Letícia, 17, está de pé no muro do telhado de sua escola. Ela olha para baixo e vê a rua.
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- Mafalda Cipriano Duarte
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1 Letícia, 17, está de pé no muro do telhado de sua escola. Ela olha para baixo e vê a rua. Outros alunos fumam cigarro escondido do outro lado da cobertura. Luiz vê o horário no seu relógio e avisa a todos que estão atrasados. Eles correm para não perder a aula. João Pedro espera mais um pouco. Ele anda pelo telhado enquanto termina seu cigarro. João Pedro vê Letícia em cima do muro. Ele estranha a cena. João Pedro joga fora a bituca e vai embora. Letícia ouve um barulho, olha para trás e não vê ninguém. Todos já estão em sala de aula. Letícia presta atenção, anota em seu caderno e colabora com o professor. Ela é elogiada pelo professor. No refeitório, Letícia vai até a cozinha para pedir uma faca afiada. Ela senta sozinha para comer enquanto desenha lugares altos como prédios. Letícia volta de bicicleta para casa. Letícia vai até a cozinha e descasca um pera minuciosamente. Ela prepara um banho de banheira e tranca a porta. Sua mãe, Silvia chega e bate na porta. Letícia responde que já vai sair. As duas fazem as tarefas de casa, como passar roupa e cozinhar. Jantam na mesa da cozinha e conversam brevemente sobre seus dias. Elas lavam a louça e voltam para a mesa da cozinha para estudarem. Silvia pede auxílio da Leticia nos seus estudos. Mais tarde, elas sentam na sala para assistir a novela, enquanto Silvia borda e Letícia desenha. Letícia se despede da mãe e vai para o seu quarto. Antes de dormir, Letícia lê seus poemas depressivos. Na manhã seguinte, Luiz vê Letícia subir para o telhado da escola logo após o sinal ter tocado. Ele estranha. Na sala de aula, a professora Maria Rita sente falta de Letícia e pergunta se alguém a viu. Começa um debate sobre quem é Letícia. Luiz comenta com todos que a viu subir para o telhado antes da aula. João Pedro olha preocupado para Luiz. A professora pede para os alunos deixarem os deveres de casa na sua mesa e vai até o corredor chamar o monitor para procurar por Letícia. Enquanto isso, João Pedro anota numa folha em branco: vi ela no telhado, parecia que ia se jogar. Ele mistura esta folha com a sua tarefa e a de seus colegas. João Pedro deixa os documentos na mesa de Maria Rita. A professora volta e vê o bilhete anônimo. Ela se assusta, pergunta rapidamente quem o escreveu, deixa o bilhete cair e corre em direção ao telhado. Os alunos pegam o bilhete e caçoam. No telhado, Maria Rita procura agoniada por Letícia no telhado e no chão. Ela desce e vai em direção à sala. No corredor encontra Letícia, que volta da enfermaria. Maria Rita pergunta se ela está bem. Letícia alega que era apenas uma dor de cabeça. As duas entram na sala e Luiz comenta:
2 - Viu professora, tá viva!. Todos riem. Luiza não compreende. Após a aula, Maria Rita vai até a diretora, Cristina, contar sobre o ocorrido. Cristina não se importa com o caso. No refeitório, todos comentam e olham para Letícia. Ela percebe os olhares curiosos. Letícia vai ao banheiro. Ao sair de lá, a faxineira entra e encontra nas portas internas anotações e desenhos relacionados à morte. A faxineira mostra para Cristina, que fica assustada. À noite, Silvia e Letícia cozinham. O telefone toca. É Cristina que quer marcar uma reunião em particular com Silvia sobre Letícia. Silvia pergunta a filha qual seria o assunto do encontro, porém Letícia não sabe informar. Silvia, Cristina e Maria Rita estão todas na sala da diretora. Maria Rita passa as informações para Silvia. Maria Rita afirma que Letícia possui um perfil suicida, pois está sempre desacompanhada, quieta e séria. Silvia chora. Ela se despede. Silvia anda nos corredores da escola desestabilizada. Ela vê Letícia sentada sozinha no refeitório, enquanto os outros alunos se divertem. Silvia espera por Letícia em casa. A menina estranha à situação. No jantar, Silvia toca no assunto da reunião na escola de Letícia e pergunta diretamente sobre a vontade de suicídio da filha. Letícia nega. Letícia anda de bicicleta até a escola. Um motoqueiro a derruba. Letícia sangra em seu braço e sua perna está ralada. O pneu da sua bicicleta murcha. Letícia anda até o colégio segurando a bicicleta. Na escola, ela vai até o banheiro para limpar o sangue. Duas alunas entram e veem a cena. Elas encaram Letícia, que ao sair, resolve colocar o casaco. Já em casa, Letícia descasca a casca da fruta com uma faca afiada. Ela corta o seu dedo. Ela faz um curativo. Silvia chega e vê a mão da filha. Letícia diz que foi um corte raso. No momento em que Letícia sai para escola, Silvia liga para Cristina e pede para que proibam que Letícia use a faca ou objetos afiados durante o período escolar. Após a aula, Letícia vai até a cozinha do colégio e pede por uma faca. A auxiliar de cozinha nega o pedido. Letícia come sua refeição com uma faca sem ponta. Senta-se à mesa, humilhada e irritada. Ela não corta um pedaço de carne e leva sem demora a boca. Sem mastigar direito, ela engole. Letícia engasga. De repente, o silêncio toma o refeitório, subsequentemente o desespero dos alunos. Um professor
3 levanta para ajudar Letícia. Ela cai no chão. Ela está vermelha, sem ar. Ela tenta colocar dois dedos na garganta. Finalmente, Letícia arranca o pedaço de carne da sua boca. Ela cospe no chão os restos de carne. Todos a olham com desprezo e nojo ao mesmo tempo. Letícia está abalada e não consegue se levantar. Na enfermaria, avaliam Letícia. Silvia é chamada pela diretora, que comenta o que aconteceu. Cristina pergunta para Silvia se ela sabe os reais motivos dos machucados encontrados em Letícia. Silvia diz que não tinha consciência de outros ferimentos, apenas o da mão. Silvia se assusta ainda mais com o estado de Letícia. Silvia declara que precisa de uma ajuda. Cristina concorda e decide contratar um psicólogo. No jantar, Silvia serve sopa para Letícia. Letícia indaga. Silvia diz que sua garganta ainda está muito fraca. Silvia avisa que irá levar e buscar Letícia no colégio a partir de amanhã. Silvia dá um beijo na testa de Letícia. Cristina anuncia na classe de Letícia sobre a chegada do novo psicólogo e psiquiatra, Augusto. Letícia é convocada para conversar com Augusto. A conversa é curta. Letícia não fala muito. Na sala de Cristina, estão Silvia e Augusto que discutem a situação de Letícia. O psiquiatra defende que, mesmo os acidentes superficiais, são atos inconscientes de automutilação e que Letícia precisa de um cuidado maior. Silvia incentiva a todos a tomarem atitudes que privem Letícia de se machucar e, consequentemente, de se suicidar. No dia seguinte, um monitor vigia Letícia. Letícia estranha. No refeitório, dão talheres de plástico e sopa com pão para Letícia. Letícia larga o prato na bancada e vai embora. Letícia sobe ao telhado, mas a porta está trancada. Na sala de aula, Letícia não acha seu estojo na mochila. Maria Rita pega o estojo de Letícia na sua gaveta e entrega para a aluna. No final da aula, Maria Rita pede o estojo de volta. Letícia se recusa e enfurece. Letícia assusta a classe. Maria Rita vai até Letícia e diz num em tom sério e autoral: - Facilita Letícia. Maria Rita toma o estojo de Letícia. Letícia fica sem reação. Letícia sai da sala e caminha até o portão. Silvia chega. Elas voltam para casa. Em casa, Letícia sente a falta de alguns objetos. Silvia diz que contratou uma empregada e ela estava arrumando a casa. Letícia vai tomar banho, e percebe a falta da chave. Mãe e filha esquentam a comida no micro-ondas e comem.
4 Letícia tenta prestar atenção na aula. No refeitório, come a comida designada para ela. Lê um livro sentada no pátio. Na saída, Letícia espera por Silvia, que está atrasada. Em casa, Silvia pergunta se Letícia quer comer algo. Ela pede para comer uma pera descascada. Silvia vai até a cozinha, abre no armário um fundo falso e pega uma faca. Silvia leva para Letícia. Letícia diz que não está descascada do jeito que ela gosta. Silvia volta para cozinha e descasca novamente. Silvia entrega o prato para Letícia. Letícia olha para o prato e deixa sobre a cama. Silvia e Letícia estão no carro. Silvia canta Samba de Prelúdio enquanto pega na mão de Letícia. As duas vão à Igreja. Silvia chora. Na sala de casa, Letícia assiste televisão. Ela observa a mãe que está bordando. Na sala de aula, Letícia escuta burburinhos sobre ela. Ela sai irritada para o banheiro e busca se acalmar. Letícia pede para Silvia que ela prepare um banho de banheira. Silvia sensibilizada, diz que sim, com a condição de deixar a porta aberta. Letícia concorda. Silvia estuda na mesa da cozinha com uma posição estratégica para ver Letícia no banho. Letícia está na banheira. Letícia sai discretamente e fecha a porta com um móvel. Silvia escuta o barulho do móvel e vai até o banheiro. Ela tenta abrir a porta e não consegue. Silvia começa a berrar e a empurrar a porta. Letícia aproveita segundos de baixo d água, relaxa e sai. Ela retira o móvel e abre a porta. Silvia dá um tapa na cara de Letícia. Letícia sente-se com raiva e olha com desprezo para a mãe. Silvia a abraça, e explica novamente que ela só quer o bem dela. Silvia vai procurar ajuda de Augusto. Ele prescreve um calmante forte para Silvia colocar escondido na refeição de Letícia. À noite, Silvia coloca escondido no prato de sopa de Letícia a medicação. Letícia sente um forte cansaço e vai para cama. Letícia está extremamente cansada e dorme na aula. Ela come pouco no refeitório. Ignora os olhares de seus colegas. Em casa, Silvia dá banho em Letícia e dorme com a filha. Letícia está sentada num banco enquanto espera Silvia terminar suas compras na feira. Silvia leva Letícia para casa. Letícia senta na sala. Ela vê Silvia preparar o almoço. Silvia retira um pequeno pote de seu bolso. Ela amassa ele com a colher e joga em uns dos pratos. Letícia estranha. Na mesa do jantar, Letícia observa o seu prato de sopa. Ela come. Mais tarde, enquanto Silvia toma banho, Letícia vomita na pia da cozinha.
5 Pela manhã, Letícia está disposta. Ela vai para a escola, e observa tudo atentamente. Ela volta para casa. Enquanto Silvia faz o jantar, ela procura o pote no quarto da mãe. Letícia encontra o tal com remédios escondido dentro do travesseiro de Silvia. Letícia analisa o pote e recoloca-o no mesmo lugar. Silvia e Letícia jantam. Silvia vai tomar banho e Letícia vomita o remédio na pia da cozinha. Após o sinal da aula, Letícia vai à enfermaria da escola, alega dor de cabeça e pede para se deitar. A enfermeira deixa Letícia deitada numa maca e fecha a cortina que separa os ambientes. Numa brecha, Letícia procura alguma medicação parecida com a do pote. Encontra quatro pílulas esconde dentro de seu sutiã. Em casa, pega a medicação no travesseiro de Silvia e faz a troca com as de seu sutiã. Joga fora pela a privada a medicação do pote. Letícia sente seu intestino solto durante a noite. Silvia tenta ajudar a filha. Letícia diz que está bem. Passar os quatros dias, Silvia e Letícia estão jantando. Letícia se recusa a comer. Silvia força a filha. Letícia ataca Silvia com a cadeira e a deixa desacordada. Quando Silvia acorda, ela está com suas mãos amarradas com pedaços de roupas rasgadas. Silvia argumenta fervorosamente com Letícia, que coloca um pano em sua boca. Durante o dia, Letícia força Silvia a fazer as tarefas domésticas com as mãos amarradas e a boca fechada, inclusive a costura. No banheiro, Silvia é obrigada a fazer suas necessidades na frente de Letícia. No banho, Letícia retira o pano da boca de Silvia e desamarra a mãe. Silvia é lavada pela filha. Silvia foge da banheira. Letícia corre atrás da mãe. Letícia pega o braço de Silvia, que dá uma cabeçada nela. Letícia quebra seu nariz e larga o braço de Silvia. Silva escorrega no corredor. Letícia sobe em cima da mãe dá um soco no rosto dela. Letícia tenta prender as mãos de Silvia. Há um pequeno pedaço de madeira saindo do rodapé. Silvia arranca e machuca o rosto e Letícia. As duas lutam pelo pedaço de madeira. Letícia consegue pegar e cortar Silvia perto do útero. Silvia grita de dor. Letícia amarra os braços da mãe. Letícia se afasta e deixa Silvia sangrar. Silvia discursa sobre sua falta de liberdade que ela teve quando Letícia nasceu. Letícia não escuta a mãe. No jantar, Silvia está sentada com uma toalha nas costas. Letícia coloca o remédio na sopa de Silvia. Silvia come. Logo em seguida, Letícia leva Silvia para o quarto. Letícia coloca o pano na boca da mãe e senta na cadeira ao canto do quarto para esperá-la dormir. Alguns minutos depois, Silvia desmaia. Silvia acorda completamente abalada. Percebe que suas mãos estão soltas e não está com o pano na boca. Vai até a sala e encontra Letícia sentada no sofá. Letícia diz:
6 - Não tem pera em casa. Silvia está em choque, mas se prontifica a ir comprar no supermercado. Ela saia de casa e liga para Dr. Augusto. Explica a situação e pede urgência. No supermercado, Silvia pega algumas peras, logo retira as frutas e deixa apenas uma. Silvia volta para casa, traz a fruta para Letícia. Letícia demanda uma faca. Silvia vai até um armário da cozinha, pega uma chave que estava escondida e abre a gaveta dos talheres. Entrega a faca para Letícia. Letícia mal consegue cortar a pera. Ela se desespera. Toca a campainha. Silvia atende a porta. Entram dois homens com jalecos brancos na casa. Letícia tenta fugir deles. Consegue sair do apartamento, descer as escadas e correr no meio da rua. Os dois homens e Silvia correm atrás de Letícia. A menina está trêmula e chora. Ela desiste de correr e para no meio da rua. Os homens a alcançam. Letícia cai no chão e é levada por eles. Letícia olha para Silvia desesperada. Os homens pegam e injetam um sedativo em Letícia. Silvia fica desconcertada e desiste de olhar para Letícia. Quatro meses se passam. Letícia está no banheiro. Uma enfermeira dá banho nela. Ela está extremamente magra, com aproximadamente 40 kg. Sua expressão é nula, seu olhar é vazio e seu corpo está sem postura. No jardim do hospital ela toma sol. Silvia chega. Ela conversa com Letícia, que nada responde. Letícia está na sala de lazer com todos os outros. Possui um papel e gizes de cera na sua frente. Ela encara o papel sem reação. Silvia está no quarto do hospital com a filha. Enquanto Letícia assiste televisão, Silvia costura. Silvia fica feliz pelo resultado de seu casaco e comenta com Letícia, que nada responde. A enfermeira entra no quarto para trazer o almoço de Letícia. Silvia diz para a enfermeira que dará a refeição para a sua filha. Silvia senta ao lado de Letícia da cama e alimenta a menina. Silvia observa Letícia, vê o olhar vago dela. Silvia larga o prato, coloca suas mãos no rosto de Letícia, olha emocionada no fundo dos olhos da filha e diz: - Você é tudo pra mim. Silvia volta para casa. Chora pela falta da filha. Resolve colocar tudo no seu devido lugar. Silvia e Letícia estão na mesa da cozinha da casa delas. Silvia estuda enquanto Letícia observa tudo. Letícia diz para a mãe: - Eu não sabia que queria, mas vocês me contaram.
7 Silvia tenta conter o choro. Letícia, Silvia e Maria Rita estão na sala de Cristina. Silvia afirma que Letícia já está em boas condições para voltar a estudar. Cristina lembra Silvia que o terceiro ano está na época de provas e vestibular. Maria Rita defende Letícia, argumentando que ela sempre foi uma boa aluna. Letícia ouve toda a conversa sem demonstrar interesse. Letícia vai para a escola de ônibus. Não apresta atenção na aula. Age indiferentemente com todos. Almoça no refeitório. O cozinheiro lhe traz a faca, Letícia nem nota. Os olhares dos colegas não estão mais em Letícia. Ela senta sozinha em um dos corredores da escola. Letícia come a pera com a mão e com casca. Ela resolve ir até o telhado da escola, que está aberto. Letícia está em cima do muro do telhado.
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