PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante DOUGLAS RAMOS, é apelado GILMAR JOSÉ JACOMO. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES (Presidente) e GIFFONI FERREIRA. São Paulo, 13 de julho de Alcides Leopoldo e Silva Júnior Relator Assinatura Eletrônica

2 APELAÇÃO CÍVEL Processo n Comarca: Ribeirão Preto (8ª Vara Cível) Apelante: Douglas Ramos Apelado: Gilmar José Jácomo Juíza: Ida Inês Del Cid Voto n EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL Dano Moral Cerceamento de defesa Inexistência Panfletos distribuídos em condomínio que denunciam irregularidades na contratação de empresa para realização de obras em Condomínio Não configuração de má-fé ou abuso do direito Somente a deliberada intenção de prejudicar, por fatos sabidamente falsos, importa na obrigação de compensar o dano moral Inexistência de calúnia ou difamação - É inadmissível a proibição em abstrato de expressão por meio de panfletos ou mídias, sob pena de violação ao princípio constitucional da livre manifestação do pensamento, no que se inclui o direito de crítica, ainda que possível a responsabilização posterior - Honorários advocatícios bem fixados - Recurso desprovido. Trata-se de ação de obrigação de não fazer c.c. indenização por dano moral, alegando o autor que pelo período superior a um ano o requerido distribuiu panfletos no Condomínio Recreio Internacional, onde residem, conclamando os residentes a ingressarem com ação, em razão das obras realizadas pela Associação de Moradores SARI, aduzindo que este é advogado, sendo clara sua intenção de captar clientes, em razão do que o representou perante a OAB, e por também distribuir panfletos contendo diversas acusações caluniosas e difamatórias contra o requerente, pleiteia que seja condenado a se abster de divulgar novos panfletos ou mídias, imputandolhe acusações difamatórias e caluniosas, sob pena de multa e indenização por dano moral no valor de R$ ,00. Apelação nº Voto nº

3 A r. sentença, cujo relatório se adota, integrada às fls. 178, julgou improcedente a ação, cassando a liminar concedida, na medida em que descaracterizada a alegada acusação de calúnia e difamação contra o autor, condenando-o ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa (fls. 164/168). O requerente apelou arguindo o cerceamento de defesa, pelo julgamento antecipado da lide, eis que pretendia provar, mediante oitiva de testemunhas, o dano moral causado pela atitude do apelado, e, no mérito, afirmou que o réu abusou de seu direito, restando caracterizada a má-fé ao imputar-lhe falsamente a prática de ilícitos, caluniando-o e difamando-o perante a população do condomínio onde vivem, o que se prolonga por mais de um ano, o que fez tão somente para angariar clientes, pugnando pela a reforma da sentença para acolhimento dos pedidos, ou, subsidiariamente a redução do valor dos honorários advocatícios (fls. 181/188). Foram apresentadas contrarrazões sustentando-se a manutenção da sentença, e requerendo a aplicação das penas por litigância de má-fé (fls. 194/202). 237). Não houve oposição das partes ao julgamento virtual (fls. É o Relatório. A data da decisão é que estabelece a legislação processual a ser aplicada ao recurso, no caso o CPC/1973, por ter sido prolatada a sentença em 07/11/2015 (fls. 167). Apelação nº Voto nº

4 É regra de direito intertemporal, em observância ao ato jurídico processual perfeito, como deflui da interpretação do art. 14 do CPC/2015. Como acentuam Marinoni-Arenhart-Mitidiero 1 : "a lei do recurso é a lei do dia em que se tornou recorrível a decisão". O julgamento no estado resultou do correto entendimento quanto à desnecessidade da produção de outras provas, uma vez que os autos se encontram suficientemente instruídos por documentos, que são a causa de pedir. O apelante afirma que o réu distribuiu panfletos no condomínio onde moram, fazendo-lhe acusações caluniosas e difamatórias e com o objetivo de captar clientes para sua banca de advocacia. Os panfletos constantes às fls. 16/18, de autoria do apelado, dão notícia de uma suposta irregularidade na licitação das obras de saneamento do condomínio, que acabou ainda que indiretamente favorecendo o autor, na medida em que, apesar de Vice-Presidente do Conselho Deliberativo (fls. 90), foi contratada para o serviço, a empresa pertencente a sua esposa, e da qual era Engenheiro. Tais fatos acabaram corroborados pelo Presidente do Conselho de Moradores, Sr. Amarildo Ferreira de Menezes (fls. 82/87) que expôs motivos para anulação do referido contrato de prestação de serviços firmado pela SARI com a empresa Asbylt (fls. 103/113), sem autorização da Comissão e do Conselho, que teria ficado em segundo lugar na licitação realizada, sob o argumento de que resultaria em prejuízo de R$ ,00 ao Condomínio. 1 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. Luiz Guilherme Marinoni e al. 1ª ed. São Paulo: RT, 2015, p.113. Apelação nº Voto nº

5 Ainda que não obrigatório o procedimento de licitação na contratação por particulares, havendo o gerenciamento de interesses e a administração de patrimônio de terceiros, impõe-se a observância de padrões rígidos de impessoalidade e moralidade administrativa. Assim, como bem observado pela I. Magistrada, os informativos distribuídos pelo réu (fls. 16/18) por meio de panfletagem no condomínio não podem ser tidos como calúnia e difamação. A calúnia é a falsa imputação de crime (fato típico) e a difamação, por sua vez, é a imputação de fato determinado e ofensivo à reputação alheia, no que não se inclui a crítica, a narrativa ou denúncia de fatos relacionados à administração de Associação. Não comprovado o abuso de direito, não há obrigação de compensar o dano (art. 187 do Código Civil). Somente a deliberada intenção de prejudicar, pela divulgação de fatos sabidamente falsos, importa na obrigação de compensar dano moral, o que não se vislumbra no caso. O glossário constante do panfleto de fls. 18 está direcionado a atuação da SARI e não propriamente ao apelante. É inadmissível a proibição em abstrato de expressão por meio de panfletos ou mídias, sob pena de violação ao princípio constitucional da livre manifestação do pensamento, no que se inclui o direito de crítica, sendo entendimento do Supremo Tribunal Federal que: A liberdade de expressão constitui-se em direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica. (HC Apelação nº Voto nº

6 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em , Primeira Turma, DJ de ), ainda que possível a responsabilização posterior. Também não assiste razão ao apelante no pleito de redução dos honorários advocatícios, que foram estabelecidos com moderação, de maneira a remunerar condignamente o trabalho profissional, em conformidade com o 4º do art. 20 do CPC/1973. Por fim, não se caracterizou quaisquer das hipóteses de litigância de má-fé, não se evidenciando a deliberada intenção de distorcer informações ou a verdade, mas exercício do direito de defesa. fundamentos. Assim, deve ser mantida a r. sentença por seus judiciosos Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso. Alcides Leopoldo e Silva Júnior Relator Assinatura Eletrônica Apelação nº Voto nº