Os gargalos para o ingresso e a permanência das mulheres no mercado de TI, no Brasil Bárbara Castro

Transcrição

1 Os gargalos para o ingresso e a permanência das mulheres no mercado de TI, no Brasil Bárbara Castro Dra. em Ciências Sociais (UNICAMP)

2 Bom dia, Primeiramente gostaria de cumprimentar a todos e a todas na mesa e de agradecer à Cepal pelo convite para participar desta Conferência. Também gostaria de me desculpar com a maioria de falantes de língua espanhola nesta mesa pela apresentação em português, mas infelizmente ainda não pude me dedicar a aprender o castelhano, uma falha de formação que pretendo corrigir em breve. No meu Doutorado em Ciências Sociais, que concluí no primeiro semestre deste ano, fiz uma pesquisa sobre os profissionais de TI no Brasil buscando compreender quais eram as dinâmicas flexíveis do setor (e aqui, trato da flexibilidade no trabalho tanto da perspectiva da burla da legislação trabalhista em vigor no Brasil, para baratear os custos de contratação, quanto da perspectiva que analisa novas formas de organização do tempo e do espaço de trabalho, pelos constantes deslocamentos desses profissionais para atender a clientes e pela prática de Home Office); e como essas dinâmicas eram percebidas e vividas pelos homens e mulheres do setor, isto é, quais era os sentidos e significados que eles e elas atribuíam a essas práticas e como elas impactavam suas trajetórias profissionais e pessoais. Para responder a essas perguntas, fiz entrevistas com 60 profissionais de TI (30 homens e 30 mulheres) das cidades de São Paulo e Campinas. Por meio de seus depoimentos, colhidos com a aplicação de questionários semiestruturados, pude compreender quais são as dinâmicas sociais de gênero que produzem a baixa participação das mulheres no setor, como veremos em dados, bem como também pude compreender as dinâmicas sociais de gênero que criam impeditivos para garantir a permanência e a conquista de sucesso profissional das mulheres no setor. É sobre isso que pretendo falar hoje. Antes de apresentar os dados de campo para construir meu argumento, no entanto, destaco os dados mais duros do mercado de trabalho. Antes de fazer essas entrevistas, fiz um levantamento socioeconômico dos profissionais do setor a partir da PNAD, que é uma Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar realizada anualmente no Brasil, salvo os anos do Censo. Nessa análise pude perceber que as mulheres equivalem a um 1/5 do total dos profissionais que compõem o setor: são 20%. Apesar disso, como podemos ver no Gráfico seguinte,

3 elas são os profissionais mais bem preparados: a média das mulheres que atua no setor possui Ensino Superior Completo, enquanto que a média dos homens que atuam no setor possui Ensino Superior Incompleto (o que quer dizer que eles podem ainda estar cursando a faculdade ou a tenham abandonado sem se formar). Essa diferença de qualificação puxa a média do salário das mulheres para cima, mas isso precisa ser problematizado. Essa diferença salarial se perde quando fazemos comparações mais cuidadosas, como veremos. E a maior qualificação é explicada por uma série de fatores. O primeiro é o de que mais mulheres, de maneira geral, ingressam e concluem o Ensino Superior no Brasil. Essa é uma tendência recente que pode ser observada pelos dados das últimas PNAD s. Em seguida, podemos problematizar esse dado olhando para a diferença salarial e para a área de concentração dos profissionais do setor: apesar de serem mais escolarizadas, quando comparamos as rendas de homens e mulheres com o mesmo nível de escolaridade, as mulheres continuam recebendo menos do que os homens, como podemos observar neste Gráfico. Além disso, o teto salarial dos homens é muito maior do que o das mulheres. Elas conseguem ganham até 12 mil enquanto a renda máxima deles é de cerca de 20 mil. Mas por que eu havia me referido à menor taxa de escolarização dos homens como consequência das áreas de concentração do setor? Porque como podemos ver no Gráfico seguinte, há uma divisão do trabalho entre homens e mulheres do setor, com os homens sendo maioria no trabalho com programação e as mulheres se concentrando mais na área de analise de sistemas. Essa criação de nichos para as mulheres em profissões altamente masculinas é um traço bastante comum e percorre diversas profissões com o mesmo perfil. O que ocorre é que como a TI é uma área predominantemente ocupada por homens, a dinâmica social dos gêneros acaba criando espaços onde mulheres trabalhando se torna justificável por supostas qualidades que lhes são inatas e que faltariam aos homens. Assim, nem elas têm a sua feminilidade ameaçada nem eles o que conforma a sua masculinidade também ameaçada. Vou desenvolver isso mais à frente, mas para fechar o argumento, a área de programação é o núcleo duro do setor. Como existe uma diversidade de linguagens de programação e elas se renovam o tempo todo, ter domínio sobre elas é fundamental para a produção de

4 softwares. No entanto, um profissional programador não precisar ter, necessariamente, passado por uma qualificação formalizada pelo Ensino Superior. Um traço bastante comum entre os programadores é tanto o auto aprendizado, ou seja, eles aprendem a linguagem de maneira autodidata, por meio de fóruns especializados na Internet, cursos curtos de programação em escolas especializadas ou por meio de manuais comprados ou disponibilizados gratuitamente na Internet. Como muitos homens atuam no setor programando, e como é uma função dentro da TI que remunera bem, especialmente se se tratar de uma linguagem de programação nova, que poucos profissionais dominem, é preciso ser apenas especialista e comprovar o domínio da linguagem para ser empregado (o que é usualmente atestado pela rede de trabalho ou pelos certificados que os profissionais conseguem após passarem por provas em cursos curtos oferecidos por escolas especializadas. No mercado de trabalho de TI, as certificações são mais valorizadas do que um diploma universitário). Essa segmentação também possui desigualdades internas. Como podemos ver no Gráfico, enquanto que o rendimento médio das mulheres que trabalham como analistas de sistemas, a caixa roxa, é de R$ 2.972,54, podendo alcançar até R$ ,00, a média dos homens que ocupam a mesma função é de R$ 3.333,29, podendo alcançar até ,00. Esse padrão se repete nas ocupações vinculadas à programação, em amarelo. Enquanto que o rendimento médio mensal das mulheres programadoras de informática é de R$ 1.485,30, podendo alcançar até R$ 8.000,00, o rendimento mensal de homens programadores de informática é de R$ 1.825,62, atingindo R$ 8.500,00. Mas o que há para pensarmos sobre as dinâmicas de desigualdade de gênero e fatores de exclusão do setor para além desses números? 1) Por meio das entrevistas que realizei e do cruzamento desses dados com pesquisas anteriores que se dedicavam a investigar o mesmo tema, pude perceber que a associação socialmente construída entre tecnologia e masculinidade (não vou me aprofundar nesse ponto, mas podemos voltar a ele no debate), é o principal fator impeditivo do interesse das mulheres pelo setor de TI. Seja porque foram desde crianças ensinadas a gostar de outros assuntos, mais cabíveis ao papel de gênero socialmente construído para as mulheres, como as tarefas relacionadas à esfera do cuidado e da comunicação, seja porque,

5 mesmo tendo tido uma educação diferente, sofrem grande preconceito dos amigos, colegas e da sociedade, de uma maneira geral, quando fazem uma escolha de uma profissão associada ao universo masculino. São acusadas de serem homossexuais (o que não deveria ser um problema em si), sofrem assédio moral porque constantemente os colegas duvidam de sua capacidade técnica e também sofrem assédio sexual (nas 30 entrevistas que fiz, algumas mulheres relataram terem sofrido assédio no ambiente de trabalho ou, ainda, se tornavam suspeitas de terem crescido na empresa em troca de favores sexuais, e não como consequência de sua capacidade técnica). Como vimos, essa construção social dos papeis de gênero acaba segregando as mulheres a um nicho feminino dentro da TI, justamente aquele no qual se exige comunicação e conciliação de conflitos (papeis sociais de gênero atribuídos às mulheres): a análise de sistemas; enquanto que sua participação no que se chama de área dura da TI, a programação, permanece muito restrita, porque um programador precisa ter raciocínio lógico e ser bom de matemática, qualidades que são associadas ao universo masculino e que, pensa-se, as mulheres não executam tão bem quanto os homens por não se ruma tarefa associada à natureza das mulheres (e bem, os estudos de gênero vem comprovando que o comportamento social dos sexos não é determinado pelos sexos, são papeis sociais construídos ao longo do tempo e que, portanto, podem ser modificados); 2) Ainda que tenham enfrentado esses problemas para o ingresso na TI, as mulheres enfrentam problemas de permanência nesse setor. Problemas que dizem respeito não apenas a esse primeiro problema (associação entre masculinidade e tecnologia, ao preconceito que o seu interesse pelo setor gera e aos assédios moral e sexual), mas também às dinâmicas sociais de gênero relacionadas à organização empresarial do setor e à organização do trabalho em si. Explico. Um estudo feito pela SOFTEX e publicado em 2009 mostra que a maior concentração das empresas do setor está nas atividades de desenvolvimento de software sob encomenda (41,6%) e de processamento de dados (32%), cujo modelo de negócios é focado na prestação de serviços. O desenvolvimento e edição de software pronto para uso, cujo foco é na produção, não no serviço, correspondia a 3,2% do total da IBSS. Ou seja, mais de 90% do setor é focado na prestação de serviços, o que cria uma dinâmica de faturamento

6 por projetos e por conquista de novos clientes. O atendimento a diversos clientes faz parte da rotina dos profissionais do setor, com deslocamentos constantes internos e externos às cidades na qual se situa a sede de sua empresa. Além disso, como as empresas vivem de projetos, é preciso acumulá-los, fazer um em seguida do outro e, muitas vezes, de maneira concomitante para não perder clientes. Essa dinâmica gera excesso de trabalho (as jornadas correspondem de 10 a 12 horas diárias) e trabalho extra em períodos noturnos, finais de semana e feriados (no fechamento do projeto e no teste do software, o que ocorre, em média, a cada 3 meses, os profissionais chegam a trabalhar 72 horas seguidas). Isso tem consequências e gera um viés de gênero: 1) A mobilidade excessiva passa a se tornar um problema para as mulheres que querem se tornar ou se tornam mães. Elas, de uma maneira geral diziam que não poderiam ser mães atuando em TI. Esse foi um discurso de quase 100% das mulheres entrevistadas. 2) O trabalho em horas desreguladas não permite à elas participar da rotina de seus filhos, o que causa frustração e, muitas vezes, leva ao abandono da carreira ou a criação de estratégias; 3) Uma dessas estratégias é a prática do Home Office como mecanismo para conciliar trabalho e família. No entanto, nenhuma elogiava a prática quando pensavam apenas em suas carreiras. Algumas delas o usaram de maneira ativa para cuidar dos filhos, pedindo demissão de seus trabalhos e se colocando em cargos menos prestigiados e com menor remuneração para ficar perto dos filhos em idade pequena. Elas se queixavam da falta de limites existente entre o trabalho produtivo e reprodutivo, do excesso de trabalho que se autocolocavam para atingir as metas diárias, posto que seu trabalho se tornava menos produtivo com a porosidade ampliada pela confusão com as tarefas doméstica. Em uma das histórias, a mulher trabalhava de madrugada e dormia cerca de 4 horas por dia, porque só conseguia trabalhar quando seu bebê estava dormindo. Claro que estou falando de dificuldades de permanência que ocorrem para mulheres que querem se tornar mães e se tornam mães em relações conjugais com papeis tradicionais de gênero. Claro que estou falando de dificuldades de mulheres permanecerem e terem uma carreira de sucesso em um Estado em que não há oferta pública de creches suficiente para contemplar todas

7 as crianças, muito menos em horários diversificados. Mas o que gostaria de chamar a atenção nesta apresentação é que as dinâmicas sociais de gênero acabam gerando essa desigualdade de acesso, permanência e construção de carreira em setores em que os horários são desregulados, há exigência de mobilidade e a oferta de Home Office ainda é restrita e socialmente desvalorizada. Nesse sentido que entendo que algumas políticas de Estado pontuais poderiam ajudar a resolver o problema das mulheres em TI. Seriam elas: Currículos escolares com discplinas neutras para o gênero; Sensibilização de professores e professoras para as dinâmicas sociais de gênero e seus mecanismos de criação de desigualdades; Sensibilização de empresas para a questão de gênero; Promoção de políticas de licença parental para mulheres e homens; Fortalecimento de políticas sociais para o cuidado de crianças (mais creches em mais horários); Fortalecimento de mecanismos de fiscalização das Leis Trabalhistas, em especial à obediência do limite de horas semanais trabalhadas. Poderia ter dado mais detalhes sobre os diversos tópicos aqui apresentados, mas quaisquer dúvidas, ali está meu e sigo acompanhando a Conferência ao longo da semana. Obrigada!