TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Santos, em que são apelantes/apelados NATALY ALVES ARLINDO (JUSTIÇA GRATUITA) e TAP - TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S/A. ACORDAM, em 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Nos termos do artigo 1030, II, do CPC, e em juízo de retratação, reformaram em parte o acórdão, nos termos que constarão do acórdão. V.U.", de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI (Presidente sem voto), JOÃO CAMILLO DE ALMEIDA PRADO COSTA E MARIO DE OLIVEIRA., 7 de maio de DANIELA MENEGATTI MILANO RELATORA Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Aptes/Apdos: Nataly Alves Arlindo(autora) e Tap - Transportes Aéreos Portugueses S/A (Ré) Comarca: Santos 8ª Vara Cível Juiz de Primeira Instância: Dario Gayoso Jr. Voto nº 2840 APELAÇÃO CÍVEL - Juízo de Retratação Devolução à Turma Julgadora para adequação ou manutenção do julgado, nos termos do art. 1030, inciso II, do Código de Processo Civil - Transporte aéreo Ação de indenização por danos materiais e morais Extravio de bagagem Indenização por danos morais fixada em R$ ,00 (dez mil reais) e por danos materiais em R$ 3.000,00 (três mil reais) Aplicação da Convenção de Montreal conforme entendimento do E. Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto do RE nº /RJ e do ARE nº /SP Limitação dos montantes indenizatórios prevista no artigo 22(2) da Convenção que se restringe aos danos materiais sofridos pelo passageiro Acórdão modificado em parte para determinar a aplicação da Convenção de Montreal ao caso concreto. Retratação acolhida. Trata-se de recursos de apelação interpostos pela autora e pela ré contra a r. sentença de fls. 85/87, cujo relatório transcrevo: Vistos. Apelação nº Voto nº

3 NATALY ALVES ARLINDO ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra TAP AIR PORTUGAL S.A., alegando que adquiriu passagem aérea da ré e que no dia 30 de junho de 2006, com a finalidade de visitar sua mãe, embarcou no aeroporto de Recife, com destino à Lisboa (Portugal), onde fez conexão para Barcelona (Espanha), e de lá fez outra conexão para Veneza (Itália), seu destino final; que ao chegar em Veneza, percebeu que sua bagagem havia sumido; que foi obrigada a gastar o dinheiro de que dispunha para alimentação e passeios na compra de roupas novas e objetos de uso pessoal. Esclarece que sua mãe não possui situação financeira abastada; e, que não lhe foi oferecida indenização ou qualquer apoio moral ou financeiro por parte da ré. Requer indenização por danos materiais no importe de R$ 7.000,00 (sete mil reais) e indenização a título de danos morais. Em contestação, sustenta que a rota original da autora foi alterada no dia de seu embarque, ficando responsável a empresa 'Alpi Eagles' pelo trajeto de Barcelona a Veneza; que a culpa foi exclusiva de terceiro, o que exclui sua responsabilidade, uma vez que a bagagem foi devidamente entregue aos cuidados da referida empresa; que deve ser aplicada ao caso a Convenção de Varsóvia; que não houve dano material ou moral. Pugna pela improcedência da ação (fls. 61/71). Em réplica, afirma que a requerida foi a única empresa contratada para realizar o transporte aéreo; insiste em suas alegações iniciais e na procedência da ação (fls. 73/79). Houve audiência de conciliação que restou infrutífera (fls. 81). A ação foi julgada procedente conforme o dispositivo que transcrevo: Isto posto julgo parcialmente procedente a ação proposta por Apelação nº Voto nº

4 NATALY ALVES ARLINDO contra TAP AIR PORTUGAL S.A., e por consequência condeno a ré a pagar-lhe a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos materiais, com correção monetária contada da data do extravio da bagagem e juros de mora legais (1% ao mês artigo 406), contados da citação, tudo até o efetivo pagamento; e, mais R$ ,00 (dez mil reais) a título de danos morais. Sobre este valor incidirá correção monetária e juros de mora a partir de quinze (15) dias contados da publicação desta sentença. Este critério parece-nos mais justo porque o arbitramento é feito no momento da lavratura da sentença, de modo que já está atualizado; e, por não haver critério legal para fixação de indenização por danos morais, o devedor não teria elementos para quitar antes, o que inviabiliza reconhecer mora a partir da citação. Portanto, sem desconhecer que a citação constitui em mora o devedor e o teor da Súmula 54, Colendo Superior Tribunal de Justiça, em matéria de dano moral o enfoque deve ser diferenciado. Arcará ainda a ré com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 15% sobre o valor da condenação, com base no art. 20, 3º do Código de Processo Civil. P.R.I. Em seu recurso de apelação a autora sustenta, em síntese, que a indenização por danos morais fixada em R$ ,00 (dez mil reais) e por danos materiais em R$ 3.000,00 (três mil reais) é insuficiente para reparar os prejuízos sofridos. Relata que sua bagagem foi extraviada nas viagens de ida e de volta. Pleiteia a reforma parcial da r. sentença para que as indenizações sejam majoradas. Apelação nº Voto nº

5 negado provimento ao recurso (fls. 130/140). A ré apresentou contrarrazões requerendo seja Em seu recurso de apelação a ré sustenta, em síntese, que segundo o artigo 178 da Constituição Federal a ordenação dos transportes deve observar os acordos celebrados pela União. Alega que a Convenção de Varsóvia é lei especial sobre o objeto da disputa, ao passo que o Código de Defesa do Consumidor é lei genérica. Aduz que a autora não declarou o valor de sua bagagem e que não é cabível a inversão do ônus da prova. Argumenta que o dano moral não restou caracterizado e que o transporte das bagagens é realizado por terceiros contratados pelos aeroportos. Pede a redução dos honorários advocatícios fixados em favor dos patronos da autora. Pleiteia a reforma integral da r. sentença ou, subsidiariamente, a redução de sua condenação. A autora apresentou contrarrazões requerendo seja negado provimento ao recurso (fls. 147/160). Recursos tempestivos. Apelação da autora isenta de preparo em face da concessão da gratuidade de justiça. Custas da apelação da ré recolhidas. Os recursos foram julgados por esta C. 19ª Câmara de Direito Privado em sessão de 12/03/2012 (fl. 192). Por maioria de votos, negou-se provimento aos recursos, vencido em parte o Relator sorteado, que elaborou o acórdão de fls. 192/199, que responsabilizou a ré nos termos do Código de Defesa do Consumidor Apelação nº Voto nº

6 pelos danos materiais e morais sofridos pela autora em razão do extravio e perda de bagagem. Conforme constou do v. acórdão: Por maioria de votos, a turma julgadora negou provimento ao recurso da autora, entendendo que o arbitramento em primeiro grau deve ser mantido. Vencido o Relator sorteado que dava provimento e majorava o valor indenizatório para R$ ,00. No que se refere à pretensão da ré à redução da verba honorária, não se mostra possível atender ao requerimento, uma vez que a redução pretendida caracterizaria remuneração aviltante à classe e ao trabalho desenvolvido. (fl. 198) A ré opôs embargos de declaração alegando preliminarmente a existência de processo no qual se reconheceu a repercussão geral da questão objeto da disputa, pendente de julgamento pelo E. Supremo Tribunal Federal. Pede o acolhimento dos embargos de declaração para que sejam sanadas as omissões do v. acórdão, aplicando ao caso a Convenção de Varsóvia, reconhecendo a responsabilidade exclusiva de terceiro sobre a perda da bagagem, afastando a indenização por dano material e reduzindo a indenização por dano moral. Pede o pronunciamento expresso sobre dispositivos legais para fins de prequestionamento (fls. 204/222). Recurso tempestivo. Foi negado seguimento aos embargos de declaração por decisão monocrática (fls. 234/239). Apelação nº Voto nº

7 A ré interpôs recurso extraordinário (fls. 242/262) e recurso especial (fls. 278/291) e a autora apresentou contrarrazões (fls. 317/323 e 325/328, respectivamente). A I. Presidência da Seção de Direito Privado determinou o sobrestamento do recurso extraordinário até decisão definitiva do plenário do E. Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de limitação dos montantes indenizatórios nos casos de extravio de bagagem, segundo a Convenção de Varsóvia (fls. 330/331). Na sequência, a I. Presidência encaminhou os autos para reapreciação da questão nos termos do artigo 1.030, inciso II do Código de Processo Civil (fls. 335/336). É o relatório. Inicialmente, noto que o v. acórdão foi disponibilizado no DJe em 19/09/2012 (fl. 200), de sorte que a este recurso se aplica o Código de Processo Civil de 1973, nos termos do Enunciado Administrativo nº 2 do E. Superior Tribunal de Justiça: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. parcial. No mérito, o recurso comporta acolhimento Apelação nº Voto nº

8 Mantenho as indenizações por dano material no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) e por dano moral no valor de R$ ,00 (dez mil reais), conforme julgado por esta C. Câmara em sessão de 12/03/2012 (fl. 192). Mantenho os demais entendimentos do v. acórdão em vista do fato de que o processo foi sobrestado apenas para aguardar decisão definitiva do E. Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de limitação dos montantes indenizatórios nos casos de extravio de bagagem, segundo a Convenção de Varsóvia, posteriormente alterada pela Convenção de Montreal. Assim, modifico o v. acórdão apenas no que diz respeito à aplicação ao caso da Convenção de Montreal, limitandose quantitativamente a sua responsabilização pelos danos materiais sofridos em decorrência do extravio da bagagem. Em julgamento conjunto do Recurso Extraordinário nº e do Recurso Extraordinário com Agravo nº , o E. Supremo Tribunal Federal determinou a prevalência da Convenção de Varsóvia, modificada pela Convenção Montreal, sobre o Código de Defesa do Consumidor nos casos de extravio de bagagem e de prescrição de demandas relativas a transporte aéreo internacional de passageiros. No Recurso Extraordinário nº , apreciando-se o tema 210 da repercussão geral, fixou-se a seguinte tese: Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais Apelação nº Voto nº

9 limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. (STF, RE n o /RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/05/2017). A Convenção de Montreal, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 5.910/2006, é aplicável ao transporte aéreo internacional de pessoas, bagagem ou carga, nos termos do seu artigo 1(1), de sorte que se aplica ao caso. O artigo 22(2) da Convenção limita a responsabilidade da transportadora aérea pela perda de bagagem a (mil) Direitos Especiais de Saque por passageiro. Observo que a limitação de responsabilidade imposta por este artigo é restrita à indenização a título de reparação de danos materiais, não abrangendo os danos morais, que não são limitados pela Convenção, conforme decidiu o E. Supremo Tribunal Federal: 1. Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação. Antinomia. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. 3. Julgamento de mérito. É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais. 5. Repercussão geral. Tema 210. Fixação da tese: Apelação nº Voto nº

10 (...). 6. Caso concreto. Acórdão que aplicou o Código de Defesa do Consumidor. Indenização superior ao limite previsto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Decisão recorrida reformada, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido na legislação internacional. 7. Recurso a que se dá provimento. (STF, RExt. nº /RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/05/2017). Assim, a indenização a título de danos materiais, fixada em R$ 3.000,00 (três mil reais), deve ser limitada a (mil) Direitos Especiais de Saque. Nos termos do artigo 23(1) da Convenção de Montreal, a conversão das somas nas moedas nacionais, no caso de ações judiciais, se fará conforme o valor de tais moedas em Direitos Especiais de Saque na data da sentença. Assim, deve-se considerar para cálculo do limite do montante indenizatório o câmbio da data do arbitramento, isto é, do dia da publicação do acórdão. Apenas a título de observação, em 12/03/2018 o valor de um Direito Especial de Saque equivalia a R$ 4,7247. A ré foi condenada em 2007 no pagamento de indenização por dano material no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com correção monetária desde a data do extravio da bagagem e com juros de mora contados da citação (fl. 87). Assim, determino que se apure em sede de liquidação de sentença se este valor é superior a Direitos Especiais de Saque, calculados conforme o artigo 23 da Convenção de Apelação nº Voto nº

11 Montreal, considerando-se o câmbio da data da publicação do acórdão. Caso a indenização por dano material seja inferior a este valor, deverá ser paga integralmente. Caso a indenização seja superior a este valor, aplique-se a limitação imposta pela Convenção de Montreal. Diante dessas circunstâncias, reconsidero o entendimento anterior desta C. Câmara proferido em sede de apelação para limitar a indenização dos danos materiais sofridos pela autora aos valores máximos impostos pela Convenção de Montreal. No mais, observo ser desnecessário mencionar individualmente cada um dos dispositivos legais indicados pelas partes para fins de interposição recursal futura, sendo que o C. Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp nº /SP) e o E. Supremo Tribunal Federal (AgRg no REsp nº /RS) admitem o prequestionamento implícito, bastando que as questões impugnadas sejam apreciadas de forma fundamentada. Ante o exposto, pelo meu voto, nos termos do disposto no art , inciso II, do Código de Processo Civil, e em juízo de retratação, reformo em parte o acórdão, nos termos da fundamentação supra. DANIELA MENEGATTI MILANO Relatora Apelação nº Voto nº