juízos de valor às variantes, que são avaliadas de acordo com o status social conferido aos indivíduos que fazem uso das mesmas. Sendo assim, uma variante tem prestígio social se é utilizada por falantes de um grupo social valorizado. Fazendo o percurso contrário, tende a ser estigmatizada quando associada a falantes que pertencem a classes sociais desvalorizadas. Os estudos sociolinguísticos sobre o português do Brasil têm demonstrado que alguns aspectos linguísticos variáveis presentes tanto na fala de pessoas não escolarizadas quanto na fala de indivíduos com alto grau de escolarização parecem não sofrer sanção social. No nível morfológico, pode-se tomar como exemplo a variação entre as formas nós e a gente para fazer referência à primeira pessoa do plural, como nas sentenças: Nós chegamos cedo/ A gente chegou cedo. Essas formas alternativas no sistema pronominal estão presentes na variedade popular e na variedade culta do português brasileiro e não têm sofrido avaliação social, apresentando-se imunes ao julgamento dos falantes. Por outro lado, alguns fenômenos linguísticos que fazem parte da norma do português popular do Brasil, a exemplo do uso não-marcado do plural em sintagmas verbais, como na oração Nós sabe tudo, são altamente estigmatizados. Apesar de essas variantes serem perfeitamente funcionais dentro do sistema linguístico do português brasileiro, elas provocam uma reação negativa por parte dos falantes mais escolarizados, que as identificam como próprias de pessoas que pertencem às camadas populares e são consideradas formas ditas erradas e empobrecidas da língua. Dessa forma, o perfil socioeconômico do falante pode ser conhecido pela variante linguística que ele utiliza, e, quando esse traço da linguagem não se aproxima das variantes prestigiadas socialmente, o indivíduo é estigmatizado tanto quanto a variante utilizada por ele. O problema da avaliação é uma das questões consideradas pela Sociolinguística laboviana como fundamental para o entendimento da variação e da mudança na língua. Para Labov, essa avaliação é determinada pelo nível de consciência social do falante no que diz respeito aos elementos variáveis da língua. A reação do falante acerca das variantes linguísticas depende da avaliação social produzida e compartilhada no interior

51 51 do grupo social ao qual ele pertence, já que os valores atribuídos às formas linguísticas podem não ser compartilhados da mesma maneira por todos os grupos sociais. Em seus estudos sobre a avaliação social das variáveis linguísticas, Labov (2008 [1972]) distingue três tipos de categorias sociolinguísticas: os indicadores, os marcadores e os estereótipos. Os indicadores são os traços linguísticos que não apresentam variação estilística e estão abaixo do nível da consciência social, ou seja, não estão sujeitos a julgamentos sociais negativos. Os marcadores são variáveis linguísticas que apresentam variação estilística e social e estão sujeitas ao julgamento consciente ou inconsciente do falante. Os estereótipos são formas linguísticas que sofrem uma extrema estigmatização social na comunidade de fala e que estão acima do nível de consciência do falante. O desenvolvimento dos estudos sociolinguísticos, além de demonstrar que todas as variações da linguagem obedecem a padrões estruturais regulares e complexos, pode ajudar no combate ao preconceito linguístico e ao estigma, tão presentes em nossa sociedade, que recaem sobre algumas comunidades de fala, que se apresentam como uma das piores marcas de violência simbólica e como perversos instrumentos de opressão e exclusão social. 2.6 ESTUDOS ETNOLINGUÍSTICOS A Etnolinguística firmou-se como um campo de pesquisa da ciência linguística voltado para o estudo das relações entre a linguagem e a realidade cultural dos indivíduos, tendo como objetivo analisar como os elementos de uma língua refletem a visão de mundo dos seus falantes. Essa área de conhecimento possui bases interdisciplinares, ancorandose em saberes advindos da Linguística, da Antropologia e da Sociologia, e constitui-se em uma aliada da Dialetologia e da Sociolinguística na busca do conhecimento dos fatores externos que podem influenciar nas escolhas linguísticas dos diversos grupos sociais. A tentativa de associar aspectos da realização linguística aos hábitos culturais dos falantes não é algo recente no campo dos estudos da linguagem; porém, essa visão ganhou força através do trabalho de Franz Boas (2010 [1938]), para quem as diferenças linguísticas não implicavam diferenças cognitivas, mas estavam associadas às características culturais da comunidade. No final do século XIX, Boas realizou um trabalho pioneiro de descrição gramatical de algumas línguas indígenas americanas, identificando diversos empréstimos linguísticos que foram explicados pelo contato com outras tribos. O autor também

52 52 mostrou haver em diferentes línguas indígenas traços linguísticos gerais prováveis em qualquer língua, tais como categorias gramaticais e aspectos fonéticos, e descreveu que cada língua tem uma forma particular de classificar e categorizar os elementos do mundo e as experiências dos falantes. Franz Boas concebia a linguagem como um sistema cultural altamente sofisticado, considerando imprescindível o seu estudo no campo da Antropologia. A pesquisa desse autor sobre línguas indígenas deu grande contribuição à Linguística. As ideias de Boas foram seguidas por Edward Sapir (linguista e antropólogo, um de seus mais brilhantes alunos) e Benjamim Lee-Whorf, discípulo de Sapir. Esses últimos formularam a hipótese conhecida como hipótese do relativismo linguístico, ou hipótese Sapir-Whorf, cuja premissa parte da ideia de que a língua de uma determinada comunidade organiza a sua cultura e a sua visão de mundo, já que uma comunidade compreenderia a realidade que a cerca através das categorias gramaticais e semânticas da sua língua. Desse modo, haveria uma interdependência entre linguagem e cultura. Para Sapir (1954, p. 205), não existe língua isolada de uma cultura, isto é, de um conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que determinam as tramas da vida humana. O estudo da linguagem pode, portanto, revelar marcas culturais importantes para o entendimento das crenças e saberes que são transmitidos pelos diferentes grupos humanos. Eugênio Coseriu (1978), em um texto programático, intitulado A sócio e a etnolinguística: seus fundamentos e suas tarefas, propõe algumas importantes distinções entre esses dois ramos de estudos linguísticos, com o intuito de delimitar o objeto de estudo dessas duas disciplinas. De acordo com Coseriu (1978), as definições comumente dadas tanto à Sociolinguística quanto à Etnolinguística são extremamente amplas e imprecisas. Para ele, o conceito de Sociolinguística como o estudo da linguagem em relação com o contexto social não atende a todos os estudos realizados nessa área, já que não se sabe de qual plano da linguagem e de qual contexto social se trata no estudo. Além disso, essa definição pode ser aplicada a estudos sociolinguísticos diferenciados, como os de Bernstein e os de Labov, e abrangeria toda a Linguística, já que a linguagem só se realiza em algum contexto social e em relação com alguma estrutura social da comunidade de fala. Coseriu (1978) defende a necessidade de precisar e delimitar o objeto de estudo da Sociolinguística, já que as tarefas de uma disciplina dependem de seu objeto, métodos

53 53 e tarefas. O autor estende essas considerações para a Etnolinguística, pois, segundo ele, a definição de que a Etnolinguística é o estudo da linguagem em relação com a civilização e a cultura das comunidades de fala também é imprecisa e bastante ampla e não leva em conta características específicas desses estudos. O Quadro 2 sintetiza as principais características formuladas por Coseriu (1978) para as duas disciplinas linguísticas. Quadro 2 Principais características da Sociolinguística e da Etnolinguística SOCIOLINGUÍSTICA Disciplina linguística, não sociológica; Estudo da variedade e variação da linguagem em relação com a estrutura social das comunidades de fala; Distingue-se da sociologia da linguagem, podendo ser entendida como uma linguística sociológica; Utiliza a sociologia como disciplina auxiliar. Fonte: Adaptado de Coseriu (1978) ETNOLINGUÍSTICA Disciplina linguística, não etnológica, nem etnográfica; Estudo da variedade e variação da linguagem em relação com a civilização e a cultura; Distingue-se da etnologia da linguagem, podendo ser entendida como uma linguística etnográfica; Utiliza a etnografia como disciplina auxiliar. Coseriu (1978) propõe que os estudos sociolinguísticos sejam divididos em várias disciplinas, e o objeto de estudo da Etnolinguística seja ampliado, defendendo a necessidade de se fazer uma distinção entre a Sociolinguística propriamente dita e o que ele denomina de Sociologia da linguagem, bem como entre a Etnolinguística e a Etnografia da linguagem. Para o autor, os termos Sociolinguística e Etnolinguística poderiam manter-se como denominações genéricas para um conjunto de disciplinas, tais como a Linguística sociológica e a Sociologia da linguagem, a Linguística etnográfica e a Etnografia linguística. O Quadro 3 representa as divisões para a Sociolinguística e Etnolinguística sugeridas por Coseriu (1978).

54 54 Quadro 3 Principais divisões para a Sociolinguística e para a Etnolinguística Sociolinguística Etnolinguística Linguística sociológica Sociologia linguagem da Linguística etnográfica Etnografia linguística O objeto de estudo é a linguagem. Utiliza a sociologia apenas como uma disciplina auxiliar. O objeto de estudo é o contexto social. Utiliza a linguística apenas como uma disciplina auxiliar. O objeto de estudo é a linguagem. Estuda os fatos linguísticos enquanto determinados pelos saberes acerca do mundo. O objeto de estudo é a cultura. Estuda os saberes acerca do mundo enquanto manifestados pela linguagem. Fonte: Adaptado de COSERIU, Eugenio (1978) Conforme o autor, a tarefa dessas diferentes disciplinas depende dos planos da estrutura geral da linguagem. Esses planos estão relacionados ao fato de que a linguagem é uma atividade humana universal que se realiza por cada ser humano individualmente e segundo determinadas tradições históricas. Coseriu (1978) propõe três planos da estrutura geral da linguagem, aos quais correspondem saberes, normas e conteúdos linguísticos distintos: o plano universal do falar, o plano histórico das línguas e o plano individual do discurso ou do texto. Essa divisão justificaria a constituição de três Linguísticas, três Sociolinguísticas e três Etnolinguísticas diferentes: a Linguística, a Sociolinguística e a Etnolinguística da fala em geral, a Linguística, a Sociolinguística e a Etnolinguística das línguas e a Linguística, a Sociolinguística e a Etnolinguística dos discursos. Pujadas (1976) entende que as barreiras entre Etnolinguística e Sociolinguística tendem a se tornar cada vez menores, pois existe uma grande similaridade entre os postulados teóricos dessas duas disciplinas, entre os quais poder-se-iam destacar: continuidade estrutural entre o comportamento verbal e não-verbal dos indivíduos em contextos socioculturais delimitados; correspondência da fala a uma determinada unidade social como uma realidade adaptada ao conjunto de dimensões que constituem a bagagem cultural dos falantes.

55 55 Apesar disso, o autor admite existirem divergências cruciais entre esses dois campos da Linguística, não só em relação à metodologia adotada para os estudos etnolinguísticos e sociolinguísticos, mas também quanto à delimitação e às características das pesquisas. Enquanto a Etnolinguística estabelece modelos globais de funcionamento da fala correspondentes a uma determinada cultura e escolhe pequenas unidades de estudo com base em um método intensivo e na utilização da técnica de observação participante, a Sociolinguística costuma usar um número maior de dados de fala que devem ser obtidos através de conversas informais cujos temas possibilitem o informante se expressar o mais naturalmente possível. A terminologia utilizada para indicar o estudo da linguagem associado aos elementos culturais da comunidade não tem sido ponto consensual entre os linguistas. Alguns autores empregam como sinônimos os termos Etnolinguística e Linguística Antropológica. O panorama terminológico torna-se ainda mais amplo e complicado, conforme Velarde (1991), quando entram em cena os termos Antropologia Linguística, denominada por Dell Hymes de Etnografia da Fala, Sociolinguística e Sociologia da Linguagem, que, em muitos trabalhos, são utilizados indistintamente. Segundo Velarde (1991), o caráter recente da Etnolinguística como uma disciplina científica e o fato de ela ter se desenvolvido de uma maneira fragmentada justifica o fato de muitos pesquisadores usarem seu nome sem um conteúdo designativo preciso, considerando apenas o aspecto cultural ou antropológico do uso da língua. Duranti (2000, p. 20) afirma que o termo Etnolinguística ganhou popularidade no final dos anos 40 e início da década de 50, nos Estados Unidos. O autor, porém, prefere falar em uma Antropologia Linguística, por entender o estudo da linguagem e da cultura como um dos subcampos principais da Antropologia. Conforme o autor, o que distingue os estudos etnolinguísticos daqueles realizados no âmbito da Dialetologia e da Sociolinguística é sua visão da linguagem como um conjunto de estratégias simbólicas que fazem parte do tecido social e da representação individual de mundos possíveis ou reais, o que permite a abordagem de temas como as políticas da representação, a constituição da autoridade, a legitimação do poder e das bases culturais do racismo e do conflito étnico, o processo de socialização, a construção cultural do indivíduo, o contato cultural e a mudança social. Além disso, o campo da Etnolinguística examina a linguagem através do prisma dos interesses antropológicos, dentre os quais podem-se destacar: a transmissão e reprodução da cultura, a relação entre

56 56 os sistemas culturais e outras formas de organização social e o papel das condições materiais de existência na compreensão que os indivíduos têm do mundo. Os diferentes pontos de partida dos estudos sociolinguísticos, etnolinguísticos e dialetológicos são fundamentais para o entendimento da variação e da mudança linguísticas enquanto um fenômeno natural nas línguas motivado por fatores internos e externos à linguagem. A realização linguística dos indivíduos pode revelar aspectos culturais que são aprendidos e transmitidos de geração a geração. Uma das possibilidades para realizar o estudo da linguagem é considerar as práticas culturais de uma determinada comunidade, o que justifica a importância da Etnolinguística no contexto dos estudos lexicais. 2.7 ESTUDOS LEXICAIS O nível lexical da língua é a área da linguagem que melhor reflete a realidade cultural e social de uma comunidade. É pela palavra que o indivíduo vai conhecendo o universo à sua volta e o mundo se revela para ele, que o percebe através de diferentes sentidos, sensações, sentimentos, objetos, os quais são nomeados e reconhecidos por esses nomes. Desse modo, os elementos do mundo biossocial são registrados e identificados, constituindo-se em um universo significativo para o falante. Em sua ligação com o mundo exterior, a palavra identifica o ser humano, ajuda-o a construir vínculos sociais, culturais, religiosos e afetivos, revelando-se como um modo de aproximação ou distanciamento entre as pessoas, que se afligem, angustiam-se, entristecem-se ou se alegram ao ouvir determinadas palavras. O aspecto lexical da língua é considerado o retrato da cultura de um povo, refletindo aspectos vinculados às experiências sociais e culturais de uma comunidade, pois, ao escolher formas linguísticas para nomear os referentes do mundo físico e do universo simbólico, o indivíduo revela não somente a sua percepção da realidade, mas compartilha valores, práticas culturais e crenças do grupo social em que se enquadra. Sendo assim, o léxico é o nível da língua mais influenciado por fatores socioculturais. Como observa Biderman (2001a, p. 12):

57 57 O léxico de uma língua natural pode ser identificado como o patrimônio vocabular de uma dada comunidade linguística ao longo de sua história. Assim, para as línguas de civilização, esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato, ou seja, uma herança de signos lexicais herdados e de uma série de modelos e categorias para gerar novas palavras. O estudo do léxico pode, portanto, contribuir para o conhecimento de aspectos culturais representativos de uma sociedade. Nas palavras de Isquerdo (1997, p. 575), partindo-se do princípio de que o léxico funciona como testemunha da realidade que circunda um grupo sócio-linguístico-cultural, pode-se encontrar nesse nível da língua elementos reveladores de diferentes nuances da forma como tal grupo concebe essa realidade. Visto sob esse prisma, o repertório lexical utilizado pelos falantes pode refletir elementos significativos sobre as tradições religiosas e a cultura popular, revelando o conhecimento de como alguns mitos se estabelecem na sociedade e evidenciando aspectos da ideologia, dos valores, das crenças de uma comunidade em uma dada época. Em um de seus trabalhos sobre o léxico nordestino, Aragão (1999) reforça a ideia de que as unidades lexicais e seus contextos constituem-se no principal objeto de estudo para que se possa apreender, compreender, descrever e explicar a visão de mundo de um grupo sócio-linguístico-cultural. Através da análise do léxico, pode-se buscar uma melhor compreensão do indivíduo, bem como seu modo de viver e de representar a realidade que o cerca, pois os sistemas de valores e as práticas socioculturais dos grupos humanos são refletidos em seu léxico. A relação das pessoas com o mundo é intermediada pela linguagem. Entretanto, Antunes (2012) ressalta que essa relação não acontece de forma direta, ou seja, entre as palavras e as coisas, mas se dá entre as categorias cognitivas que os indivíduos constroem ao longo de sua experiência e as palavras de que a língua dispõe para expressar tais categorias. As palavras remetem ao conhecimento que o homem constrói em sua experiência social com os diversos grupos e culturas de que participa. Conforme a autora, o léxico de uma língua pode ser visto como uma espécie de memória representativa das matrizes cognitivas construídas, ao mesmo tempo em que corresponde a uma memória dinâmica, que está em movimento constante e que vai se reformulando tanto quanto as manifestações culturais que ele expressa. Dentre os diversos níveis de realização da língua, o léxico parece ser o sistema que permite um maior número de possibilidades, pois é aberto, inesgotável,

58 58 constantemente renovável, não apenas porque surgem novas palavras, mas, também, pela dinâmica interna das palavras, que vão e vêm, que desaparecem e reaparecem, que mantêm seus significados ou os mudam, de um lugar para outro, de um tempo para outro. Diferentemente da gramática da língua, que se constitui em um conjunto fechado, o léxico faz parte do universo social e cultural do falante, revelando-se como um elemento linguístico importante para o conhecimento dos hábitos, costumes, crenças e da própria história de um grupo social. A respeito do componente lexical, Vilela (1994) aponta que: O léxico é a parte da língua que primeiramente configura a realidade extralinguística e arquiva o saber linguístico de uma comunidade. Avanços e recuos civilizacionais, descobertas e inventos, encontros entre povos e culturas, mitos e crenças, afinal, quase tudo, antes de passar para a língua e para a cultura dos povos, tem um nome e esse nome faz parte do léxico. O léxico que é o repositório do saber linguístico e é ainda a janela através da qual um povo vê o mundo. Um saber partilhado que apenas existe na consciência dos falantes de uma comunidade. (VILELA, 1994, p. 6). Ao longo de sua existência, os indivíduos apropriam-se de um repertório linguístico que funciona como um espelho em que se podem ver refletidos suas ideologias, seus valores, suas superstições e suas crenças. Portanto, o léxico pode traduzir as mudanças de hábitos e costumes que acontecem na sociedade. Em artigo intitulado Dimensões da palavra, Biderman (1998) faz uma abordagem sobre o valor mágico da palavra, enfatizando também a dimensão cognitiva e significativa da mesma. Em muitas religiões e culturas, acredita-se que foi a linguagem que ordenou o caos primitivo, transformando-o num cosmos significativo. A palavra assume, nos mitos de cada cultura, uma força transcendental, mágica, sagrada, constituindo-se em uma realidade dotada de poder. Conforme a autora, o homem acreditava que o nome das coisas não seria arbitrário, existindo um vínculo entre o nome e o objeto que ele designa. Sendo assim, a palavra não estaria separada do referente que ela nomeia. Em muitas culturas, acredita-se que se pode atuar magicamente sobre uma pessoa através do seu nome, o qual é entendido como parte vital do próprio indivíduo. Muitos povos, como os antigos egípcios, temiam revelar o próprio nome, pois imaginavam que os feiticeiros teriam uma maneira de fazer maldades contra a pessoa detentora daquele nome.

59 59 O tabu em nomes de pessoas era bastante comum em muitas sociedades arcaicas. No antigo Sião, não se revelava o nome verdadeiro de um rei, por medo de que se fizessem bruxarias com o nome. Desse modo, o rei era denominado como: o augusto, o perfeito, o supremo, o descendente dos anjos. Segundo o que se lê em Biderman (1998), acreditava-se que aquele que conhecesse o verdadeiro nome de alguém teria condição de possuir a essência do deus ou do homem, podendo inclusive forçar uma divindade a obedecer-lhe como um escravo. A arte da magia consistia, portanto, em obter dos deuses a revelação de seus nomes sagrados. O poder mágico da palavra está intrinsecamente ligado ao próprio mito da criação do mundo, quando se acredita que as palavras usadas por Deus foram capazes de constituir tudo que existe no universo. Deus disse: Faça-se luz e a luz foi feita. Existe uma crença, em muitas culturas, de que as coisas existem pela eficácia da palavra proferida por um poder divino. Sobre a dimensão cognitiva da palavra, a autora relata que a atividade de nomear resulta de um processo de categorização, entendendo-se esta atividade como a classificação de objetos feita pelo homem, que supõe a capacidade de discriminação de traços distintivos entre os referentes percebidos ou apreendidos pelo aparato sensitivo e cognitivo do indivíduo. O homem organiza o conhecimento através do processo de categorização, sendo capaz de relacionar diversas categorias, reorganizá-las, reformulá-las, representando o mundo com as palavras, as quais designam campos de conhecimento e ajudam os seres a organizar e estruturar o mundo que os cerca. Nesse processo de representação da realidade, o léxico de uma língua está em constante movimento, acompanhando as mudanças tecnológicas, comunicativas, científicas e midiáticas que se processam nas sociedades contemporâneas. Por fazer parte de um sistema linguístico aberto, as unidades lexicais de uma língua são suscetíveis à mudança ou ampliação de significados, migração de uma área para outra, novas criações, empréstimos, o que não compromete o funcionamento do sistema linguístico. O falante nativo percebe quando alguns itens lexicais estão ficando ultrapassados ou caindo em desuso. Muitas vezes, eles perdem lugar para outros termos sinônimos ou estão ligados a atividades que deixaram de existir em virtude de transformações socioculturais; por outro lado, essa transformação da sociedade, o avanço da ciência e da

60 60 tecnologia ajudam na criação de diversos termos lexicais, que são utilizados para nomear novas realidades extralinguísticas. Toda língua falada está sujeita a transformações em todos os níveis linguísticos, inclusive em seu sistema lexical, que pode sofrer modificações e expansão, sendo enriquecido com formas novas, resultantes da incorporação das experiências socioculturais da comunidade. O léxico de uma língua evidencia a experiência humana acumulada ao longo dos anos e as práticas socioculturais do passado e do presente, sendo este o nível linguístico que melhor expressa a mobilidade das estruturas sociais e a maneira como a sociedade vê e representa o mundo. Oliveira (2001) ressalta a ideia de que a heterogeneidade linguística do português do Brasil pode ser verificada no âmbito lexical através de marcas regionais por vezes bastante afastadas entre si, devido, principalmente, às grandes extensões geográficas do Brasil, ao isolamento em que se encontram algumas regiões, à influência de outros povos, à intensificação do processo migratório e à influência da tradição nos hábitos linguísticos de cada comunidade. As diferenças lexicais também podem ser provenientes da situação social, da idade, do grau de escolaridade dos falantes e, através delas, pode ser possível reconstituir a trajetória dos grupos sociais no tempo e no espaço. Em estudo realizado sobre o léxico do seringueiro do Estado do Acre, Isquerdo (2001) demonstra a força exercida pelo contexto extralinguístico no processo de nomeação de um novo elemento da realidade, ocorrendo a interação entre elementos linguísticos e culturais, que contribuem para gerar o significado contextual das diferentes lexias, a exemplo dos seguintes grupos de unidades lexicais utilizadas pelos seringueiros: a) risco/riscar, traço; b) golpe, corte/cortar; c) arreação e pestana. As unidades do primeiro grupo designam a ação inicial do mecanismo de coleta do látex; as do segundo, remetem à ideia de talho, um risco mais profundo na árvore; e as do terceiro grupo denominam o local do tronco da seringueira onde se fazem os cortes e o tipo de corte empregado pelo seringueiro. O léxico representa diferentes realidades linguísticas e culturais, constituindo-se em um tesouro cultural abstrato, que deixa transparecer elementos importantes para o conhecimento da história, dos modos de vida e das atividades profissionais das diversas comunidades.

61 61 O acervo lexical de uma língua atua no universo cultural dos grupos humanos por meio da memória, registrando o conhecimento que os indivíduos possuem sobre os mais variados campos do saber, seja ele erudito ou popular. Nesse sentido, muito da nossa história e da nossa cultura são preservados pelo léxico transmitido pelos mais velhos às gerações mais jovens. A utilização de determinados itens lexicais pelos falantes pode retratar o estágio de desenvolvimento cultural e científico da comunidade, os avanços tecnológicos, as transformações sociais e econômicas, refletindo as experiências socioculturais de cada povo. As pesquisas lexicais podem ser realizadas sob vários ângulos, de acordo com a finalidade do estudo, os pressupostos teóricos, as perspectivas de atuação e a metodologia da investigação científica. As principais disciplinas teóricas que se ocupam com o saber lexical de uma sociedade são a Lexicologia, a Lexicografia e a Terminologia. Biderman (2001a), no artigo As ciências do léxico, faz uma distinção para as disciplinas que descrevem o léxico: a Lexicologia ocupa-se dos problemas teóricos que embasam o estudo científico do léxico, a Lexicografia está voltada para as técnicas de elaboração dos dicionários e a Terminologia tem como objeto de estudo a palavra especializada, os conceitos próprios das áreas de especialidades. Dentre as questões estudadas pela Lexicologia, considerada uma ciência bastante antiga, estão a categorização lexical e a estruturação do léxico, cujos desdobramentos têm passado a largo das pesquisas linguísticas, que ainda não se mobilizaram o suficiente para dar conta dessas questões. A Lexicologia vem estabelecendo um importante diálogo com outros níveis da língua como a morfologia e a semântica, já que tem se ocupado tanto dos processos de formação das palavras na língua quanto das questões voltadas para o significado no léxico. Além disso, a interdisciplinaridade no campo lexicológico pode ser vista em trabalhos pautados nos princípios de outras ciências, como a Dialetologia, que se valem dos estudos da lexicologia para descrever e analisar a variação lexical. Em trabalho intitulado Da neologia à neologia na literatura, Barbosa (2001), discutindo um dos temas mais recorrentes na Lexicologia, o estudo da criação lexical, observa que este pode ser analisado numa perspectiva diacrônica, diatópica, diastrática e diafásica. Do ponto de vista diacrônico, é possível mapear o percurso do neologismo, tomando-se como parâmetro a documentação da época, como cartas, jornais ou até mesmo dicionários e confrontando-a com as etapas posteriores da língua. Assim, o estudo

62 62 na perspectiva diacrônica pode indicar se um neologismo de determinada época desapareceu ou se se integrou à norma linguística da comunidade, tornando-se uma lexia memorizada na competência do grupo de falantes, deixando de ser um neologismo. Uma análise diatópica pode revelar se um vocábulo foi criado em determinada região e se ficou restrito a ela ou se espalhou por outros lugares, sendo importante para o reconhecimento de normas linguísticas regionais, para a identificação de arcaísmos etc. A partir da variação diastrática é possível observar se um vocábulo pertencente à norma de uma classe social que já completou o percurso da desneologização pode ser utilizado em outra classe social com o valor neológico, ou seja, sendo percebido e utilizado com o impacto semântico da novidade lexical. Na variação diafásica, um vocábulo que já se desneologizou num universo discursivo pode se neologizar em outro ambiente discursivo. Desse modo, vocábulos de normas técnico-científicas que surgem em uma ciência como um neologismo específico, podem se desneologizar e se integrar à norma discursiva daquele universo e depois serem assumidos em outra área de conhecimento com uma função neológica, o que se constitui em um neologismo diafásico. A Lexicografia, entendida como a ciência dos dicionários, também é uma linha de estudos bastante antiga, tendo início com a elaboração dos primeiros dicionários monolíngues e bilíngues e, nas últimas décadas, o registro do léxico através das obras lexicográficas vem despertando o interesse de muitos estudiosos da língua. Strehler (2001) ao enfatizar que todos os dicionários devem lidar com a variação linguística, busca examinar o emprego de marcas de uso nos dicionários Le Petit Robert, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e o Dictionnaire moderne Français- Allemand. As palavras consultadas pela autora receberam observações que dizem respeito ao seu uso. No caso do dicionário brasileiro, a palavra pesquisada foi porra-louca, que teve como marca de uso brasileirismo e chulo. A Terminologia ocupa-se de um subconjunto do léxico de uma língua, mais particularmente do léxico de uma área específica do conhecimento humano, ou seja, das palavras que constituem a linguagem de uma determinada especialidade. Segundo observa Andrade (2001), as linguagens especializadas se caracterizam pelo emprego da terminologia, que representa a estrutura conceptual de determinada matéria. A diferença fundamental entre um texto da língua geral e o de uma linguagem especializada está no uso dos termos específicos de determinada área, que lhe confere o caráter de especificidade em distintos níveis de especialização.

63 63 Maria Tereza Biderman, no texto intitulado Terminologia e Lexicografia (2001c), ressalta que, apesar de haver muitas semelhanças entre essas duas disciplinas lexicais, existem diferenças que precisam ser explicitadas: na primeira, as unidades léxicas são, relativamente, homogêneas, e o repertório lexical é centrado no mundo referencial, enquanto que, na segunda, os componentes lexicais são bastante heterogêneos e não se restringe ao mundo referencial. A Lexicografia trabalha com a descrição do vocabulário de um determinado idioma, dos signos lexicais que fazem referência aos conceitos elaborados e cristalizados culturalmente. A Terminologia volta-se para os subconjuntos do léxico de uma língua, constituídos por áreas específicas do conhecimento humano. Biderman (2001c) propõe um quadro contrastivo entre a Lexicografia e a Terminologia, que será reproduzido a seguir: Quadro 4 Contrastes entre a Lexicografia e a Terminologia Lexicografia Unidades léxicas muito heterogêneas (quanto à forma e à função): palavras de significação e palavras instrumentais Terminologia Unidades léxicas relativamente homogêneas: substantivos, adjetivos, verbos e alguns advérbios Mais abrangente Não se restringe ao universo referencial Relaciona-se com todas as funções da linguagem Circunscrita a um domínio Centrada no universo referencial Relaciona-se com a função referencial Fonte: Biderman (2001c) A autora ressalta que um dado referente pode ser categorizado de formas diversas, dependendo do seu uso em cada domínio científico, da sua correlação com outros itens dessa área do conhecimento e de sua interseção com o léxico geral. Os estudos lexicológicos, lexicográficos e terminológicos abordam a heterogeneidade da língua portuguesa, sendo o léxico um dos níveis da língua que também está em constante transformação e mudança, pois novas palavras surgem continuamente, outras mudam de significado com o tempo, algumas deixam de ser usadas pelos falantes, sendo esquecidas pela comunidade linguística. Decorre disso a importância de se fazer o registro e a descrição de elementos do universo lexical, bem como das variações e mudanças no léxico de uma língua, através dos dicionários, glossários, vocabulários, dissertações, teses acadêmicas.

64 64 Detalhe do painel da lateral direita de O Juízo Final (Das Jüngste Gericht, c ), de Hans Memling (c ). Tríptico, óleo sobre madeira, 221 x 161 (painel central) e 223,5 x 72,5 (painéis laterais), Museu Nacional de Gdansk, Polônia

65 65 3 ASPECTOS HISTÓRICO-SOCIAIS NO CAMPO DA RELIGIÃO E CRENÇAS O quadro social, histórico e demográfico do início da colonização no Brasil criou um cenário propício para a propagação de diversas crenças que, dentre outros aspectos, foram materializadas a partir das línguas faladas pelos diferentes povos que aqui chegaram. A composição étnica do Brasil colonial, em que os diversos aspectos da cultura portuguesa estabelecem-se em confronto com elementos das culturas indígenas e africanas e de também de outras culturas europeias, contribuiu para a riqueza de crenças e religiões propagadas no Brasil. Segundo escreveu Ciarallo (2010), o encontro de tradições socioculturais distintas, possibilitado pela experiência colonial, revela muito acerca da especificidade cultural que se delineia na sociogênese do Brasil, definindo aspectos particulares da composição social, histórica, cultural e religiosa do povo brasileiro. O objetivo deste capítulo é descrever alguns aspectos sócio-históricos ligados à religiosidade e às crenças populares no cenário nacional, fundamentando-se no pressuposto de que elementos culturais, sociais e religiosos interferem nas escolhas linguísticas dos indivíduos, que são orientados por um conjunto de ritos e tradições, os quais contribuem para o enriquecimento da língua e da cultura. 3.1 PRESENÇA DA RELIGIOSIDADE E DAS CRENÇAS NO BRASIL COLONIAL No quadro de formação sócio-histórica do Brasil, é notável a imposição de aspectos da cultura portuguesa na colônia, principalmente no que concerne à religião e às crenças. O Brasil colonial foi fortemente marcado pelos auspícios do cristianismo da metrópole, que entendia a religião cristã como elemento essencial na formação de qualquer povo. Desse modo, os colonizadores portugueses encarregaram-se da missão de cristianizar os povos aqui encontrados. Paiva (1999, p. 61), estudioso da cultura portuguesa e brasileira do período colonial, observa que a expressão portuguesa maior no período quinhentista é a religião. A cultura ocidental e a religião cristã foram adquirindo supremacia, predominantemente,

66 66 por duas vias: tanto por parte dos colonos no desenvolvimento das atividades econômicas, quanto por parte dos jesuítas, no empreendimento da catequese dos indígenas. Bittar e Ferreira Júnior (2000) chamam a atenção para o fato de que essa cristianização dos índios não aconteceu sem dificuldades e traumas, já que a política colonial de conversão ao Cristianismo foi de encontro à visão de mundo e às crenças próprias da cultura indígena, sendo impossível para esses indivíduos aderirem, de bom grado, às ideias e aos preceitos religiosos propagados pelos portugueses, visto que isso feria os elementos culturais e religiosos das comunidades indígenas, os quais também eram pautados em uma simbologia religiosa forte. Apesar de os jesuítas concentrarem seus esforços na tentativa de destruir a tradição e os costumes indígenas, já que a civilização ocidental cristã estava convicta de que era superior, a ação da igreja católica esbarrou na concepção de mundo enraizada na alma do índio. Esse movimento religioso implicou, necessariamente, imposição de valores, crenças e hábitos. Segundo Souza (2009), a expansão ocidental caracterizou-se pala bifrontalidade: por um lado, incorporavam-se novas terras, sujeitando-as ao poder dos monarcas europeus; por outro, ganhavam-se novas ovelhas para a religião católica, conforme descrito na Carta de Caminha: A terra em si é de muitos bons ares (...) pero o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente. (CAMINHA, 1500 apud GARCIA, 2000). É consenso entre os historiadores o fato de que a religião forneceu os mecanismos ideológicos para que a conquista e a colonização da América fossem justificadas, ao mesmo tempo em que se encobriam e escamoteavam as atrocidades cometidas pelos europeus em nome da santa fé católica, sendo o cristianismo uma parte integrante do programa colonizador dos portugueses, já que a religião se constituía em matéria de grande importância para o homem europeu. A colonização e a expansão da fé caminharam juntas para justificar a necessidade de cristianização. Os descobridores da América depreciavam os homens autóctones, desconsiderando-os em sua cultura e em sua religião. Eles eram tomados como bárbaros, animais, demônios e o cristianismo seria a única alternativa para que se transformassem em gente. Aliada aos atributos edenizadores, deveras elogiados, sobre a natureza paradisíaca da nova terra, em tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem (CAMINHA, 1500 apud GARCIA 2000), estava também a

67 67 vertente negativa e pejorativa da América relacionada, principalmente, à estranheza provocada pelos homens que ali habitavam. Desse modo, céu e inferno se misturavam e os colonizadores se viam entre o melhor e o pior da terra. Sem dúvida, dentre os aspectos da nova terra considerados pelo europeu como depreciativos, os índios eram os mais destratados, sendo, inicialmente, vistos como outra humanidade e, posteriormente, animalizados e demonizados pelo imaginário de raízes europeias. A religiosidade do homem colonial estava envolvida com as mais diversas crenças e a constante demonização da terra e dos homens que nela foram encontrados fazia com que a imagem do diabo estivesse sempre presente no imaginário colonial, criando-se uma relação de medo e temor com o sobrenatural, a quem era atribuído poderes grandiosos. Um dos aspectos mais combatidos e que se transformou em prioridade para os jesuítas foi o extermínio das práticas da feitiçaria, muito usual na cultura e nas tradições indígenas e africanas, e que eram identificadas como pactos diabólicos ou superstições pagãs que impediam a ordem social e espiritual imposta pela conquista. Para Souza (2009), a feitiçaria colonial lança luz sobre a vida da colônia nos seus três séculos de existência, podendo ser considerada uma das formas de ajuste dos colonos ao meio que os circundava. Esses rituais eram utilizados como uma forma de proteção dos conflitos e das inúmeras tensões que faziam parte do seu cotidiano, mas também contribuiu para a construção de uma identidade cultural. Souza (2009) diz que africanos, índios e mestiços foram os grandes curandeiros do Brasil colonial. O conhecimento que índios e africanos possuíam sobre as ervas e os procedimentos que faziam parte dos rituais específicos de seu universo cultural associaram-se ao conhecimento que o europeu possuía sobre medicina popular. Diferentemente da maioria das práticas mágicas, que eram exercidas pelas mulheres, os rituais de cura, normalmente, ficavam a cargo de pessoas do sexo masculino, havendo a predominância de curandeiros. As curas mágicas tinham grande importância nas culturas e sociedades tradicionais. Mesmo a tradição europeia considerava a doença como algo sobrenatural e, devido a isso, só poderia ser vencida através de recursos espirituais. Naquela época, não havia explicações naturais satisfatórias para inúmeros fenômenos, como as mortes repentinas e as doenças infecciosas. Por isso, o homem contentava-se com as explicações relacionadas às forças sobrenaturais.

68 68 Ramos (1940) defende as religiões afro-brasileiras das acusações de práticas antissociais e charlatanismo, pois, para ele, enquanto o charlatão seria um transgressor voluntário, consciente e responsável de um código de classe, o curandeiro seria um indivíduo inculto, crente nas virtudes sobrenaturais de suas práticas. A habilidade de curar através das ervas teve muita importância em diversas sociedades, inclusive as mais tradicionais, convivendo por muito tempo com a medicina erudita; entretanto, a prática da cura por meios sobrenaturais aproximava essa terapia popular dos poderes mágicos da feitiçaria, pois o curandeiro tinha uma função paradoxal: ao mesmo tempo em que ele curava doenças, também era frequentemente convocado para fazer feitiços. Souza (2009) descreve alguns episódios que mostram claramente essa função paradoxal do curandeiro: em Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII, um negro feiticeiro era capaz de curar e, ao mesmo tempo, rezar umas palavras que podiam deixar a pessoa inapta para o trabalho; Na Bahia quinhentista, falava-se de algumas pessoas que curavam com ervas pela arte do diabo, sendo o positivo da cura neutralizado pelo lado diabólico da ação. As curas mágicas através de palavras também eram uma crença bastante praticada nos tempos coloniais. Essas práticas eram realizadas, principalmente, para curar quebranto e mau-olhado. O quebranto era manifestado através de dores de cabeça, febre e quebramento do corpo, e, para combatê-lo, benzia-se o corpo todo do paciente com o dedo indicador e com o polegar ou então com a cruz do rosário e, enquanto se faziam as cruzes, muitas rezas mágicas eram proferidas. Ora, feitiçaria, curas mágicas, benzeduras, procuravam responder às necessidades da gente da colônia, e, através delas, buscava-se curar doenças e preservar a vida. Porém, essas manifestações religiosas eram acompanhadas por permanentes tensões e conflitos. Vainfas (1992), historiador brasileiro, em um artigo intitulado Idolatria e milenarismo: a resistência indígena nas Américas, explica que, no processo de extirpação do que foi rotulado pelos europeus como idolatria indígena, vários métodos foram utilizados, tanto os violentos, a exemplo da ação inquisitorial dos bispos, quanto os persuasivos, como foi a catequese jesuítica. O embate entre os colonizadores e os indígenas aconteceu não apenas no campo cultural, mas também houve um confronto entre as crenças religiosas do colonizador e do autóctone, o que gerou grandes conflitos entre os povos.

69 69 As atitudes e práticas culturais e religiosas dos indígenas desafiavam a tradição do cristianismo professado pelos portugueses, que buscavam, de todas as formas, extinguir o que consideravam como culto ao diabo. Desse modo, a igreja católica buscou erradicar os cultos diabólicos que julgava existir na cultura indígena. Vainfas (1992), adotando a concepção de idolatria enquanto manifestação global da resistência cultural dos indígenas, desenvolveu um esboço da classificação dessas manifestações religiosas levando em conta as relações que mantiveram com a sociedade da época colonial, subdividindo-as em idolatrias ajustadas e idolatrias insurgentes. As idolatrias ajustadas fazem referência às práticas mediante as quais os indígenas mostravam-se apegados ao passado e à tradição sem desafiar frontalmente nem a exploração colonial nem o cristianismo europeu. Esse grupo tentava praticar seus ritos e costumes religiosos longe dos olhos do colonizador, escondendo-se em espaços mais distantes e pouco iluminados, a fim de evitar a perseguição e a destruição das tradições de seus antepassados. O espaço privilegiado para a prática das tradições religiosas era o núcleo doméstico, o ambiente familiar, onde eram reavivadas as cerimônias tradicionais do casamento, o modo indígena de dar nome aos recém-nascidos, a consulta aos velhos calendários, as práticas adivinhatórias, os cultos dos ancestrais e toda uma gama de usos e costumes condenados pela igreja. Entretanto, essas práticas não conseguiam ficar restritas à vida doméstica, pois o próprio trabalho dos indígenas era conduzido através de hábitos e rituais religiosos que regulavam a vida cotidiana. Nas atividades ligadas à subsistência, os índios recorriam às orações antigas, aos saberes assentados em presságios e à decifração dos fenômenos naturais como formas de auxílio para obter sucesso no trabalho. Esses rituais eram realizados quando caçavam ou pescavam, quando iam coletar frutos, lenha e em todas as atividades tradicionais que faziam parte de seu dia-a-dia. Longe dos espaços dominados pelos colonizadores europeus e suas práticas cristãs, os índios davam vazão à magia, aos presságios, aos encantamentos e uma profusão de curandeiros e adivinhos circulavam pelas aldeias proferindo suas crenças e ritos, funcionando como instrumentos de preservação de uma identidade cultural que estava ameaçada pela colonização europeia. Por outro lado, as idolatrias insurgentes, conforme Vainfas (1992), assumindo uma posição oposta a essas formas ajustadas de resistência, eram marcadas, sobretudo, pelo caráter sectário do movimento e pelo discurso hostil ao europeu, principalmente, no

70 70 que concerne à exploração colonial e ao cristianismo. Esse grupo organizava-se em função da defesa das tradições ameaçadas pela colonização e suas atitudes de resistência iam da guerra imaginária à luta armada. O autor ressalta a importância assumida pelos estudos acerca das práticas culturais indígenas, já que é através do conhecimento dessas atitudes, movimentos e manifestações de resistência que se pode perceber como esse universo cultural fora dilacerado pelos colonizadores europeus. Também chama atenção para o fato de que, não obstante as tradições indígenas adquirirem uma dinâmica de resistência cultural, ancoradas nas tradições pré-coloniais, elas também foram impregnadas, em graus variados, de elementos ocidentais e cristãos. Ora, muitos hábitos praticados desde a época colonial resistiram às pressões e continuam a ser exercidos, principalmente no interior do país, como, por exemplo, as rezas como instrumento de cura, que ainda são praticadas em algumas regiões do Brasil. As rezadeiras exerciam o papel de médicas, e, segundo a crença popular, curavam várias enfermidades através da combinação de rituais católicos, indígenas e africanos, que eram transmitidos de geração a geração, constituindo-se em importante aspecto da cultura oral do Brasil. Esses saberes, portanto, fazem parte de um patrimônio cultural que tem suas raízes no período colonial e traduz uma herança deixada pelos diferentes povos que participaram da formação do Brasil. A diversidade de valores e tradições culturais e religiosas remonta a épocas milenares, em que os diferentes povos africanos e indígenas vão reconstituindo as crenças, ritos e saberes de seus ancestrais de acordo com as possibilidades que surgem nas mais variadas condições de subjugação, já que a intolerância e a perseguição religiosas eram exercidas com bastante violência pelos grupos dominadores. Esses aspectos religiosos ainda permanecem em muitos lugares do Brasil, principalmente naqueles mais distantes dos centros urbanos, e muitas dessas fórmulas mágicas para combater quebranto e mau-olhado são passadas de geração para geração. Através do exame das práticas religiosas do passado, é possível entender a filiação cultural de cada povo, resgatando-se os traços europeus, indígenas e africanos que se mostram de forma bastante evidente nos rituais religiosos. O universo simbólico das religiões continua apresentando-se como um tema relevante na contemporaneidade e envolve elementos históricos, culturais e linguísticos

71 71 importantes para o entendimento da construção sociocultural do povo brasileiro, como se pode observar em alguns trechos das entrevistas do Projeto Atlas Linguístico do Brasil. INQ. Se Deus está no céu, no inferno está? INF. O diabo. INQ. Fala todos os nomes que você sabe. INF. Como assim a senhora fala? INQ. Quais os nomes que tem o diabo? Que é conhecido por outros nomes... INF. É um dos que tá assolando aqui na terra, né, é... nome feio... exu cavera, zé pilintra, o que atua na cachaça, faz a pessoa beber, pomba-gira, ela atua no casamento, destruindo a vida sentimental da pessoa, assim diz a Bíblia. Se a senhora for punhar nesse livro aí, não cabe os nome dos demônio que é comandado pelo diabo, porque o diabo ele... ele não está aqui, ele está preso, né, ele é preso, é que nem um presidiário, presidiário tá preso na cadeia, mas ele tem uns bandido aqui fora, ele comanda, lá de dentro ele comanda os bandido aqui fora, mesma coisa é o diabo. (QSL, Informante 01, mulher, faixa etária II, nível de escolaridade fundamental, Campo Grande - MT). O excerto da entrevista mostra que a informante associa elementos religiosos, que no cristianismo são ligados ao mal, como o diabo, com entidades religiosas provenientes da cultura africana, reforçando a intolerância às práticas e tradições das religiões de origem africana, como o candomblé, a umbanda e o catimbó. Os orixás africanos, exu caveira, zé pelintra e pomba-gira, denominados pela informante como demônios comandados pelo diabo, são elementos simbólicos que representam, nas religiões afro-brasileiras, divindades protetoras e entidades espirituais que se manifestam nos cultos religiosos. No trecho da entrevista, os elementos dos rituais das religiões de matriz africana são identificados como demônios, numa clara influência do discurso cristão no combate aos cultos afro-brasileiros. Esse pensamento parece ser um resquício da época da colonização, em que todas as expressões religiosas, que não coincidissem com as práticas cristãs, eram identificadas como ações diabólicas. Os elementos religiosos constituem-se em importante aspecto da construção histórica, social e cultural de qualquer agrupamento humano. Através deles, os sujeitos constroem sua relação com o mundo, desenvolvendo diferentes modos de perceber e experimentar determinados costumes da vida em sociedade.

72 VISÕES SOBRE O DIABO NA CULTURA RELIGIOSA A cultura cristã é uma das grandes responsáveis pela propagação da ideia de que o diabo é a legítima representação do mal. Esse elemento religioso criou raízes profundas no imaginário e na cultura popular. Para Nogueira (1986), a compreensão de como se estrutura a figura do demônio no ocidente cristão está diretamente relacionada à tradição religiosa dos hebreus, que são os responsáveis diretos pela instituição do Cristianismo como a religião ocidental dominante, a qual teria sistematizado e determinado a figura, as atitudes e a esfera de ação desse personagem religioso, mítico e folclórico denominado diabo. O arquétipo de grande inimigo de Deus e dos homens vem sendo construído e reforçado historicamente através de diversas crenças religiosas, mas, principalmente pelas de origem cristãs. Entretanto, Nogueira (1986) ressalta que, a princípio, os primitivos hebreus não tinham necessidade de corporificar uma entidade maligna, pois estas eram consideradas supérfluas, insignificantes. Primitivamente politeístas, os hebreus acreditavam em Javeh, seu Deus Tribal, admitindo também a presença de deuses em outras tribos, os quais assumiam o papel de opositores. Nesse contexto, não havia, a princípio, a necessidade de afirmação da existência do diabo. A evolução da religião hebraica para o monoteísmo declarado e absoluto coloca o Deus dos Judeus como criador, e a suprema força do mal não tem importância significativa, como pode ser visto no Antigo Testamento, o qual faz poucas referências a espíritos malignos. Seguidores de uma fé em um Deus único, todo poderoso, onipotente, onipresente e onisciente, os hebreus passaram a conceber os deuses de outros povos de duas formas: a) uns achavam que os outros deuses não passavam de puras ilusões; b) outros associavam os deuses estrangeiros aos espíritos das trevas. Em virtude dos sucessivos conflitos e invasões da Palestina, a ideia de que os deuses estrangeiros seriam espíritos das trevas, que atuariam como representantes dos povos, imperou entre os hebreus, que condicionavam as guerras a batalhas entre deuses e não entre reis ou povos. Desse modo, o deus vencedor se apropriaria do território e subjugaria os outros deuses ali existentes, incorporando a personificação de um espírito do mal. Esse pensamento forneceu o substrato sobre o qual germinaram as ideias do demônio, que, séculos depois, foi aperfeiçoada com todo cuidado e zelo pelos cristãos em todo o ocidente.

73 73 Em relação ao termo Demônio (daimôn), Nogueira (1986) explica que, para evitar a confusão entre Deus e as divindades inferiores, a reforma efetuada no antigo politeísmo grego pela escola de Platão empregou o nome demônio para essas forças sobrenaturais que, hierarquicamente, estariam abaixo do ser supremo e que era usada anteriormente para exprimir a ação divina em geral, relacionada tanto aos bens quanto aos males. Os demônios mostravam a personalidade divina através de formas humanas, constituindo-se em executantes da vontade divina, encarregados de velar sobre os mortais e levar a Deus orações e pedidos. Com a tradução dos livros sagrados para o grego, os ídolos, divindades pagãs e animais fantásticos que povoam o imaginário do antigo oriente foram traduzidos como demônios, associando-se às tradições orais e às crenças judias em espíritos malfazejos. Dessa forma, as origens do anjo rebelde remontam à tradição hebraica, sendo o diabo um fenômeno de caráter genuinamente histórico, institucionalizado no ocidente com a gestação do cristianismo. A definição de seu perfil, a representação alegórica de sua figura, suas formas de agir e a delimitação de seus raios de ação foram reunidas e sistematizadas pela religião. Pode-se afirmar que a maioria das escolhas lexicais utilizadas pelos falantes para nomear o diabo são provenientes do campo religioso. Esse fato pode ser constatado na análise do léxico utilizado pelos informantes, que coincide com as denominações registradas nos livros do Antigo e do Novo Testamento para designar o ser que é considerado como adversário de Deus e sinônimo do mal, como belzebu, lúcifer, satanás, demônio, anticristo, conforme se pode observar nos excertos retirados da Bíblia. E me mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do anjo do Senhor, e Satanás estava à sua mão direita, para se lhe opor. (Zacarias, 1:3). Então, lhe trouxeram um endemoninhado, cego e mudo; e ele o curou, passando o mudo a falar e a ver. E toda a multidão se admirava e dizia: É este, porventura, o Filho de Davi? Mas os fariseus, ouvindo isto, murmuravam: Este não expele demônios senão pelo poder de Belzebu, maioral dos demônios. (Mateus, 12:22-24). Senhor, pelo teu nome, até os demônios se nos sujeitam. E disse-lhes: Eu via Satanás, como um raio, cair do céu. (Lucas, 10: 17-18). Nogueira (1986) explica que a contribuição mais importante que o antigo testamento trouxe para a história do demônio encontra-se no livro de Jó, em que a história bíblica utiliza o termo Satan (hostilizador, caluniador, acusador) pela primeira vez, ainda

74 74 que sem uma personalidade definida, designando-o através do substantivo precedido pelo artigo o e o representa como um dos filhos de Deus, um anjo. Entretanto, Satã passa de acusador ao tentador de Jó, tornando-se o diabo por excelência, tal qual inscrito na tradução grega Diábolos aquele que leva a juízo transformando-se assim na entidade do mal, no adversário de Deus. Para o autor, o contato dos hebreus com outros povos, como os caldeus que já haviam desenvolvido uma rica demonologia contribuiu para a formação de diversas personalidades que seriam destinadas a chefiar o cortejo demoníaco, numa espécie de aristocracia do diabo. Deste modo, a criação de termos como Lúcifer, palavra latina que significa portador de luz, estrela da manhã, o anjo caído do céu que se tornou o chefe das legiões rebeldes, aparece na Bíblia pela primeira vez associado aos excessos de um rei caldeu, cuja queda do poder é registrada pelo profeta Isaías, conforme se pode ver no trecho bíblico: Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste lançada por terra, tu que debilitavas as nações! (ISAÍAS 14:12). A enciclopédia católica popular ratifica este fato nas acepções que traz para o termo Lúcifer como portador de luz. O documento aponta que, para os gregos, Lúcifer era figura mitológica, aparecendo no Antigo Testamento para designar a estrela da manhã, e, no Novo Testamento, para fazer referência ao próprio Cristo como astro refulgente da manhã. Segundo o texto, a leitura deste nome, feita à luz do livro bíblico de Lucas ( Eu vi Satanás cair do céu como um relâmpago (LUCAS, 10:18)), levou os padres da igreja católica a identificarem Lúcifer com o chefe dos demônios, apropriação esta que perdura no uso vulgar. Quanto a Belzebu, o termo está relacionado ao deus filisteu de Ecron, Baal- Zeboub, que foi duramente atacado pelos judeus e, posteriormente, assimilado como o príncipe dos demônios, conforme se pode ler em algumas passagens bíblicas. No livro dos reis de Israel, no Antigo Testamento, Baal-Zebu é descrito como um deus filisteu. No Novo Testamento, os fariseus acusam Jesus de expulsar os demônios através da invocação a Belzebu, agora reconhecido como príncipe ou chefe dos demônios. E caiu Acazias pelas grades dum quarto alto, que tinha em Samaria, e adoeceu: e enviou mensageiros, e disse-lhes: Ide, e perguntai a Baal- Zebu, deus de Ecrom, se sararei desta doença. Mas o anjo do Senhor disse a Elias tesbita: Levanta-te, sobe para te encontrares com os mensageiros do rei em Samaria: e dize-lhes:

75 75 Porventura não há Deus em Israel para irdes consultar a Baal-Zebu, deus de Ecrom? (I REIS1: 2 e 3). Mas alguns deles diziam: Ele expulsa os demônios por Belzebu, príncipe dos demônios. (LUCAS, 11:15). No século XII, durante a Baixa Idade Média, a erudição desenvolvera uma demonização paulatina da existência, procurando sistematizar e vulgarizar elementos demonológicos disseminados nos escritos cristãos desde os primórdios da igreja, o que foi reforçado pela Reforma Protestante e pelas lutas religiosas do século XVI, que fortaleceram ainda mais a presença de Satã entre os homens. As forças sobrenaturais ganhavam dimensões irracionalizadas, podendo todos os fenômenos naturais e humanos serem explicados pela ação de Deus ou do diabo, sendo que o imaginário popular aproximava essas forças espirituais, não fazendo distinção entre as duas santidades. Muitos termos lexicais utilizados para nomear o diabo, desde o início da Idade Média, revelam nomes de deuses e deusas estrangeiros. Entretanto, para Muchembled (2001), em Uma história do diabo, a ideia do diabo como o mal absoluto demorou para penetrar nas camadas populares, já que havia também a crença em diversos seres fantásticos, que fora herdada do mundo clássico e pagão, o que contribuiu para a dificuldade enfrentada pela cultura religiosa em produzir uma imagem única sobre Satanás para sua posterior disseminação junto às massas. Para o autor, a construção de uma imagem unificada do diabo, conforme tradicionalmente ele se apresenta na cultura de massa do ocidente (cornos, pés fendidos, cauda, pele vermelha enegrecida, barba, odor repugnante) foi o resultado de uma fusão de diversas divindades e criaturas que a ideologia católica imbuiu de natureza demoníaca. Os chifres, comumente associados à imagem demoníaca, teriam relação com o deus Pã, divindade amplamente cultuada pela população rural da Europa medieval. Esse deus grego, símbolo da natureza, possuía, à semelhança também do deus celta Cernunnos, chifres para expressar os raios de sol e a força agressiva da natureza e as patas cheias de pelos para expressar a vitalidade da terra, das plantas e dos instintos. Visando quebrar o culto a essa figura, a Igreja Católica se apropriou dos seus traços físicos e do seu comportamento lascivo para dar um rosto ao diabo. Partilhando o mesmo simbolismo de Pã, o bode também se viu demonizado, principalmente pelo seu cheiro desagradável. Contribuiu também para essa ligação o

76 76 conflito do Cristianismo com o mundo islâmico, desde a Primeira Cruzada de 1099, visto que a barba dos muçulmanos era um sinal de sua natureza maléfica. Quanto à cor, o negro e o vermelho predominaram para enfatizar a negritude da alma do demônio e o fogo do inferno, sendo, posteriormente, usado da mesma forma para se instituir uma imagem demonizada do negro. Somente no fim do século XVI, o diabo surgiu em sua plena forma tal como povoado no imaginário popular. Com o triunfo do cristianismo sobre as crenças pagãs e sobre a religião folclorizada, os diabos começam a perder a função de forças operadoras de magia, tornando-se, sobretudo, tentadores e inimigos de Deus, vistos como elementos que procuram seduzir as almas para arrancá-las de Deus e arrastá-las para o inferno, e, já desde o final do século XV, os pregadores conduziam seus sermões enfatizando essas características do diabo. Para isso, utilizavam um vocabulário especialmente preparado para esse fim, em que o nome do diabo era enfatizado como uma forma de transmitir medo. O pensamento cristão sobre o diabo chegou ao Brasil junto com os colonizadores e este ser maligno constitui-se em uma das principais personagens no imaginário mágicoreligioso do povo brasileiro, sendo capaz de determinar atitudes e comportamentos do homem. Souza (2009), no livro O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial, observa que o processo de colonização do Brasil foi constituído sob a égide do imaginário colonial europeu, que atuava fortemente não apenas no incremento da escrita das narrativas sobre as navegações e descobertas do mundo desconhecido, como também no campo religioso. A referência de Pedro Álvares para o Brasil associa-se ao campo religioso, descrevendo a nova terra a partir da ideia de céu ou paraíso. Para ele, a colônia seria domínio de Deus, devido à natureza paradisíaca e fértil da nova terra, caso não tivessem sido bem-sucedidos os esforços de Lúcifer. Desde o período da colonização, o demônio ocupava papel de destaque em terras tupiniquins, quando Frei Vicente do Salvador tentara explicar a presença da madeira de cor avermelhada fazendo uma alusão ao embate entre o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno. Esse religioso vinculou esta porção da terra ao âmbito das possessões demoníacas e identificou-a com as regiões infernais. Assim, a colônia portuguesa já nascera sob o forte olhar e as projeções do imaginário do homem europeu. Dois séculos depois, conforme relata Souza (2009), o frade Antônio de Santa Maria Jaboatão assume uma posição contrária e enxerga o descobrimento do Brasil como

77 77 algo sobrenatural e miraculoso. Para ele, Deus mantivera oculta a existência da próspera região para que os homens pudessem colher os seus multiplicados lucros. No caso do descobrimento, o sobrenatural ou a ação divina teria sido uma intervenção positiva, revelando e reforçando a existência de Deus, pois ele é quem teria conduzido os homens até aquelas terras. A época da colonização do Brasil possui uma característica marcante, a religiosidade exacerbada dos homens e a forte influência do imaginário europeu, que, muitas vezes, mostra-se contraditória, ora ressaltando elementos positivos, ora descrevendo elementos negativos da nova terra. A forma como o homem se relaciona com o mundo, com a cultura e com a religião passa por processos de transformações ao longo dos tempos. Conforme Souza (2009), os homens dos primeiros séculos coloniais partilhavam da vida cotidiana com os diabos, diabinhos e diabretes e os invocavam constantemente. Essa prática foi levemente alterada, devido à atuação da Inquisição na colônia, que disseminava o medo entre os homens; daí os demônios passaram a ser aprisionados em práticas escusas e, muitas vezes, não confessadas. Entretanto, segundo a autora, durante os séculos XVI e XVII, os demônios povoavam o dia-a-dia da colônia como se fossem divindades domésticas e quase inofensivas, havendo um entendimento sobre o demônio muito diferente entre os colonos e os demonólogos. Uma prática comum entre algumas pessoas era a de conservar seus demônios domésticos presos em garrafas ou frascos, os quais falavam, respondiam a perguntas, davam informações. Cascudo (2012 [1979]), em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, faz algumas considerações de cunho sociológico e cultural acerca da lexia diabo. Segundo o autor, no Brasil, trata-se do diabo português, com os mesmos processos, seduções e pavores. O lexicógrafo afirma ainda que não foi possível compreender um demônio entre os indígenas ou negros escravos. Para o autor, os negros e ameríndios ajudaram o satanás dos brancos, ampliando seus domínio e formas, mas sem que lhe dessem nascimento. Cascudo (2012 [1979]) argumenta que o diabo continua se metamorfoseando em bode, porco, mosca, morcego e, fazendo uma referência à cultura popular, cita a tradição sertaneja do Brasil, em que os cantadores vencem sempre o demônio, porque cantam as velhas orações de força irresistível, como exorcismos, ladainhas, ofícios de Nossa Senhora, etc. Conforme o autor, para o Brasil, não emigrou a divisão clássica dos bons e

78 78 maus demônios, mas a personificação absoluta da maldade, atração para o mal, a inversão do bem, o avesso do direito. Sobre os poderes e hábitos demoníacos, Cascudo (2012 [1979]) faz referência à crença dos brasileiros de que o diabo aceitava contratos para dar riquezas em troca da alma do contratante, entregue em certo dia e comumente sendo ludibriado. Ele também traz a lume um costume muito comum no interior do Brasil de cobrir a saliva ou sangue humanos com uma ligeira camada de areia, explicando que, segundo a crença, o diabo transformava-se em mosca e podia fazer mal, sugando a saliva ou gota de sangue humano que ficassem descobertos. Para o autor, o diabo negro, magro, chifrudo, com rabo, ainda é o tipo mais tradicional, não podendo tomar a forma de animais abençoados como boi, jumento, ovelha, galo, por serem esses ligados ao nascimento de Jesus Cristo. Ele informa ainda que, no século XVI, primeiro século do descobrimento do Brasil, a presença do diabo era oficialmente proclamada em terras brasileiras, e o Documentário da Visitação do Santo Ofício, dois volumes da Bahia e um de Pernambuco, registra sua comunicação com as bruxas fiéis, algumas sabendo até criá-los em vidrinhos, como filhinhos, tornando-se familiar, espécie de diabinho doméstico, servo da feiticeira. Segundo ele, as estórias do diabo, tentações e logos são, na mais alta porcentagem, vindas de Portugal, variantes e adaptações das façanhas ocorridas na Península Ibérica. A mistura entre diferentes povos e crenças também foi responsável pela criação não somente de uma visão multifacetada sobre as entidades míticas e religiosas, como também pela diversidade lexical utilizada para representar o diabo tanto na cultura popular quanto na cultura religiosa e erudita. Os elementos culturais contribuíram, por um lado, para desenhar a figura do diabo no imaginário popular e, por outro lado, para instituir a riqueza de elementos linguísticos utilizados para designar essa figura mágicoreligiosa. A cultura religiosa da sociedade encarrega-se de perpetuar as crenças e enriquecer o imaginário dos indivíduos com imagens e formas assumidas pelo diabo ao longo da história. As expressões linguísticas utilizadas para nomear este ser também são reflexos da orientação religiosa e das relações socioculturais, a partir de elementos mágicos da própria religiosidade popular. As diversas denominações atribuídas pelas pessoas ao diabo estão presentes ao longo da história da humanidade, sendo registradas desde os primórdios do cristianismo, tanto no âmbito da tradição religiosa hebraica quanto na cultura de diversos outros povos

79 79 que foram contribuindo para a ampliação e sustentação das crenças cristãs. Os inquéritos realizados pelo projeto ALiB mostram essa diversidade no repertório lexical dos informantes: INQ. Agora de crenças. Deus está no céu e no inferno está o...? INF. O diabo. INQ. Tem outro nome? INF. Aqui a gente chama o diabo, demônio, o rabudo. Rabudo, capeta, é... belzebu, é mais assim mesmo, né, satanás. Dificilmente a gente ouve assim "Aquele que ronca e fuça", são mais expressões, assim, interioranas, né, do Nordeste, de Minas... (Informante 07, homem, faixa etária II, nível de escolaridade universitária, Macapá AP). O repertório linguístico utilizado pelo informante para nomear o ser que está no inferno demonstra a influência das crenças cristãs e do imaginário popular no léxico do campo religioso, na medida em que alguns desses itens lexicais como diabo, demônio, belzebu, satanás, lúcifer fazem referência ao universo do cristianismo, já os termos rabudo e capeta estão associados à cultura popular. Estes termos ressaltam o caráter maléfico, maldito, de um diabo condenado pelas instituições cristãs e as características físicas de uma figura que, ao longo dos tempos, povoa a imaginação do homem.

80 Coppo di Marcovaldo, Satanás (detalhe). Mosaico do Juízo Final, XIII- XIV sec. O Batistério de San Giovanni, Florença. 80

81 81 4 TABUS LINGUÍSTICOS NO CAMPO RELIGIOSO No campo linguístico, é importante registrar que diabo constitui-se também em uma lexia tabu. A palavra tabu, conforme Guérios (1979), tem sua origem nas línguas do ramo malaio-polinésico, significando sagrado, proibido, consagrado, impuro. Os tabus podem estar associados a objetos (que não devem ser tocados), lugares (que não devem ser visitados), ações (que não devem ser praticadas) e palavras (que não devem ser ditas). O dicionário Houaiss (2009, verbete tabu) da língua portuguesa traz as seguintes acepções para tabu: 1 instituição religiosa que, atribuindo caráter sagrado a determinados seres, objetos ou lugares, proíbe qualquer contato com eles [a violação desse interdito acarreta, supostamente, castigo divino, que pode recair sobre o culpado ou sobre seu grupo]; 2 interdição cultural e/ou religiosa quanto a determinado uso, comportamento, gesto ou quanto à linguagem <o povo fez da palavra diabo um tabu linguístico>; 3 proibição imposta por costume social ou como medida protetora; 4 proibido por crença de ordem sobrenatural; 5 - que não pode ser usado, feito, tocado, ou pronunciado por crença, respeito ou pudor. Ao analisar as definições para tabu expressas no dicionário em foco, um fato inquestionável é a relação que todos os conceitos e acepções para tabu estabelecem com o sistema de crenças e valores da sociedade, havendo sempre uma motivação de ordem religiosa ligada ao sobrenatural ou ao código moral. Além disso, o tabuísmo está intrinsecamente associado à linguagem, já que existe uma interdição social e cultural quanto ao uso de determinadas palavras-tabu, consideradas indecentes, ofensivas, imorais, grosseiras, vulgares, antirreligiosas ou até mesmo sagradas. Os tabus linguísticos fazem parte da cultura e do cotidiano ao longo da história das civilizações humanas. São termos que se revestem de diversas cargas simbólicas, a depender do teor do vocábulo, a ponto de as pessoas acreditarem que seu uso pode trazer malefício ou castigo. Muitas expressões-tabu também são estigmatizadas pela sociedade, o que se reflete na avaliação social do falante que a utiliza. Essas palavras proibidas são, em geral, substituídas por outras, já que os indivíduos evitam utilizá-las, e, em seu lugar, abundam eufemismos e neologismos que se encarregam de evitar o mal-estar que poderá ser causado por essas expressões.

82 82 Guérios (1979) distingue dois tipos de tabus: o próprio e o impróprio. O primeiro consiste na proibição de dizer certo nome ou palavra, aos quais se atribui poder sobrenatural e cuja infração causa infidelidade e desgraça e o segundo seria a proibição de dizer qualquer expressão imoral ou grosseira. A primeira acepção para tabu está ligada a valores mágico-religiosos ou de crença, e a segunda a questões morais ou de natureza sentimental. O autor apresenta a seguinte classificação para os tabus: tabus em nomes de pessoas; tabus em nomes de parentes; tabus em nomes de autoridades; tabus em nomes religiosos; tabus em nomes de mortos; tabus em nomes de animais; tabus em nomes de membros do corpo humano; tabus em nomes de lugares e circunstâncias; tabus em nomes de doenças e defeitos físicos; tabus em nomes de alimentos; tabus em nomes vários. A tese intitulada Á guisa de uma tipologia para os tabus linguísticos proposta para um glossário, de Almeida (2007), buscou fazer uma análise comparativa dos tabus linguísticos presentes nas respostas apresentadas pelos sujeitos em seis atlas estaduais brasileiros. Tomando por base o questionário semântico-lexical do Projeto Atlas Linguístico do Brasil, a autora selecionou seis campos semânticos para a realização da análise: fenômenos atmosféricos, corpo humano, religião e crenças, doenças, ciclos da vida, convívio e comportamento social. No que se refere ao campo semântico da religião e das crenças, Almeida (2007) analisou os termos utilizados pelos informantes do Atlas Lingüístico do Paraná para responder à questão sobre a entidade-tabu que anima o redemoinho. A pergunta obteve, segundo a autora, vinte e uma variantes linguísticas: saci (16 ocorrências), capeta (12 ocorrências), diabinho (10 ocorrências), bichinho (quatro ocorrências), sacizinho (três ocorrências), cão (três ocorrências), capetinha (duas ocorrências), bicho (duas ocorrências), aquilo, bicho feio, bicho ruim, caramujo, chifrudo, coisa feio, demônio, demoninho, fantasma, pé-de-pato, rabudo, o que não presta, tentação, coisinha feio (uma ocorrência de cada uma dessas). Conforme Almeida (2007), os entrevistados detiveram-se mais em descrever do que em propriamente nomear a entidade, pois, segundo a crença popular, ao se pronunciar o nome do diabo ou do saci, eles podem aparecer. Ela acrescenta ainda que o fato de as lexias diabo e saci-pererê quase não ocorrerem pode ser considerado um exemplo típico de tabu. Consideramos, entretanto, que essa afirmação pode ser questionada, pois o número de ocorrências da lexia saci foi bastante significativo, e não parece que o tabu linguístico possa estar associado ao qualificativo pererê. Outra análise passível de

83 83 contestação é a designação que a autora dá para saci e sacizinho como variantes diferentes, pois, no corpus do trabalho, elas não assumem significados distintos. Os nomes religiosos são, sem dúvida, uma grande fonte de tabus, até pelo temor que muitos creditam a eles, o que faz com que seja considerado uma falta de respeito a pronúncia de alguns desses termos. Algumas passagens da Bíblia Sagrada são categóricas, quando dizem Não tomarás o nome do teu Deus em vão, porque não ficará impune aquele que tomar o seu nome por uma coisa vã (DEUTERONÔMIO 5:11). Muitos religiosos tomam esse trecho como uma ordem expressa para que não se pronuncie o nome de Deus, e assim o fazem, considerando a consequência advinda no final do versículo. Desse modo, a religião criou uma cultura de que não se deve proferir um nome tido como sagrado, poderoso e temido. Segundo Guérios (1979), os rabinos e os padres gregos qualificavam o nome de Deus como nome por excelência, nome único, nome glorioso, nome terrível, nome secreto e misterioso, nome separado, nome escrito e não proferido, etc. Os tabus em nomes de espíritos malignos, citados por Guérios (1979), são fatos de grande interesse para esta pesquisa. Segundo o autor, evitam-se as palavras diabo, demônio, satanás, sendo esses nomes substituídos por inúmeros outros, que Guérios (1979) classifica assim: os deformados, de propósito, em sua forma fônica ou morfológica (diacho, dialho, diamo, dianho, demo, satã, satão); os metalexismos, que se subdividem em: eufêmicos hipocorísticos (diabinho, diabrete, demoninho, maioral, compadre); antifrásticos (na Armênia os melhores que nós; no russo o justo, o rei da floresta); disfêmicos (bicho, bicho-preto, cão, tinhoso, cão-tinhoso, cão miúdo, grão-tinhoso, o coisa, coisa-má, coisa-ruim, malvado, mofento, mofino, porco, sujo, danado, arrenegado, condenado, excomungado, maldito, lobo-infernal, maligno, malino, inimigo, pai-da-mentira, paido-mal, pecado, porco-sujo, bicho-feio, bicho-negro, espírito maligno, espírito-imundo, anjo mau, anjo das trevas, tentador, tentador das almas, anjo rebelde, anjo das trevas, gênio das trevas, gênio do mal, fedorento, porqueira, espírito mau, daninho, mofino,

84 84 veneno, moleque, moleque-do-surrão, tentação, bicho mau, imundo, porco-imundo, o-lá-debaixo, etc); qualificativos (canhim, manquinho, sarnoso, sarnento, coxo, canhoto, canheta, tisnado, mal-encarado, feio, pé-de-cabra, chifrudo, carnudo, rabudo, pé-de-peia, pé-de-pato, bingudo, patudo, rabão, esticado, beiçudo, careca, carocho, guedelha, barbas-de-chibo, pé-torto). Guérios (1979) traz ainda outras substituições para a lexia tabuizada, como bodego, zangão, capeta, coisa, indivíduo, não-sei-que-diga, que-diga, tição, caneco, cabra velho, bode preto, gato preto, exu, cujo, o-da-carapuça vermelha, desinquietador das almas, enredador, tal coisa, lembrando que essas substituições podem ser feitas por meio de pronomes demonstrativos, como o dêitico ele, utilizado por falantes da língua portuguesa. Aspecto a ser destacado na obra de Guérios (1979) é que ele traz bastantes exemplos de vocábulos tabus em diversas outras línguas, havendo pouca exemplificação na língua portuguesa, o que demonstra que o estudo das expressões tabuizadas no português ainda era bastante incipiente à época da publicação dessa obra, que pode ser considerada um estudo pioneiro na descrição e análise dos tabus linguísticos. Foi considerando as analogias que os tabus oferecem com outras superstições, tanto dos ditos selvagens de outras partes do mundo quanto das chamadas raças civilizadas da Antiguidade, que o antropólogo James Frazer (1951 apud GUÉRIOS, 1979) fez um estudo comparativo dos mitos e dos folclores de várias sociedades, chegando à conclusão de que o tabu é apenas um dos numerosos sistemas de superstições que, em muitos grupos humanos, contribuíram para construir o complexo edifício da sociedade, com os vários elementos religiosos, sociais, políticos e econômicos. O estudo do tabu passou a oferecer meio privilegiado para a compreensão de diferentes culturas, linguagens e visões de mundo dos mais diversos grupos sociais, podendo revelar a estreita relação que existe entre língua e cultura, uma vez que os tabus presentes na linguagem humana se constituem em práticas não apenas linguísticas, mas também em práticas culturais, na medida em que, conforme explica Pretti (1984, p. 286), em nome de uma ética vigente, proíbem-se ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de bons ou maus termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos e tabus linguísticos aparecem em decorrência de tabus sociais.

85 85 Os tabus linguísticos estão presentes em todas as culturas humanas, tendo como motivação principal os julgamentos sociais que os falantes fazem sobre algumas palavras consideradas indecorosas, profanas, repugnantes, ofensivas, o que evidencia a atuação de fatores extralinguísticos e de componentes culturais no comportamento linguístico dos indivíduos. Monteiro (1986), em um artigo intitulado As palavras proibidas, afirma que a proibição ou o temor de usar uma dada expressão parte sempre da crença de que a linguagem oculta um poder capaz de subjugar os indivíduos. Desse modo, os falantes utilizam alguns artifícios para substituir a lexia tabu, dentre eles: Adulteração fonética do vocábulo: os chamados palavrões são, normalmente, alterados por algumas pessoas que, temerosas da avaliação negativa que a sociedade pode fazer ou por elas mesmas não se sentirem à vontade para falar determinadas palavras consideradas desprezíveis, feias, desonrosas, forjam uma alteração fonética na palavra. Emprego de sinônimos: não são os significados ou os referentes dos vocábulos que justificam a crença nos efeitos maléficos dos tabus linguísticos, pois se isso fosse verdade, os sinônimos produziriam as mesmas consequências ou reações. Entretanto, o que se observa é que as palavras sinônimas dos tabus não produzem muitas reações ou avaliações negativas, cumprindo o efeito de amenizar ou mesmo dissipar o efeito negativo da palavra tabu. Para Monteiro (1986), talvez esse seja o motivo da existência de tantos sinônimos para a palavra diabo. Tendo essa palavra um efeito altamente negativo na sociedade, que julga e condena quem a profere, já que é vista como pecaminosa, anticristã, profana, as pessoas tendem a substituíla por outros termos para fugir ao uso da lexia tabu. Substituição por gestos: os gestos são, muitas vezes, utilizados para substituir a palavra que sofre interdição linguística por ser considerada imprópria para ser dita em certos ambientes, que podem causar nojo ou aversão. Nesses casos, os falantes podem utilizar os recursos visuais como os gestos para escapar da pronúncia do termo tabuizado.

86 86 Uso de signos dêiticos: uma forma muito comum de evitar o uso de algum termo considerado desagradável ou agressivo é lançar mão dos dêiticos como o uso de pronomes (ele, isso, aquilo) para fazer referência ao vocábulo ou expressão que não se quer nomear. No Nordeste, por exemplo, é muito comum o uso de dêiticos para indicar determinadas doenças altamente estigmatizadas como a epilepsia, lepra, câncer. Desse modo, o falante diz: aquela doença, aquilo que coça ou que faz cair, etc. Casos curiosos são as referências dêiticas quando se quer evitar o nome de algum desafeto, em que se usa o dito cujo ou quando a pessoa está narrando um fato relacionado a algum perigo como uma doença grave e diz lá nele, como se o simples fato de ilustrar a situação utilizando o próprio corpo pudesse trazer a doença para si. Mudança no tom de voz: muitas vezes, o temor ou o respeito a determinados nomes faz com que as pessoas mudem o tom de voz, pronunciando a palavra de forma sussurrada. Isso acontece com nomes de pessoas que já morreram, nomes de doenças, xingamentos, enfim, com alguns termos a quem se atribui alguma espécie de poder ou magia ou até mesmo por medo de que alguém escute o nome proferido e faça uma avaliação ou julgamento negativo de quem o pronunciou. Substituição por eufemismos: o eufemismo é uma das principais estratégias utilizadas pelos indivíduos para amenizar a carga pejorativa, a ideia negativa ou a desaprovação social com relação a alguns vocábulos tidos como inconvenientes ou imorais. A superstição ou o medo que algumas palavras produzem nos indivíduos também podem levar a substituições eufêmicas, o que atenuaria o impacto produzido pela lexia temida. Sendo assim, os tabus linguísticos são fortes condicionadores do uso de eufemismos, já que, para evitar o uso da palavra-tabu, muitos falantes apropriam-se de eufemismos, como dar à luz ao invés de parir, anjo do mal para diabo, etc. Substituição por disfemismos: uma das provas mais convincentes de que a interdição vocabular de algumas palavras não tem relação direta com seu significado é o fato de que, muitas vezes, essas palavras são substituídas por

87 87 outras cujo teor é ainda mais agressivo, como o uso do termo chifrudo ou malvado no lugar da palavra diabo. Circunlóquios: a restrição social referente à utilização de algumas palavras pode levar ao uso de circunlóquios, substituindo-se as expressões-tabus por termos mais corteses, que funcionam como regras de etiquetas ou código de boas maneiras. A pergunta 147 do Questionário Semântico-lexical do Projeto ALiB, que busca apreender as denominações dadas pelos informantes para a lexia diabo através da pergunta Deus está no céu e no inferno está...?, registrou, nas capitais do Brasil, alguns recursos linguísticos utilizados pelos informantes para evitar o uso da lexia-tabu, que coincidem com os que foram apresentados por Guérios (1979) e Monteiro (2002), como: variação fonética: capioto, cramunhão, diacho, nefisto (Estas expressões substituem os vocábulos capiroto, cramulhano, diabo, mefítico); redução da palavra: demo (demônio), satã (satanás); eufemismos: estrela vermelha, inimigo, príncipe dos céus; disfemismos: anjo do mal, anjo mau, bicho ruim, cão, chifrudo, coisa ruim; metalexismos qualificativos: bicho ruim, chifrudo, coisa ruim, encardido, maligno, rabudo; dêixis: a coisa; metonímia: enxofre, chifrudo, encardido, rabudo; mudança no tom de voz: muitos informantes abaixaram o tom da voz para pronunciar a palavra diabo. A manifestação dos tabus na linguagem ainda carece de muita pesquisa, sendo um campo bastante produtivo para os estudos linguísticos que levam em consideração a influência da cultura na realização linguística dos indivíduos. Defende-se, neste trabalho, a ideia de que a linguagem, principalmente no nível do léxico, é fortemente influenciada pelas experiências culturais dos falantes, que revelam, através das suas escolhas linguísticas, os valores socioculturais da comunidade a qual pertencem. Os tabus linguísticos constituem-se em um tema de grande interesse para a Dialetologia e a Etnolinguística, pois levam à criação de novos itens lexicais,

88 88 possibilitando também a utilização de uma gama de variantes linguísticas, que substituem o vocábulo tabu. Essa diversidade linguística advinda da interdição do vocábulo está intrinsecamente associada a fatores socioculturais como a faixa etária e o sexo do indivíduo, a região de origem do informante, a escolaridade, a participação em grupos religiosos, enfim, a questões de ordem extralinguística que podem revelar a influência da cultura no uso da linguagem. Os dados coletados pelo Projeto Atlas Linguístico do Brasil serviram de base para a dissertação de mestrado de Benke (2012), que, orientada pela Professora Drª Aparecida Negri Isquerdo, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, fez uma análise geossociolinguística dos tabus linguísticos nas capitais do Brasil. O corpus estudado por Benke (2012) foi constituído por designações fornecidas como respostas para cinco perguntas do Questionário Semântico-Lexical do Projeto ALiB, vinculadas a três campos semânticos: ciclos da vida, convívio e comportamento social e religião e crenças. No que se refere ao campo semântico da religião e das crenças, a autora analisou as designações dadas pelos informantes para a lexia diabo, evidenciando a manifestação de pudor/decoro, de crenças e de superstições no âmbito mágico-religioso materializadas no léxico do grupo investigado 8. Benke (2012) distribuiu as variantes para diabo em duas categorias, com base nos pressupostos de Guérios (1979): 1) Tabus linguísticos: Belzebu, besta, besta-fera, capeta, cão, demônio, diabo, lúcifer e satanás; 2) Eufemismos: Anjo do mal, anjo mau, anticristo, bicho feio, bicho ruim, capiroto, chifrudo, coisa, coisa ruim, criatura, demo, didi, encardido, enxofre, inimigo, maligno, nefisto, rabudo, satã, satangoso, sujo, tinhoso e troço. Conforme a autora, os diferentes recursos eufemísticos para nomear o diabo evidenciam que esse termo é, frequentemente, objeto de tabu, tendo em vista a crença de que a pronúncia desse nome possa atrair algum mal ao falante. Benke (2012) destaca, nas considerações finais de seu trabalho, a dificuldade de se estabelecerem fronteiras entre o tabuístico e o eufemístico, haja vista que algumas classificações dessa natureza nem sempre são pontos pacíficos para os estudiosos da linguagem. 8 O estudo da questão 147 do QSL foi realizado por Benke (2012) de uma forma mais sintética, já que o objetivo da autora concentrou-se na análise dos tabus linguísticos observados em vários campos semânticos.

89 89 Sabe-se que os valores culturais de um povo não são estáticos, ao contrário, mudam, junto com a sociedade, apresentando um alto grau de dinamismo, o que pode representar mudanças nas crenças, nas ideologias, nos costumes das pessoas. Portanto, a linguagem, enquanto uma forte marca cultural, também se apresenta de forma diferenciada no decorrer dos tempos e nas diferentes localidades. A participação em comunidades ou grupos religiosos exerce uma interferência significativa nos usos que o indivíduo faz da linguagem. Por disseminar conceitos tão antagônicos como certo X errado, sagrado X profano, Deus X diabo, salvação X perdição, o campo religioso atua como um regulador daquilo que é considerado errado, impuro, profano. A linguagem, enquanto dom divino, segundo algumas crenças, é ajustada à ideia de que o castigo eterno pode acontecer devido a alguma infração ou pecado cometido por meio das palavras. Em uma das leis que Deus institui para o povo de Israel, registrada no livro de Êxodo, encontra-se a seguinte ordenança: Não blasfemarás contra o senhor teu Deus e não falarás palavras torpes (ÊXODO 20:7). Outras passagens bíblicas também exortam o povo sobre o cuidado que se deve ter com as palavras. No livro bíblico de Tiago há um sermão intitulado Sobre o tropeço na palavra, em que se pode ler: De uma mesma boca procede bênção e maldição e não convém que isso se faça. (TIAGO 3:10). Outro trecho bíblico registra: a vossa palavra seja sempre agradável (COLOSSENSES 4:6). Esses trechos mostram que as religiões cristãs atribuem uma importância singular à palavra, que só deve ser fonte de bênção, ou seja, as palavras consideradas amaldiçoadas ou desagradáveis recomenda-se serem evitadas pelos cristãos. Desse modo, existe uma orientação sobre o que os indivíduos devem ou não devem falar, estando os tabus linguísticos dentre aquelas palavras que não seriam agradáveis nem para o falante nem para o ouvinte.

90 O Inferno (c. 1410). Detalhe do afresco da Cappella Bolognini, Basílica de São Petrônio (Bolonha) de Giovanni di Pietro Faloppi (ou Falloppi, também conhecido como Giovanni da Modena [c ]). 90

91 91 5 METODOLOGIA Este capítulo tem por objetivo descrever os percursos metodológicos adotados para a realização da pesquisa. Apresentam-se as diversas etapas necessárias ao desenvolvimento da tese, especificando a natureza do trabalho, o corpus da pesquisa, a seleção dos informantes, o perfil das localidades, o questionário utilizado, a constituição da amostra e os critérios adotados para a análise dos dados. 5.1 CORPUS O trabalho constitui-se a partir de um segmento do Questionário Semântico- Lexical (QSL) do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), considerando-se as respostas dadas pelos informantes para a primeira pergunta referente ao campo semântico Religiões e Crenças (Cf. Comitê Nacional Do Projeto ALiB, 2011). A questão 147 do QSL foi formulada com o fim de documentar a riqueza sinonímica utilizada pelos indivíduos para nomear o item lexical diabo. Desse modo, perguntou-se ao informante: Deus está no céu, e no inferno está? A tese atenta para o estudo das manifestações linguísticas do português falado nas capitais das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil, procurando registrar as diferenças dialetais e suas possíveis correlações com fatores de ordem social, como faixa etária, sexo e escolaridade. Portanto, ao estudo da variação espacial, é associada a dimensão social da linguagem. A escolha desse campo semântico deve-se, sobretudo, à possibilidade de se revelarem, através dos dados, aspectos míticos e folclóricos do imaginário e da cultura popular, bem como as motivações histórico-religiosas evidenciadas através das realizações linguísticas de determinados grupos sociais. 5.2 INFORMANTES O número total de informantes do Projeto ALiB é de indivíduos, entre homens e mulheres. Para este estudo, utilizaram-se inquéritos realizados com 200 informantes 100 homens e 100 mulheres das vinte e cinco capitais brasileiras: quatro

92 92 homens e quatro mulheres por capital; dois homens e duas mulheres pertencentes à Faixa I dos 18 aos 30 anos; dois homens e duas mulheres correspondentes à Faixa Etária II dos 50 aos 65 anos; dois níveis de escolaridade: nível fundamental incompleto e nível universitário. O perfil dos informantes das capitais permite observar diversos níveis de variação extralinguística, já que considera as variáveis diassexuais, diageracionais e diastráticas, que se diversificam de acordo com as profissões e a opção religiosa, como se pode ver no Quadro 5. Quadro 5 Perfil dos informantes do Projeto ALiB nas capitais do Brasil REGIÃO CAPITAL INFORMANTE N O R T E Belém-PA Boa Vista - RO Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 19 NF Não obtida Católico 2 F 22 NF Estudante Católica 3 M 59 NF Motorista Católico 4 F 69 NF Dona de casa Evangélica 5 M 29 NU Geógrafo Católico 6 F 24 NU Prestador de Católica serviços 7 M 54 NU Professor Católico 8 F 54 NU Professora Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 23 NF Açougueiro Católico 2 F 29 NF Funcionária Católica pública 3 M 60 NF Não obtida Católico 4 F 64 NF Funcionária Católica pública 5 M 27 NU Não obtida Católico 6 F 26 NU Não obtido Católica 7 M 56 NU Geólogo Católico 8 F 52 NU Professora Católica Macapá - AP Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 27 NF Contínuo Católico 2 F 22 NF Empregada Católica Doméstica 3 M 61 NF Serviços Gerais Católico 4 F 65 NF Não obtida Católica

93 93 5 M 25 NU Artista Plástico Católico 6 F 27 NU Geógrafa Católica 7 M 58 NU Não obtida Católico 8 F 53 NU Não obtida Católica Manaus - AM Porto Velho - RR Rio Branco - AC Aracaju - SE Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 20 NF Entregador Católico 2 F 24 NF Serviços Gerais Evangélica 3 M 52 NF Não obtida Católico 4 F 60 NF Dona de casa Católica 5 M 21 NU Estudante Católico 6 F 24 NU Psicóloga Católica 7 M 64 NU Advogado Católico 8 F 50 NU Assistente social Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 22 NF Pedreiro Católico 2 F 19 NF Não obtida Evangélica 3 M 65 NF Ferroviário Católico 4 F 52 NF Cozinheira Católica 5 M 23 NU Professor Católico 6 F 22 NU Não obtida Católica 7 M 49 NU Professor Católico 8 F 63 NU Não obtida Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 18 NF Vendedor Não obtida 2 F 30 NF Serviços Gerais Católica 3 M 63 NF Policial Católico 4 F 59 NF Funcionária pública Católica 5 M 25 NU Advogado Católico 6 F 29 NU Secretária Católica 7 M 52 NU Pedagogo Católico 8 F 54 NU Não obtida Espírita Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 20 NF Jardineiro Católico 2 F 24 NF Não obtida Católica 3 M 52 NF Funcionário Católico Público 4 F 60 NF Não obtida Católica 5 M 21 NU Médico Católico

94 94 N O R D E S T E Fortaleza- CE João Pessoa - PB Maceió - AL Natal- RN Recife - PE 6 F 24 NU Vendedor Evangélica 7 M 64 NU Não obtida Católico 8 F 50 NU Não obtida Não obtida Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 17 NF Estudante Católico 2 F 23 NF Dona de casa Católica 3 M 57 NF Porteiro Católico 4 F 59 NF Serviços Gerais Católica 5 M 26 NU Engenheiro Católico 6 F 24 NU Não obtida Não obtida 7 M 46 NU Professor Católico 8 F 49 NU Não obtida Testemunha de Jeová Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 30 NF Porteiro Católico 2 F 18 NF Estudante Católica 3 M 60 NF Mecânico Católico 4 F 60 NF Enfermeira Evangélica 5 M 25 NU Professor Evangélico 6 F 22 NU Professora Espírita 7 M 60 NU Dentista Católico 8 F 49 NU Professora Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 22 NF Instrutor Evangélico 2 F 19 NF Estudante Católica 3 M 53 NF Auxiliar de Católico cozinha 4 F 54 NF Funcionária Católica Pública 5 M 23 NU Instrutor Católico 6 F 22 NU Estudante Católica 7 M 53 NU Não obtida Católico 8 F 50 NU Auxiliar de classe Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 21 NF Serviços Gerais Evangélico 2 F 18 NF Babá Não obtida 3 M 57 NF Técnico em Católico Eletrônica 4 F 54 NF Costureira Não obtida 5 M 30 NU Bibliotecário Evangélico 6 F 27 NU Professor Católica 7 M 54 NU Engenheiro Católico 8 F 45 NU Funcionária Pública Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 23 NF Bombeiro Evangélico 2 F 18 NF Estudante Não obtida 3 M 51 NF Não obtida Católico 4 F 50 NF Não obtida Católica 5 M 27 NU Empresário Católico 6 F 27 NU Professor Católica 7 M 54 NU Não obtida Católico 8 F 64 NU Não obtida Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião

95 95 S U D E S T E Salvador - BA São Luís- MA Teresina - PI Belo Horizonte - MG Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP 1 M 26 NF Não obtida Católico 2 F 31 NF Não obtida Não obtida 3 M 49 NF Motorista Católico 4 F 61 NF Não obtido Evangélica 5 M 29 NU Veterinário Não obtida 6 F 24 NU Funcionária Católica Pública 7 M 58 NU Engenheiro Não obtida 8 F 54 NU Funcionária Pública Agnóstico Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 23 NF Não obtida Evangélico 2 F 18 NF Não obtida Evangélica 3 M 60 NF Não obtida Católico 4 F 59 NF Não obtida Católica 5 M 22 NU Não obtida Católico 6 F 24 NU Não obtida Católica 7 M 53 NU Professor Católico 8 F 54 NU Artesã Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 27 NF Cabeleireiro Católico 2 F 17 NF Empregada Católica Doméstica 3 M 50 NF Não obtido Católico 4 F 52 NF Cozinheira Católica 5 M 28 NU Administrador Católico 6 F 24 NU Administrador Católica 7 M 48 NU Advogado Católico 8 F 49 NU Taquígrafo Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 27 NF Moto-taxi Não obtido 2 F 24 NF Garçom Católica 3 M 56 NF Porteiro Católico 4 F 53 NF Cozinheira Católica 5 M 25 NU Comerciante Católico 6 F 22 NU Não obtido Católica 7 M 65 NU Não obtido Católico 8 F 60 NU Não obtido Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 23 NF Não obtido Budista 2 F 22 NF Estudante Adventista 3 M 52 NF Vendedor Católico 4 F 65 NF Dona de casa Não obtido 5 M 30 NU Produtor cultural Católico 6 F 25 NU Advogado Não obtido 7 M 65 NU Administrador Católico 8 F 50 NU Não obtido Evangélico Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 28 NF Não obtido Católico 2 F 29 NF Não obtido Evangélica 3 M 63 NF Não obtido Evangélico 4 F 62 NF Dona de casa Evangélica 5 M 25 NU Não obtido Católico 6 F 21 NU Estudante Espírita 7 M 51 NU Enfermeiro Africana

96 96 S U L Vitória - ES Curitiba - PR Florianópolis - SC Porto Alegre - RS Campo Grande - MS 8 F 52 NU Não obtido Agnóstico Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 25 NF Serviços Gerais Evangélico 2 F 27 NF Cozinheira Católica 3 M 49 NF Recepcionista Católico 4 F 51 NF Zelador Evangélica 5 M 27 NU Professor Não obtido 6 F 28 NU Comerciante Católica 7 M 55 NU Policial Não obtido 8 F 53 NU Professora Espírita Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 21 NF Não obtido Católico 2 F 23 NF Não obtido Católica 3 M 50 NF Não obtido Católico 4 F 52 NF Não obtido Católica 5 M 21 NU Não obtido Católico 6 F 22 NU Não obtido Católica 7 M 51 NU Auxiliar Católico Administrativo 8 F 52 NU Não obtido Espírita Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 31 NF Não obtido Católico 2 F 23 NF Empregada Católica Doméstica 3 M 59 NF Policial Católico 4 F 65 NF Dona de casa Católica 5 M 30 NU Funcionário Espírita público 6 F 29 NU Pedagoga Católica 7 M 54 NU Funcionário Católico público 8 F 52 NU Não obtido Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 18 NF Estudante Católico 2 F 30 NF Vendedora Católica 3 M 54 NF Funcionário Católico público 4 F 64 NF Não obtido Católica 5 M 24 NU Músico Espírita 6 F 21 NU Empresária Católica 7 M 57 NU Não obtido Católico 8 F 53 NU Não obtido Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 26 NF Não obtido Evangélico 2 F 29 NF Não obtido Católica 3 M 63 NF Guarda Católico municipal 4 F 53 NF Dona de casa Católica 5 M 30 NU Não obtido Evangélico 6 F 23 NU Não obtido Católica 7 M 51 NU Advogado Evangélico 8 F 56 NU Dentista Católica Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião 1 M 24 NF Ajudante de Católico pedreiro

97 97 2 F 24 NF Empregada Evangélica Cuiabá - MT doméstica C 3 M 63 NF Eletricista Espiritualista E 4 F 55 NF Dona de casa Evangélica N 5 M 30 NU Não obtido Evangélico T 6 F 30 NU Professora Católica R 7 M 62 NU Dentista Não obtida O 8 F 55 NU Pedagoga Evangélica - Inf. Sexo Idade Escolaridade Profissão Religião O 1 M 22 NF Serralheiro Católico E 2 F 26 NF Dona de casa Evangélica S 3 M 51 NF Comerciante Católico T Goiânia - GO 4 F 63 NF Dona de casa Católica E 5 M 27 NU Instrutor Católico 6 F 23 NU Estudante Não obtida 7 M 62 NU Funcionário Católico público 8 F 63 NU Instrutor Católica Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O perfil religioso dos informantes das capitais do Brasil apresenta-se de forma bastante diversificada. Apesar disso, é possível notar a hegemonia do catolicismo em todas as regiões brasileiras, conforme se pode verificar na Tabela 1. Tabela 1 Perfil religioso dos informantes das capitais do Brasil REGIÕES RELIGIÕES NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO- OESTE Católicos 90% 71% 47% 87,5% 54,2% Evangélicos 6% 14% 22% - 33,3% Espíritas 2% 1,3% 6% 12,5% 4,2% Africana - - 3% - - Budista - - 3% - - Testemunha - 1,3% de Jeová Agnóstico - 1,3% 3% - - Sem 2% 11,1% 16% - 8,3% informação Total 100% 100% 100% 100% Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria

98 LOCALIDADES A rede de pontos do ALiB conta com um total de 250 localidades distribuídas por todo o país e selecionadas de acordo com critérios demográficos, históricos e culturais. Além disso, considerou-se também a extensão de cada Estado/Região e a natureza de seu povoamento na delimitação do número de pontos da área. Para esse trabalho, utilizaram-se dados dos informantes das vinte e cinco capitais 9 situadas no Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil, conforme se pode observar no Quadro 6. 9 A capital do Tocantins e do Distrito Federal não figuram na rede de pontos do Projeto ALiB devido à sua recente fundação, o que impossibilita a existência de três gerações nascidas nestes locais.

99 99 Quadro 6 Determinação de pontos e números de informantes Região Estado Capital Ponto N O R T E N O R D E S T E Amapá Macapá 002 Roraima Porto Velho 021 Amazonas Manaus 006 Pará Belém 012 Acre Rio Branco 020 Rondônia Boa Vista 003 Maranhão São Luís 026 Piauí Teresina 034 Ceará Fortaleza 041 Rio Grande do Norte Natal 053 Paraíba João Pessoa 061 Pernambuco Recife 070 Alagoas Maceió 077 Sergipe Aracaju 079 Bahia Salvador 093 Nº de informantes S U D E S T E S U L CENTRO- OESTE Minas Gerais Belo Horizonte 138 São Paulo São Paulo 179 Espírito Santo Vitória 190 Rio de Janeiro Rio de Janeiro 202 Paraná Curitiba Santa Catarina Florianópolis 230 Rio Grande do Sul Porto Alegre 243 Mato Grosso Cuiabá 108 Mato Grosso do Sul Campo Grande 115 Goiás Goiânia 123 TOTAL 200 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 32 24

100 Breve caracterização das regiões brasileiras A seguir, far-se-á uma breve caracterização das cinco regiões brasileiras de onde foram coletados os dados para esta pesquisa, com a finalidade de apresentar alguns aspectos demográficos, sociais, culturais e econômicos das localidades que serviram de base para o trabalho. O contexto histórico e social das regiões pode ter repercussão sobre a diversidade linguística encontrada nas capitais brasileiras Região Norte A Região Norte do Brasil é constituída por sete estados, apresentados com suas capitais: Amapá (Macapá), Roraima (Boa Vista), Amazonas (Manaus), Pará (Belém), Acre (Rio Branco), Rondônia (Porto Velho), e Tocantins (Palmas). Esta última, por sua recente fundação, não compõe a rede de pontos do projeto ALiB. O censo demográfico de 2010 do IBGE computou um total de habitantes residentes no norte do país, o que representa 8,32% da população nacional. A Região possui a maior extensão territorial do Brasil com km². O processo de povoamento das cidades que foram transformadas em capitais dos Estados do Norte nem sempre aconteceu da mesma maneira, iniciando-se pelo litoral nortista no século XVII e completando o seu ciclo apenas no século XX. A cidade de Belém foi a primeira capital da Região Norte, fundada em 1616 nas terras dos indígenas que foram escravizados pelos colonizadores. Em 1676, registra-se a chegada de 234 pessoas da Ilha dos Açores no território onde hoje se encontra a cidade de Belém. Essas famílias foram trazidas pela Coroa Portuguesa com o objetivo de intensificar o povoamento da Amazônia. Esse fato histórico pode explicar algumas questões atuais do ponto de vista linguístico e religioso. No final do século XVII, os portugueses também construíram a cidade de Manaus com o objetivo de fortalecer os seus domínios nas terras amazônicas, que eram consideradas como uma posição estratégica no território brasileiro. No século XVIII, a cidade de Macapá foi erguida pelos casais de açorianos que fugiram da guerra entre cristãos e muçulmanos e ajudaram Portugal a defender as fronteiras do Brasil. As cidades de Boa Vista e Rio Branco datam do século XIX: a

101 101 primeira foi construída a partir de uma fazenda de gado, alcançando o posto de capital em 1944 e a fundação da segunda está ligada ao extrativismo da borracha, que atraía trabalhadores de todos os lugares do Brasil. No século XX, a Região Norte ainda assistiu ao surgimento da cidade de Porto Velho e Palmas: aquela desenvolveu-se a partir da construção de portos, ferrovias e rodovias; esta foi planejada para ser um polo de irradiação de desenvolvimento econômico e social do novo Estado de Tocantins. Houve uma extensa mestiçagem da população da Região Norte já que, até o século XVIII, quase não havia mulheres brancas nos povoados, e, nesse período, a língua dominante ainda era uma variedade do tupi. A Região Norte foi fortemente influenciada pelos costumes e hábitos dos indígenas, que já habitavam boa parte da área e foram utilizados como mão-de-obra escrava dos colonizadores portugueses. Devido ao grande número de índios na Região, o Norte foi um dos principais centros das atividades missionárias dos jesuítas, que buscavam implantar os preceitos da religião católica. A passagem do tempo mudou o cenário religioso na Região Norte, alterando a configuração dos principais grupos religiosos. Os resultados do censo demográfico de 2010 indicam que a maior redução de adeptos do catolicismo no Brasil ocorreu na Região Norte. Nessa Região, a diversificação dos grupos religiosos é marcada pela presença expressiva de evangélicos, sobretudo dos pentecostais. Além disso, a crescente urbanização da Região proporcionou uma adequação espacial e cultural para o surgimento de novos grupos religiosos. Quanto aos aspectos econômicos, Ferreira e Botelho (2014) salientam que o extrativismo vegetal e mineral constitui-se em uma das principais atividades econômicas da Região, embora cada Estado apresente realidades econômicas bastante distintas. No Acre, a economia está voltada mais diretamente para a floresta, sendo esta a principal responsável pela renda da população; em Roraima, o cultivo de soja pode ser considerado como um importante propulsionador da economia local; o Amapá é o segundo maior produtor de minério do Brasil; Rondônia apresenta uma economia diversificada entre agricultura, pecuária, indústria alimentícia e extrativismo mineral e vegetal, sendo a carne bovina o principal produto de exportação do Estado; o Amazonas tem no polo industrial de Manaus seu principal motor econômico; o Pará tem sua economia baseada no extrativismo mineral (estanho, ouro, ferro, manganês, bauxita e calcário), no extrativismo vegetal (madeira), na pecuária e na produção agrícola, sendo o maior produtor de pimenta-do-reino do Brasil.

102 102 Somente após a metade do século XIX, o ciclo da borracha começou a se expandir na Região Norte, o que atraiu pessoas provenientes de diversos Estados do Brasil, principalmente do Nordeste, ocasionando várias transformações sociais, culturais, econômicas, políticas e o povoamento acelerado da Região. De acordo com Isquerdo, Teles e Zágari (2014, p. 67), não pode ser desconsiderada a importância dos ciclos econômicos para o povoamento das regiões brasileiras e para a formação da sociedade, na medida em que geram inúmeras levas migratórias que favorecem contatos interétnicos e linguísticos, seja em decorrência do convívio entre brasileiros das diversas regiões, seja entre a população brasileira e imigrantes que aqui se fixaram e contribuíram para a configuração do povo brasileiro Região Nordeste A Região Nordeste do Brasil abrange nove Estados, sendo a maior Região brasileira em número de capitais e estando assim representada: Maranhão (São Luís), Piauí (Teresina), Ceará (Fortaleza), Rio Grande do Norte (Natal), Paraíba (João Pessoa), Pernambuco (Recife), Alagoas (Maceió), Sergipe (Aracaju) e Bahia (Salvador). Os dados censitários do IBGE registraram para o nordeste brasileiro o número de habitantes, o que representa 27,8% da população nacional e faz dela a segunda região mais populosa do Brasil, sendo superada apenas pelo Sudeste. A Região compreende 18% do total da área territorial brasileira, ocupando km, o que corresponde à terceira maior região do Brasil em extensão territorial. O Nordeste apresenta um quadro social bastante preocupante, situando-se como uma das regiões com sérios problemas socioeconômicos, como altas taxas de mortalidade infantil, desemprego, criminalidade e analfabetismo. Apesar de ter havido uma pequena melhoria da qualidade de vida da população nos últimos anos, a Região ainda padece de males socialmente crônicos. A colonização do Brasil começou na Região Nordeste, com a chegada dos primeiros portugueses ao extremo sul da Bahia. A expansão demográfica da Região esteve fortemente atrelada à exploração dos recursos naturais, pois o Nordeste possui uma imensa faixa litorânea, altamente favorável à navegação, solo fértil, além das suas ricas matas.

103 103 Já no século XVI, iniciou-se o povoamento de importantes regiões nordestinas, como Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba. Posteriormente, os colonizadores lutaram contra os franceses na tomada do litoral e parte do sertão maranhense e logo após este feito, os portugueses conquistaram também as terras cearenses. Segundo Bóris Fausto (2008, p. 76), o Nordeste representou o primeiro centro de colonização e urbanização do Brasil, e até meados do século XVIII, a Região nordestina, que era conhecida como norte, concentrou as atividades econômicas e a vida social mais significativa da colônia. Nesse período, a Região Sul era uma área menos urbanizada e periférica. A composição étnica de boa parte da Região Nordeste, principalmente da Bahia e de Pernambuco, está ligada à utilização da mão-de-obra africana, utilizada em larga escala desde o século XVI até o fim do período escravagista. Calcula-se que, em 1750, metade dos 40 mil habitantes de Salvador eram indivíduos escravizados trazidos da África, principalmente dos portos de Luanda e Benguela, para trabalhar na produção açucareira. Essa configuração étnico-racial transparece até a atualidade, haja vista os números oficiais de 2010 do IBGE, que registram os maiores percentuais de pessoas pardas e negras para as Regiões Norte e Nordeste: 71,2% e 62,7%, respectivamente, das populações residentes nestas duas áreas geográficas. Quanto aos dados censitários do IBGE (2010) sobre a religião dos nordestinos, o catolicismo mantém-se elevado, com um percentual de 72% de adeptos, seguido das religiões evangélicas, com 28,5% de representantes. A religião espírita soma 0,8%; a umbanda e o candomblé abarcam apenas 0,2% dos indivíduos e os que se declararam sem religião somam 8,3% da população nordestina. Observa-se que, apesar de a população do Nordeste ser constituída, em sua maioria, de descendentes de africanos, os que declaram pertencer a religiões de matriz africana é um número minoritário, o que pode ser explicado pela constante perseguição que os adeptos dessas instituições religiosas sempre sofreram desde os tempos remotos até os dias atuais Região Sudeste O Sudeste é a Região brasileira mais importante do ponto de vista econômico e demográfico, representando o maior polo industrial do Brasil e também o maior

104 104 contingente populacional, com 42,1% dos habitantes da nação. A Região ocupa uma área de Km 2 e sua colonização tem início logo após a chegada dos portugueses, quando iniciaram a implantação da capitania de São Vicente. A fundação do povoado de São Paulo do Piratininga esteve atrelada aos padres jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, que, atraídos pelo grande número de índios que já ocupavam o local, disputaram o domínio desses povos com os colonizadores e instalaram o colégio dos jesuítas, em torno do qual se iniciou a construção das primeiras casas de taipa. Além disso, o local também tornar-se-ia um centro de grande interesse para os bandeirantes, que, com o intuito de buscar riquezas minerais (como ouro e pedras preciosas) e aprisionar índios para o trabalho escravo, utilizavam o povoado como ponto de partida das bandeiras e adentravam pelo interior desbravando e explorando novas terras. Conforme Isquerdo, Teles e Zágari (2014, p. 62), a descoberta de ouro pelos bandeirantes na região de Minas Gerais motivou o deslocamento de grandes contingentes de brasileiros para a região Sudeste, sobretudo de desempregados, transformando essa região no centro de interesse econômico do Brasil. Entretanto, a explosão industrial na região Sudeste deu-se início apenas em meados do século XIX, impulsionada, principalmente, pelo crescimento da imigração e pelos lucros advindos das lavouras de café, que foram, por muito tempo, a principal fonte de economia do Sudeste. Ao longo do século XX, as capitais da Região Sudeste transformaram-se em grandes metrópoles, principalmente a cidade de São Paulo, que se tornou o principal centro econômico do Brasil. Esse acelerado desenvolvimento industrial do Sudeste fez com que grandes levas de imigrantes estrangeiros e de migrantes das mais diversas regiões brasileiras, sobretudo do Nordeste, chegassem à cidade em busca de trabalho e de melhores condições de vida, o que contribuiu para a diversidade linguística, étnica e religiosa dessa Região. No que tange ao aspecto religioso, embora ainda haja o predomínio do catolicismo no Sudeste, com um percentual de 59,5% da população regional, o censo do IBGE de 2010 registrou um aumento expressivo de adeptos da religião espírita. As igrejas evangélicas somam 24,6% dos fiéis. Os que afirmaram não pertencer a nenhuma religião chegam a 9%; os espíritas somam 3,1% dos indivíduos. Entre os que se declararam do

105 105 candomblé e umbanda, o número é de apenas 0,4% dos residentes. Os que pertencem a outras religiosidades registram 3,4% da população Região Sul A Região Sul possui três Estados: Paraná (Curitiba), Santa Catarina (Florianópolis) e Rio Grande do Sul (Porto Alegre), os quais compreendem a menor área do território brasileiro e equivalem a apenas 7% da dimensão territorial do país. Com relação à densidade populacional, segundo o IBGE, a Região possuía, em 2010, habitantes, o que corresponde a somente 14,4% da população nacional. O processo de colonização da Região teve início no século XVII com os bandeirantes e garimpeiros paulistas, que começaram a explorá-la em busca de ouro e metais preciosos. Apesar de esse objetivo não ter sido alcançado, os campos sulistas tornaram-se um excelente atrativo para a criação de gado pelos paulistas, que ocuparam a Região e formaram povoados, onde se fixaram com suas famílias. Esses povoados instalados nos chamados Campos de Curitiba deram início à constituição da primeira capital da Região Sul, no território do atual Estado do Paraná. De povoado a metrópole, o traço fundamental que definiu o perfil de Curitiba foi a chegada de imigrantes das mais variadas procedências. Europeus, asiáticos e africanos contribuíram para a formação da estrutura populacional, econômica, social e cultural da cidade. Também brasileiros de todas as localidades (paulistas, gaúchos, mineiros, nordestinos) contribuíram para a construção de sua imagem. (IBGE, 2015). Os portugueses e imigrantes açorianos tiveram um papel de destaque para a colonização da cidade de Florianópolis e Porto Alegre. O povoamento de Porto Alegre teve início com a chegada de 60 casais de açorianos trazidos para se instalarem na região que seria entregue ao governo português. Com a demora na demarcação das terras, os portugueses açorianos fixaram-se definitivamente no local, onde hoje é a atual cidade de Porto Alegre. Semelhantemente a isso, a área que hoje se denomina como a capital de Santa Catarina também recebeu, em 1692, 260 casais de açorianos e, posteriormente, registra-se a chegada de, aproximadamente, seis mil portugueses que imigraram para esta área sulista com o intuito de ocupar estas terras que eram disputadas por Portugal. A Região Sul do Brasil é caracterizada geograficamente pelo relevo ondulado, clima ameno e temperado e abundância de águas e florestas. Entretanto, apenas no final

106 106 do século XVIII, a pecuária começa a se firmar, a se desenvolver e prosperar na Região, fazendo da produção de couro e, posteriormente, de charque um negócio bastante lucrativo. Apesar disso, conforme Prado Júnior (2011, p. 170), no início do século XIX, o povoamento nessa Região ainda era menor que o dos sertões do Nordeste, devido à ausência de uma atividade econômica produtiva. No que se refere ao campo religioso, os dados oficiais do IBGE atestam que o número de adeptos do catolicismo manteve-se elevado na Região Sul, registrando, em 2010, um percentual de 70% da população sulista. O quadro religioso se completa com 20% de evangélicos, 4,8% sem religião, 2% de espíritas, 0,6% de umbandistas e candomblecistas e 2,3% que são pertencentes a outras religiosidades Região Centro-Oeste A Região Centro-Oeste é composta por três Estados: Mato Grosso (Cuiabá), Mato Grosso do Sul (Campo Grande) e Goiás (Goiânia) e pelo Distrito Federal, onde está localizada a capital do Brasil. Devido à sua recente fundação, a cidade de Brasília não integra a rede de pontos do projeto ALiB. O Centro-Oeste corresponde a 19% da área total do território brasileiro, ou seja, esta é a segunda maior Região em extensão territorial do país. Apesar disso, a Região compreende a menor densidade populacional do Brasil, sendo responsável por apenas 7,4% dos habitantes da nação, o que corresponde a um número total de indivíduos, conforme os dados do IBGE. A colonização da região central do Brasil tem como elemento desencadeador a ação dos bandeirantes, que partiam de São Vicente para o interior do país em busca de ouro e diamantes. Essa missão incluía também a captura e escravização dos índios, que eram submetidos a trabalhos forçados nas lavouras. Conforme Ribeiro (1995, p. 71), a instalação de núcleos missionários na Amazônia, com o intuito de ajudar na escravização e disciplina dos índios para o trabalho escravo, contribuiu para uma homogeneização linguística e enquadramento cultural do indígena no corpo de crença e no modo de vida dos colonizadores. Para o autor, a influência maior desses aldeamentos jesuíticos se fez sentir no desenvolvimento de uma religiosidade folclórica e pouco ortodoxa, que resultou numa crença popular fundada no sincretismo da pajelança indígena com um vago culto de santos e datas do calendário religioso católico.

107 107 O povoamento da Região Centro-Oeste está estreitamente relacionado à exploração das minas de ouro, encontradas no início do século XVIII. Este fato fez com que a Região começasse a receber levas de pessoas de diversos lugares do país, como São Paulo, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, em busca de explorar, principalmente, a atividade de mineração, e, em menor escala, a agricultura e a pecuária. Os bandeirantes paulistas foram os responsáveis pela fundação dos povoados, onde hoje se encontram os Estados do Mato Grosso e de Goiás. O grupo que partiu em direção ao território que passou a ser designado como Cuiabá alcançou as zonas auríferas, o que, posteriormente, também aconteceria em Goiás. Com o declínio da atividade mineradora na Região, o trânsito dos bandeirantes foi transferido para o sul do Mato Grosso, onde a amenidade do clima e a existência de boas pastagens foram fortes atrativos para a formação de grandes núcleos populacionais, que, mais tarde, viria a se constituir o povoado de Campo Grande. O ciclo econômico voltouse para a agricultura, tendo como principal destaque a exploração da erva-mate, o que deu início a uma nova fase na economia regional. De acordo com Diegues Junior (1960, p. 289), o extrativismo da erva-mate atraía a população que não encontrava mais recursos na mineração. Segundo o autor, o povo indígena exerceu um papel fundamental para o desenvolvimento dessa atividade, pois foram eles que transmitiram as técnicas de coleta e de preparo para o consumo da bebida, que já era utilizada pela população nativa. A formação da cidade de Campo Grande data da segunda metade do século XIX e diversos fatores sociais, econômicos e políticos deram à localidade a importância de uma capital, o que contribuiu para o início da discussão sobre a divisão do Estado de Mato Grosso, fato que aconteceria apenas em 1977 com a criação oficial do Estado de Mato Grosso do Sul. A agricultura e a pecuária constituem-se em atividades econômicas importantes para a Região, pelo fato de esta possuir excelentes pastagens e chuvas regulares. Apesar da crescente urbanização, a Região Centro-Oeste ainda possui extensas áreas de matas e florestas, que contribuem para o dinamismo econômico e populacional. A composição étnica do Centro-Oeste reflete um aglomerado de homens brancos, negros, índios e mestiços provenientes de várias áreas geográficas. Nesse sentido, não se pode deixar de considerar a importância que tiveram os índios nativos, não somente na etnia predominante, como na formação sociocultural da Região, o que se reflete nos hábitos, valores e costumes de boa parte dos habitantes da Região.

108 108 Os dados oficiais do IBGE sobre a constituição religiosa do Brasil mostram que o Centro-Oeste aproxima-se do Sudeste quanto ao percentual da sua população católica, que soma 59% dos fiéis. As igrejas evangélicas são responsáveis por 26,8% do contingente religioso; a religião espírita compreende 2,3% dos indivíduos; apenas 0,1% declararam pertencer às religiões de matriz africana e 8,4% se declararam sem religião. 5.4 TRATAMENTO DOS DADOS Os principais critérios adotados para o tratamento dos dados linguísticos que servem de base para este estudo foram organizados em função do que se segue Audição dos inquéritos O primeiro passo para o tratamento dos dados em um trabalho de natureza geolinguística é a audição dos inquéritos linguísticos. A escuta das entrevistas possibilita entrar em contato com os informantes, conhecer os usos linguísticos concretizados por cada indivíduo e o modo como cada pergunta foi realizada pelo inquiridor. Nessa etapa, o pesquisador vai tendo a dimensão do trabalho a ser realizado, conhecendo as especificidades linguísticas de cada localidade, destacando os comentários dos informantes que servirão para embasar a análise. Apesar de os inquéritos utilizados nesta pesquisa já estarem transcritos pela equipe de pesquisadores do Projeto ALiB, a audição dos mesmos constituiu-se em uma tarefa essencial, pois, assim, pôde-se acompanhar as entrevistas realizadas com os informantes no momento da coleta dos dados e, através disso, conhecer as principais dificuldades para a obtenção de algumas respostas, verificar a validade da resposta do informante através dos recursos expressos em sua voz, como a entonação. Além disso, foi fundamental a revisão das transcrições grafemáticas, pois uma falha na transcrição pode comprometer a análise dos dados Frequência e distribuição das variantes A segunda etapa do tratamento dos dados consistiu no levantamento e distribuição de todas as variantes utilizadas pelos informantes. No caso deste estudo, catalogaram-se os usos linguísticos referentes ao campo Religião e Crenças, realizados pelos indivíduos das Regiões Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste, para

109 109 responder à questão 147 do Questionário Semântico-Lexical do Projeto ALiB. Foram registradas todas as designações fornecidas como primeira, segunda, terceira ou quarta resposta pelos 200 informantes. Posteriormente, procedeu-se a uma nova audição para dirimir algumas dúvidas quanto à validade da resposta, como, por exemplo, no caso em que alguns informantes utilizaram termos bastante incomuns para nomear o ser que está no inferno, como se pode observar a seguir: INQ. Agora, mudando um pouco para religião e crença. No céu está Deus e no inferno está...? INF. O diabo. INQ. Todos os nomes dele, que você sabe. INF. O cão. O cruz-credo... lúcifer. Tem o satanás. (QSL, Informante 06, mulher, faixa etária I, nível de escolaridade universitária, Boa Vista - RR) INQ. A gente costuma dizer que Deus está no céu e no inferno está...? INF. Tá o diabo. INQ. Isso. Quais outros nomes que você conhece? INF. Pro diabo? INQ. Isso. Pode falar. INF. - Ah, o nefisto. É... diabo, capeta, demo. É isso aí. (QSL, Informante 05, homem, faixa etária I, nível de escolaridade universitária, Macapá - AP) Buscou-se, também, com a audição dos inquéritos, verificar os recursos de voz utilizados pelos informantes, que, em muitos casos, mudavam a entonação ao pronunciar os nomes dados como resposta à pergunta 147 do QSL, conforme o exemplo a seguir. INQ. Mudando agora para falar um pouco de religião. Deus está no céu e no inferno está quem? INF. O diabo? (Abaixa o tom de voz) INQ. Conhece algum outro nomezinho para ele? INF. O satanás? (Abaixa o tom de voz) (risos) (QSL, Informante 04, mulher, faixa etária II, nível de escolaridade fundamental, Campo Grande - MS).

110 Pesquisa em dicionários Para cada variante levantada nos inquéritos, foram feitas consultas nos seguintes dicionários de língua portuguesa: Aulete digital (2013), de Caldas Aulete; Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2009), de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), de Antonio Houaiss e Mauro Villar. A consulta permitiu observar: 1) se a forma lexical é registrada; 2) quais os significados que são atribuídos a essas palavras; 3) se outros itens lexicais sinônimos são trazidos pelos autores. O exame nos diversos dicionários serviu para ampliar a análise dos termos lexicais e estabelecer comparações entre as designações conceituais empreendidas pelos diferentes autores. Paralelamente à consulta aos dicionários gerais de língua portuguesa, a pesquisa lexicográfica também foi realizada no Dicionário do folclore brasileiro (2012 [1979]), de Luís da Câmara Cascudo, e no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antonio Geraldo da Cunha (2010), a fim de averiguar a descrição dada pelos dicionaristas a algumas formas linguísticas identificadas nos inquéritos Tratamento estatístico dos dados Os dados foram submetidos a um tratamento quantitativo, utilizando-se valores absolutos e relativos, obtidos através da observação da frequência das variantes em cada localidade pesquisada. Para organizar o material linguístico coletado, elaboraram-se quadros, gráficos e mapas, registrando-se: i) o número de variantes encontradas; ii) a distribuição das variantes de acordo com cada ponto linguístico; iii) a observância das variantes de acordo com a faixa etária, a escolaridade e o sexo do informante. Para a sistematização dos dados, foram feitos alguns agrupamentos que não interferiram na variação lexical encontrada nos inquéritos, mas que ajudaram na organização do material linguístico a ser analisado. Dessa forma, foram utilizados os seguintes parâmetros: a variação fonética não foi considerada na transcrição das entrevistas, uma vez que o estudo busca descrever os itens lexicais; as formas lexicais foram registradas na análise dos dados de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa. Assim, foram agrupados termos como

111 111 demonho/demônio, satanai/satanás, nefisto/mefítico, cramunhã/cramulhano, lussuncer/lúcifer Seleção das lexias para análise sociolinguística A análise sociolinguística dos dados foi realizada com as seis variantes mais produtivas do corpus. Desse modo, observou-se a relação estabelecida entre as variáveis sociais faixa etária, sexo e escolaridade e as lexias diabo, satanás, demônio, capeta, cão e lúcifer Cartografia dos dados Os dados semântico-lexicais também foram apresentados por meio de cartas linguísticas, demonstrando-se a informação diatópica documentada nas vinte e cinco capitais que fizeram parte do estudo. Para isso, foram elaboradas seis cartas linguísticas: uma carta diatópica geral, apresentando as sete variantes documentadas no maior número de capitais e cinco cartas linguísticas regionais, registrando as variantes menos frequentes encontradas em cada região brasileira. Em cada carta, os dados foram apresentados, considerando-se as seguintes informações: Título da carta registrou-se do lado superior direito o título da carta, ou seja, o conceito que motivou as respostas dos informantes; Questão a pergunta do QSL a que se refere a carta linguística foi registrada do lado inferior esquerdo; Legenda o número de ocorrências foi registrado no lado inferior direito, organizando-se uma legenda com cores diferentes para representar as variantes, que foram documentadas em ordem decrescente; nos casos em que houve empate quanto ao número de capitais onde se registraram as variantes, utilizou-se o critério da ordem alfabética na legenda; Grafia na enumeração dos itens lexicais que integraram a legenda, as formas linguísticas foram grafadas segundo a norma-padrão;

112 112 Representação estatística o percentual de ocorrências das variantes documentadas nas cartas foi representado graficamente no formato de pizzas, considerando-se as respostas registradas em cada capital. O dinamismo da variação lexical apreendida nos inquéritos realizados com 200 informantes foi representado nas cartas linguísticas, sendo analisado em consonância com os condicionadores sociais (geracional, social, sexual) que influenciam os usos dos indivíduos.

113 113 O Inferno (Les Très Riches Heures du duc de Berry). Irmãos Limbour. Descrição: Lúcifer torturando almas bem como a si mesmo no inferno.

114 114 6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Neste estudo de caráter dialetológico e semântico-lexical, o corpus constituiu-se a partir das respostas emitidas pelos sujeitos entrevistados em diversos pontos linguísticos. As respostas foram obtidas a partir de questões previamente formuladas pelo grupo de pesquisadores do ALiB com o objetivo de registrar as lexias referentes a determinados conceitos, no caso das perguntas elaboradas para o questionário semânticolexical. As questões foram desenvolvidas de acordo com o teor onomasiológico, ou seja, partindo-se do conceito para a resposta. No presente capítulo, apresenta-se a análise dos dados fundamentada nas respostas dos informantes das vinte e cinco capitais brasileiras para a primeira questão do campo semântico Religiões e Crenças do Questionário Semântico-lexical do Projeto Atlas Linguístico do Brasil. A análise foi empreendida considerando-se o componente semântico-lexical e geossociolinguístico dos dados. Para a perspectiva semântico-lexical, buscou-se fazer a descrição de alguns aspectos históricos, culturais, semânticos e lexicográficos dos itens lexicais registrados nas respostas dos informantes. Quanto ao âmbito geossociolinguístico, foram consideradas as dimensões geográficas e sociais da língua, atentando-se para o nível diatópico, diageracional, diassexual e diastrático. 6.1 ANÁLISE LÉXICO-SEMÂNTICA No âmbito do Questionário semântico-lexical do Atlas Linguístico do Brasil, os informantes foram inquiridos com a seguinte pergunta: Se Deus está no céu, no inferno está... (COMITÊ NACIONAL, 2001). As respostas apresentadas demonstraram uma gama de variantes para nomear o referente diabo: anjo mau, anjo do mal, anticristo, besta, besta-fera, belzebu, bicho feio, bicho ruim, cão, capeta, capiroto, chifrudo, coisa, coisa ruim, cramulhano, criatura, cruz credo, demo, demônio, desgraça, diabo, didi, encardido, enxofre, estrela vermelha, inimigo, lúcifer, maligno, mefítico, príncipe dos céus, rabudo, sapirico, satã, satanás, satangoso, sujo, troço, tibinga, tinhoso. Conforme Antunes (2012, p. 136),

115 115 as informações a que podemos ter acesso em um dicionário ultrapassam o limite de sua configuração linguística para abranger o domínio das representações culturais ou da memória social que a língua naturalmente registra. O vocabulário de uma língua, para além de sua natureza estritamente linguística, traz também elementos que representam a cultura, a memória e a história de um povo, seu sistema de valores e crenças, podendo ser entendido como um testemunho daquilo que foi experimentado e vivido. Nessa perspectiva, foi realizada uma pesquisa em três dicionários da língua portuguesa, um dicionário etimológico e um dicionário do folclore brasileiro com o intuito de se observar o significado atribuído pelos lexicógrafos para os temos utilizados pelos informantes como referência à lexia diabo. Algumas variantes utilizadas pelos informantes para nomear o ser que está no inferno não constam nos dicionários consultados. Outras foram dicionarizadas com outras acepções. O Quadro 8, posto a seguir, possibilita a visualização das lexias dicionarizadas, não-dicionarizadas e dicionarizadas com significados diferentes daqueles atribuídos pelos informantes. Quadro 7 Formas lexicais dicionarizadas e não-dicionarizadas Formas lexicais dicionarizadas anjo mau anticristo belzebu bicho ruim cão capeta capiroto chifrudo coisa-ruim cramulhano demônio demo diabo inimigo lúcifer maligno rabudo satã satanás sujo tinhoso Formas lexicais não dicionarizadas anjo do mal didi estrela vermelha príncipe dos céus sapirico satangoso tibinga Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Formas lexicais dicionarizadas com outras acepções besta besta-fera criatura cruz-credo desgraça encardido enxofre imundo mefítico troço Os dados encontrados no corpus foram organizados de acordo com critérios semânticos, o que permitiu dois agrupamentos: tabus linguísticos e figuras de linguagem. O primeiro grupo diz respeito às formas lexicais consideradas mais agressivas e/ou proibidas utilizadas pelos informantes para responder à questão 147. A pronúncia de

116 116 muitos desses termos costuma causar temor e repulsa, daí a sua classificação em tabus linguísticos. O segundo grupo refere-se aos vocábulos que foram empregados para denominar o diabo, através de processos metonímicos e metafóricos, considerando-se os eufemismos e disfemismos como casos especiais de metáforas, embora os limites entre essas categorias sejam bastante fluidos e controversos, o que faz com que alguns estudiosos as considerem como duas faces de uma mesma moeda, como alerta o pesquisador espanhol Chamizo Domínguez (2004, p. 45): El que una palabra dada (o una expresión, en su caso) sea sentida por los hablantes como un eufemismo o como un disfemismo no depende de la palabra en sí, sino del contexto, del uso que se haya hecho de dicha palabra o de las intenciones de los hablantes 10. O Quadro 8 registra a distribuição semântica das designações utilizadas pelos informantes das capitais como resposta para a questão 147 do QSL. Quadro 8 Distribuição semântica dos dados para diabo Tabus linguísticos Metonímias, Metáforas, Eufemismos e Disfemismos belzebu demônio desgraça diabo lúcifer satanás anjo do mal anjo mau anticristo besta besta-fera bicho ruim capeta capiroto chifrudo coisa coisa ruim cramulhano criatura cruz-credo demo didi encardido enxofre imundo inimigo maligno mefítico príncipe dos céus rabudo sapirico satã satangoso sujo tibinga tinhoso troço Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 10 Para que uma determinada palavra (ou uma expressão, neste caso) seja sentida pelos falantes como um eufemismo ou como um disfemismo não depende da palavra em si, mas do contexto, do uso que se faça da palavra ou das intenções dos falantes. (Tradução nossa).

117 117 Como se pode observar, os termos metonímicos, metafóricos, eufêmicos e disfêmicos foram encontrados em um número infinitamente maior que os termos tabuísticos, o que confirma o fato de os nomes religiosos envolverem uma gama de superstições e temores por parte do falante. Para não pronunciar as denominações que trazem uma carga semântica considerada negativa ou maléfica, os informantes fazem diversas substituições, principalmente através de palavras que parecem soar menos impactantes Tabus linguísticos O item lexical belzebu é definido por Houaiss (2009) como uma divindade filisteia, considerada pelos hebreus, no Novo Testamento, como o principal dos espíritos infernais, acrescentando para o termo, ainda, alguns sinônimos, como: demônio-chefe, príncipe das trevas, demônio, satanás. O lexicógrafo afirma que a palavra começa a ser utilizada no século XV, derivando do latim eclesiástico beelzebub, bul, que foi adaptada do grego beelzeboúl, por sua vez tomado do termo hebraico ba'alzebul, que significa satanás. A mesma explicação é dada por Cunha (2010). Aulete (2013) diz que belzebu é um dos nomes de satanás, incluindo também como sinônimo os termos diabo e demônio. Houaiss (2009) e Aulete (2013) ainda acrescentam algumas variações fonéticas para belzebu, como: berzabu, berzabum, berzebu, brazabum, barzabu, barzabum. Sobre a etimologia da palavra, Ferreira (2009) apresenta apenas a origem hebraica baalzebuh, cujo significado seria deus das moscas. O autor ainda traz a informação de que, segundo o Novo Testamento, belzebu é o príncipe dos demônios, fazendo uma remissão para o verbete diabo, complementando com uma afirmação de Olavo Bilac, nas suas Conferências literárias (1917, p. 156): "As milícias de belzebu compõem-se, segundo os mais rigorosos demonologistas, de legiões, formadas cada uma de demônios." Ferreira traz as variações fonéticas para belzebu apresentadas por Houaiss (2009). Sobre o vocábulo demônio, Houaiss (2009) o define relacionando-o ao campo mitológico e religioso. O autor traz uma explicação referendada na mitologia e na religião. Para a primeira, demônio é definido como um espírito sobrenatural que, na crença grega, apresentava uma natureza entre a mortal e a divina, frequentemente inspirando ou aconselhando os humanos, definição que coincide com a de Aulete (2013), que, considerando também a mitologia define o termo como gênio bom ou mau que, segundo as crenças da Antiguidade, presidia o destino de cada homem; já a religião, segundo

118 118 Houaiss (2009), considera demônio cada uma das entidades sobrenaturais de natureza maléfica presentes na tradição judaico-cristã, acrescentando ainda que, na religião cristã, demônio é um anjo que se rebelou contra a autoridade divina, com uma legião de entidades malignas sob seu comando. O autor completa o verbete indicando que o termo tem o mesmo significado de diabo e lúcifer. Aulete (2013) acrescenta o significado de o espírito do mal. A palavra data do século XIII e sua etimologia advém do grego daimónion, ou, significando espírito do mal, demônio, diabo. Houaiss (2009) sugere que o leitor veja a sinonímia de diabo. Ferreira (2009) traz a mesma etimologia para o termo, acrescentando que, segundo as crenças da antiguidade e no politeísmo, o demônio era o gênio inspirador, bom ou mau, que presidia o caráter e o destino de cada indivíduo; já nas religiões judaicas e cristãs, ele é o anjo mau que, tendo-se rebelado contra Deus, foi precipitado no inferno e procura a perdição da humanidade, apresentando-o como gênio ou representação do mal. Também acrescenta a definição de que demônio é cada um dos anjos caídos ou gênios maléficos do inferno, sujeitos a lúcifer ou satanás. O autor ainda traz como sinônimo de demônio os termos: espírito maligno, espírito das trevas, Lúcifer, satanás, satã, diabo. Houaiss (2013) define a lexia desgraça como perda das boas graças de que se desfruta junto a alguém, podendo ser utilizado popularmente para designar pessoa ou coisa desajeitada, irritante, incômoda, digna de lástima. O autor indica o ano de 1559 para a expansão da palavra, trazendo a formação etimológica do vocábulo a partir do processo de composição através da junção do prefixo des + o substantivo graça. Ferreira (2009) e Aulete (2013) também indicam o processo de formação da palavra, com a acepção de má sorte, infortúnio. A lexia majoritária nas respostas dos informantes para a pergunta Se Deus está no céu, no inferno está...? foi diabo. O dicionário de Caldas Aulete (2013) registra a definição de diabo como espírito do mal, demônio, lúcifer, satã, satanás. Acrescenta ainda que para a religião cristã, ele é o anjo rebelde, expulso do céu e precipitado no inferno. Houaiss (2009) registra o termo com os mesmos significados e acrescenta outras informações, como estas: cada um dos anjos rebeldes e malditos como satanás; personificação do mal. Ferreira (2009) traz a definição de diabo como o chefe dos demônios, geralmente representado, na tradição popular, como um ser meio homem e meio cabra, de orelhas

119 119 pontudas, chifres, asas, braços, e com a ponta da cauda e as patas bifurcadas, acrescentando uma série de termos, muitos dos quais também foram encontrados no corpus do trabalho, como demônio, satanás, satã, lúcifer, anjo rebelde, belzebu, bruxo do inferno, dragão, espírito das trevas, espírito maligno, gênio das trevas, gênio do mal, pai da mentira, pai do mal, príncipe da treva, príncipe das trevas, príncipe do ar, príncipe dos demônios, serpente infernal, serpente maldita. Quanto à etimologia do termo, Houaiss (2009) apresenta-o como sendo proveniente do latim eclesiástico diabolus, i, que, por sua vez, foi empréstimo tomado pela língua da igreja ao grego diábolos, on "o que dá temor, o que desune, caluniador", datando a origem da palavra no século XIII. A variante lúcifer está inserida nos dicionários como uma forma de denominar o diabo. Todos os lexicógrafos consultados registram o termo com esta acepção. Houaiss (2009) data a palavra em 1258 e atribui a ela diversos significados, que são coincidentes com aqueles dados por Ferreira (2013) e Aulete (2013): o maior, ou o primeiro de todos os demônios; diabo; denominação do planeta Vênus como uma estrela matutina ou vespertina; aquele que carrega a luz, portador de luz. O termo Lúcifer é derivado do latim lucifer, eri "o planeta vênus quando precede o sol, estrela d'alva, dia, o chefe dos demônios. Os dicionaristas também remetem o leitor para a sinonímia de diabo. A unidade lexical satanás, utilizada pelos informantes para designar o diabo, também possui essa mesma acepção nos dicionários consultados que fazem remissão a esse verbete. Houaiss (2009) indica o século XIII como a primeira datação para a palavra satanás, cuja origem latina satanās, ae, deriva do hebreu, significando o que arma ciladas. Este lexicógrafo acrescenta ainda a expressão anjo rebelde, e Ferreira (2009) traz a acepção inimigo para o termo em questão. Segundo Cunha (2010), o termo satânico data de 1844, sendo uma adaptação do francês satanique, que teria dado origem também ao termo satanismo em Para a lexia satã, Houaiss (2009) e Ferreira (2009) também a registram com o significado de diabo e sugerem que o consulente verifique esse verbete. Houaiss (2009) ainda acrescenta outras denominações para o termo: o chefe dos anjos rebeldes, chefe dos demônios. Aulete (2013) só faz a referência ao item lexical satanás. A palavra data do século XV e provêm do latim satān, que, em hebraico, significa o que arma ciladas. Ferreira (2009) acrescenta outros sinônimos, como: o adversário, o acusador, o demônio. Segundo ele, na tradição judaica mais primitiva, Satã era um dos anjos de Jeová, advogado ou representante dos homens junto a este, e que posteriormente, sob a influência do problema

120 120 do mal e das soluções de tipo dualista dadas a esse problema, passou a significar o mau, o acusador, o tentador, o demônio. Esta explicação também é compartilhada pelo dicionário etimológico de Cunha (2010) Metonímias, Metáforas, Eufemismos e Disfemismos A forma lexical anjo do mal, utilizada para denominar o diabo, não está registrada nos dicionários consultados; entretanto, o termo anjo mau foi dicionarizado por Ferreira (2009), Aulete (2013) e Houaiss (2009). Nessas três obras, a expressão aparece como subentrada do verbete anjo, definida na acepção de diabo, demônio. Houaiss (2009) e Ferreira (2009) acrescentam uma remissão para o verbete diabo e Aulete (2013) indica outro item lexical como referência ao diabo formado a partir da palavra anjo, identificado também como anjo rebelde. Cunha (2010) traz a etimologia da palavra anjo como derivada do latim eclesiástico angelus, isto é, mensageiro entre Deus e os homens, ser espiritual, que, por sua vez, é proveniente do grego anggelos, ou mensageiro (de Deus), que traduz o hebraico malak. A utilização das formas anjo mau e anjo do mal para fazer referência ao diabo levam em consideração as crenças cristãs de que o diabo teria sido um anjo criado por Deus, que, querendo ser semelhante ao seu criador, rebelou-se contra ele, tornando-se seu principal inimigo e incitando os homens a praticarem maldades. Os termos anjo mau e anjo do mal representam formas disfêmicas para substituir a lexia diabo, expressando uma conotação negativa imposta pelo falante ao referente. O item lexical anticristo é definido por Houaiss (2009) como personagem misteriosa que, segundo o Apocalipse, deverá aparecer algum tempo, antes do fim do mundo, enchendo a terra de crime e impiedade, sendo, afinal, vencido por Cristo. O lexicógrafo ainda acrescenta outras acepções para anticristo ligadas ao campo religioso, como: símbolo das forças que negam a divindade de cristo; perseguidor de cristãos; falso cristo; falso profeta. Segundo o autor, a palavra remete ao século XIII, sendo derivada do latim tardio Antichristus. Ferreira (2009) e Aulete (2013) também associam o termo ao campo religioso com a seguinte definição: personagem que, segundo o livro do Apocalipse, antes do final dos tempos, virá ao mundo fazer a humanidade sofrer horrivelmente até ser, afinal, derrotado por Cristo, acrescentando as outras acepções elencadas por Houaiss (2009). Sobre a etimologia da palavra, Ferreira (2009) registra que

121 121 o termo é proveniente do grego tardio Antikhristos e Aulete (2013) descreve-o como sendo derivado do latim eclesiástico Antichristus e do grego Antichristos. A etimologia do nome, formado pelo prefixo anti, que denota ação contrária, oposição, indica que o termo é empregado para fazer referência ao diabo, tanto por este ser considerado inimigo de Cristo e, portanto, contrário aos princípios pregados por ele, quanto pelo fato de que se opõe às ações divinas de Cristo. A forma lexical anticristo também se constitui em uma forma disfêmica de substituição da lexia diabo, representando um contexto cultural associado aos princípios cristãos. As formas lexicais besta e besta-fera também foram utilizadas pelos informantes para designar o diabo. Aulete (2013) traz com subentrada do verbete besta o termo besta do Apocalipse, relacionando-o à religião e registrando seu significado como animal fantástico e terrível, que seria o símbolo do Anticristo. Ferreira (2009) registra besta com outras acepções, e, do mesmo modo, Houaiss (2009) apresenta o vocábulo besta como um animal irracional, quadrúpede, acrescentando o sentido figurado do termo: indivíduo grosseiro, desumano. A palavra tem sua origem no latim vulgar besta, utilizada, inicialmente, no século XII com o sentido de animal selvagem ou doméstico. Já bestafera, segundo Houaiss (2009), data de 1874, sendo seu significado atribuído pelo lexicógrafo como animal feroz, e, no sentido figurado, indivíduo mau, desumano, sanguinário. Aulete (2013) e Ferreira (2009) também trazem essas definições para o termo, este último acrescentando que a formação da palavra é composta pelos elementos lexicais besta + fera. O livro bíblico de Apocalipse descreve a besta como um animal feroz, que possui sete cabeças e dez chifres e sobre os seus chifres, dez diademas e sobre as suas cabeças um nome de blasfêmia. E eu pus-me sobre a areia do mar e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de blasfêmia. (APOCALIPSE, 13-1). A substituição do nome diabo pelo termo besta está fortemente atrelada às crenças cristãs, constituindo-se como recurso utilizado pelos falantes para não proferirem o termo tabu, no caso, diabo. O item lexical bicho ruim não se constitui verbete em Aulete (2013). Já Ferreira (2009) e Houaiss (2009) apresentam a lexia como subentrada para o verbete bicho e a

122 122 registram como um brasileirismo popular para diabo, remetendo o consulente para este termo. Aulete (2013), por sua vez, apesar de não trazer a variante bicho ruim como verbete, registra o termo bicho como um brasileirismo para diabo e satanás. Houaiss (2009) registra, para bicho, o significado de animal feroz, o que traria também uma associação com as características do diabo, intensificando-se ainda mais seu caráter negativo com a junção do adjetivo ruim, um traço de sua personalidade maligna. O termo bicho ruim também se constitui em um recurso disfêmico utilizado pelos falantes para evitar o uso da lexia tabu. Sobre a unidade lexical cão, Chevalier e Gheerbrant (2008), no Dicionário de símbolos, afirmam que não há mitologia alguma que não tenha associado o cão à morte, aos infernos, ao mundo subterrâneo, aos impérios invisíveis regidos pelas divindades ctonianas ou selênicas. Dentre outras acepções, Aulete (2013), Houaiss (2009) e Ferreira (2009) registram esse termo como um brasileirismo popular para diabo, remetendo o consulente para o verbete diabo e como linguagem figurada para indivíduo perverso. Cascudo (2012, p. 171), no dicionário do folclore brasileiro, registra que o termo cão, no seio do povo brasileiro, é utilizado sempre como sinônimo de demônio, satanás, diabo, lúcifer, belzebu, acrescentando que cachorro pertence ao vocabulário superior. A unidade lexical capeta é registrada por Aulete (2013), Houaiss (2009) e Ferreira (2009) como linguagem popular para diabo. Houaiss (2009) acrescenta que a etimologia da palavra capa + eta, provavelmente deve-se à tradicional figura do diabo vestido com uma capinha, considerando o ano de 1899 para a difusão do termo. Os lexicógrafos remetem o consulente para a sinonímia de diabo. Cunha (2010) traz, no verbete capeta, uma remissão para a entrada lexical capa e, nessa, além da designação como peça de vestuário usada sobre toda a outra roupa como proteção desde o século XII, estende o significado para capeta com o sentido de diabo, datando, do mesmo modo que Houaiss (2009), o ano de 1899 para a expansão do termo. A explicação do autor também coincide com a de Houaiss (2009), quando afirma que o nome se deve ao costume de se representar o diabo com uma pequena capa. A denominação capiroto é indicada por Aulete (2013), Houaiss (2009) e Ferreira (2009) como um brasileirismo popular para o diabo. Sobre a etimologia da lexia, Houaiss (2009) diz que possui uma origem obscura, podendo ser derivada de capirote, uma espécie de capuz pequeno utilizado no século XVII por meninos e donzelas. A utilização do termo fazendo referência ao diabo pode estar associado à ideia largamente difundida

123 123 pela literatura e cultura popular, em que o diabo aparece com uma vestimenta que traz um capuz como parte de sua capa. O vocábulo chifrudo é registrado por Aulete (2013) e Houaiss (2009) como sinonímia popular para diabo, dentre outras acepções. Ferreira (2009) não o registra com essa acepção. O uso do termo chifrudo para designar o diabo constitui-se em um recurso metonímico, substituindo-se a parte pelo todo, já que uma das características físicas mais marcantes da representação popular do diabo são os chifres. Houaiss (2009) acrescenta que o vocábulo data do século XX, sendo constituído pela composição do substantivo chifre + sufixo udo. A expressão coisa-ruim é registrada por Aulete (2013), Houaiss (2009) e Ferreira (2009) como linguagem popular para diabo. Ferreira (2009) indica o termo como uma variação de cousa-ruim, sendo originário do brasileirismo cabo-verdiano. Dentre as várias acepções que Houaiss (2009) traz para o vocábulo coisa, uma delas o designa como algo que não se quer ou que não se pode nomear, o que indica que a referência deste termo para nomear diabo constitui-se também em uma estratégia do falante para não pronunciar o nome amaldiçoado. Cramunhão foi utilizado como uma variante fônica de cramulhano, que é registrado por Aulete (2013) e Houaiss (2009) como sinônimo de diabo, sendo indicado pelos dicionaristas como uma lexia proveniente dos Açores; já em Ferreira (2009) o termo não constitui verbete. Quanto ao vocábulo criatura, os dicionaristas consultados não trazem este termo com o mesmo sentido empregado pelos informantes. A etimologia da palavra é apresentada por Houaiss (2009) como sendo proveniente do latim creatura, ae 'todo ser criado', derivada do verbo latino creare 'criar'. A definição gramatical do vocábulo como vocativo, quando não se quer nomear a pessoa com quem se fala, pode explicar o uso da palavra para nomear o diabo, considerando-se que este é um nome com uma carga semântica tabuística. Ainda que, normalmente, o termo cruz-credo seja utilizado como uma forma de manifestar rejeição ou invocação, ele foi designado por uma informante de Boa Vista como uma variante para substituir o item lexical diabo, como se pode ver no trecho da entrevista do ALiB:

124 124 INQ: No céu está Deus, no inferno está...? INF: O diabo. INQ: Fala todos os nomes dele que você souber. INF: Todos os nomes que eu sei? INQ: É. INF: O cão, o cruz-credo..., lúcifer..., tem o satanás..., tem vários nomes. (QSL, Informante 05, homem, faixa, nível de escolaridade universitária, Boa Vista - RO) Aulete (2013) registra o vocábulo definindo-o como expressão de susto, medo ou repugnância. Houaiss (2009) e Ferreira (2009) registram-no apenas como uma interjeição. Ao que parece, o informante utilizou a expressão associando-a ao que o diabo pode representar, também vendo nisso uma forma de afastar o ser maligno e de não proferir seu nome. Para o vocábulo demo, Houaiss (2009) e Aulete (2013) registram o termo como a forma reduzida de demônio, remetendo o consulente a verificar o verbete diabo. Ferreira (2009) indica o ano de 1210 como o início da expansão do termo, definindo-o como espírito maligno, demônio, diabo. A palavra advém do latim daemon, õnis, e do grego daimõn, onos, significando divindade, gênio, demônio, espécie de gênio tutelar. O lexicógrafo ainda indica ao leitor alguns livros bíblicos do Novo Testamento, como Mateus, Marcos e Lucas, sugerindo que se veja a sinonímia de diabo. A forma lexical didi não está dicionarizada nas obras lexicográficas utilizadas na pesquisa. Entretanto, no Dicionário informal 11, o termo foi encontrado com o significado de babuê da magia (bruxo do alto escalão da magia negra), ou seja, o item lexical didi, registrado por dois informantes (um da Região Sul e outro do Sudeste) para nomear o diabo, pode estar relacionado à crença de que esta entidade espiritual estaria ligada a atos de magia negra. Nenhum dos lexicógrafos consultados traz para o verbete encardido a referência ao nome diabo, mas as acepções de Houaiss (2009), datadas de 1858, como o que apresenta sinais de sujeira e pessoa de cuja honestidade se pode suspeitar, e de Ferreira (2009) como sujo, imundo, pouco honesto, levam ao entendimento de que a utilização do termo para nomear o diabo foi realizada através de um processo metafórico e disfêmico 11 Trata-se de um dicionário virtual, gratuito para a internet, em que os usuários apresentam as definições para os vocábulos. A consulta ao dicionário pode ser feita em < Acesso em: 10/06/2015.

125 125 para substituir a lexia tabu, considerando-se para isso que as características apresentadas pelos dicionaristas poderiam perfeitamente ser aplicadas ao diabo. Os lexicógrafos consultados trazem a lexia enxofre com outras acepções, sempre com o significado relacionado à sua constituição química. Uma das características desse elemento químico apresentada por Ferreira (2009) e Aulete (2013) pode explicar a associação que o informante fez entre diabo e enxofre. Eis a definição de Ferreira (2009, p. 771): Elemento de número atômico 16, não metálico, cristalino, amarelo, com odor característico. Aulete (2013) traz o registro de cheiro forte para o enxofre. A cultura popular propagou a ideia de que o diabo teria esse odor característico do enxofre, assim, metaforicamente, o termo enxofre foi utilizado para substituir o nome diabo. O item lexical estrela vermelha foi uma das formas documentadas como substituta de diabo. Os dicionários utilizados na pesquisa não registram a designação utilizada pelos informantes. Parece tratar-se de uma expressão metafórica, que toma como referência os significados do termo Lúcifer estrela da manhã e aquele que carrega a tocha. Desse modo, fez-se uma associação entre esses elementos para criar um termo que pudesse suavizar o teor negativo que envolve a nomeação do ser maligno. A unidade lexical imundo não é registrada pelos lexicógrafos com a acepção de diabo. Dentre outras definições, Houaiss (2009) informa que imundo é aquele que revolta a consciência, moralmente baixo, ignóbil, torpe; que não respeita as regras do decoro, da decência. Aulete (2013) também registra alguns sentidos figurados para o termo, como imoral, obsceno. A etimologia da palavra provém do latim immundus, a, um, significando 'sujo, impuro'. Ferreira (2009) acrescenta para a etimologia da palavra o significado de indecente e remete o consulente ao verbete impuro. Os dicionaristas trazem o verbete com outra acepção. Entretanto, pode-se inferir que o significado desse adjetivo, utilizado por alguns informantes para fazer referência ao ente maligno, deve-se a um processo de associação metafórica entre as características representadas pela palavra imundo e aquelas relacionadas ao diabo, evitando-se, desse modo, a utilização da lexia tabu. Outra designação apurada para nomear diabo foi o termo inimigo. A palavra constitui um verbete com outra acepção em Aulete (2013). Ferreira (2009) e Houaiss (2009), além de outros significados, o registram como sinônimo popular de diabo. Os demais registros semânticos feitos pelos lexicógrafos para o verbete ajudam a compreender a relação estabelecida pelos informantes. Houaiss (2009) informa que a palavra data entre os anos de 1188 a 1230, sendo proveniente do latim inimicus, a, um

126 126 "inimigo, hostil, contrário, e, do mesmo modo que Ferreira (2009) e Aulete (2013), acrescenta as seguintes atribuições: que se encontra em oposição, se mostra hostil; funesto, contrário, adverso; que milita em campo contrário. Houaiss (2009), Ferreira (2009) e Aulete (2013) registram a unidade lexical maligno como sendo substantivo sinônimo de diabo, sugerindo ao leitor a verificação desse verbete. A palavra maligno data do século XIV e, segundo Houaiss (2009), significa mau em sua natureza, influência ou efeito; mal-intencionado, malévolo, pernicioso; que prenuncia desgraça, funesto, fatal, sendo a sua etimologia proveniente do latim malignus,a,um, que tem má índole. A respeito do termo nefisto, utilizado por um informante de Macapá, os dicionários trazem o verbete mefítico como referente para o que cheira mal, que é pestilento, fétido (gases, vapores etc.), e mefistofélico como referente a ou próprio de Mefistófeles, personagem demoníaco presente em lendas medievais germânicas e retomado no Fausto, de Goethe (pacto mefistofélico), acrescentando ainda outros sinônimos para o termo, como: diabólico, satânico e que seria, portanto, antônimo de angelical, angélico. No sentido figurado, Houaiss (2009) registra mefítico com a acepção para o que é perverso, maldoso como Mefistófeles (comportamento mefistofélico), insidioso, maquiavélico, pérfido trazendo os adjetivos bom, bondoso como antônimos do termo. Ferreira (2009) acrescenta ainda para mefítico: que tem cheiro nocivo, podre, fétido, pestilento, diabólico, infernal. Cunha (2010) diz que a palavra mefítico deriva do baixo latim mephiticus, de mephitis is significando exalação pestilencial, trazendo o ano de 1813 para a datação do termo. Assim, a palavra nefisto constitui-se em uma variação fonética para o termo mefítico, um adjetivo criado a partir do mito de Mefistófeles, personagem satânica da Idade Média, conhecida como uma das encarnações do mal, sendo representado como um dos demônios mais cruéis e, muitas vezes, como sinônimo do diabo. A expressão príncipe dos céus não se constitui verbete em Houaiss (2009), Aulete (2013) e Ferreira (2009); entretanto, Houaiss (2009) apresenta como subentrada do verbete príncipe as expressões príncipe das trevas ou do ar como referência a demônio e príncipe dos demônios para substituir o termo diabo. Ferreira (2009) também registra como subentrada de príncipe os termos príncipe das trevas ou da treva, príncipe do ar e príncipe dos demônios, fazendo uma remissão para diabo. Dentre outras acepções apresentadas, os dicionaristas consultados registram o termo rabudo como brasileirismo informal para diabo, fazendo remissão para essa

127 127 palavra. Houaiss (2009) estabelece o ano de 1720 para o uso da lexia e, do mesmo modo que Ferreira (2009), traz a etimologia da palavra apresentando o processo de formação como uma composição através do substantivo rabo + sufixo udo. Os três lexicógrafos informam que, em São Paulo, a palavra é utilizada popularmente para designar o indivíduo que tem índole perversa, malvado, cruel. O termo sapirico foi utilizado por um informante de Natal. A palavra não se constitui verbete nos três dicionários pesquisados, mas, no livro intitulado Sarapatel: um pouco de sabedoria e humor do sertão nordestino (1978), de Francelino Piauí, o termo é indicado como uma sinonímia popular utilizada no Nordeste para se referir ao diabo. O item lexical satangoso não se encontra dicionarizada nas obras lexicográficas consultadas. O termo pode ser visto como uma variação para satanás, que é uma palavra tabuizada, e assume um caráter eufêmico, já que o informante evita pronunciar o nome que possui uma carga semântica negativa. Houaiss (2009) registra a origem do vocábulo sujo no século XIV, cuja etimologia advém do latim succidus, a, um. Além de outras acepções do verbete, o dicionarista traz para o termo o sentido figurado de moralmente condenável, desonesto e diz que a palavra é um brasileirismo popular para diabo, indicando que o consulente veja a sinonímia de diabo. Ferreira (2009) também traz várias acepções para o termo e algumas características como manchado, conspurcado, maculado e, do mesmo modo que Houaiss (2009), acrescenta que a palavra é um brasileirismo popular para diabo, fazendo remissão à sinonímia deste termo. Aulete (2013), além de indicar características ligadas ao sentido figurado do termo, como desonesto, desleal, indecoroso, obsceno, registra o item como um brasileirismo popular para diabo. As obras lexicográficas consultadas não registram o termo tibinga, documentado nos dados do Sudeste e Sul do Brasil, como uma das formas para designar o diabo. Entretanto, alguns dicionários eletrônicos, como o Dicionário Net e o Dicionar.org 12 fornecem o significado da lexia como sinônimo para diabo. A unidade lexical troço não é registrada por nenhum dos dicionaristas consultados com a acepção de diabo. A definição de Ferreira (2013) para o termo como uma gíria 12 Dicionários virtuais de palavras e termos da Língua Portuguesa, que podem ser consultados livremente através dos sites e Acesso em 10/06/2015.

128 128 brasileira empregada para coisa imprestável, traste velho, tralha ou qualquer objeto cujo nome não importa, ou não se sabe, ou não se quer declinar, pode explicar o processo metafórico empregado pelos informantes na utilização dessa palavra para nomear o diabo, representando também um recurso substitutivo para a forma linguística tabu. Houaiss (2009), Aulete (2013) e Ferreira (2009) registram, dentre outras acepções, o termo tinhoso como um adjetivo sinônimo de diabo. Houaiss (2009) e Ferreira (2009) sugerem que o leitor verifique os sinônimos de diabo. Segundo Houaiss (2009), a palavra tinhoso data do século XIII, sendo formada pela etimologia tinha + oso, ou seja, que provoca repugnância, nojento. O mesmo lexicógrafo registra o significado da palavra tinha como uma infecção na pele e seus anexos por fungos de diversos gêneros, e, no sentido figurado, registra-o como mácula, defeito, ou seja, existe uma associação metafórica entre as características do diabo e a tinha, o que o tornaria tinhoso. Ferreira (2009) exemplifica o uso do termo tinhoso como referência ao diabo utilizando um trecho do romance O sertanejo, de José de Alencar: "Nem haveria meio de persuadi-lo que ele, Aleixo, fora vencido duas vezes numa queda de corpo. Eram artes do tinhoso (ALENCAR, 1876, p. 85). Dentre outras acepções registradas, os dicionaristas indicam tinhoso como o que causa nojo, repulsa. Esse significado pode ter sido utilizado pelo informante por associarse à ideia popular que se faz do diabo. Os dados apurados sinalizam que o termo diabo constitui-se em uma lexia tabu, haja vista o número de substituições de ordem metafórica encontrada no corpus. Algumas unidades lexicais apuradas demonstram que os informantes, em algumas vezes, relutam em proferir a palavra considerada maldita, o que os leva a escolher outros termos considerados menos agressivos Aspectos mórficos das variantes As unidades lexicais de uma língua são constituídas por propriedades gramaticais que caracterizam o seu funcionamento nos diversos contextos comunicativos. No processo de criação e desenvolvimento do sistema lexical, os indivíduos utilizam palavras que são passíveis de diversas classificações quanto à estrutura gramatical. O nível lexical da língua é composto por termos que podem possuir estrutura gramatical variável ou invariável. Segundo Rio-Torto (2005), o estudo das unidades lexicais duma língua não pode fazer-se sem o suporte das regras gramaticais que as enformam e que norteiam a sua configuração e as suas condições de uso.

129 129 A constituição semântica e morfossintática de uma lexia pode envolver apenas um elemento lexical ou uma sequência de lexemas. Pottier (1974) formalizou a teoria de que lexia são unidades funcionais significativas de comportamento linguístico que assumem o papel central na distinção de partes do discurso. As lexias possuem formas e estruturas linguísticas distintas, podendo ser caracterizadas em lexias simples, compostas ou complexas. As lexias simples são caracterizadas como unidades monolexemáticas, ou seja, constituem-se de apenas um radical (com ou sem afixos). Segundo Silva (2006), esse grupo coincide com a noção de palavra simples e palavra derivada da gramática tradicional. As lexias compostas são unidades lexicais e/o gramaticais formadas pela combinação de lexias simples, ligadas pelo significado, o que corresponderia às palavras compostas da classificação gramatical. Essas unidades lexicais apresentam-se de forma aglutinada ou justaposta, sendo visível a relação de dependência semântica entre elas. As lexias complexas são constituídas por uma sequência de duas ou mais unidades lexicais, que podem ser simples ou compostas, além de diversos vocábulos gramaticais, caracterizando-se, portanto, como unidades polilexemáticas. Os traços funcionais e morfossintáticos das lexias utilizadas pelos informantes do Projeto ALiB para nomear o ser que está no inferno serão aqui observados por se entender que esses elementos envolvem informações linguísticas relevantes na formação e constituição dos itens lexicais. Do ponto de vista da estrutura morfossintática e léxico-semântica e, com base na proposta de classificação de Pottier (1974), os termos registrados como resposta para a questão 147 do QSL estão assim distribuídos: Lexias simples constituídas por substantivos, adjetivos ou adjetivos substantivados: anticristo, belzebu, besta, capeta, capiroto, cão, chifrudo, coisa, cramulhano, criatura, demo, demônio, desgraça, didi, diabo, encardido, enxofre, inimigo, lúcifer, maligno, mefítico, rabudo, sapirico, satã, satanás, satangoso, sujo, tibinga, tinhoso, troço. Lexias compostas constituídas por substantivos: besta-fera, cruz-credo. Lexias complexas constituídas por substantivos + adjetivos, substantivos + substantivos, substantivos + preposição + substantivos: anjo mau, anjo do mal, bicho feio, bicho ruim, coisa ruim, estrela vermelha, príncipe dos céus.

130 ANÁLISE GEOSSOCIOLINGUÍSTICA DOS DADOS A análise estatística foi realizada com um total de 506 dados lexicais, obtidos como respostas para a pergunta 147 do questionário semântico-lexical, os quais correspondem a um total de 39 formas lexicais diferentes. Na organização dos dados para a análise, dois critérios foram levados em conta: i) as variantes fônicas não foram consideradas, por se estar buscando apenas a variação lexical, reunindo-se formas como demonho/demônio, capioto/capiroto, lussuncer/lúcifer, nefisto/mefítico; ii) foram consideradas apenas as variantes que os próprios informantes indicam como sinônimos do termo diabo, desprezando-se um único caso em que o informante de Campo Grande categorizou diabo e demônio com significados diferentes Distribuição das variantes do ponto de vista diatópico A variante diabo foi a mais produtiva no corpus, aparecendo em todas as localidades pesquisadas. Apenas 34 dos 200 informantes não pronunciaram a lexia diabo para responder à questão 147, o que denota que o termo faz parte da norma geral do português do Brasil, sendo comum em todas as regiões pesquisadas. Todos os informantes responderam à questão, não havendo nenhuma abstenção e todas as respostas foram consideradas válidas. A Tabela 1 mostra todas as formas documentadas para a questão 147, que correspondem a 39 itens lexicais, com o total das ocorrências e os índices percentuais registrados em todas as capitais.

131 131 Tabela 2 Frequência das formas lexicais para diabo Itens Lexicais Nº de % ocorrências Diabo Satanás Capeta Demônio Cão 40 8 Lúcifer 23 4,5 Coisa ruim 18 3,5 Demo 8 1,5 Inimigo 8 1,5 Belzebu 4 0,8 Chifrudo 4 0,8 Satã 4 0,8 Besta 3 0,6 Bicho ruim 3 0,6 Capiroto 3 0,6 Cramulhano 3 0,6 Anjo mau 2 0,4 Anticristo 2 0,4 Besta-fera 2 0,4 Didi 2 0,4 Encardido 2 0,4 Sujo 2 0,4 Tibinga 2 0,4 Tinhoso 2 0,4 Troço 2 0,4 Anjo do mal 1 0,2 Coisa 1 0,2 Criatura 1 0,2 Cruz-credo 1 0,2 Desgraça 1 0,2 Estrela vermelha 1 0,2 Enxofre 1 0,2 Maligno 1 0,2 Mefítico 1 0,2 Príncipe dos céus 1 0,2 Rabudo 1 0,2 Sapirico 1 0,2 Satangoso 1 0,2 Total Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria A análise estatística das ocorrências indica a lexia diabo como a resposta com a maior frequência no corpus, perfazendo um total de 33% dos dados, seguida de outras

132 Centenas 132 variantes, a saber: satanás (15%), capeta (12%), demônio (10%), cão (8%) e lúcifer (4,5%). As denominações que obtiveram percentual inferior a 4% das ocorrências foram: coisa ruim (dezoito ocorrências), inimigo e demo (oito ocorrências), belzebu, chifrudo e satã (quatro ocorrências), besta, bicho ruim, capiroto e cramulhano (três ocorrências), anjo mau, anticristo, besta-fera, didi, encardido, sujo, tibinga, tinhoso e troço (duas ocorrências), além de catorze variantes que tiveram ocorrências únicas (anjo do mal, bicho feio, coisa, criatura, cruz-credo, enxofre, estrela vermelha, desgraça, maligno, mefítico, príncipe dos céus, rabudo, sapirico, satangoso). O Gráfico 1 traz um resumo da Tabela 1, evidenciando as variantes que ocorreram mais de dez vezes, o que demonstra a alta produtividade da variante diabo em comparação com as outras formas lexicais do corpus. Gráfico 1 Designações para diabo nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 33% 15% 12% 10% 8% 4,5% 3,5% diabo satanás capeta demônio cão lúcifer coisa ruim 14% outras lexias Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria A lexia diabo, além de registrar o maior percentual no número geral das ocorrências, com 166 respostas em um total de 506 dados, conforme se pôde observar na Tabela 1, também foi documentada em todas as capitais pesquisadas. A Tabela 3, posta à frente, mostra à distribuição das localidades em que as variantes ocorrem, demonstrando-se a presença das variantes para diabo nas capitais do Brasil em valores absolutos e percentuais.

133 133 Tabela 3 Frequência das formas lexicais para diabo por número de capitais Itens lexicais Nº de capitais % Diabo Demônio Capeta Satanás Cão Coisa ruim Lúcifer Inimigo Demo Chifrudo Satã Belzebu Besta Capiroto Anjo mau Anticristo Besta-fera Bicho ruim Cramulhano Didi Encardido Sujo Tibinga Tinhoso Troço Anjo do mal Bicho feio Bicho ruim Coisa Criatura Cruz-credo Desgraça Enxofre Estrela vermelha Maligno Mefítico Príncipe dos céus Rabudo Sapirico Satangoso Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria A Tabela 3 demonstra que a lexia diabo está presente nas 25 localidades da pesquisa, ou seja, em 100% das capitais que fazem parte do estudo, correspondendo, portanto, à norma lexical de todas as áreas geográficas da pesquisa. A variante demônio só não foi registrada em Aracaju e no Rio de Janeiro, perfazendo um total de 96% de frequência no estudo. A lexia satanás não foi registrada em Belém, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. A variante capeta não foi registrada nas cidades de Natal, Rio

134 134 de Janeiro e Porto Alegre. A variante cão ocorreu em 14 capitais, 13 delas pertencentes às Regiões Nordeste e Norte e uma na Região Sudeste; ou seja, não houve a presença dessa variante em nenhuma capital do Sul e Centro-Oeste. A variante coisa ruim foi registrada em 14 capitais, e lúcifer esteve presente em 13 cidades brasileiras. As outras tiveram presença em menos de 50% das localidades. Em todas as capitais pesquisadas, houve a ocorrência de diversas variantes para o termo buscado na questão 147, registrando-se mais de cinco variantes em cada cidade. As variantes que tiveram ocorrência única estão presentes em 10 localidades e foram as seguintes: cruz-credo (Boa Vista), bicho feio, mefítico e rabudo (Macapá), sapirico (Natal), príncipe dos céus (São Luís), desgraça (Teresina), enxofre (Maceió), criatura (Salvador), estrela vermelha (São Paulo), satangoso (Belo Horizonte), maligno, coisa e anjo do mal (Goiânia). O Gráfico 2 foi elaborado com base na Tabela 3 e mostra as lexias que foram registradas em até 10 capitais brasileiras.

135 135 Gráfico 2 Presença das variantes para diabo nas capitais do Brasil 25% 20% % % 5% 0% Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O Gráfico 2 mostra que diabo está presente em todas as capitais pesquisadas. As variantes demônio, capeta e satanás também estão presentes na maioria das cidades, possuindo uma ampla distribuição diatópica, o que pode demonstrar sua representatividade linguística em todo o Brasil. O Quadro 9 apresenta as variantes obtidas para nomear a lexia diabo e o respectivo valor absoluto de cada unidade lexical no conjunto das seis capitais do Norte.

136 136 Quadro 9 Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Norte Variantes Macapá Porto Velho Capitais da Região Norte Manaus Belém Rio Branco Boa Vista Diabo Satanás Demônio Cão Capeta Lúcifer Coisa ruim Inimigo Demo Belzebu Besta Capiroto Satã Tinhoso Anticristo 1 1 Bicho feio 1 1 Chifrudo 1 1 Cruz-credo 1 1 Mefítico 1 1 Rabudo 1 1 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Total Foram catalogadas 19 designações para o referente em destaque na Região Norte. A variante diabo foi registrada em todas as capitais com um índice alto de ocorrências, não sendo pronunciada por apenas um dos informantes das capitais Belém, Boa Vista, Macapá e Rio Branco e dois informantes de Porto Velho. A variante satanás obteve a segunda maior produtividade no Norte, embora não tenha sido registrada em Belém. As lexias demônio, cão e capeta foram documentadas em todas as capitais da Região Norte. O item lexical inimigo foi documentado em quatro capitais: Belém, Boa Vista, Macapá e Porto Velho. A variante coisa ruim, embora com baixa produtividade, foi registrada em três das seis capitais: Manaus, Porto Velho e Rio Branco. A lexia lúcifer só não foi documentada em Macapá e Rio Branco. As variantes demo, tinhoso, satã, belzebu e besta foram documentadas em somente duas capitais: demo e besta em Macapá e Porto Velho; tinhoso em Macapá e Manaus, satã em Boa Vista e Porto Velho e belzebu em Macapá e Manaus. Seis variantes tiveram ocorrência única: chifrudo e cruz-credo (documentadas apenas em Boa Vista), anticristo, bicho feio e mefítico (registradas somente em Macapá). O Quadro 10 mostra a produtividade das variantes para diabo no conjunto das capitais da Região Nordeste.

137 137 Quadro 10 Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Nordeste Capitais da Região Nordeste Variantes SL TER FOR NAT JP REC MAC ARA SSA Diabo Satanás Cão Demônio Capeta Lúcifer Coisa ruim Demo Chifrudo Encardido Inimigo Sujo Belzebu 1 1 Anjo mau 1 1 Anticristo 1 1 Besta-fera 1 1 Bicho ruim 1 1 Capiroto 1 1 Cramulhano 1 1 Criatura 1 1 Desgraça 1 1 Enxofre 1 1 Príncipe dos 1 1 céus Sapirico 1 1 Satã 1 1 Troço 1 1 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Total O conjunto dos dados documentou 26 designações para o referente pesquisado na Região Nordeste. A variante diabo foi registrada em todas as capitais com um índice alto de ocorrências, sendo pronunciada por todos os informantes de Aracaju, Salvador, São Luís e Recife. A variante satanás também foi bastante produtiva no Nordeste, ocorrendo em todas as capitais da Região. A lexia demônio só não foi registrada em Aracaju e a variante capeta não foi registrada apenas em Natal. A variante cão não foi documentada em duas capitais: Salvador e Recife. A variante coisa ruim foi registrada em seis capitais: Aracaju, João Pessoa, Salvador, São Luís, Maceió e Fortaleza. A lexia lúcifer, ainda que tenha tido baixa produtividade, foi documentada em seis capitais: Aracaju, Natal, Recife, Maceió, João Pessoa e Fortaleza. As variantes sujo, chifrudo, encardido e inimigo foram documentadas em duas capitais: a primeira, em Aracaju e Maceió; a segunda, em Aracaju e São Luís; a terceira, em Aracaju e Natal; a quarta, em Maceió e Recife. Catorze variantes

138 138 tiveram ocorrências únicas. São elas: anjo mau e príncipe dos céus (São Luís), anticristo, besta-fera, capiroto e desgraça (Teresina), belzebu e sapirico (Natal), bicho ruim (Fortaleza), cramulhano (Aracaju), criatura (Salvador), enxofre e troço (Maceió), satã (João Pessoa). O Quadro 11 mostra a produtividade das variantes para diabo no conjunto das capitais da Região Sudeste. Quadro 11 Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Sudeste Capitais da Região Sudeste Variantes Belo Rio de Total São Paulo Vitória Horizonte Janeiro Diabo Capeta Demônio Satanás Coisa ruim Bicho ruim 2 2 Lúcifer Besta 1 1 Cão 1 1 Chifrudo 1 1 Demo 1 1 Didi 1 1 Estrela vermelha 1 1 Inimigo 1 1 Satangoso 1 1 Tibinga 1 1 Troço 1 1 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados da Região Sudeste documentaram 17 designações para o item lexical pesquisado. A variante diabo foi registrada em todas as capitais com alto índice de ocorrência nas quatro cidades. A variante capeta obteve a segunda maior produtividade no Sudeste, apesar de não ter sido documentada no Rio de Janeiro, cujos informantes mostraram-se bastante conservadores quanto ao uso das variantes, fazendo apenas o registro da lexia diabo. A forma lexical demônio foi documentada em três capitais, porém obteve apenas uma ocorrência em Vitória. A variante satanás foi registrada em São Paulo e Vitória. As lexias coisa ruim e lúcifer foram documentadas em Belo Horizonte e São Paulo, porém com baixa ocorrência nas duas capitais. Bicho ruim foi registrada somente em Vitória. Dez variantes tiveram ocorrências únicas. São elas: inimigo, estrela vermelha, didi, besta e tibinga, documentadas apenas em São Paulo; troço e demo, registradas

139 139 apenas em Vitória; satangoso, chifrudo e cão com ocorrência somente em Belo Horizonte. O Quadro 12 mostra a produtividade das variantes para diabo no conjunto das capitais da Região Sul. Quadro 12 Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Sul Capitais da Região Sul Variantes Curitiba Florianópolis Porto Alegre Total Diabo Demônio Satanás Capeta Coisa ruim Cramulhano 2 2 Anjo mau 1 1 Demo 1 1 Didi 1 1 Satã 1 1 Tibinga 1 1 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados da Região Sul registraram 11 designações para referente pesquisado. A variante diabo foi registrada em todas as capitais da Região com alto índice de ocorrência nas três cidades. A variante demônio também foi documentada nas três capitais, mas apresentou um baixo índice de produtividade, obtendo apenas três ocorrências em Florianópolis e somente um registro em Curitiba e outro em Porto Alegre. As lexias satanás, capeta e coisa ruim foram documentadas em duas capitais: Curitiba e Florianópolis. Cinco variantes tiveram ocorrências únicas: satã, anjo mau e demo foram documentadas apenas em Curitiba; didi e tibinga foram registradas apenas em Florianópolis. O Quadro 13 mostra a produtividade das variantes para diabo no conjunto das capitais da Região Centro-Oeste.

140 140 Quadro 13 Produtividade das variantes para diabo nas capitais da Região Centro-Oeste Variantes Capitais da Região Centro-Oeste Cuiabá Campo Grande Goiânia Total Diabo Capeta Demônio Satanás Anjo do mal 1 1 Belzebu 1 1 Besta-fera 1 1 Coisa 1 1 Coisa ruim 1 1 Inimigo 1 1 Lúcifer 1 1 Maligno 1 1 Fonte: Banco de dados do Projeto AliB. Autoria própria Os dados da Região Centro-Oeste documentaram 13 designações para o item lexical pesquisado. A variante diabo foi registrada em todas as capitais, tendo baixo índice de ocorrência apenas em Goiânia. A variante capeta obteve a segunda maior produtividade no Centro-Oeste. A lexia demônio foi documentada em todas as capitais, porém apresentou apenas uma ocorrência em Campo Grande e Cuiabá. A variante satanás foi registrada em todas as cidades. Oito variantes tiveram ocorrências únicas. São elas: belzebu, besta-fera e coisa ruim, documentadas apenas em Cuiabá; lúcifer, inimigo, anjo do mal, coisa e maligno, registradas apenas em Goiânia. O Gráfico 3 demonstra o índice percentual das cinco designações mais produtivas no conjunto dos dados das capitais das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro- Oeste.

141 141 Gráfico 3 Distribuição diatópica das variantes para diabo nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTE diabo satanás demônio capeta cão Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O Gráfico 3 mostra que a variante diabo foi a mais produtiva em todas as regiões pesquisadas, obtendo o índice mais alto na Região Sul, com um percentual de 46% dos dados. A Região Sudeste foi responsável pela segunda maior produtividade da variante, com um percentual de 36%, seguida da Região Centro-Oeste, que apresentou um número bem próximo, 35% dos dados das capitais. Na Região Norte, o índice atingiu 33%, ao passo que a Região Nordeste foi a que apresentou o menor percentual para a variante, com um total de 28% das respostas. A segunda variante mais produtiva no Nordeste, no Norte e no Sul foi satanás, perfazendo um total de 20% na primeira região, 15% na segunda e 11% na terceira. Na Região Centro-Oeste, essa variante apresentou um percentual de 9%. Na Região Sudeste, a lexia apresentou o índice mais baixo de produtividade, assumindo a quarta posição, com um percentual de 7%. A variante demônio foi a terceira mais produtiva nas Regiões Norte e Centro- Oeste, com um valor percentual de 11% no Norte, e 13% no Centro-Oeste. No Sul, a lexia representou 10% das ocorrências. Nas Regiões Nordeste e Sudeste, essa variante apresentou índices mais baixos, com um valor percentual de apenas 9% dos dados. A variante capeta obteve altos índices de ocorrências na Região Centro-Oeste e Sudeste, sendo a segunda variante mais produtiva nas capitais dessas duas regiões, com um valor percentual de 26% para a primeira e 24% para a segunda. Nas Regiões Norte,

142 142 Sul e Nordeste, os índices percentuais foram bem menores: 9% nas duas primeiras regiões e 8% na terceira. A variante cão demonstrou uma maior representatividade nas capitais do Nordeste, perfazendo um índice percentual de 13%, o que a colocou como a terceira variante mais produtiva nessa Região. Nas capitais das Regiões Norte e Sudeste, a variante obteve um índice percentual bem menor, totalizando 9% no Norte e apenas 1% no Sudeste. Nas Regiões Sul e Centro-Oeste, não houve nenhum registro da variante nos dados coletados pelo Projeto ALiB. Devido à sua alta produtividade no Nordeste, o Gráfico 4 mostra a distribuição diatópica da lexia cão nas capitais dessa Região. Gráfico 4 Distribuição diatópica da variante cão nas capitais da Região Nordeste 100% TERESINA 90% SÃO LUÍS 80% FORTALEZA 70% MACEIÓ NATAL 60% JOÃO PESSOA 50% ARACAJU 40% RECIFE 30% SALVADOR 20% % 4 0% Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados apresentados no Gráfico 4 evidenciam que, das nove capitais do Nordeste, a variante cão ocorreu em sete delas, sendo que o maior percentual de ocorrência para esta variante foi registrado nas cidades de Teresina e São Luís, com um índice de 25% naquela e 21% nesta última. Fortaleza e Maceió alcançaram o índice de 14% cada uma; Natal e João Pessoa registraram 11%. Em Aracaju, o percentual foi de 4%. Nas cidades de Recife e Salvador, não foi registrada nenhuma ocorrência da variante. A proximidade entre a capital do Piauí e a capital do Maranhão pode explicar o uso majoritário da lexia cão nestas duas cidades, já que a tendência de haver uma interpenetração entre as normas linguísticas utilizadas pelos falantes das duas capitais é maior.

143 143 Enquanto a forma lexical cão obteve o maior percentual de ocorrências nas capitais do Nordeste, a lexia capeta demonstrou uma maior representatividade nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste. Assim, foram elaborados dois gráficos especificando a distribuição diatópica da lexia nas capitais dessas regiões. Gráfico 5 Distribuição diatópica da variante capeta nas capitais da Região Centro-Oeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% CUIABÁ GOIÂNIA CAMPO GRANDE 21 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria A variante capeta obteve um índice alto de produtividade em todas as capitais da Região Centro-Oeste, ficando apenas uma posição após a variante diabo, perfazendo um percentual de 43% em Cuiabá, 36% em Goiânia e 21% em Campo Grande. O Gráfico 6 mostra a distribuição geográfica do item lexical capeta nas capitais da Região Sudeste.

144 144 Gráfico 6 Distribuição diatópica da variante capeta nas capitais da Região Sudeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% BELO HORIZONTE VITÓRIA SÃO PAULO RIO DE JANEIRO 0 Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria A variante capeta alcançou uma produtividade significativa na Região Sudeste, exceto no Rio de Janeiro, única capital do Brasil em que foi registrada apenas a variante diabo para a pergunta 147 do QSL. Nas outras capitais do Sudeste, a lexia capeta mostrou-se bastante presente no vocabulário dos informantes. Em Belo Horizonte, ela foi citada por todos os entrevistados, perfazendo um percentual de 44% dos dados da Região; em Vitória, obteve as mesmas realizações que a variante diabo, com um total de 33% das respostas e em São Paulo, seu registro ficou apenas uma posição depois da lexia diabo, o que representa 22% dos dados da variante na Região Sudeste. A seguir, apresentam-se seis cartas linguísticas produzidas com o intuito de mostrar a distribuição diatópica dos termos documentados para a lexia diabo. A primeira carta registra a representação geográfica das sete variantes mais produtivas para a lexia em todas as capitais analisadas. Logo após a carta geral, a primeira, apresentam-se as cinco cartas linguísticas regionais referentes às capitais do Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil. Nelas, estão registradas as denominações menos frequentes para o referente diabo.

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151 Distribuição das variantes do ponto de vista sociolinguístico Do ponto de vista social, observou-se a relação estabelecida entre as variáveis extralinguísticas escolaridade, faixa etária e sexo e as seis variantes mais produtivas no corpus: diabo, satanás, capeta, demônio, cão e lúcifer A lexia diabo e as variáveis sociais Para a análise sociolinguística, levaram-se em consideração os dados gerais das lexias apresentados pelas cinco regiões e também a distribuição das ocorrências das variantes em cada região, separadamente, em consonância com os fatores extralinguísticos selecionados para a pesquisa Escolaridade No que concerne à variável social escolaridade do informante, o registro geral dos dados coletados nas cinco regiões brasileiras mostrou um leve aumento do uso da lexia diabo nas respostas dos informantes com nível de escolaridade universitária. Os números específicos de cada região revelam que apenas nas capitais da Região Centro- Oeste houve um uso mais efetivo da lexia diabo pelos falantes que possuem nível de escolaridade fundamental. O Gráfico 7 registra a distribuição percentual do item lexical diabo de acordo com o nível de escolaridade do informante nas capitais brasileiras. Gráfico 7 Ocorrências da lexia diabo por nível de escolaridade nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 54% 46% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Nível Fundamental Nível Universitário Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria

152 152 O Gráfico 7 evidencia que 46% dos informantes que pronunciaram o item lexical diabo possuem o nível fundamental de ensino, e 54% deles possuem o nível universitário, havendo, portanto, apenas um leve aumento no uso da lexia pelos informantes com maior grau de escolarização. Com vistas a observar o papel da variável social escolaridade nas cinco regiões estudadas, os dados foram registrados, separadamente, no Gráfico 8. Gráfico 8 Ocorrências da lexia diabo por nível de escolaridade nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 42% 58% 52% 56% 52% 48% 44% 48% Nível Fundamental Nivel Universitário 52% 48% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os números indicam que, na Região Norte, houve uma proeminência da lexia diabo no registro da fala dos indivíduos que possuem o nível universitário de ensino, com um percentual de 58%, enquanto que, entre os falantes com nível de escolaridade fundamental, o índice percentual foi de apenas 42%, o que atribui a essa variante um valor diastrático significativo na Região Norte. Os dados da Região Nordeste e Sul acompanham os índices gerais, apresentados no Gráfico 7, no que se refere aos percentuais de registro do item lexical diabo pelos falantes dos dois níveis de escolaridade. A diferença no uso do termo revelou-se bastante pequena entre os indivíduos com nível universitário, com taxa de 52%, e os informantes que possuem o nível fundamental de ensino, que foram responsáveis por 48% dos dados. Os números apresentados pelas capitais do Nordeste e do Sul do Brasil revelam que, diferentemente da Região Norte, a distribuição diastrática da lexia está bastante equilibrada.

153 153 Na Região Sudeste, houve uma predominância da lexia diabo no registro da fala dos indivíduos que possuem o nível universitário de ensino, com um percentual de 56%. Entre os falantes com o nível de escolaridade fundamental, o índice percentual foi de 44%, o que confere a essa lexia uma marca social importante na Região Sudeste. No que concerne à Região Centro-Oeste, houve apenas uma leve diferença no uso do termo entre os indivíduos com nível universitário responsáveis por 48% dos registros e os informantes que possuem o nível fundamental de ensino responsáveis por um total de 52% dos dados. Os números apresentados pelas capitais do Centro-Oeste revelam que, apesar de a distribuição diastrática da lexia não se mostrar tão significativa, esta foi a única região brasileira em que houve um leve aumento do percentual de uso da variante diabo pelos indivíduos que possuem nível de escolaridade fundamental. No que se refere ao uso da lexia diabo associado à variável social escolaridade, o Centro-Oeste difere, portanto, dos dados registrados no Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do país Faixa etária A variável social faixa etária mostrou-se um elemento importante em todas as regiões brasileiras e revelou um percentual maior de registro do termo diabo entre os falantes mais jovens. Apenas nos dados do Nordeste do Brasil houve uma equivalência entre os indivíduos da faixa etária I e II no uso da lexia. Os dados gerais das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, indicam que houve uma diferença na escolha da lexia entre os falantes mais velhos e mais jovens, conforme se pode ver no Gráfico 9.

154 154 Gráfico 9 Ocorrências da lexia diabo por faixa etária nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 54% 50% 46% 40% 30% 20% 10% 0% Faixa I Faixa II Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O Gráfico 9 indica que houve uma proeminência da lexia diabo no registro da fala dos indivíduos mais jovens, com um percentual de 54%, ao passo que, entre os falantes mais velhos, o índice percentual foi de 46%. A variação diageracional encabeçada pela forma lexical diabo, nas cinco regiões pesquisadas, atesta que o registro do termo foi maior na fala dos informantes mais jovens em quase todas as regiões do Brasil, exceto no Nordeste, onde esse uso foi equiparado como se pode observar no Gráfico 10. Gráfico 10 Ocorrências da lexia diabo por faixa etária nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 57% 42% 50% 50% 52% 48% Faixa etária I Faixa etária II 57% 58% 43% 42% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria

155 155 Os dados da Região Norte confirmam o que se mostrou nos dados gerais da variável faixa etária (Gráfico 9), evidenciando uma proeminência da lexia diabo no registro da fala dos indivíduos mais jovens, com um percentual de 57%. Entre os falantes mais velhos, o índice percentual foi de apenas 42% dos dados coletados. Os registros de fala da Região Nordeste, diferentemente da Região Norte, mostraram-se igualitários entre os informantes mais jovens e mais velhos quanto ao uso do item lexical diabo. Os percentuais indicaram 50% dos registros para a faixa I e 50% para a faixa II. Os dados da Região Sudeste mostraram-se bastante próximos entre os informantes mais jovens e mais velhos quanto ao uso da lexia diabo, apresentando apenas um leve aumento no percentual do registro do termo nas respostas dos indivíduos mais jovens. Os percentuais indicaram 52% dos registros para a faixa I e 48% para a faixa II. A Região Sul apresenta uma predominância da forma lexical diabo no registro da fala dos indivíduos mais jovens, com um percentual de 57% dos dados. Entre os falantes mais velhos, o índice percentual foi de 43% para o uso da lexia. A variação etária nas capitais da Região Sul mostrou-se significativa para o uso do termo diabo. No que diz respeito ao fator idade, a unidade lexical diabo destacou-se na Região Centro-Oeste por sua expressiva ocorrência na fala dos informantes da primeira faixa etária. Os dados demonstram a significativa ocorrência de diabo no vocabulário dos mais jovens (58%) e a menor incidência entre os mais velhos (42%), apontando para uma importante marca diageracional, semelhante ao que aconteceu nas Regiões Norte e Sul Sexo A variável social sexo do informante não se mostrou representativa no que se refere ao uso do termo diabo. Os dados revelaram um equilíbrio no registro da lexia entre os homens e as mulheres das capitais do Brasil. O Gráfico 11 representa os dados do item lexical diabo nas cinco regiões do Brasil correlacionados à variável sexo.

156 156 Gráfico 11 Ocorrências da lexia diabo por sexo nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 51% Masculino 49% Feminino Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados do Gráfico 11 mostram que a diferença no uso do termo revelou-se pequena entre os indivíduos do sexo masculino, que obtiveram 51% dos registros e os informantes do sexo feminino, que perfizeram um total de 49% dos dados. Os números apresentados pelas capitais do Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste demonstram que a distribuição diassexual da lexia está equilibrada. A seguir, apresentam-se os dados das cinco regiões, separadamente, no que tange ao registro da forma lexical diabo associado ao sexo do informante. Gráfico 12 Ocorrências da lexia diabo por sexo nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 50% 50% 53% 52% 52% 47% 48% 48% Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Masculino Feminino 53% 47% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Na Região Norte, a variável sexo do informante não se mostrou significativa para a lexia diabo, havendo uma equiparação de valores entre os usos dos homens e das

157 157 mulheres. Conforme se pode observar no Gráfico 12, os dados foram distribuídos igualitariamente entre os informantes dos dois sexos. Na Região Nordeste, o registro da unidade lexical diabo obteve apenas um leve aumento na fala dos informantes do sexo masculino, que contabilizaram 53% dos dados, enquanto que, entre as mulheres, o percentual da variante foi de apenas 47% das ocorrências. Na Região Sudeste, o registro da unidade lexical diabo não representou uma variação diassexual importante, havendo apenas um aumento discreto de ocorrências na fala dos informantes do sexo masculino, que contabilizaram 52% dos dados. Entre as mulheres, o percentual da variante foi de 48% das ocorrências. Os dados da Região Sul aproximam-se bastante dos que se apresentaram nas Regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. O registro da unidade lexical diabo não mostrou uma diferença tão significativa entre homens e mulheres, havendo apenas uma leve predominância de ocorrência da variante na fala dos informantes do sexo masculino, que contabilizaram 52% dos dados, ao passo que, entre as mulheres, o percentual da variante foi de 48% das ocorrências. Os dados relativos à Região Centro-Oeste demonstram uma leve diferenciação entre o registro da lexia diabo no vocabulário dos homens e das mulheres, havendo uma pequena proeminência do uso deste item lexical no repertório linguístico dos informantes do sexo feminino, que perfizeram 53% dos dados, enquanto os indivíduos do sexo masculino foram responsáveis por 47% das ocorrências. No que concerne à variação diassexual apresentada pela lexia diabo nas cinco regiões brasileiras, o Centro-Oeste, mais uma vez, mostrou-se como uma região diferenciada linguisticamente, sendo a única em que houve um pequeno aumento do registro da unidade lexical diabo na fala das mulheres. Nas Regiões Norte, Sudeste e Sul o número maior de ocorrências esteve presente no vocabulário dos homens. No Nordeste, houve uma equiparação de valores entre sexo feminino e masculino A lexia satanás e as variáveis sociais Escolaridade A variável social escolaridade dos informantes não se mostrou tão significativa no que concerne ao registro geral da lexia satanás, havendo apenas um leve aumento no

158 158 registro do termo na fala dos indivíduos com nível de escolaridade universitária. O Gráfico 13 apresenta a variação diastrática constituída pela unidade lexical satanás. Gráfico 13 Ocorrências da lexia satanás por nível de escolaridade nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 47% Nível Fundamental 53% Nível Universitário Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados do Gráfico 13 mostram que o uso do termo satanás revelou-se bastante equilibrado entre os informantes com nível fundamental de ensino, que registraram 47% das ocorrências da lexia, e os informantes com escolaridade universitária, que foram responsáveis por um total de 53% dos dados. Entretanto, a análise das ocorrências por região registrou diferenças geográficas bastante significativas para a variante satanás do ponto de vista da variável social escolaridade, conforme se pode observar no Gráfico 14.

159 159 Gráfico 14 Ocorrências da lexia satanás por nível de escolaridade nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 61% 39% 60% 60% 60% 40% 40% 40% Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Nível Fundamental Nível Universitário 80% 20% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Na Região Norte, o nível de escolaridade mostrou-se uma variável importante, havendo uma diferença proeminente entre o registro da lexia satanás pelos informantes que possuem nível de escolaridade universitária e pelos que têm nível de escolaridade fundamental: para estes, o percentual foi de 61% dos dados; já para aqueles, as taxas foram de apenas 39% das ocorrências. Na Região Nordeste, Sudeste e Sul os dados mostraram-se contrários ao que foi apresentado sobre a Região Norte. Os números registraram que o uso da variante foi mais produtivo entre os informantes de nível universitário, que perfizeram 60% dos dados. Entre os indivíduos de escolaridade fundamental, foi registrada uma taxa de 40% de ocorrências da variante. A Região Centro-Oeste apresentou uma diferença diastrática importante no que concerne ao registro da lexia satanás e, diferentemente do que se registrou nas Regiões Nordeste, Sudeste e Sul, os informantes de nível fundamental foram os responsáveis majoritários pelo uso da lexia, registrando 80% dos dados, ao passo que os indivíduos que possuem escolaridade universitária sinalizaram apenas 20% das ocorrências. Os resultados apresentados pelas capitais da Região Centro-Oeste do Brasil no que concerne ao uso da unidade lexical satanás relacionado ao nível de escolaridade do informante ficaram mais próximos do que foi registrado na Região Norte; entretanto, o Centro-Oeste destacou-se pelos altos percentuais da lexia computados no vocabulário dos informantes com escolaridade fundamental.

160 Faixa etária Com relação à análise sociolinguística do termo satanás, uma variável que se mostrou bastante produtiva foi a faixa etária. A lexia se destacou por sua expressiva ocorrência na fala dos informantes mais velhos, o que representou uma marca diageracional importante em todas as regiões do Brasil. O Gráfico 15 ilustra as ocorrências da unidade lexical satanás de acordo com a faixa etária dos informantes das capitais do Brasil. Gráfico 15 Ocorrências da lexia satanás por faixa etária nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 35% Faixa I 65% Faixa II Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O Gráfico 15 demonstra que os falantes mais velhos utilizaram mais a lexia, com um total de 65% dos dados, enquanto a presença da variante na fala dos informantes da faixa I foi bastante diminuta, totalizando apenas 35% das respostas documentadas, fato que atribui a essa variante uma significativa diferenciação etária. Essa marca diageracional foi registrada em todas as regiões do estudo, conforme se pode observar no Gráfico 14. O Gráfico 16 apresenta os dados das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil.

161 161 Gráfico 16 Ocorrências da lexia satanás por faixa etária nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 80% Faixa etária I Faixa etária II 80% 80% 70% 60% 61% 67% 50% 40% 30% 20% 39% 33% 20% 20% 20% 10% 0% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Nas capitais do Norte, os informantes da faixa I registraram somente 39% dos dados para a variante satanás, enquanto os indivíduos mais velhos foram responsáveis por 61% das ocorrências. Os dados das capitais da Região Nordeste acompanham os percentuais registrados nas capitais da Região Norte, em que a lexia satanás foi majoritariamente utilizada pelos informantes da faixa etária II, com um percentual de 67% das ocorrências. Já os indivíduos da faixa I foram responsáveis por apenas 33% do registro da unidade lexical. No Sudeste, os dados mostraram-se contrários ao que se apresentou nas demais regiões brasileiras. Nas capitais do Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste os informantes mais velhos foram responsáveis pelo uso majoritário da lexia satanás. Já nas capitais da Região Sudeste, ocorreu o inverso: 80% das ocorrências foram registradas aos falantes mais jovens e os falantes mais velhos responderam por apenas 20% dos dados. Nas Regiões Sul e Centro-Oeste, os dados da variação etária para a lexia satanás acompanham o que se registrou na maioria das capitais do Brasil, ou seja, o uso majoritário do termo foi apreendido entre os informantes da faixa etária II. Os falantes mais velhos foram responsáveis por 80% das ocorrências e apenas 20% dos dados foram computados aos informantes da faixa etária I.

162 162 Os números da unidade lexical satanás, representados pela faixa II, ou seja, pelos falantes com mais de 65 anos, são altamente significativos no Norte (61,2% dos dados), no Nordeste (66,6% dos dados), no Sul e no Centro-Oeste (80% dos dados). Apenas as capitais da Região Sudeste apresentaram dados que favoreceram o uso da lexia entre os mais jovens. Os dados referentes à orientação religiosa dos informantes do Projeto ALiB mostram uma grande diversificação religiosa entre os informantes mais jovens da Região Sudeste. Além de um número expressivo de católicos, registrado em todas as regiões do Brasil, também foram encontrados no Sudeste, dentre os falantes da faixa etária I, indivíduos que se declararam budistas, espíritas e evangélicos. O perfil religioso do informante pode levá-lo a realizar escolhas lexicais mais ou menos conservadoras, e, embora não haja elementos suficientes na pesquisa para fazer afirmações categóricas sobre os percentuais registrados no Sudeste, é possível associar a diversidade do léxico religioso não somente às crenças dos próprios falantes, como também ao seu contato com diversos outros elementos socioculturais que podem incidir sobre a sua postura linguística. A diversificação religiosa do Sudeste já fora contabilizada no Censo de 2010 do IBGE, quando os pesquisadores registraram, além de uma presença expressiva de evangélicos, um importante percentual de adeptos da religião espírita, um grande quantitativo de pessoas sem religião e uma presença significativa de adeptos das religiões de matrizes africanas Sexo A variável extralinguística sexo do informante mostrou-se bastante equilibrada quanto ao uso da variante satanás. Os dados gerais do estudo apresentam resultados pouco expressivos na diferenciação dos registros de homens e mulheres, havendo apenas um leve aumento das ocorrências na fala das mulheres. O Gráfico 17 apresenta a variação diassexual encabeçada pela lexia satanás nas capitais das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

163 163 Gráfico 17 Ocorrências da lexia satanás por sexo nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 47% Masculino 53% Feminino Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados do Gráfico 17 mostram que a diferença no uso do termo satanás revelou-se pequena entre os homens e as mulheres. Os informantes do sexo masculino obtiveram 47% dos registros da variante e as mulheres foram responsáveis por um total de 53% dos dados. O Gráfico 18 registra a variação diassexual da unidade lexical satanás nas cinco regiões do Brasil. Gráfico 18 Ocorrências da lexia satanás por sexo nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Masculino Feminino 56% 56% 60% 60% 60% 44% 44% 40% 40% 40% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Nas Regiões Norte e Nordeste, o percentual da lexia satanás foi mais produtivo entre as mulheres, perfazendo 56% dos dados, enquanto os homens foram responsáveis por 44% das ocorrências.

164 164 Os dados registrados no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste demonstram haver uma utilização majoritária da lexia satanás pelas mulheres, que foram responsáveis por 60% das ocorrências, enquanto os homens obtiveram apenas 40% dos registros. O termo satanás foi catalogado com uma frequência maior no vocabulário das mulheres em todas as regiões do Brasil, o que representa uma marca linguística generalizada entre o sexo feminino para denominar o ser que está no inferno A lexia capeta e as variáveis sociais Escolaridade A variável sociolinguística escolaridade do informante mostrou-se pouco representativa quanto ao uso da unidade lexical capeta nos dados gerais do estudo, havendo apenas uma leve preferência dos informantes que possuem escolaridade universitária pelo registro da lexia. O Gráfico 19 apresenta a variação diastrática da variante capeta. Gráfico 19 Ocorrências da lexia capeta por nível de escolaridade nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 53% 47% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Nível Fundamental Nível Universitário Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados do Gráfico 19 mostram que a diferença no uso da lexia capeta revelouse pequena entre os indivíduos que possuem o nível fundamental de ensino, que obtiveram 47% dos registros e os informantes com o nível universitário de escolaridade, que perfizeram um total de 53% dos dados. Os números gerais apresentados pelas capitais do Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste revelam que a distribuição diastrática da lexia está equilibrada.

165 165 O Gráfico 20 apresenta a variação diastrática da unidade lexical capeta nas cinco regiões brasileiras. Gráfico 20 Ocorrências da lexia capeta por nível de escolaridade nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 36% 64% 56% 44% 50% 50% 25% 75% Nível Fundamental Nível Universitário 43% 57% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria A análise mais detalhada da diferença percentual apresentada pela variável social escolaridade relacionada ao uso da lexia capeta nas cinco regiões brasileiras mostra situações linguísticas bastante representativas de cada região brasileira. Na Região Norte, houve um aumento significativo das ocorrências da unidade lexical capeta entre os indivíduos com nível de escolaridade universitária, que perfizeram 64% dos dados; por sua vez, os informantes que possuem nível fundamental de ensino contabilizaram um percentual de apenas 36% dos registros da lexia. Na Região Nordeste, houve uma proeminência do termo capeta no registro da fala dos indivíduos que possuem o nível fundamental de escolaridade, com um percentual de 56% dos dados. Entre os falantes com o nível universitário, o índice percentual foi de 44%, o que representa um valor distrático significativo. Os dados da Região Sudeste mostraram-se igualitários entre os informantes com nível universitário e os que possuem apenas o ensino fundamental. Os percentuais indicaram 50% dos registros para ambos os níveis de escolaridade. A variação sociolinguística apresentada pela unidade lexical capeta nas capitais da Região Sul mostra que houve uma diferença considerável entre o registro da lexia pelos informantes que possuem nível universitário de ensino e os informantes que

166 166 possuem apenas o nível de ensino fundamental. Os falantes com maior tempo de escolarização fizeram um uso majoritário da variante, sendo responsáveis por 75% dos dados, enquanto os falantes com nível fundamental de escolarização contabilizaram um percentual de apenas 25% dos registros da lexia. Nas capitais da Região Centro-Oeste, houve uma proeminência da unidade lexical capeta no registro da fala dos indivíduos que possuem o nível universitário de ensino, com um percentual de 57% dos dados, enquanto que, entre os falantes com o nível fundamental de ensino, o índice percentual foi de apenas 43% dos registros. A configuração regional do uso da lexia capeta por nível de escolaridade do informante mostrou uma particularidade da Região Nordeste do Brasil: apenas nas capitais nordestinas, o registro da lexia capeta foi maior entre os indivíduos de menor escolaridade. No Sudeste, os números foram igualitários e, nas demais regiões, as ocorrências da variante obtiveram percentuais mais altos na fala dos informantes com nível de escolaridade universitária Faixa etária O Gráfico 21 traz a representação da variação diageracional da lexia capeta nas capitais do Brasil. Gráfico 21 Ocorrências da lexia capeta por faixa etária nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 53% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Faixa I Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 47% Faixa II Os dados documentados demonstram uma leve proeminência da lexia capeta no vocabulário das pessoas mais jovens, totalizando um índice percentual de 53% dos dados

167 167 registrados nas capitais do Brasil. Na fala dos informantes mais velhos, o registro foi de apenas 47% dos dados. A distribuição etária da unidade lexical capeta, por região, apresenta algumas particularidades, conforme se pode verificar no Gráfico22. Gráfico 22 Ocorrências da lexia capeta por faixa etária nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 75% Faixa etária I Faixa etária II 70% 60% 50% 40% 63% 37% 50% 50% 50% 50% 43% 57% 30% 20% 25% 10% 0% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Na Região Norte, ocorreu um uso majoritário da lexia capeta na fala dos informantes da primeira faixa etária, que apresentaram um percentual de 63% dos dados. Por outro lado, os informantes mais velhos registraram somente 37% das ocorrências do termo capeta, o que aponta para uma importante marca etária no uso da variante. Nas Regiões Nordeste e Sudeste, diferentemente do que se apresentou na Região Norte, a distribuição das ocorrências mostrou-se equitativa entre os falantes mais jovens e mais velhos. Desse modo, a variável faixa etária do informante não teve uma representação significativa nessas regiões. Os dados da Região Sul e Centro-Oeste mostraram-se contrários ao que ocorreu nas capitais das Regiões Norte, Nordeste e Sudeste. No Norte, o registro da lexia capeta foi mais significativo entre os informantes da faixa I; no Nordeste e no Sudeste, o uso foi igualitário entre os mais jovens e mais velhos; já no Sul, as ocorrências do termo capeta foram documentadas, majoritariamente, no vocabulário das pessoas mais velhas, que

168 168 totalizaram um índice percentual de 75% dos dados, assim como no Centro-Oeste, em que os mais velhos apresentaram um percentual de 57% dos dados Sexo O Gráfico 23 apresenta a variação diassexual constituída pela lexia capeta nas capitais do Brasil. Gráfico 23 Ocorrências da lexia capeta por sexo nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 58% Masculino Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 42% Feminino O Gráfico 23 indica que houve um uso mais significativo da lexia capeta no registro da fala dos homens, com um percentual de 58%, ao passo que, entre as mulheres, a variante atingiu um índice percentual de apenas 42% dos dados, apontando para uma importante variação diassexual. A distribuição de sexo para a unidade lexical capeta apresentou-se de forma diferente entre as cinco regiões pesquisadas.

169 169 Gráfico 24 Ocorrências da lexia capeta por sexo nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 82% 18% 44% 56% 56% 44% 100% 0% Masculino Feminino 50% 50% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Na Região Norte, a representação majoritária da lexia capeta foi atestada no vocabulário dos homens, que foi responsável por 82% dos dados registrados nas capitais. Na fala das mulheres, o registro foi de apenas 18% dos dados, o que confere a essa variante uma importante marca diassexual na região. Foram catalogadas onze ocorrências para o termo capeta nas capitais da Região Norte. Dessas, apenas duas foram apreendidas no vocabulário das mulheres. Diferentemente do que ocorreu na Região Norte, a unidade lexical capeta destacou-se na Região Nordeste pelo fato de a maioria das ocorrências terem sido registradas na fala das mulheres, que apresentaram um percentual de 56% das ocorrências, havendo uma menor incidência no registro da fala dos homens, que só contabilizaram 44% dos dados. No Sudeste, os números confirmam uma tendência já observada na Região Norte, em que os homens tiveram um papel importante no registro da lexia. O Gráfico 24 indica que houve uma proeminência da unidade lexical capeta na fala dos informantes do sexo masculino, com um percentual de 56% dos dados, enquanto que, entre as mulheres, o índice percentual foi de 44%. A Região Sul apresentou uma particularidade nas ocorrências da lexia capeta: todos os registros foram coletados no vocabulário dos homens, que foram responsáveis por 100% das ocorrências. Apesar de terem sido registradas somente quatro ocorrências da variante nas capitais sulistas, duas em Curitiba e duas em Florianópolis, o uso da lexia apenas na fala dos homens pode indicar alguma marca linguística ou cultural da região.

170 170 Na Região Centro-Oeste, houve uma equiparação de valores entre os usos da unidade lexical capeta pelos homens e pelas mulheres. Desse modo, a variável sexo do informante não se mostrou significativa no registro da lexia. A distribuição diassexual do item lexical capeta pelas cinco regiões do Brasil mostrou uma particularidade no Nordeste: apenas nas capitais nordestinas houve um percentual maior de ocorrências do termo na fala das mulheres, enquanto nas outras regiões a variante realizou um percurso inverso, sendo mais registrada no vocabulário masculino, exceto na Região Centro-Oeste, com 50% para cada sexo. O termo capeta no Nordeste do Brasil expandiu-se na linguagem popular e, além do significado usual, como sinônimo de diabo, também é conhecido como a denominação de uma bebida muito utilizada em festas de rua: uma combinação de vodka, vinho, pó de guaraná, canela, leite condensado, açúcar e gelo. Desse modo, o termo tem assumido um sentido que se distancia da ligação com os valores religiosos e tabuísticos e, ao que parece, tem se expandido cada vez mais para o vocabulário de um número maior de nordestinos A lexia demônio e as variáveis sociais Escolaridade O Gráfico 25 registra a variação diastrática encabeçada pela lexia demônio nas vinte e cinco capitais pesquisadas. Gráfico 25 Ocorrências da lexia demônio por nível de escolaridade nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 52% 60% 50% 48% 40% 30% 20% 10% 0% Nível Fundamental Nível Universitário Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria

171 171 O Gráfico 25 indica que houve apenas uma leve diferença no uso da lexia demônio entre os indivíduos que possuem o nível fundamental de ensino e aqueles que possuem o nível universitário de ensino. Entre os falantes com o nível universitário, o índice percentual foi de 48%. Na fala dos que possuem menos tempo de escolaridade, o registro foi de 52%, o que não atribui a essa variante um valor diastrático significativo. A análise dos dados das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, separadamente, mostra que o uso maior da lexia demônio pelos informantes com nível fundamental de ensino não foi confirmado em todas as regiões. Gráfico 26 Ocorrências da lexia demônio por nível de escolaridade nas regiões do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 54% 46% 58% 42% 29% 71% 60% 40% Nível Fundamental Nível Universitário 43% 57% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Na Região Norte, os números aproximam-se do que foi apresentado no Gráfico 25, em que a unidade lexical demônio foi mais expressiva na fala dos informantes com menor tempo de escolaridade, que contabilizaram 54% dos dados. Entre os indivíduos com nível universitário de ensino, o percentual da variante foi de 46% das ocorrências. A Região Nordeste também seguiu a tendência geral das capitais do Brasil quanto à supremacia da variante demônio no vocabulário dos falantes com nível de escolaridade fundamental, com um percentual de 58% dos dados. Já entre os indivíduos com nível de escolaridade universitária, houve uma menor incidência de registro da variante, com um percentual de somente 42% das ocorrências, o que aponta para uma marca diastrática importante da variante demônio nas capitais da Região Nordeste. O comportamento linguístico dos informantes das capitais da Região Sudeste mostrou-se bem diferente do que foi registrado no Norte e Nordeste do Brasil no que

172 172 concerne à variação diastrática da unidade lexical demônio. No Sudeste, o registro majoritário da lexia ocorreu na fala dos indivíduos com nível de escolaridade universitária, que foram responsáveis por 71% das ocorrências. Entre os informantes com nível de escolaridade fundamental, o percentual foi bastante diminuto, apenas 29% dos dados. Semelhantemente ao que aconteceu nas Regiões Norte, Nordeste e Sudeste, a Região Sul também apresentou uma marca diastrática importante no uso da variante demônio. Os dados documentados nas capitais do Sul do Brasil demonstram um registro majoritário da unidade lexical demônio no vocabulário das pessoas com menor tempo de escolarização, totalizando um índice percentual de 60% dos dados, enquanto que os indivíduos que possuem nível de escolaridade universitária obtiveram apenas 40% das ocorrências da variante. No Centro-Oeste, os resultados acompanharam o que foi demonstrado no Gráfico 26 para a Região Sudeste, em que os percentuais da lexia demônio mostraram-se mais favoráveis entre os indivíduos com maior tempo de escolaridade, que perfizeram 57% dos dados. O registro da variante na fala dos informantes com nível de escolaridade fundamental obteve 43% das ocorrências Faixa etária O Gráfico 27 apresenta a variação diageracional constituída pela lexia demônio. Gráfico 27 Ocorrências da lexia demônio por faixa etária nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 62% 60% 50% 38% 40% 30% 20% 10% 0% Faixa I Faixa II Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria

173 173 Os dados documentados demonstram o uso majoritário da unidade lexical demônio no vocabulário das pessoas mais velhas, totalizando um índice percentual de 62% dos dados registrados nas capitais do Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Na fala dos informantes mais jovens, o registro foi de apenas 38% dos dados, o que confere a essa variante uma marca diageracional bastante significativa. O fator social faixa etária correlacionado à variante demônio mostrou-se importante em todas as regiões do estudo, embora não tenha havido uma coincidência nos resultados apresentados no Gráfico 26. Gráfico 28 Ocorrências da lexia demônio por faixa etária nas regiões do Brasil 100% Faixa etária I Faixa etária II 90% 80% 70% 85% 71% 80% 86% 60% 50% 53% 47% 40% 30% 20% 15% 29% 20% 14% 10% 0% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados documentados nas capitais da Região Norte demonstram a predominância da lexia demônio na fala dos informantes pertencentes à segunda faixa etária, que registraram um percentual bastante elevado das ocorrências. Os indivíduos mais velhos foram responsáveis por 85% dos dados desta variante na Região Norte, enquanto os informantes mais jovens só registraram 15% das ocorrências da unidade lexical demônio. No Nordeste, apesar de os números não serem tão expressivos quanto os da Região Norte, houve também uma predominância da variante demônio no uso dos informantes da faixa II, que registraram 53% das ocorrências do termo. Na fala dos

174 174 indivíduos mais jovens, o percentual foi de 47% dos dados totais da variante nas capitais do Nordeste. Os dados documentados nas capitais da Região Sudeste e Sul distanciaram-se do Norte e Nordeste. A variável extralinguística faixa etária mostrou-se bastante significativa no Sudeste, havendo uma preferência maciça dos falantes mais jovens no registro da lexia. Nessa Região, a faixa etária I foi responsável por 71% dos dados da variante demônio, enquanto na fala dos informantes mais velhos o índice percentual só alcançou 29% das ocorrências. Nas capitais sulistas foram registradas somente cinco ocorrências para a variante demônio e apenas um desses registros foi catalogado na fala de um informante pertencente à segunda faixa etária. Portanto, nas capitais do Sul, o uso majoritário da lexia ocorreu entre os informantes mais jovens, que responderam pela quase totalidade das ocorrências, com um percentual de 80% dos dados. No vocabulário dos indivíduos mais velhos, o registro foi de apenas 20% das ocorrências. No Centro-Oeste, os resultados da variação diageracional da unidade lexical demônio apresentaram-se semelhantes ao que foi registrado no Norte e Nordeste, afastando-se, portanto, dos índices percentuais documentados nas Regiões Sudeste e Sul. No Centro-Oeste do Brasil, foram catalogados somente sete registros para a variante demônio. Desses, apenas uma ocorrência esteve presente no vocabulário de um informante da primeira faixa etária. Desse modo, a variante demônio foi registrada, majoritariamente, no vocabulário das pessoas mais velhas, totalizando um índice percentual de 86% dos dados. Na fala dos informantes mais jovens, o registro foi de apenas 14% das ocorrências totais coletadas na Região Sexo sexo. O Gráfico 29 representa os dados da lexia demônio correlacionados à variável

175 175 Gráfico 29 Ocorrências da lexia demônio por sexo nas capitais do Brasil 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 54% Masculino 46% Feminino Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O Gráfico 29 indica que houve um uso mais efetivo da lexia demônio no registro da fala dos homens, com um percentual de 54% dos dados. Entre as mulheres, a variante atingiu um índice percentual de apenas 46%. A análise dos dados de cada região confirma a tendência de os homens registrarem mais a variante. Apenas no Nordeste houve um leve percentual de aumento para as mulheres. O Gráfico 30 mostra os índices percentuais da lexia demônio correlacionados ao sexo dos informantes nas cinco regiões brasileiras. Gráfico 30 Ocorrências da lexia demônio por sexo nas regiões do Brasil 100% 90% Masculino Feminino 80% 70% 60% 50% 40% 30% 54% 46% 53% 47% 57% 43% 60% 40% 71% 29% 20% 10% 0% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria

176 176 A distribuição percentual dos dados nas capitais da Região Norte indica que houve uma discreta proeminência da variante demônio no registro da fala masculina, com um cômputo de 54% dos dados, enquanto que, entre as mulheres, o índice numérico foi de 46% das ocorrências. Na Região Nordeste, os números mostraram-se contrários ao que se apresentou na Região Norte: enquanto, nesta, os homens foram responsáveis pela maioria das ocorrências, naquela a variante demônio prevaleceu no vocabulário feminino, correspondendo a um valor total de 53% dos dados, enquanto, entre os homens, o índice percentual foi de 47% das ocorrências. Os números da Região Sudeste acompanham o que foi documentado na Região Norte. Os percentuais indicam que houve uma proeminência da variante demônio no registro da fala dos homens, com 57% dos dados, enquanto que, entre as mulheres, o índice percentual foi de apenas 43% das ocorrências, o que representa uma variação diassexual da unidade lexical demônio nas capitais do Sudeste. Os dados documentados na Região Sul acompanham os índices numéricos das Regiões Norte e Sudeste, afastando-se, portanto, do que se apresentou no Nordeste. A incidência mais representativa da variante demônio foi registrada na fala dos homens, com um percentual de 60%, enquanto as mulheres das capitais do Sul foram responsáveis somente por 40% dos dados. No Centro-Oeste, a diferença registrada no uso da lexia demônio entre os homens e as mulheres foi bastante expressiva. Os dados documentados demonstram o uso majoritário da unidade lexical no vocabulário dos homens, totalizando um percentual de 71% das ocorrências registradas nas capitais do Centro-Oeste. Na fala das mulheres, o registro foi de somente 29% dos dados, o que confere a esta variante uma marca diassexual extremamente significativa nessa região A lexia cão e as variáveis sociais Escolaridade pela lexia cão. No Gráfico 31, apresentam-se os resultados da variação diastrática constituída

177 177 Gráfico 31 Ocorrências da lexia cão por nível de escolaridade nas capitais do Norte e do Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 47% 53% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Nível Fundamental Nível Universitário Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados gerais das capitais do Norte e Nordeste mostram que o nível de escolaridade apresentou-se pouco significativo no que se refere ao uso da variante cão nas duas regiões brasileiras em que houve a ocorrência da lexia. Os informantes que possuem o nível fundamental de ensino foram responsáveis pelo registro de 47% dos dados, e os indivíduos que possuem nível de escolaridade universitária responderam por 53% das ocorrências da variante. Essa tendência de registro maior da unidade lexical cão entre os indivíduos que possuem o ensino universitário completo prevaleceu tanto no Norte quanto no Nordeste. Destaque-se que na Região Sudeste apenas um informante (mulher, nível de escolaridade universitária, faixa etária II) fez uso da variante. Nas capitais do Sul e do Centro-Oeste não houve registro da lexia.

178 178 Gráfico 32 Ocorrências da lexia cão por nível de escolaridade nas regiões Norte e Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 55% 54% 45% 46% 0% Norte Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Nordeste Nível Fundamental Nível Universitário Os dados documentados nas capitais da Região Norte acompanharam os índices gerais da variante (Gráfico 31), havendo uma proeminência da variante cão no vocabulário dos informantes com nível de escolaridade universitária, com um percentual de 55% dos dados, enquanto que, entre os falantes com menos tempo de escolarização, o índice foi de 45% das ocorrências. No Nordeste, os dados coletados para a unidade lexical cão coincidem com os resultados da Região Norte. A variante obteve um número de ocorrência mais expressiva na fala dos informantes com nível universitário de ensino, que contabilizaram 54% dos dados. Entre os indivíduos com nível fundamental de ensino, o percentual da lexia foi de 46% das ocorrências Faixa etária A lexia cão mostrou uma marca importante de variação etária, conforme se pode observar no Gráfico 33.

179 179 Gráfico 33 Ocorrências da lexia cão por faixa etária nas capitais do Norte e do Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 38% Faixa I 62% Faixa II Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados documentados demonstram um uso majoritário da unidade lexical cão no vocabulário das pessoas mais velhas, totalizando um índice percentual de 62% dos dados, enquanto entre os falantes mais jovens, as ocorrências foram de apenas 38% dos números totais para a lexia. O Gráfico 34 apresenta o registro da variante cão correlacionada à faixa etária dos falantes das capitais do Norte e do Nordeste separadamente. Gráfico 34 Ocorrências da lexia cão por faixa etária nas regiões Norte e Nordeste 100% 90% 80% 73% 70% 60% 50% 40% 30% 27% 20% 10% 0% Norte Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 43% 57% Nordeste Faixa I Faixa II A marca diageracional da lexia cão mostrou-se representativa tanto no Norte quanto no Nordeste, embora o índice percentual para os indivíduos da faixa II tenha sido bem mais expressivo no Norte.

180 180 O Gráfico 34 demonstra que os falantes mais velhos da Região Norte utilizaram mais a lexia, com um total de 73% dos dados; já a presença da variante no vocabulário dos informantes da faixa I foi bastante diminuta, contabilizando apenas 27% dos registros. Nas capitais do Nordeste, também houve uma proeminência da forma lexical no registro da fala dos indivíduos mais velhos, com um percentual de 57% dos dados, enquanto que, entre os informantes da primeira faixa etária, o índice foi de apenas 43% dos registros Sexo lexia cão. O Gráfico 35 apresenta os resultados da variação diassexual encabeçada pela Gráfico 35 Ocorrências da lexia cão por sexo nas capitais do Norte e do Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 47% 53% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Masculino Feminino Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Os dados do Gráfico 35 mostram que a diferença no uso da lexia cão revelou-se pouco significativa entre os homens e as mulheres, com um leve aumento dos registros na fala das mulheres, que obtiveram um total de 53% dos dados, enquanto que, entre os homens, o índice de ocorrências foi de 47%. O Gráfico 36 apresenta o registro da lexia cão correlacionado ao sexo dos falantes das capitais do Norte e do Nordeste, respectivamente.

181 181 Gráfico 36 Ocorrências da lexia cão por sexo nas Regiões Norte e Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 55% Norte 45% 46% 54% Nordeste Homens Mulheres Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Nas capitais do Norte, ao contrário dos dados gerais (Gráfico 35), os números da variante mostraram-se favoráveis na fala dos homens, que foram responsáveis por 55% dos dados, enquanto que, entre as mulheres, o índice percentual foi de 45% dos registros. No Nordeste, os percentuais apresentaram-se bastante próximos dos registros gerais dos dados e contrários ao que fora apresentado no Norte, com uma maior incidência da variante no registro de fala das mulheres, que perfizeram 54% das ocorrências; já os homens foram responsáveis por apenas 46% das ocorrências A lexia lúcifer e as variáveis sociais Escolaridade O Gráfico 37 registra a variação diastrática encabeçada pela lexia lúcifer nas regiões em que houve ocorrências da variante.

182 182 Gráfico 37 Ocorrências da lexia Lúcifer por nível de escolaridade nas capitais do Norte e do Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 57% Nível Fundamental Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 43% Nível Universitário O Gráfico 37 indica que houve um leve aumento do uso da lexia lúcifer no registro da fala dos indivíduos que possuem apenas o nível fundamental de ensino, com um percentual de 57%. Entre os falantes com o nível universitário de escolaridade, o índice percentual foi de 43%, o que confere a essa variante um valor diastrático significativo. O Gráfico 38 apresenta as ocorrências da unidade lexical lúcifer nos dados registrados nas Regiões Norte e Nordeste, separadamente. Gráfico 38 Ocorrências da lexia Lúcifer por nível de escolaridade nas Regiões Norte e Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 83% Norte 17% 50% Nordeste Nível Fundamental Nível Universitário 50% Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Na Região Norte, a unidade lexical lúcifer mostrou-se um elemento bastante significativo quando associado à escolaridade do informante. Os indivíduos com menor

183 183 tempo de escolaridade foram os principais responsáveis pelo registro da lexia, com um percentual de 83% dos dados, enquanto os informantes que possuem nível de escolaridade universitária só registraram 17% das ocorrências totais do corpus. Foram catalogadas seis ocorrências para a variante lúcifer nas capitais nortistas. Dessas, apenas uma foi registrada no vocabulário de um informante com nível de escolaridade universitária. Na Região Nordeste, os números mostraram-se igualitários quanto à variação diastrática da lexia. Os informantes com nível de escolaridade fundamental foram responsáveis por 50% das ocorrências e os indivíduos com nível de escolaridade universitária também registraram 50% dos dados totais das capitais do Nordeste. Na Região Sudeste, houve apenas duas ocorrências da variante (um informante do gênero feminino, faixa etária II, nível de escolaridade fundamental e outro do gênero masculino, faixa etária I, nível de escolaridade universitária). Na Região Sul não foi documentada nenhuma ocorrência da lexia lúcifer. Na Região Centro-Oeste, houve apenas uma ocorrência da variante, proferida por um informante da faixa etária II, mulher, com nível de escolaridade universitária Faixa etária A lexia lúcifer mostrou uma marca importante de variação etária, sendo registrada com um percentual bastante elevado no vocabulário das pessoas mais velhas. Essa unidade lexical é conhecida, principalmente, pelas pessoas mais religiosas, que leem a bíblia ou frequentam templos cristãos. O Gráfico 39 demonstra os índices numéricos gerais encontrados para a lexia lúcifer em correlação com a faixa etária do informante.

184 184 Gráfico 39 Ocorrências da lexia lúcifer por faixa etária nas capitais do Norte e do Nordeste 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 35% Faixa I Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O termo lúcifer foi documentado majoritariamente no vocabulário das pessoas mais velhas, totalizando um índice percentual de 65% dos dados registrados na pesquisa. Na fala dos informantes mais jovens, o registro foi de apenas 35% dos dados. O Gráfico 40 apresenta o registro da lexia lúcifer correlacionado à faixa etária 65% Faixa II dos falantes das capitais do Norte e do Nordeste separadamente. Gráfico 40 Ocorrências da lexia lúcifer por faixa etária nas Regiões Norte e Nordeste 100% 90% 80% 79% 70% 67% 60% 50% 40% 33% 30% 21% 20% 10% 0% Norte Nordeste Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria Faixa I Faixa II Na Região Norte, diferentemente do que ocorreu com os dados gerais (Gráfico 39), foram os informantes da faixa etária I os principais responsáveis pelo registro da

185 185 variante lúcifer. Os indivíduos mais jovens contabilizaram 67% das ocorrências, enquanto que, entre os falantes da faixa etária II, o índice percentual foi de apenas 33% dos dados. Na Região Nordeste, os dados da unidade lexical lúcifer associados à faixa etária do informante acompanham os percentuais gerais de ocorrências da lexia (Gráfico 39). Os registros demonstram um uso majoritário da lexia no vocabulário das pessoas mais velhas, com um índice percentual de 79% dos dados das capitais, enquanto os falantes mais jovens foram responsáveis por apenas 21% das ocorrências. Nas capitais nordestinas, foram catalogados 14 registros para a variante lúcifer e apenas três desses dados estiverem presentes no vocabulário dos informantes da faixa etária I Sexo A lexia lúcifer apresentou uma marca significativa de variação diassexual, sendo registrada com um percentual bastante elevado no vocabulário dos homens em comparação com o uso linguístico realizado pelas mulheres. O Gráfico 41 apresenta a variação diassexual constituída pela lexia lúcifer. Gráfico 41 Ocorrências da lexia Lúcifer por sexo nas capitais do Norte e do Nordeste 100% 90% 80% 70% 61% 60% 50% 40% 39% 30% 20% 10% 0% Masculino Feminino Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria O Gráfico 41 indica que houve um uso mais significativo da lexia lúcifer no registro da fala dos homens, com um percentual de 61%. Entre as mulheres, a unidade lexical atingiu um índice percentual de 39%.

186 186 O Gráfico 42 apresenta o registro da variante lúcifer correlacionado ao sexo dos falantes das capitais do Norte e do Nordeste separadamente. Gráfico 42 - Ocorrências da lexia Lúcifer por sexo nas Regiões Norte e Nordeste 100% 90% 80% 70% 67% 60% 50% 40% 33% 30% 20% 10% 0% Norte Fonte: Banco de dados do Projeto ALiB. Autoria própria 79% 21% Nordeste Masculino Feminino Na Região Norte, houve uma situação inversa aos dados gerais da lexia lúcifer (Gráfico 41) quando correlacionada ao sexo do informante, pois nas capitais desta Região foram as mulheres que mais sinalizaram a lexia, com um percentual de 67% dos dados, enquanto os homens foram responsáveis por apenas 33% das ocorrências. Os dados da Região Nordeste mostram-se contrários ao que foi documentado na Região Norte. Nas capitais do Nordeste, os homens foram mais representativos no registro da forma lexical lúcifer, apresentando um percentual de 79% dos dados. Entre as mulheres, o percentual foi de apenas 21% das ocorrências. A presença da variante lúcifer foi registrada 14 vezes nas capitais nordestinas. Dessas ocorrências, 11 foram catalogados no vocabulário masculino e apenas três na fala das mulheres, o que parece indicar uma variação diassexual representativa Síntese dos dados sociais Algumas variáveis sociais mostraram-se significativas para o registro de determinadas variantes do corpus. No tocante ao fator escolaridade, ocorreu uma leve proeminência das variantes diabo, capeta, cão e satanás na fala dos informantes com

187 187 nível de escolaridade universitária, com um percentual de 54%, 53%, 53% e 53%, respectivamente; já, para as variantes demônio e lúcifer, foram os indivíduos com nível de escolaridade fundamental que mais registraram as lexias, perfazendo um total de 52% e 57% dos dados. Quanto à faixa etária, os informantes mais jovens foram os responsáveis por 54% do registro da variante diabo e 53% da variante capeta, enquanto os mais velhos sinalizaram um número maior de vezes as variantes demônio, cão, lúcifer e satanás com um valor percentual de 62%, 62%, 65%, e 65%, respectivamente. A variável sexo documentou uma leve preferência dos informantes masculinos no registro da variante diabo, demônio, capeta e lúcifer, com um total de 51% dos dados gerais para a primeira variante, 54% para a segunda, 58% para a terceira e 61% para a última lexia; já as variantes cão e satanás foram mais registradas no vocabulário das mulheres, com um percentual de 53% e 53%. Do ponto de vista sociolinguístico, o número reduzido de informantes entrevistados em cada capital e a forma como os dados se apresentam dificulta afirmações generalizantes ou mais categóricas. Destaque-se, por exemplo, que pode ser contraditório o fato de uma lexia como capeta ter sido encontrada, em maior número, na fala dos informantes da faixa I, quando, devido à sua carga eufêmica, esperar-se-ia documentá-la, majoritariamente, no vocabulário dos mais velhos. A referência a esta variante como uma marca diageracional da faixa II foi lembrada por uma das informantes do Projeto ALiB. INQ. Deus está no céu e quem está no inferno? INF. O diabo. INQ. Tem algum outro nome que vocês falem aqui? INF. Tem gente que fala capeta, só que é os mais velhos também. INQ. É? Você fala diabo? INF. Eu falo diabo. (QSL, Informante 06, mulher, faixa etária I, nível de escolaridade universitária, Goiânia GO). Esse fato não compromete a análise dos dados, já que a própria avaliação desses termos religiosos pode variar bastante em função do contexto sociocultural e da orientação religiosa de cada indivíduo ou grupo social, fazendo-se necessária a realização de testes específicos de reação subjetiva para que se possam obter mais detalhes a respeito das crenças que envolvem os nomes religiosos.

188 188 No que tange à descrição de variáveis de natureza socioeconômica do contexto religioso no Brasil, o censo demográfico do IBGE, em 2010, evidenciou um conjunto de diferenças na inserção social dos diversos grupos religiosos. Nesse sentido, os católicos apostólicos romanos e os evangélicos pentecostais, grupos com maiores índices percentuais de fieis no Brasil, foram os que apresentaram as menores taxas de alfabetização entre as pessoas com mais de quinze anos de idade, havendo, também, nesses segmentos religiosos, uma elevada participação de grupos etários mais idosos, nos quais a proporção de analfabetos é maior, especialmente entre os indivíduos acima dos 50 anos de idade, o que pode reforçar a explicação para alguns índices percentuais registrados pelas variáveis sociais observadas na pesquisa, como a utilização, majoritária, do item lexical lúcifer por informantes da faixa II. O estudo do léxico utilizado por falantes de diversas cidades do Brasil poderá contribuir não apenas para o mapeamento da heterogeneidade linguística do país, mas também para ampliar o conhecimento sobre a realidade histórica, social e cultural do povo brasileiro, já que, através do vocabulário, é possível identificar marcas importantes da memória histórica, política, cultural, social e religiosa de uma comunidade Indícios de tabus linguísticos nos dados analisados O léxico de uma língua representa não apenas a nomeação dos referentes que constituem o mundo real e simbólico. Ao selecionar nomes para as coisas que os cercam, os indivíduos revelam, através das realizações linguísticas, as realidades sociais e culturais da comunidade em que vivem. O acervo lexical utilizado pelos diversos grupos humanos pode traduzir a própria história da humanidade em diferentes épocas e sofre a influência de pressões sociais, culturais e ideológicas que, muitas vezes, são responsáveis pelo grau de aceitabilidade ou rejeição de determinadas palavras. Essas implicações socioculturais produzidas pelo léxico são facilmente constatadas no campo das religiões e das crenças, já que, no meio religioso, costuma-se atribuir juízos de valor bastante rigorosos sobre as palavras. Desse modo, determinam-se aquelas palavras que podem ser pronunciadas e as que não devem ser proferidas, sob o risco de trazerem castigo e maldição para os homens.

189 189 A perspectiva moral e religiosa dá origem a uma espécie de interdição que se faz sobre alguns itens lexicais. Assim, evita-se pronunciar alguns termos considerados grosseiros, vulgares ou malditos, o que se configura em um tabu linguístico. Os dados lexicais referentes às respostas para a Questão 147 do QSL Se Deus está no céu, no inferno está...?, revelam indícios de tabus na linguagem religiosa dos informantes das capitais brasileiras. Em alguns trechos dos inquéritos do ALiB, parece haver uma resistência dos informantes não só em pronunciar o termo diabo, como também outras palavras que representam o ser maligno. A palavra traz à tona uma carga de valores negativos presentes no imaginário das pessoas, principalmente daquelas que já podem ter ouvido muitas histórias e episódios sobre o poder destruidor dessa entidade maldita. Alguns excertos das entrevistas do ALiB mostram que determinados informantes evitam pronunciar os nomes existente para identificar o ser que está no inferno : INQ. Deus está no céu e no inferno está o... INF. O demo. INQ. Tem outros nomes para ele? INF. Olhe... eu não uso nenhum desses, eu não uso. Eu não gosto dessa palavra, mas a gente ouve muito aqui na escola. (QSL, Informante 8, mulher, faixa II, nível de escolaridade universitária, Curitiba PR). Outros casos mostram que muitos informantes se sentem desconfortáveis para proferir o nome diabo e parecem crer que a simples pronúncia do termo pode representar uma invocação ao espírito do mal ou uma reverência àquele que é considerado o anjo rebelde. Desse modo, não raro recorrem a metáforas ou eufemismos para responderem à pergunta 147 do QSL do Projeto ALiB. Conforme Souto Maior (1975), a causa pela abundância de eufemismos para o diabo foi o medo que se tinha antigamente de pronunciar seu nome. Havia uma antiga crença que dizia não ser bom falar seu nome, pois ele podia aparecer na mesma hora, trazendo infelicidade para a família. INQ. Deus está no céu e no inferno está quem? INF. Xi...tô fora. Não conheço essa linguagem não. É o inimigo. INQ. Conhece algum outro nome para ele? INF. Aff... tem vários nomes pra esse cara aí, viu? Tem vários. Tem que falar declarado mesmo? Eu sei que ele vai gostar de chamar o nome dele, né? É... é o estrela vermelha.

190 190 (QSL, Informante 1, homem, faixa etária I, nível de escolaridade fundamental, São Paulo SP). Em alguns trechos dos inquéritos, é possível observar que tanto os homens quanto as mulheres se preocupam em explicitar ou, muitas vezes, deixam subentendido que não possuem nenhuma ligação com as atividades que envolvem não somente a palavra diabo, mas o ser que a representa; outras vezes, fazem questão de deixar claro que desconhecem o assunto, ou seja, que essa entidade está longe das suas vidas, como se pode observar nos excertos das entrevistas. INQ. Deus está no céu e no inferno está o... INF. Dizem que é o diabo. (QSL, Informante 7, homem, faixa II, nível de escolaridade universitária, Salvador BA). INQ. Deus está no céu e no inferno está o... INF. Dizem que é o diabo. INQ. Tem outros nomes? INF. Demônio, demo, diabo, satanás, é... criatura. Tem nome como quê, é o que mais tem nome. (QSL, Informante 7, homem, faixa II, nível de escolaridade universitária, Salvador BA). Verifica-se, nesses trechos, que os informantes utilizam uma estratégia de esquiva para pronunciar o nome diabo, numa clara demonstração de que não somente reprovam como também temem uma aproximação com esse ser maldito que habitaria um local tão tenebroso. Em outro registro, nota-se a resistência da informante em pronunciar o item lexical requisitado pelos pesquisadores, o que reforça a ideia de que a carga negativa produzida pela palavra diabo está presente no imaginário da sociedade brasileira. INQ. Deus está no céu e no inferno está quem? INF. Bom, tem que responder é? INQ. É. INF. Bom, a gente considera que no inferno tá o diabo, né. (QSL, Informante 2, mulher, faixa II, nível de escolaridade fundamental, Goiânia GO).

191 191 Ao serem questionados sobre o nome do ser que está no inferno, alguns informantes usaram o termo satanás como primeira resposta. Em muitos casos, é possível notar a dificuldade das pessoas em proferir a diversidade de itens lexicais que podem responder à questão 147 do QSL. Muitos acreditam que o ente maligno está solto no mundo para agir contra a humanidade, por isso a simples pronúncia do seu nome é tão temida. Esse fato parece atuar como mais um elemento que explica a resistência dos informantes para pronunciar os nomes relacionados ao referente diabo, como se pode ver em um dos trechos da entrevista. INQ. Deus está no céu e no inferno está o...? INF. Satanás, ele tá solto por aqui. INQ. Conhece algum outro nomezinho para ele? INF. Não, só satanás mesmo, ele tá solto. A palavra é satanás. (QSL, Informante 4, mulher, faixa II, nível de escolaridade fundamental, Manaus AM). As crenças religiosas são responsáveis pela manifestação de uma gama de tabus no âmbito da linguagem. Muitas palavras advindas do campo religioso são tidas como impuras e causadoras de malefícios e, por isso, não devem ser proferidas. Essa ideia difundida, principalmente, pelas religiões cristãs leva o falante a evitar o uso dos termos tabus, substituindo-os por outros itens lexicais criados através de diversos recursos linguísticos, como metáforas, metonímias e eufemismo. Isso ficou bastante evidenciado nas respostas para a questão 147, em que os informantes das capitais brasileiras utilizaram diversas variantes eufêmicas para nomear o referente diabo. Dentre estas, podem-se citar: anticristo, didi, estrela vermelha, inimigo, príncipe dos céus, satã. Os tabus linguísticos podem, portanto, ser identificados enquanto fatos sociais e culturais, uma vez que refletem todo um sistema de valores, hábitos e crenças da comunidade.

192 Figura extraída do Dictionnaire infernal: répertoire universel (1863), de J. Collin de Plancy. 192

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