ASSESSORIA DIDÁTICA APRESENTAÇÃO
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- Terezinha Salazar
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2 ASSESSORIA DIDÁTICA Durval Alex Gomes e Costa Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Especialista em Infectologia pelo Hospital Heliópolis. Doutor em Doenças Infecciosas pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Médico infectologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Estadual Mário Covas, Santo André. Médico infectologista do Serviço de Moléstias Infecciosas do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. APRESENTAÇÃO Este é um guia que foi desenvolvido para ser um aliado na resolução das principais dúvidas e dos questionamentos no dia a dia do infectologista, que sempre tem a necessidade de buscar a investigação mais abrangente de procedimentos nas atividades terapêuticas, até mesmo para decidir o tratamento exato a partir do diagnóstico de doenças infecciosas causadas por bactérias, por exemplo. Essa é uma rotina que certamente requer o apoio de um material que ofereça as melhores respostas para a cura de diferentes patologias e seja preparado e atualizado por experientes profissionais.
3 ÍNDICE 1. Introdução ao uso clínico de antimicrobianos Introdução Definições Princípios básicos Falha terapêutica Aspectos morfológicos das bactérias e mecanismos de ação dos antimicrobianos Aspectos morfológicos das bactérias Identificação das bactérias Mecanismos de ação de antimicrobianos Antimicrobianos betalactâmicos: penicilinas Introdução Classificação Reações adversas Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas Introdução Classificação Aspectos farmacológicos Espectro de ação Mecanismos de resistência Uso clínico das drogas da classe Reações adversas e toxicidades Antibióticos betalactâmicos: carbapenêmicos Introdução Mecanismo e espectro de ação Mecanismos de resistência Aspectos farmacológicos Uso clínico Efeitos adversos...58
4 6. Quinolonas Introdução Mecanismo de ação Mecanismos de resistência Aspectos farmacológicos Espectro de ação e uso clínico Uso clínico das drogas específicas Efeitos adversos Macrolídeos Introdução Eritromicina Espiramicina Azitromicina Claritromicina Efeitos adversos Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios Glicopeptídios Oxazolidinonas Lipopeptídios Aminoglicosídeos Introdução Mecanismos de ação Mecanismos de resistência Aspectos farmacológicos Espectro de ação e uso clínico Uso clínico das drogas específicas Efeitos adversos Polimixinas Introdução Mecanismo de ação e aspectos farmacológicos Espectro de ação e uso clínico Efeitos adversos...102
5 11. Tetraciclinas Introdução Aspectos farmacológicos Espectro de ação e uso clínico Efeitos adversos Glicilciclinas: tigeciclina Sulfonamidas: sulfadiazina e sulfametoxazol-trimetoprima Introdução Sulfadiazina Sulfametoxazol-trimetoprima Antifúngicos Introdução Anfotericina B Azólicos Equinocandinas Outros antifúngicos Antivirais Introdução Aciclovir, valaciclovir e fanciclovir Ganciclovir e valganciclovir Oseltamivir e zanamivir Tratamento das hepatites virais Antirretrovirais Introdução Ciclo de vida do HIV Recomendações de tratamento da infecção pelo HIV Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos Inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos...137
6 6. Inibidores de protease Inibidores de fusão Inibidores de integrase Inibidores de correceptor CCR Antimicrobianos contra tuberculose Introdução Rifampicina Isoniazida Pirazinamida Etambutol Conduta na hepatotoxicidade por drogas contra tuberculose Antiparasitários Antibioticoprofilaxia cirúrgica Introdução Agentes comuns de infecção de sítio cirúrgico Administração das drogas Recomendações específicas...153
7 2 Aspectos morfológicos das bactérias e mecanismos de ação dos antimicrobianos 1. Aspectos morfológicos das bactérias As bactérias são organismos unicelulares procariotas, isto é, cuja célula é desprovida de membrana nuclear e de organelas membranosas. Seu material genético permanece imerso no citoplasma e é limitado, em geral constituído por um cromossomo único. Existem, ainda, fragmentos de ácido nucleico de conformação circular, chamados plasmídeos, que têm importância na reprodução sexuada e na variabilidade genética desses micro-organismos. Além disso, diferenciam-se das células animais, entre outros aspectos, por apresentarem parede celular localizada externamente à sua membrana plasmática. O conhecimento de alguns aspectos morfológicos das bactérias é essencial para a compreensão dos sítios de ação dos antimicrobianos, dos mecanismos pelos quais impedem a sobrevida ou a proliferação dessas células e para a elucidação das características fenotípicas que tornam algumas bactérias resistentes a essas drogas. A - Parede celular Trata-se de uma estrutura semirrígida que se dispõe externamente à membrana plasmática da célula bacteriana, conferindo-lhe forma e proteção a agressões mecânicas e variações osmolares do meio. Compõe-se de peptidoglicanos, responsáveis por sua consistência, em quantidades e com características moleculares variáveis de acordo com a espécie de bactéria. Os peptidoglicanos são compostos por 2 carboidratos principais, o ácido N-acetilmurâmico e a N-acetilglicosamina, ligados a oligopeptídios de aminoácidos variados. Esses carboidratos dispõem-se alternadamente em conformação linear, formando cadeias interligadas por meio de pontes cruzadas entre os oligopeptídios, o que resulta na estrutura final do peptidoglicano (em rede ou paliçada ). Essas ligações covalentes, essenciais para a manutenção da arquitetura da parede celular, são catalisadas por enzimas chamadas transpeptidases. A síntese de peptidoglicanos inicia-se no citoplasma, onde seus precursores são produzidos separadamente e, em seguida, transportados para o meio externo por meio de moléculas lipídicas através da membrana plasmática. Na face extracitoplasmática da membrana, organizam-se em cadeias lineares, interligadas pela reação de transpeptidação, isto é, formam ligações cruzadas que se ancoram em oligopeptídios, catalisadas pela enzima transpeptidase. A natureza da parede celular varia entre os diversos gêneros de bactérias, e é essa característica que permite a sua classificação
8 20 GUIA DE ANTIBIOTICOTERAPIA pelo método de coloração de Gram. As bactérias Gram negativas possuem uma única camada de peptidoglicano na parede celular e uma membrana posicionada externamente à parede, de natureza físico-química semelhante à membrana plasmática, onde estão presentes proteínas transmembrana denominadas porinas. Pela natureza delgada da parede, a impregnação por corantes basofílicos é pobre e o aspecto, à microscopia ótica após a coloração, é eosinofílico ( rosa ). Figura 1 - Diferenças morfológicas do envoltório de bactérias Gram positivas e Gram negativas As bactérias Gram positivas apresentam várias camadas de peptidoglicanos em sua parede que, portanto, é mais espessa e permanece impregnada por corantes basofílicos mesmo após as etapas de lavagem do método, com aspecto final azul na coloração. São desprovidas de membrana externa. Essas diferenças são responsáveis por diferentes padrões de sensibilidade entre Gram positivos e Gram negativos às diversas classes de antimicrobianos, daí a importância do conhecimento da classificação pela coloração de Gram de determinada bactéria para a escolha terapêutica adequada. B - Membrana plasmática e membrana externa A membrana plasmática da célula procariótica tem características físico-químicas semelhantes às da célula eucariótica e constitui-se basicamente de uma bicamada de fosfolipídios, onde se ancoram proteínas transmembrana. Sua principal função é a permeabilidade seletiva, isto é, a regulação de trocas de íons e outras substâncias entre o citoplasma e o meio extracelular, de acordo com as necessidades da célula. Além disso, regula o equilíbrio osmótico entre os meios, protegendo a célula de lise em situações de variação de osmolaridade.
9 5 Antibióticos betalactâmicos: carbapenêmicos 1. Introdução Os carbapenêmicos são antibióticos betalactâmicos derivados da tienamicina, composto produzido naturalmente por Streptomyces cattleya. São as drogas de mais amplo espectro entre os betalactâmicos e estáveis à hidrólise pela maioria das betalactamases, o que as torna escolha no tratamento empírico de infecções graves e nosocomiais, causadas por agentes multirresistentes. No Brasil, estão aprovados para uso clínico o imipeném, o meropeném e o ertapeném. Apesar de disponível em vários outros países, o doripeném ainda não é comercializado no Brasil, sendo seu espectro muito semelhante ao do meropeném. 2. Mecanismo e espectro de ação Assim como os demais betalactâmicos, os carbapenêmicos agem ligando-se às PBPs transpeptidases envolvidas na síntese da parede celular bacteriana, levando a célula à lise. No entanto, têm alta afinidade pela PBP de alto peso molecular, o que os torna altamente ativos contra Gram positivos e Gram negativos. Além disso, penetram a membrana externa de Gram negativos por meio de porinas específicas, a OprD diferentemente das OmpC e OmpF utilizadas por penicilinas e cefalosporinas, o que permite o afluxo rápido e altas concentrações no espaço periplasmático. Essa característica dificulta a hidrólise por betalactamases, que habitualmente já têm menor afinidade pelas moléculas carbapenêmicas quando comparadas àquelas pelo anel betalactâmico das penicilinas e pelo anel cefêmico das cefalosporinas. Dessa forma, a maioria das cepas permanece sensível a carbapenêmicos mesmo quando resistentes às penicilinas e às cefalosporinas de 4ª geração. Além dos Gram positivos e dos Gram negativos habitualmente sensíveis a penicilinas e cefalosporinas, seu espectro inclui Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Enterobacter cloacae, Citrobacter freundii, Proteus rettgeri, Serratia marcescens, Proteus vulgaris, Klebsiella oxytoca, Pseudomonas aeruginosa e Bacteroides fragilis, bactérias frequentemente produtoras de penicilinases e betalactamases. Os carbapenêmicos têm espectros de ação semelhantes entre si. O imipeném é levemente mais ativo contra Gram positivos, enquanto o meropeném e o ertapeném são ligeiramente mais ativos contra Gram negativos aeróbios. Todas as drogas são muito eficientes contra Streptococcus beta-hemolíticos, Streptococcus pneumoniae e Staphylococcus (S. aureus e S. epidermidis) meticilinossensíveis. O imipeném apresenta atividade bacteriostática contra Enterococcus faecalis sensível a penicilina, porém o mesmo não ocorre com as demais drogas da classe. Já o Enterococcus faecium é resistente a todos os carbapenêmicos.
10 54 GUIA DE ANTIBIOTICOTERAPIA Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis são altamente sensíveis a carbapenêmicos. O mesmo ocorre com Haemophilus influenzae, que tem Concentração Inibitória Mínima (CIM) ainda menor para o meropeném. As drogas dessa classe são muito ativas contra Enterobacteriaceae, incluindo E. coli, e os gêneros Citrobacter, Enterobacter, Serratia, Providencia e Proteus. Habitualmente, esses gêneros apresentam CIMs menores para o meropeném quando comparados ao imipeném. O meropeném é a droga mais ativa da classe contra Pseudomonas aeruginosa, no entanto o imipeném também pode ser usado com segurança e eficiência para infecções por esse agente. Essa atividade inclui cepas resistentes a cefalosporinas e penicilinas anti-pseudomonas. Já o ertapeném não é dotado de ação contra Pseudomonas. Outros bacilos Gram negativos não fermentadores são sensíveis a essas drogas, como Acinetobacter baumannii, contudo Stenotrophomonas maltophilia e Burkholderia cepacia são intrinsecamente resistentes a todos os carbapenêmicos. São drogas com espectro anaerobicida, que inclui cocos Gram positivos e bacilos Gram negativos, entre estes Bacteroides fragilis e outras espécies do gênero. Além disso, são ativas contra Clostridium com exceção de Clostridium difficile, Fusobacterium e Prevotella. Outras características aplicáveis à clínica dessas drogas são a atividade contra Nocardia sp. e Actinomyces sp. Têm graus variáveis de ação contra micobactérias, mas raramente são usados com essa indicação, exceto no contexto da multidrogarresistência. Fique atento É frequente o médico esquecer que os carbapenêmicos fazem cobertura ampla contra anaeróbios, tanto os Gram positivos presentes habitualmente na boca quanto os Gram negativos habituais do abdome. Por isso, não é necessário manter a associação a metronidazol ou clindamicina nestes casos. 3. Mecanismos de resistência Os mecanismos de resistência a carbapenêmicos são similares aos descritos para os demais betalactâmicos, porém são muito menos comuns: - Hidrólise por enzimas (betalactamases ou carbapenemases); - Alteração estrutural do sítio de ação (PBP), resultando em diminuição da afinidade; - Diminuição da permeabilidade da membrana externa por alteração das porinas; - Aumento do efluxo da droga por mecanismo ativo (bombas de efluxo). As drogas dessa classe são muito mais estáveis e resistentes à ação de betalactamases. A alteração de PBP também é o principal mecanismo de resistência em Gram positivos. No entanto, como os carbapenêmicos apresentam alta afinidade por sua PBP específica, a resistência por esse mecanismo é mais rara. Nos Gram negativos, habitualmente, os altos níveis de resistência são obtidos por meio da associação de mais de 1 dos mecanismos descritos. Embora os carbapenêmicos sejam muito mais estáveis diante da hidrólise por betalactamases que os demais betalactâmicos, existem alguns tipos de enzimas com propriedade de carbapenemases. A resistência pode ocorrer, ainda, em virtude de mutações que tornam ausentes as porinas do tipo OprD em sua membrana externa. Esse mecanismo foi detectado principalmente em Pseudomonas e Enterobacter, mas pode estar presente em outros gêneros, podendo ocorrer isoladamente ou em associação à produção de betalactamases ou com bombas de efluxo. Quando surge isoladamente, pode representar a diminuição de permeabilidade a uma das drogas da classe, mantendo, no entanto, a sensibilidade da bactéria às demais por exemplo, resistência ao imipeném com sensibilidade ao meropeném o que indica que drogas diferentes, eventualmente, podem utilizar porinas distintas para penetrar na célula bacteriana.
11 9 Aminoglicosídeos 1. Introdução Os aminoglicosídeos são antibióticos naturais de um grupo cuja 1ª droga foi a estreptomicina, substância isolada em 1944, a partir de culturas da bactéria filamentosa (actinomiceto) Streptomyces griseus. Sua composição química en volve 2 ou mais aminocarboidratos unidos por uma ligação glicosídica. A ação é bactericida, relacionada à inibição da síntese proteica. As principais drogas desse grupo são a estreptomicina, a gentamicina, a neomicina, a tobramicina e a amicacina (antibiótico semissintético). Tabela 1 - Características gerais Mecanismo de ação Ação por meio da ligação ao RNA ribossômico (RNAr), inibindo o início da síntese proteica, provocando a produção de proteínas defeituosas e não funcionais (incluindo as proteínas da membrana celular), o que leva a lise celular e consequente morte bacteriana Farmacodinâmica Concentração-dependentes Efeito antimicrobiano Ação bactericida Resistência - Cromossômicas e extracromossômicas: Mecanismos: * Alteração estrutural do sítio de ação ribossômico; * Síntese de enzimas inativadoras. Propriedades Efeito pós-antibiótico 2. Mecanismos de ação Os aminoglicosídeos agem por meio da ligação a regiões altamente conservadas do RNAr, impedindo a ligação adequada ao RNA mensageiro (RNAm) para a tradução e o início da síntese proteica. Além disso, mesmo que seja iniciada a síntese proteica, a presença do aminoglicosídeo induz ao pareamento errôneo entre os códons do RNAm e anticódons do RNA transportador (RNAt), provocando a produção de proteínas defeituosas e não funcionais. Dentre essas proteínas, estão inclusas as responsáveis pela estrutura da membrana celular, que se tornam anômalas e incapazes de mantê-la, o que leva à lise celular e à consequente morte bacteriana. Essa ação garante aos aminoglicosídeos efeito bactericida contra agentes sensíveis. Como o seu sítio de ação se localiza no meio intracelular, a atividade dos aminoglicosídeos depende da sua capacidade de penetrar a célula bacteriana, ou seja, ultrapassar as barreiras da parede celular e da membrana plasmática além da membrana externa, dos Gram negativos. A fase inicial de penetração da droga na célula é feita por transporte ativo, com gasto de energia dependente de ATP produzido por meio de mecanismos aeróbios. Por essa razão, o grupo é ativo apenas contra bactérias aeróbicas. A partir do momento em que as primeiras moléculas de aminoglicosídeos penetram
12 92 GUIA DE ANTIBIOTICOTERAPIA a célula e alcançam o seu sítio de ação ribossômico, inicia-se a síntese de proteínas defeituosas de membrana, o que promove alteração da permeabilidade celular, permitindo a entrada de mais moléculas da droga por mecanismos passivos e garantindo a sua ação bactericida. É importante ressaltar que a permeabilidade da célula a aminoglicosídeos é influenciada pela osmolaridade e pelo ph do meio externo, o que significa que situações de desequilíbrio acidobásico e/ou eletrolítico, como cetoacidose diabética ou, ainda, características do interior de um abscesso, podem resultar na inatividade dessas drogas. 3. Mecanismos de resistência O principal mecanismo de resistência bacteriana a aminoglicosídeos é a alteração estrutural do sítio de ação ribossômico, diminuindo a sua afinidade com o antibiótico e impedindo, dessa forma, a ação bactericida. Pode ocorrer, ainda, inativação enzimática, por enzimas bacterianas que se ligam aos aminoglicosídeos e alteram a sua conformação espacial, de maneira a inativá-los para a sua ação final (Enzimas Modificadoras de Aminoglicosídeos EMAs). Não ocorre hidrólise da molécula, como com os betalactâmicos degradados por betalactamases, porém, mesmo íntegras, as moléculas perdem a sua capacidade bactericida ao se ligarem às enzimas. É importante salientar que o mecanismo enzimático é substrato específico, modificando um aminoglicosídeo específico por vez. 4. Aspectos farmacológicos Nenhuma das drogas desse grupo apresenta boa biodisponibilidade oral, pois não apresentam absorção adequada no trato gastrintestinal. No entanto, podem ser usadas por essa via somente com o objetivo de descolonização ou redução de carga bacteriana do cólon, como no tratamento da encefalopatia hepática. Quando administradas por via parenteral, apresentam entre si propriedades farmacológicas semelhantes. Recomenda-se a infusão intravenosa em 15 a 30 minutos, podendo chegar a 60 minutos quando estão sendo utilizadas doses mais altas uma única vez ao dia. A droga aplicada por via intramuscular é totalmente absorvida, chegando ao pico de concentração sérica de 60 a 90 minutos após a injeção. Os aminoglicosídeos alcançam altas concentrações séricas, próximas às concentrações tóxicas, e difundem-se rapidamente pelos líquidos intersticiais. Atingem concentrações terapêuticas no parênquima pulmonar, mas somente a estreptomicina apresenta concentração adequada também nas secreções brônquicas e no escarro. Todas as drogas alcançam concentrações terapêuticas nos líquidos pleural, pericárdico, ascítico e sinovial, no entanto não conseguem concentrar-se adequadamente no liquor, mesmo quando administradas em altas doses por via intravenosa. A concentração biliar também é limitada e não ultrapassa 30% da sérica. O uso sistêmico também não é capaz de atingir concentrações terapêuticas no humor vítreo, de modo que o uso tópico e a injeção intraocular estão recomendados para o tratamento de endoftalmite. Sua propriedade de não provocar processo inflamatório permite o uso por outras vias, como a inalatória, intratecal e intra-abdominal; contudo, esta última pode provocar rápida absorção e resultar em outros efeitos adversos, como a nefrotoxicidade e o bloqueio neuromuscular. São antimicrobianos concentração-dependentes, logo seu uso em dose única diária se mostrou superior no tratamento de diversas infecções, com exceção da endocardite, para a qual ainda não há estudos que validem essa posologia. O uso em dose única diária também reduz a nefrotoxicidade, que
13 15 Antirretrovirais 1. Introdução A disponibilização de drogas capazes de interferir no ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana (HIV), a ponto de suprimir sua replicação e permitir a reconstituição da imunidade do portador, mudou a história natural da síndrome da imunodeficiência adquirida ou AIDS. Desde os primeiros casos descritos, em 1977 e 1978 caracterizados como uma nova doença relacionada à disfunção imunológica em 1982, e atribuída à infecção por um novo retrovírus humano em 1984, os acometidos permaneceram sem possibilidade terapêutica até 1987, quando foi iniciado o uso da zidovudina (AZT) nesse contexto. Nesse período, a expectativa de vida dessas pessoas a partir do momento do diagnóstico feito, invaria velmente, por ocasião de doença oportunista não ultrapassava 15 meses, com média de 6 meses. Entre 1987 e 1996, o tratamento baseou- -se, inicialmente, no uso isolado de AZT e, a seguir, na terapia dupla, comprovadamente superior à monoterapia a partir de Até então, estavam disponíveis apenas drogas com o mesmo mecanismo de ação do AZT, ou seja, inibidores de transcriptase reversa. Entretanto, mesmo com a terapia dupla, apenas 40 a 60% daqueles em tratamento alcançavam a supressão viral que, ainda que obtida, tinha curta duração. Somava-se à baixa efetividade dos esquemas propostos a dificuldade de adesão das pessoas ao tratamento, em virtude da grande quantidade de comprimidos e dos efeitos adversos, sobretudo a intolerância gastrintestinal. Desse modo, o tratamento antirretroviral (TARV) aumentava a expectativa de vida, porém ainda era alta a incidência de doenças oportunistas e significativo o comprometimento da qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV. Foi a partir de 1996 que se iniciou o período que ficaria conhecido como era HAART, sigla em inglês para TARV de alta potência, composta por no mínimo 3 drogas, ou 2 inibidores de transcriptase reversa associados a 1 inibidor de protease, nova classe de drogas licenciada nos Estados Unidos no ano anterior. Essa combinação se mostrou muito superior à terapia dupla na supressão da replicação viral e, consequentemente, na reconstituição da imunidade e na diminuição da incidência de doenças oportunistas, de tal sorte que, em 1999, a mortalidade específica por AIDS já havia sido reduzida em 50%. Desde então, foram lançadas novas classes de medicamentos com ação sobre o HIV e novas drogas das classes existentes, com melhora progressiva da tolerabilidade e do perfil de segurança. Atualmente, existem 21 drogas disponíveis e 4 formulações de combinações de tratamento em comprimidos (tenofovir + lamivudina; zidovudina + lamivudina; tenofovir + lamivudina + efavirenz; lopinavir/ritonavir), oferecidas gratuita e universalmente pelo Programa Nacional de DSTs, AIDS e Hepatites Virais no Brasil, onde há cerca de pessoas em TARV. A
14 132 GUIA DE ANTIBIOTICOTERAPIA eficácia dos esquemas de alta potência e a facilidade de adesão possibilita a supressão viral prolongada e a estabilidade imunológica, o que tornou a expectativa de vida das pessoas que vivem com HIV semelhante à da população geral. Por outro lado, o tratamento prolongado suscita novos cuidados com esses indivíduos, referentes às toxicidades em longo prazo desses medicamentos e às doenças crônico-degenerativas. Neste capítulo, discutiremos brevemente as características das principais drogas atualmente em uso para tratamento da infecção por HIV no Brasil. 2. Ciclo de vida do HIV A compreensão dos mecanismos de ação das drogas antirretrovirais depende de uma breve descrição do ciclo de vida do HIV, tarefa a que se destina esta sessão. Uma vez em contato com as células-alvo notadamente linfócitos T, macrófagos e células gliais, o vírus se acopla aos receptores CD4 da superfície dessas células por meio da glicoproteína gp120 de seu envelope. Vale ressaltar que essa ligação ocorre também a correceptores da superfície celular, mais precisamente dos receptores de citocinas CXCR4 em linfócitos e CCR5 em macrófagos. Essa etapa permite a exposição do domínio de fusão da proteína transmembrana viral gp41, o que possibilita a fusão da membrana do vírus à célula e, consequentemente, sua entrada na célula-alvo. Uma vez no citoplasma da célula, o material genético do vírus, composto por RNA, sofre a ação da enzima viral transcriptase reversa, que sintetiza DNA de fita dupla complementar ao RNA denominado DNA proviral, ou provírus. Juntamente com proteínas virais e a enzima integrase, o DNA proviral compõe um complexo pré-integração, carreado ao núcleo da célula hospedeira, mesmo quando esta não está em divisão. Desse modo, o DNA proviral pode ser integrado ao DNA celular, estabelecendo uma cópia linear do genoma do HIV dentro do genoma da célula, de modo que a replicação viral possa ocorrer de maneira acoplada à expressão gênica e síntese proteica celular. A integração é permanente, isto é, persiste por toda a vida da célula e se estende à sua progenia por toda a vida do hospedeiro. Integrado ao material genético celular, o provírus passa a se replicar por meio dos mecanismos regulatórios e da maquinaria da célula. O DNA é transcrito em RNA mensageiro, que é carreado até o citoplasma onde pode ser traduzido em proteínas virais inicialmente regulatórias para o próprio ciclo do vírus e, no decorrer da infecção, sinalizam para a produção de uma poliproteína viral que, sob a ação de clivagem da enzima protease, origina as proteínas estruturais que serão usadas no processo de composição de novas partículas ou vírions. As partículas virais maduras emergem da superfície celular para o meio externo, em microdomínios altamente específicos da membrana, completando o ciclo. Um alto nível de produção viral é mantido ao longo da infecção crônica como resultante da replicação em vários compartimentos celulares sangue, tecidos linfoides, vísceras, sistema nervoso central etc. A patogênese da infecção pelo HIV reflete uma complexa interação entre o vírus e o sistema imunológico, particularmente com os mecanismos responsáveis pela homeostase e regeneração das populações de linfócitos T. A perda progressiva de linfócitos T CD4 deriva de uma combinação da destruição precoce de populações de células T de memória, do intenso aumento do turnover dessas células, do dano ao timo e outros tecidos linfoides, e de limitações fisiológicas para a renovação periférica dos linfócitos T CD4, além dos efeitos indiretos do vírus sobre as vias hematopoéticas e imunorregulatórias, igualmente importantes. Todos esses componentes só podem ser revertidos com a supressão completa da replicação viral, o que se torna, portanto, objetivo do tratamento. Diversas etapas cruciais do ciclo de vida do HIV foram idealizadas como alvos terapêu-
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