PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES S/A - TAP, é apelado AIG SEGUROS BRASIL S/A. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto da relatora, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI (Presidente sem voto), JOÃO CAMILLO DE ALMEIDA PRADO COSTA E MARIO DE OLIVEIRA. São Paulo, 30 de maio de Daniela Menegatti Milano Relatora Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Apelante: TAP Transportes Aéreos Portugueses S.A. Apelada: AIG Seguros Brasil S.A. Comarca: São Paulo Foro Central 23ª Vara Cível Juiz de 1ª instância: Marcos Duque Gadelho Júnior Voto nº 3076 APELAÇÃO CÍVEL Transporte aéreo Ação regressiva de ressarcimento de danos Extravio de bagagem Seguradora que pleiteia da companhia aérea o ressarcimento dos valores indenizados a seu segurado Sub-rogação da seguradora no direito do segurado nos termos do artigo 786 do Código Civil Aplicação da Convenção de Montreal conforme entendimento do E. Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto do RE nº /RJ e do ARE nº /SP Prescrição da pretensão de ressarcimento não consumada Indenização inferior ao limite imposto pelo o artigo 22(2) da Convenção de Montreal Sentença mantida Recurso não provido. Trata-se de recurso de apelação interposto pela ré contra a r. sentença de fls. 286/289, cujo relatório transcrevo: Vistos. Trata-se de AÇÃO REGRESSIVA proposta por AIG SEGUROS BRASIL S.A. em face de TAP TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S.A., propugnando, em resumo, a condenação da ré ao ressarcimento das despesas feitas ao segurado Joaquim Morais Júnior, em decorrência do extravio de sua bagagem no percurso de Belo Horizonte (Brasil) à Veneza (Itália), com conexão em Lisboa (Portugal), utilizando-se do serviço de transporte da ré. Alega ter sido obrigada a arcar com o pagamento da quantia de R$1.104,68. Em vista disso pretende a Apelação nº Voto nº

3 condenação da ré ao pagamento do referido valor. Juntou documentos (fl. 36/145 e 191). A requerida apresentou contestação à fls. 197/211. Sustenta, em preliminar, a inépcia da inicial, além da ocorrência de prescrição. No mérito, sustenta, in suma, que não tinha conhecimento do contrato de seguro entre a autora e o passageiro, protestando pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, a aplicação da Convenção de Montreal. Não nega a ocorrência do extravio das bagagens. Pede a improcedência da ação. Réplica às fls. 240/277. A ação foi julgada procedente conforme o dispositivo que transcrevo: Ante o exposto, com resolução do mérito (art. 487, I, do Código de Processo Civil), JULGO PROCEDENTE o pedido, para CONDENAR a ré ao pagamento de R$1.104,68, atualizado monetariamente a partir do desembolso do valor em favor do segurado, e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, ambos calculados a partir da citação. Condeno ainda o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, atualizadas desde os desembolsos, bem como honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação. P.I.C. A apelante sustenta preliminarmente que a pretensão da apelada está prescrita nos termos da Súmula nº 151 do E. Supremo Tribunal Federal. Afirma que não se aplica ao caso o Código de Defesa do Consumidor, mas a Convenção de Montreal e o Código Civil. No mérito, aduz que não pode ser responsabilizada porque não é parte do contrato de seguro e não conhece seus termos e condições. Argumenta que a atividade comercial da seguradora é justamente ressarcir os danos sofridos pelos segurados, que deve assumir o risco do negócio e que não pode se configurar Apelação nº Voto nº

4 o seu enriquecimento ilícito. Afirma que os danos e a vigência do contrato de seguro não foram comprovados. Pleiteia a reforma integral da r. sentença. Recurso tempestivo e custas processuais recolhidas. A apelada apresentou contrarrazões requerendo seja negado provimento ao recurso (fls. 324/357; 358/391). É o relatório. Inicialmente, afasto a alegação da apelante de que a pretensão da apelada está prescrita. A Súmula nº 151 do E. Supremo Tribunal Federal, segundo a qual [p]rescreve em um ano a ação do segurador sub-rogado para haver indenização por extravio ou perda de carga transportada por navio, não se aplica ao caso concreto, vez que se trata de extravio de bagagem em transporte aéreo, e não de extravio de carga em transporte marítimo. Tampouco há que se aplicar referida súmula por analogia, que é cabível apenas quando a lei é omissa, nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei nº 4.657/1942, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. No caso, a lei não é omissa sobre o prazo prescricional aplicável, que é de dois anos nos termos do artigo 35(1) da Convenção de Montreal. Em julgamento conjunto do Recurso Extraordinário nº e do Recurso Extraordinário com Agravo nº , o E. Supremo Tribunal Federal determinou a prevalência da Convenção de Varsóvia, modificada pela Convenção Montreal, sobre o Código de Defesa do Consumidor nos casos de extravio de bagagem e de prescrição de demandas relativas a transporte aéreo internacional de passageiros. Apelação nº Voto nº

5 No Recurso Extraordinário nº , apreciandose o tema 210 da repercussão geral, fixou-se a seguinte tese: Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. (STF, RE n o /RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/05/2017). A Convenção de Montreal, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 5.910/2006, é aplicável ao transporte aéreo internacional de pessoas, bagagem ou carga, nos termos do seu artigo 1(1), de sorte que se aplica ao caso. Segundo o artigo 35(1) da Convenção de Montreal, o termo inicial do prazo prescricional é contado a partir da data de chegada ao destino, ou do dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou do da interrupção do transporte. No caso, a bagagem foi extraviada no local de conexão, Lisboa, conforme relatado pelo segurado (fl. 140) e a aeronave chegou a seu destino final, Veneza, em 02/07/2014 (fl. 136). Uma vez que a ação foi ajuizada em 21/06/2016 (fl. 1), a prescrição não se consumou. No mérito, o recurso não merece provimento. Conforme se verifica pelos documentos juntados aos autos, a apelada indenizou seu segurado pelas perdas decorrentes do extravio de bagagem (fls. 143/145) em voo de Belo Horizonte a Veneza com conexão em Lisboa (fls. 136/137). Dispõe o artigo 17(2) da Convenção de Montreal: Apelação nº Voto nº

6 O transportador é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria da bagagem registrada, no caso em que a destruição, perda ou avaria haja ocorrido a bordo da aeronave ou durante qualquer período em que a bagagem registrada se encontre sob a custódia do transportador. (...) Ademais, nos termos do artigo 750 do Código Civil, o transportador é objetivamente responsável pela coisa transportada do seu recebimento até a entrega: Art A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado. No caso, o extravio ocorreu durante o transporte aéreo da bagagem, o que não é negado pela apelante. Assim, em vista da responsabilidade objetiva da companhia aérea, a demanda regressiva de danos deve ser julgada procedente. A apelante afirma que os danos e a vigência do contrato de seguro não foram comprovados. Todavia, a própria apelante não nega o extravio da bagagem, e a cobertura do sinistro indica que o seguro estava vigente, não tendo a apelante demonstrado o contrário. No mais, a apelante aduz que não pode ser responsabilizada porque não é parte do contrato de seguro e não conhece seus termos e condições. Além disso, alega que a razão pela qual a seguradora existe é a cobertura de sinistros tais como o ocorrido. Entretanto, a lei confere à seguradora o direito de pleitear reparação do causador do dano, sub- Apelação nº Voto nº

7 rogando-se nos direitos de seu segurado: Art Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. da seguradora. Assim, não há que se falar em enriquecimento ilícito Em paralelo, noto que é vedado a este Juízo analisar a questão atinente à limitação da indenização aos parâmetros impostos pela Convenção de Montreal, vez que tal questão não foi objeto de recurso, em observância ao artigo do Código de Processo Civil, segundo o qual o Tribunal está adstrito ao exame da matéria impugnada em apelação, bem como em cumprimento ao artigo 492 do mesmo Código, segundo o qual é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida. Todavia, observo que a indenização fixada, no valor de R$ 1.104,68 (mil cento e quatro reais e sessenta e oito centavos), é muito inferior ao limite de (mil) Direitos Especiais de Saque previsto no artigo 22(2) da Convenção de Montreal, sendo que em 08/05/2018 um Direito Especial de Saque equivalia a R$ 5,1064. Por tudo, é de rigor a manutenção da r. sentença, não tendo a apelante deduzido argumentos capazes de infirmar a sua conclusão, nos termos do artigo 489, 1º, inciso IV do Código de Processo Civil. Por fim, nos termos do artigo 85, 11 do Código de Processo Civil, devem ser majorados os honorários advocatícios fixados em Primeiro Grau em favor dos patronos do apelado no montante de 10% (dez Apelação nº Voto nº

8 por cento) do valor da condenação. Em vista do baixo valor da condenação, de R$ 1.104,68 (mil cento e quatro reais e sessenta e oito centavos), da necessidade de se remunerar o trabalho do advogado de forma condigna, e da natureza e da complexidade da causa, do zelo dos profissionais e do trabalho realizado, majoro os honorários advocatícios para R$ 1.000,00 (mil reais) nos termos do artigo 85, 8º do Código de Processo Civil. Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação supra. DANIELA MENEGATTI MILANO Relatora Apelação nº Voto nº